Acessibilidade / Reportar erro

A ciência no tempo das catástrofes: o caso da emergência da Ciência do Sistema Terra

Science in the time of catastrophes: the case of the emergency of the Earth System Science

Resumo

O presente artigo propõe uma revisão da historiografia sobre a constituição da Ciência do Sistema Terra (CST) de modo a extrair desse procedimento indícios sobre as condições de produção específicas que levaram essa comunidade a incorporar em seus textos elementos narrativos de caráter prescritivo. Para tanto, considera-se a autonomia relativa da CST diante da reestruturação neoliberal das relações globais de produção que impactaram a pragmática científica em geral a partir da década de 1970, bem como a reação dessa comunidade aos negacionismos científicos. Ao final, o artigo apresenta uma reflexão sobre como essas discussões podem ser incorporadas na historiografia de modo mais abrangente.

Palavras-chave:
Ciência do Sistema Terra; neoliberalismo; negacionismo

Abstract

This article proposes a review of the historiography on the constitution of Earth System Science (CST), in order to extract from this procedure evidence about the specific conditions of production that led this community to incorporate prescriptive narrative elements into their texts. To this end, the relative autonomy of the CST is considered in the face of the neoliberal restructuring of global relations of production that impacted scientific pragmatics in general from the 1970s onwards, as well as the reaction of this community to scientific denialism. At the end, the article presents a reflection on how these discussions can be incorporated in historiography in a more comprehensive way.

Keywords:
Earth System Science; neoliberalism; denialism

A emergência da Ciência do Sistema Terra (CST) tem sido tomada por muitos como uma virada paradigmática de amplo alcance (SCHELLNHUBER, 1999SCHELLNHUBER, Hans-Joachim. ‘Earth system’ analysis and the second Copernican revolution. Nature, v. 402, n. S6761, p. 19-23, 1999., HAMILTON; GRINEVALD, 2015HAMILTON, Clive; GRINEVALD, Jacques. Was the Anthropocene anticipated? The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 59-72, mar. 2015.; CHARBONNIER, 2017CHARBONNIER, Pierre. A genealogy of the Anthropocene: the end of risk and limits. Annales. Histoire, Sciences Sociales, v. 72, n. 2, p. 199-224, jun. 2017.; LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
a). Os seus principais feitos poderiam ser resumidos às descobertas de que:

1) a “zona crítica” que sustenta todas as formas de vida no planeta está sujeita a sistemas biofísicos globais interconectados entre si (STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (Orgs.). Global Change and the Earth System: A planet under pressure. [s.l.]: IGBP, 2001. (IGBP Science, 4).; PRONK, 2002PRONK, Jan. The Amsterdam declaration on global change. In: STEFFEN, Will et al (org.). Challenges of a Changing Earth. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002. p. 207-208. (Global Change - The IGBP Series). Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40 . Acesso em: 3 nov. 2021.
http://link.springer.com/10.1007/978-3-6...
; STEFFEN et al., 2004STEFFEN, Will et al. Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin: Springer, 2004. (Global change--the IGBP series). 348 p.; STEFFEN; CRUTZEN; MCNEILL, 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.; LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.; STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, v. 1, n. 1, p. 54-63, jan. 2020.);

2) esses sistemas complexos são extremamente sensíveis ao atual modelo global de produção e consumo (CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, n. 41, p. 17-18, 2000.; STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (Orgs.). Global Change and the Earth System: A planet under pressure. [s.l.]: IGBP, 2001. (IGBP Science, 4).; PRONK, 2002PRONK, Jan. The Amsterdam declaration on global change. In: STEFFEN, Will et al (org.). Challenges of a Changing Earth. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002. p. 207-208. (Global Change - The IGBP Series). Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40 . Acesso em: 3 nov. 2021.
http://link.springer.com/10.1007/978-3-6...
; CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, v. 415, n. 6867, p. 23-23, jan. 2002.; STEFFEN; CRUTZEN; MCNEILL, 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.; LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.);

3) essa sensibilidade se expressa em processos não lineares, de modo que a pressão exercida em apenas um dos diversos sistemas terrestres acarretará transformações abruptas, irreversíveis e em cascata, capazes de tornar o planeta inóspito para a espécie humana e para outras formas de vida (STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (Orgs.). Global Change and the Earth System: A planet under pressure. [s.l.]: IGBP, 2001. (IGBP Science, 4).; PRONK, 2002PRONK, Jan. The Amsterdam declaration on global change. In: STEFFEN, Will et al (org.). Challenges of a Changing Earth. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002. p. 207-208. (Global Change - The IGBP Series). Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40 . Acesso em: 3 nov. 2021.
http://link.springer.com/10.1007/978-3-6...
; STEFFEN et al., 2004STEFFEN, Will et al. Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin: Springer, 2004. (Global change--the IGBP series). 348 p.; LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.);

4) alguns desses “limites planetários” (planetary boundaries) já foram transgredidos e outros estão a ponto de sê-lo (ROCKSTRÖM et al., 2009ROCKSTRÖM, Johan et al. A safe operating space for humanity. Nature, v. 461, n. 7263, p. 472-475, set. 2009.; STEFFEN et al., 2015STEFFEN, Will et al. The trajectory of the Anthropocene: the great acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.a);

5) nós não estamos mais vivendo nas mesmas condições planetárias que permitiram a proliferação acelerada da espécie humana, isso é, no Holoceno, o qual deu lugar, com um alto grau de probabilidade, a uma nova “época” geológica que muitos(as) desejam chamar de “Antropoceno” (CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, n. 41, p. 17-18, 2000.; STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (Orgs.). Global Change and the Earth System: A planet under pressure. [s.l.]: IGBP, 2001. (IGBP Science, 4).; CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, v. 415, n. 6867, p. 23-23, jan. 2002.; STEFFEN et al., 2004STEFFEN, Will et al. Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin: Springer, 2004. (Global change--the IGBP series). 348 p.; STEFFEN; CRUTZEN; MCNEILL, 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.; ZALASIEWICZ et al., 2008ZALASIEWICZ, Jan et al. Are we now living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4, 2008.; ZALASIEWICZ et al., 2010ZALASIEWICZ, Jan et al. The new world of the Anthropocene. Environmental Science & Technology, v. 44, n. 7, p. 2228-2231, 2010.; STEFFEN et al., 2011STEFFEN, Will et al. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.; LEWIS; MASLIN, 2015aLEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. Defining the Anthropocene. Nature, v. 519, n. 7542, p. 171-180, mar. 2015a.; STEFFEN et al., 2015aSTEFFEN, Will et al. Planetary boundaries: guiding human development on a changing planet. Science, v. 347, n. 6223, 1259855, 2015a.; LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.; WATERS et al., 2016WATERS, Colin N. et al. The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, v. 351, n. 6269, aad2622, 2016.; ZALASIEWICZ et al., 2017ZALASIEWICZ, Jan et al. The Working Group on the Anthropocene: Summary of evidence and interim recommendations. Anthropocene, v. 19, p. 55-60, 2017.; ZALASIEWICZ et al., 2019ZALASIEWICZ, Jan et al (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: a guide to the scientific evidence and current debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em:< https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book> . Acesso em: 5 jan. 2022.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
).

As descobertas arroladas acima apontam para uma iminente catástrofe de proporções globais, a qual está diretamente associada ao tipo de relação predominante da “humanidade” com o “meio ambiente global”. O filme Don’t look up, lançado em 24 de dezembro de 2021 na plataforma Netflix, tentou capturar a angústia da comunidade científica diante da responsabilidade política gerada por uma descoberta em alguma medida análoga àquelas da CST: um meteoro estaria em rota de colisão com a Terra, mas o choque apocalíptico poderia ser evitado se as ações políticas necessárias fossem tomadas.1 1 Vários(as) cientistas do clima aproveitaram a grande projeção adquirida pelo filme para dar maior visibilidade aos seus apelos, algo que, em contrapartida, foi tomado pelo grupo Netflix como mais uma oportunidade de divulgação de seu produto (“´Don’t look up’ inspires powerful conversations about the climate crisis”, 1º de fevereiro de 2022. Disponível em: https://about.netflix.com/en/news/dont-look-up-inspires-powerful-conversations-about-the-climate-crisis. Acesso em: 11 fev. 2022). Fora das telas os(as) cientistas também se vêm instados a deixarem seus laboratórios para “levarem a verdade” até um público supostamente incauto e diariamente confundido por políticos(as) ignorantes, gananciosos(as) e corruptos(as).

Contudo, sem necessariamente negar a importância dos dados e modelos produzidos por essa nova perspectiva científica, uma série de trabalhos, especialmente no campo das humanidades, têm demonstrado uma grande desconfiança em relação às implicações normativas das narrativas produzidas pela CST. Em geral, argumentos como os de Andreas Malm e Alf Hornborg (2014MALM, Andreas; HORNBORG, Alf. The geology of mankind? A critique of the Anthropocene narrative. The Anthropocene Review, v. 1, n. 1, p. 62-69, 2014.), Jason Moore (2020MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Tradução de María José Castro Lage. Madrid: [S. n.], 2020. p. 201-227.), Christophe Bonneuil e Jean-Baptiste Fressoz (2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017. 320 p.), dentre outros(as), chamam a atenção para 1) como essas narrativas científicas operam com um conceito equivocadamente genérico de “humanidade”; 2) como elas propõem periodizações históricas há muito tempo questionadas pela historiografia; 3) como elas privilegiam uma imagem do planeta Terra como uma máquina cibernética global passível de gerenciamento; e 4) como elas propõem soluções tecnológicas para os desafios planetários sem questionarem os problemas estruturais do modo de vida capitalista e de sua perspectiva ontológica “naturalista” e antropocêntrica. No entanto, sem o devido cuidado, essas críticas podem transmitir uma falsa ideia de uniformidade no interior da CST.2 2 Em outro artigo, que será publicado em breve na revista História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, eu reavalio os principais argumentos dessas críticas à luz da revisão de uma extensa lista textos produzidos no campo da CST. Além disso, acredito que compreender o que levou essa comunidade a se pronunciar dessa maneira pode nos ajudar a entender melhor como as ciências humanas, em especial a historiografia, podem estabelecer um necessário diálogo com o campo da CST, considerando o caráter cada vez mais evidentemente planetário da agência humana.

Tendo em vista que a CST se constituiu como uma comunidade científica sobretudo a partir da década de 1970, este artigo apresenta, em primeiro lugar, alguns diagnósticos conhecidos sobre como a restruturação neoliberal dos últimos anos afetou a prática científica em um sentido mais abrangente. Depois disso, serão evidenciadas algumas particularidades da CST que não nos permitem reduzi-la a esse quadro mais geral. O primeiro aspecto a ser considerado são os ataques negacionistas sofridos pela ciência do clima, o que implicou na incorporação de elementos narrativos na produção da CST com o objetivo de autolegitimação e de prescrição política. De forma implícita, portanto, as narrativas da CST esboçam uma espécie de retorno às estratégias de enunciação científica que Jean-François Lyotard (2009LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 176 p.) caracteriza como “modernas” e que, segundo sua previsão, deveriam ter ficado no passado. Feita essa discussão, torna-se possível analisar de forma mais aprofundada as narrativas “auto-historiográficas” produzidas pela comunidade da CST, com o intuito de revisá-las a fim de compreender melhor o contexto de relativa autonomia em que têm se dado suas práticas. Isso nos permitirá apontar um motivo importante para que a CST não tenha se dissolvido em meio à prática científica neoliberal, a ponto de ela indicar, inclusive, os problemas estruturais das formas contemporâneas de consumo e desperdício energético. Por fim, a partir do que foi exposto, proponho uma reflexão sobre como a comunidade historiográfica poderia potencialmente se engajar em um diálogo mais produtivo com a CST.

A crise dos metarrelatos de legitimação da modernidade e a emergência de um modelo neoliberal de produção científica

Lyotard (2009LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 176 p.) identificou, no final da década de 1970, uma transformação substantiva na vida científica. Até então, era possível afirmar que os enunciados denotativos da ciência compunham, junto com os enunciados normativos da política, um mesmo projeto de sociedade. Esses dois tipos de relatos faziam parte de uma mesma metanarrativa do progresso. Era esse metarrelato que dava sentido ou legitimidade tanto à atividade política quanto à científica quando, no Ocidente, se consolidou a ordem burguesa em torno dos Estados nacionais.

Mas há nessa visão de mundo uma feição fundamentalmente individualista, como também o notaram Norbert Elias (1994ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador 1: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 264 p.) e Louis Dumont (1994DUMONT, Louis. German ideology: from France to Germany and back. Chicago: University of Chicago Press, 1994. 264 p.). O cientista representa aqui, portanto, um sujeito concreto, fruto da “Bildung” como a que foi imaginada pelo projeto humboldtiano, “[...] que consiste não somente na aquisição de conhecimentos pelos indivíduos, mas na formação de um sujeito plenamente legitimado do saber e da sociedade” (LYOTARD, 2009LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 176 p., p. 60). Isso significa que, se por um lado não existiria um conhecimento científico legítimo que não remetesse ao bem comum de um Estado cujo poder deveria emanar da vontade do povo, por outro lado essa mesma vontade estaria expressa diretamente na própria razão. A justiça social não poderia habitar outro lugar que não a positividade do conhecimento científico, pois justiça e razão nada mais seriam do que as duas faces de um mesmo projeto civilizatório. Se o governante deveria ser o porta-voz da vontade do povo legitimado pelo sufrágio, o cientista adquiria uma espécie de poder de veto por ser o porta-voz da própria ordem natural, legitimado por seus pares e dotado de autonomia e autoridade para recusar sua colaboração a governos considerados injustos (LYOTARD, 2009LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 176 p., p. 64-65). Latour (2019aLATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 4. ed. São Paulo: Editora 34, 2019a., 2019bLATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora Unesp, 2019b. 351 p.) também considera que foi essa “separação de poderes” que conferiu à modernidade o seu imenso poder de proliferação, até que a emergência descontrolada daquilo que ele chama de “híbridos” de natureza e cultura colocassem a “constituição moderna” diante de uma crise insuperável. A bomba atômica, que reaparecerá neste artigo, além do próprio clima, são exemplos de como essas coisas que antes eram objetificadas como “tecnologia” ou “natureza” agora se portam como agentes políticos a nos interrogar sobre os pressupostos do projeto moderno de sociedade.

Lyotard também percebe que essa equação teria se transformado profundamente. Para ele, no entanto, isso tem a ver com a emergência daquilo que ele chama de “pós-modernidade”, o que, para os fins deste artigo, pode ser tomado como o período de consolidação de uma ordem neoliberal.3 3 Lyotard relaciona o que ele chama de “pós-modernidade” diretamente ao período de “[...] redesdobramento do capitalismo liberal avançado após o seu recuo, sob a proteção do keynesianismo durante os anos 1930-1960” (LYOTARD, 2009, p. 69). Em Jamais formos modernos (2019a [1994]), Latour desqualifica as críticas ditas “pós-modernas” à modernidade. Isso se deve ao fato de que elas continuariam se amparando em uma perspectiva semiótica e, portanto, seriam incapazes de atacar o problema ontológico fundamental da modernidade, uma vez que a linguagem continuaria sendo o refúgio inexpugnável do antropocentrismo. A isso Latour contrapõe uma “ontologia plana”, expressa, por exemplo, em associações de humanos e não humanos em coletivos que não obedecem, a priori, a nenhum tipo de metafísica. Philip Mirowski (2017) sugere, no entanto, que a não tematização do neoliberalismo nos escritos de Latour indica uma filiação não confessada deste último aos ideais neoliberais. A vinculação entre pensamento econômico neoclássico e os pressupostos teóricos dos Science and Technology Studies (STS), conforme proposto por Mirowski, ainda será abordada de maneira mais detida nesta mesma seção. Quando escreve A condição pós-moderna, em 1979, o filósofo identifica uma crise do metarrelato de legitimação que unia os enunciados denotativos científicos aos enunciados prescritivos políticos em um só projeto civilizacional - isso é, aquele do liberalismo burguês, do capital, mas, também poderíamos acrescentar, do patriarcado, da branquitude ou da colonialidade do poder. Concorreriam para essa crise aspectos como a grande ampliação dos domínios da técnica e da tecnologia, um certo ceticismo em relação ao conhecimento positivo e uma quebra da hierarquia epistemológica que ia do discurso especulativo aos campos mais aplicados do conhecimento, uma vez que se tornou difícil conciliar o caráter pré-científico dos discursos de legitimação da ciência (isso é, os ideais de civilização e progresso) aos critérios de verificação (século XIX) e falsificação (século XX) que ela deveria observar.

Isso não significa, no entanto, o enfraquecimento desse sistema de dominação. Trata-se, pelo contrário, de uma transformação substantiva que permite um incremento da produção de mais valia por meio da otimização das performances no campo científico. Diante disso, a ciência passaria a jogar um jogo linguístico denotativo de forma cada vez mais independente daquele metarrelato de legitimação, vendo-se privada de produzir enunciados prescritivos e se fragmentando em campos disciplinares cada vez mais autorreferenciados. Em outras palavras, é como se os(as) cientistas se vissem impelidos a cuidar, cada vez mais, dos “quebra-cabeças” particulares de domínios científicos fragmentados e cada vez mais herméticos e, com isso, passassem a se preocupar mais com o seu desempenho quanto à produção de provas - especialmente se elas estiverem vinculadas a tecnologias voltadas para a potencialização do lucro, o que lhes traria recompensas financeiras mais imediatas e substantivas -, e menos com os problemas mais gerais atrelados à verdade e à justiça para a humanidade como um todo.

Essa nova pragmática do conhecimento científico não se dissociou, portanto, das formas mais recentes de acumulação capitalista. Na verdade, a atual produção de fatos científicos é impensável sem um desenvolvimento técnico e tecnológico, o qual, por sua vez, é totalmente dependente do capital financeiro, algo que também foi verificado por Latour e Steve Woolgar (1997LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1997. 310 p.) no trabalho de campo que desenvolveram junto ao prestigiado laboratório do Instituto Salk. O desenvolvimento técnico e tecnológico necessário à produção de provas se torna, portanto, dependente de um sistema de otimização das performances diretamente atrelado ao incremento da obtenção de mais valia. O metarrelato de legitimação em vigência passa a ter um caráter de discurso lógico, conformado por uma axiomática consensual definida por sua eficácia de produção de provas em um momento em que elas são cada vez mais difíceis de serem administradas. Para alcançar esses fins, os laboratórios passam então a ser regidos pelas normas de organização empresarial em um ambiente pautado cada vez mais pela competição e pela busca da eficiência. Segundo Steven Shapin, “[...] a cultura da auditoria impôs os padrões do mercado neoliberal à avaliação da investigação acadêmica, oferecendo um sinal adicional de que a ciência pertence ao mercado, guia-se pelas preocupações do mercado e é avaliada pelos seus critérios” (SHAPIN, 2020SHAPIN, Steven. É verdade que estamos vivendo uma Crise da Verdade? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro. v. 13, n. 2, p. 308-319, jul./dez. 2020., p. 316). A finalidade última da prática científica deixa de ser a realização do destino coletivo na nação ou no Estado e se volta mais diretamente para a aceleração competitiva por formas de inovação atreladas ao lucro. Para Rodrigo Turin, trata-se de uma dissolução da autonomia da ciência, assim como da arte e de outros domínios da modernidade clássica, a partir do momento em que ela se subsome ao neoliberalismo: “[...] ou eles se acomodam e assim se transformam de acordo com o novo éthos concorrencial, flexível, inovador, eficiente, produtivista; ou então são completamente esvaziados de sentido, vindo a serem apagados da ordem institucional” (TURIN, 2019TURIN, Rodrigo. Tempos precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. [S. l.]: Zazie Edições, 2019., p. 35).

Esse novo regime de produção do conhecimento científico também foi verificado por Philip Mirowski em estudos mais recentes. Ele também nota sintomas muito semelhantes àqueles que Lyotard percebeu ganhar espaço na produção científica da segunda metade do século XX: uma defesa da liberdade da ciência em relação às ideologias dos governos, uma transformação de cima para baixo da sua organização, o financiamento sob o signo da privatização e um tratamento acrítico da informação como commodity, entre outros aspectos (MIROWSKI, 2004MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004. 472 p., p. 8). No entanto, Mirowski inova ao demonstrar que todas essas transformações têm se processado com uma impressionante conivência da própria filosofia das ciências, ela mesma profundamente influenciada pelos pressupostos da economia neoclássica. Segundo o historiador, “[...] a marca distintiva da tradição neoclássica é buscar as leis atemporais, abstratas e fundamentais do comportamento econômico, independentemente das idiossincrasias culturais, geográficas e estruturais da interação humana” (MIROWSKI, 2004MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004. 472 p., p. 10, tradução livre). A esse respeito, as ligações entre Karl Popper e Friedrich Hayek e a Sociedade Mont Pelèrin talvez sejam mais conhecidas (MIROWSKI, 2004MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004. 472 p., p. 14). Mirowski, no entanto, aponta a influência do pensamento econômico neoclássico na obra de outros filósofos da ciência largamente referenciados pela comunidade acadêmica. A ideia de “ciência normal” apresentada por Thomas Khun, por exemplo, teria tido um papel importante para sustentar o financiamento científico no auge das “pesquisas operacionais” (operations research), que ocuparam um lugar fundamental na geopolítica estadunidense durante a Guerra Fria e nas quais o próprio Khun esteve diretamente engajado (MIROWSKI, 2004MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004. 472 p., p. 16). A ideia de “revolução” paradigmática teve adesão de amplos setores da academia nos contestatórios anos de 1960, mas, como teria pontuado o próprio filósofo Paul Feyerabend, as ideias de Khun atuaram como uma engenhosa forma de legitimar a manutenção do status quo científico (a “ciência normal”), garantindo a sua leniência para com o sistema de poder vigente sob o pretexto da autonomia em busca de “anomalias” científicas.

Ao debater mais recentemente o problema do negacionismo ou da “pós-verdade”, Mirowski encontra evidências do pensamento neoliberal no interior dos próprios estudos de ciência e tecnologia (STS, na sigla em inglês).4 4 Algo esperado se considerarmos que “não importa se na educação, na ciência, na saúde ou na segurança pública um mesmo éthos é incorporado, promovendo uma espiral de aceleração de performance e uma responsabilização individualizada” (TURIN, 2019, p. 41). Depois da “Guerra das Ciências” da década de 1990, em que a crítica construtivista à prática científica foi acusada de se opor aos ideais de verdade, Mirowski (2020MIROWSKI, Philip. Democracy, expertise and the Post-Truth Era: an inquiry into the contemporary politics of STS. Indiana University: [S. n.], 2020. Disponível em:< https://www.academia.edu/42682483/Democracy_Expertise_and_the_Post_Truth_Era_An_Inquiry_into_the_Contemporary_Politics_of_STS> . Acesso em: 14 fev. 2022.
https://www.academia.edu/42682483/Democr...
) identifica uma divisão no interior dos STS entre duas tradições: uma que afirma a necessidade de autonomia dos experts, mas que retoma de certa forma o ceticismo de Walter Lipmann em relação à capacidade epistêmica do cidadão médio (os Diggers); na direção oposta, um outro grupo propõe formas mais democráticas de participação no processo científico (os Levellers), filiando-se, portanto, a uma tradição de pensamento inaugurada por John Dewey.5 5 Diggers e Levellers são duas facções políticas distintas, de viés que hoje poderíamos associar aos ideais socialistas, que emergiram da Guerra Civil Inglesa (1642-46; 1647-48). Vozes importantes nos debates relacionados ao combate ao negacionismo climático são incluídas nessas duas correntes, a exemplo de Latour e Steven Shapin, entre os Levellers, e Naomi Oreskes e Paul Edwards, entre os Diggers. Para Mirowski, as tradições de pensamento político às quais esses intelectuais se filiariam, especialmente no que diz respeito às relações entre ciência e democracia, não tomariam os pressupostos liberais de organização social como um problema, não identificando, portanto, o neoliberalismo como a causa última da crise de credibilidade na ciência contemporânea. Diante dessa constatação, este artigo procura levar em conta essa reestruturação neoliberal da produção de conhecimento científico na avaliação que faz dos enunciados historiográficos da CST, a começar pelas suas reações narrativas à máquina de guerra negacionista mobilizada para a defesa de poderosos interesses financeiros do presente.

Negacionismo climático

Uma das características fundamentais da “epistemologia neoliberal” é aquela que afirma que o mercado é uma espécie de inteligência transcendente, portanto superior, a qualquer perito ou parte interessada em termos de concepções de organização da sociedade. Em outras palavras, o mercado seria tomado como “o grande profilático para a tolice humana” (MIROWSKI, 2020MIROWSKI, Philip. Democracy, expertise and the Post-Truth Era: an inquiry into the contemporary politics of STS. Indiana University: [S. n.], 2020. Disponível em:< https://www.academia.edu/42682483/Democracy_Expertise_and_the_Post_Truth_Era_An_Inquiry_into_the_Contemporary_Politics_of_STS> . Acesso em: 14 fev. 2022.
https://www.academia.edu/42682483/Democr...
, p. 11, tradução livre). Isso explica o apoio do empresariado e de especuladores ao conjunto de políticas antidemocráticas e destrutivas que, no entanto, são incentivadas pelos indicadores positivos das bolsas de valores, ainda que isso contradiga os alarmes emitidos pela comunidade científica, por mais óbvios que eles possam parecer para uma comunidade minimamente instruída. As ações concertadas da atual onda de negacionismo, seja ele climático ou vacinal, nada mais são, partindo desse argumento, do que um conjunto de ações orientadas pelas previsões/prescrições que os economistas neoliberais apresentam, a partir de sua leitura supostamente privilegiada do mercado, para aqueles que depositam sua fé (e suas finanças) nessa grande aposta. Ao mesmo tempo em que ataca o consenso científico, a perspectiva neoliberal eleva a economia, de maneira paradoxal, portanto, à posição de uma ciência que seria, ao mesmo tempo, produtora privilegiada de enunciados denotativos e prescritivos.

O negacionismo é, desse modo, um desdobramento dessa epistemologia neoliberal se considerarmos que um dos seus aspectos mais importantes é a tentativa de desqualificar o consenso estabelecido entre experts quando este se contrapõe a interesses de grupos que se vêm como vítimas de um ataque às suas “liberdades individuais”. Desde que não se perca de vista essa dimensão neoliberal do problema, é preciso reconhecer que tanto a corrente “Digger” quanto a “Leveller” têm oferecido evidências importantes sobre o impacto do negacionismo na ciência, em especial na ciência do clima. A seguir veremos como algumas de suas proposições podem nos ajudar a compreender o tom específico adotado pelas narrativas da CST nas discussões sobre o Antropoceno.

A perspectiva Digger

Naomi Oreskes e Eric Conway publicaram, em 2010, um trabalho que se tornou uma das principais referências sobre o tema. O livro mostra que, nos Estados Unidos, o negacionismo científico é uma estratégia já antiga, baseada em aparições midiáticas orientadas para confundir a opinião pública em relação a diversos produtos nocivos da atividade industrial, a exemplo do tabaco, do DDT, das emissões de CFC e de poluentes que provocam a chuva ácida, além, obviamente, do aquecimento global, que já era conhecido pelo governo estadunidense desde a década de 1960 (ORESKES; CONWAY, 2019ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to climate change. New York: Bloomsbury Publishing, 2019. 355 p., p. 170). A estratégia preferida foi se aproveitar do espaço concedido aos negacionistas pela imprensa, sempre ciosa de “ouvir os dois lados”, especialmente quando um deles denuncia as práticas de seus anunciantes. Enquanto a opinião pública não acredita que há evidências científicas suficientes para orientar uma mudança de curso nas ações individuais e coletivas, os governos se sentem confortáveis em não fazerem nada, não desagradando assim aos grupos que os sustentam no poder. Aproveitando-se do prestígio acadêmico acumulado com os altos investimentos em pesquisa realizados durante a Guerra Fria, cientistas renomados, porém imbuídos de uma “fé fundamentalista no mercado”, os quais os autores alcunham de “mercadores da dúvida”, venderam seus serviços a empresas e think tanks, conforme Oreskes e Conway comprovam a partir de vasta pesquisa documental.6 6 Pode soar contraditório o fato de Mirowski situar Oreskes no interior de uma corrente que remonta a Walter Lipmann (que também foi uma das principais inspirações da Sociedade Mont Pelèrin, ainda que tenha posteriormente se desvinculado do grupo), uma vez que ela aponta o fundamentalismo de mercado como o principal culpado das mobilizações negacionistas. Mirowski, no entanto, “[...] deseja propor que a relutância em explorar as profundezas do projeto neoliberal acaba prejudicando a sua própria cruzada” (MIROWSKI, 2020, p. 32, tradução livre). Depreende-se assim da argumentação de Mirowski que Oreskes também não teria conseguido se desvencilhar dos pressupostos neoclássicos que teriam contaminado os fundamentos de sua própria perspectiva epistemológica. Além de semearem dúvidas em terrenos férteis, esses cientistas incorporaram ao seu negócio o ataque público à reputação de profissionais que nunca tiveram que defender seus trabalhos e suas biografias em uma arena que não fosse a acadêmica.

Também motivado pelo negacionismo climático, Paul Edwards publicou, no mesmo ano, o livro A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming (2010). De acordo com esse historiador, as discussões sobre o clima viajam do território da ciência especializada, onde conquistam um alto grau de consenso, até se diluírem no ponto em que ela alcança a total visibilidade pública, espaço em que os(as) “[...] cientistas não podem mais controlar as interpretações completamente” (EDWARDS, 2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p., p. 398, tradução livre). O negacionismo climático se tornaria ainda mais surpreendente quando consideramos a existência do International Panel on Climate Change (IPCC), cujos relatórios passam, segundo ele, “[...] por um escrutínio maior que qualquer outro documento na história da ciência” (EDWARDS, 2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p., p. 399, tradução livre).7 7 O IPCC foi estabelecido em 1988 como uma agência intergovernamental subordinada à World Meteorological Organization e ao United Nations Environment Programme, contando atualmente com a participação de 195 Estados membros. Encarregada de revisar e sistematizar o imenso conhecimento científico produzido sobre o clima global com o intuito de orientar políticas intergovernamentais a esse respeito, o IPCC tem como objetivo representar de forma transparente o amplo espectro de opiniões científicas confiáveis sobre o assunto, bem como de identificar os impactos climáticos das atividades humanas, apresentando os dissensos que porventura venham a aparecer sobre um determinado tema. Além disso, o IPCC conta com um corpo híbrido e autogerido de cientistas e políticos, configurando-se como “[...] a espinha dorsal da infraestrutura de conhecimento climático de hoje” (EDWARDS, 2010, p. 398, tradução livre). Ao ser publicizado, no entanto, o conhecimento sistematizado pelo IPCC atinge diretamente o negócio de grandes corporações ou aparatos estatais dependentes da exploração de combustíveis fósseis ou de outras atividades emissoras de gases de efeito estufa (a exemplo do agronegócio brasileiro).

Nesse ponto, Edwards chega a conclusões muito semelhantes às de Oreskes e Conway. O historiador também identifica o patrocínio de corporações a cientistas que, se no geral possuem carreiras respeitáveis, por outro apresentam pouca familiaridade com as transformações epistemológicas pelas quais a ciência do clima passou nas últimas décadas. Ou seja, esses cientistas ou demandam dados conclusivos ou afirmam que as teorias e modelos da ciência do clima ditam a aceitação de seus argumentos com base em evidências parciais ou provisórias. No entanto, de acordo com Edwards, não é possível falarmos em dados brutos, em geral, que sejam compreensíveis sem modelos matemáticos que permitam a sua interpretação. Na CST, os modelos passam a ocupar o lugar dos experimentos laboratoriais, uma vez que não é possível prever o comportamento de sistemas que se estendem globalmente, no espaço, e por centenas ou milhares de anos, no tempo, sem o apoio de simulações baseadas em algoritmos.

Assim como Oreskes e Conway, Edwards percebe que tudo isso se perde de vista quando, por exemplo, o tema é debatido na imprensa. A ciência do clima se ampara em uma rede infraestrutural construída ao longo de mais de um século, constantemente aumentada e revisada para o fornecimento de informações confiáveis e utilizáveis por diferentes disciplinas. No entanto, por treinamento profissional ou por pressão do mercado, os veículos jornalísticos optam por fornecer relatos “balanceados”, apoiando-se na ideia de que os profissionais da imprensa não dispõem da expertise necessária para julgar a credibilidade de cientistas. Além disso, as controvérsias possuem muito mais “valor de notícia” do que o seu contrário - e isso fica hoje ainda mais claro quando se trata de produção de engajamento em redes sociais. As conclusões de Edwards de fato evidenciam a sua perspectiva “Digger”: a imprensa daria um espaço desproporcional para posicionamentos minoritários, fazendo com o que público não consiga perceber o consenso que efetivamente se estabelece no meio científico graças à autonomia de suas práticas especializadas.

Para os(as) cientistas que vivenciaram diretamente os ataques negacionistas, tudo isso tem sido percebido como uma verdadeira guerra. Essa é a impressão de Michael Mann, o autor principal do artigo de paleoclimatologia que apresentou de maneira muito convincente as causas humanas do aquecimento global do presente (celebrizado no gráfico que ficou conhecido por sua curva em forma de “bastão de hóquei”). Para ele, a situação piorou bastante nos últimos anos:

[...] a negação total da evidência física da mudança climática simplesmente não é mais crível. Então, eles passam para uma forma mais suave de negação, mantendo o petróleo fluindo e os combustíveis fósseis queimando, engajando-se em uma ofensiva multifacetada baseada no engano, na distração e no atraso. Esta é a nova guerra climática, e o planeta está perdendo (MANN, 2021MANN, Michael E. The new climate war: the fight to take back our planet. New York: PublicAffairs, 2021. 368 p., p. 3, tradução livre).

Segundo Edwards, que escreveu seu livro em 2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p., ou seja, antes da explosão do uso de ferramentas algorítmicas de produção de fake news na internet, o fenômeno do negacionismo climático foi mais influente nos Estados Unidos, possuindo menos importância nos países europeus. No caso dos “países em desenvolvimento”, uma ideia que se popularizou foi a de que o aquecimento global é um complô dos países ricos para impedir o desenvolvimento das nações mais pobres (EDWARDS, 2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p., p. 411).

Mann é um exemplo, portanto, de uma postura cada vez mais comum entre cientistas do Sistema Terra que se aventuram a se posicionar politicamente como reação aos ataques negacionistas. Isso também pode ser visto em diversos artigos célebres sobre o Antropoceno com propostas cada vez mais evidentes de governança global, sejam elas voltadas para soluções de geoengenharia (SCHELLNHUBER, 1999SCHELLNHUBER, Hans-Joachim. ‘Earth system’ analysis and the second Copernican revolution. Nature, v. 402, n. S6761, p. 19-23, 1999.; CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, n. 41, p. 17-18, 2000.; CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, v. 415, n. 6867, p. 23-23, jan. 2002.); para a criação de instituições internacionais capazes de contornar as barreiras legais e geopolíticas relacionadas a essas formas de governança global (STEFFEN; TYSON, 2001STEFFEN, Will; TYSON, Peter (Orgs.). Global Change and the Earth System: A planet under pressure. [s.l.]: IGBP, 2001. (IGBP Science, 4).; PRONK, 2002PRONK, Jan. The Amsterdam declaration on global change. In: STEFFEN, Will et al (org.). Challenges of a Changing Earth. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002. p. 207-208. (Global Change - The IGBP Series). Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40 . Acesso em: 3 nov. 2021.
http://link.springer.com/10.1007/978-3-6...
; STEFFEN; CRUTZEN; MCNEILL, 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.; ICSU-IGFA, 2008ICSU-IGFA. Review of the Earth System Science Partnership (ESSP). [s.l.: s.n.], 2008.; LEEMANS et al., 2009LEEMANS, Rik; ASRAR, Ghassem; BUSALACCHI, Antonio; et al. Developing a common strategy for integrative global environmental change research and outreach: the Earth System Science Partnership (ESSP). Current Opinion in Environmental Sustainability, v. 1, n. 1, p. 4-13, 2009.; BIERMANN, 2010BIERMANN, Frank; BETSILL, Michele M; VIEIRA, Susana Camargo; et al. Navigating the anthropocene: the Earth System Governance Project strategy paper. Current Opinion in Environmental Sustainability, v. 2, n. 3, p. 202-208, 2010.; FUTURE EARTH, 2013FUTURE EARTH. Future earth initial design: report of the transition team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013. 51 p.; BIERMANN, 2014BIERMANN, Frank. The Anthropocene: A governance perspective. TheAnthropocene Review, v. 1, n. 1, p. 57-61, 2014. ; STEFFEN et al., 2015bSTEFFEN, Will et al. The trajectory of the Anthropocene: the great acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.; DONGES et al., 2017DONGES, Jonathan F; WINKELMANN, Ricarda; LUCHT, Wolfgang; et al. Closing the loop: Reconnecting human dynamics to Earth System science. The Anthropocene Review, v. 4, n. 2, p. 151-157, 2017.; THORNTON et al., 2017THORNTON, Peter E.; CALVIN, Katherine; JONES, Andrew D.; et al. Biospheric feedback effects in a synchronously coupled model of human and Earth systems. Nature Climate Change, v. 7, n. 7, p. 496-500, 2017.); para o estabelecimento de “limites planetários” como referência para a ação política (ROCKSTRÖM et al., 2009ROCKSTRÖM, Johan et al. A safe operating space for humanity. Nature, v. 461, n. 7263, p. 472-475, set. 2009.; STEFFEN et al., 2011STEFFEN, Will et al. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.; STEFFEN et al., 2015aSTEFFEN, Will et al. Planetary boundaries: guiding human development on a changing planet. Science, v. 347, n. 6223, 1259855, 2015a.); e para a aplicação da ideia de “pontos de não retorno” (tipping points) a sistemas sociais, objetificando assim o comportamento humano como instrumento de tutela planetária (LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.; OTTO et al., 2020OTTO, Ilona M.; DONGES, Jonathan F.; CREMADES, Roger; et al. Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 117, n. 5, p. 2354-2365, 2020.).

A perspectiva Leveller

Já do ponto de vista da perspectiva “Leveller”, não bastaria investir em uma narrativa de “mocinhos” contra “bandidos”, pois seria justamente o distanciamento da ciência em relação à vida dos cidadãos comuns que abriria caminho para o sucesso midiático dos negacionismos. Aqui trata-se de enfatizar, de maneira geral, a importância do papel ativo das partes interessadas na produção do conhecimento científico, e não apenas a seriedade do trabalho executado no interior das comunidades científicas.

Steven Shapin, por exemplo, afirma que “[...] o problema com que estamos lidando é mais bem descrito não como falta de ciência na cultura pública, mas como excesso” (SHAPIN, 2020SHAPIN, Steven. É verdade que estamos vivendo uma Crise da Verdade? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro. v. 13, n. 2, p. 308-319, jul./dez. 2020., p. 313). Com efeito, não parece que estejamos passando por uma “crise da ciência”, pois a principal estratégia negacionista tem sido, como vimos nos trabalhos de Oreskes, Conway e Edwards, atacar a legitimidade daquilo que a ciência estabelecida defende ser um consenso, e não a ciência em si. E isso é algo que ocorre apenas em relação a “assuntos de interesse” (matters of concern) específicos, como a ciência do clima, das vacinas e da evolução das espécies, por exemplo. No geral, as instituições científicas continuam gozando de uma alta credibilidade. Para Shapin, portanto, não se justificariam os lamentos relacionados à falta de divulgação científica, até porque seria impossível para qualquer pessoa acessar todas as “caixas-pretas” que conduzem às diferentes formas de consenso científico.

O problema não estaria, então, na fraqueza das instituições científicas, mas, pelo contrário, na sua própria força. O sucesso de diversas comunidades científicas no que diz respeito à institucionalização de suas práticas junto a órgãos governamentais e ao mercado abriu a possibilidade de que cidadãos comuns desenvolvessem, pelo contrário, uma percepção bastante complexa da produção científica, diferente daquela que é divulgada nos livros didáticos como “ciência acabada”. Por perceberem que o conhecimento científico também é sujeito a interesses individuais ou corporativos é que as pessoas comuns passaram a se questionar sobre determinadas prescrições comportamentais que se contrapõem àquilo que consideram ser suas liberdades individuais. A questão ainda não resolvida que se coloca é, portanto, como desenvolver um tipo de “conhecimento social” (SHAPIN, 2020SHAPIN, Steven. É verdade que estamos vivendo uma Crise da Verdade? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro. v. 13, n. 2, p. 308-319, jul./dez. 2020., p. 314) que permita ao cidadão médio identificar uma boa prática científica sem cair na sedução de teorias conspiracionistas. Afinal, como confiar em uma comunidade científica cuja institucionalização se deu, como veremos adiante neste artigo, no interior de um “complexo militar-industrial-acadêmico” diretamente instrumentalizado pelo governo estadunidense durante a Guerra Fria? O caráter muitas vezes corporativista dessas comunidades científicas e os processos não autoevidentes de constituição dos consensos científicos também não contribuem para uma melhora da credibilidade dos enunciados atacados pela máquina negacionista. Como vimos acima, parte significativa dos enunciados normativos da CST apontam para soluções antidemocráticas de governança global, e, como sugere Shapin, não será dessa forma que será resolvido o problema da credibilidade de suas narrativas. O historiador estadunidense não acredita, no entanto, que haja uma solução fácil para o problema, o que não significa que ele possa simplesmente ser descartado, algo que significaria um retorno desastroso e insustentável da ciência à “torre de marfim” responsável pela sua atual crise de credibilidade.

Bruno Latour, que, segundo Mirowski, também pode ser incluído entre os “Levellers”, tem igualmente se dedicado ao tema do negacionismo. Em Diante de gaia (2020a), ele enxerga um lado positivo na “pseudocontrovérsia” sobre o clima: ela permitiu mostrar que não era mais possível invocar o “mundo natural” para pôr fim em uma discussão política, algo que, como argumentei anteriormente, seria a própria forma de funcionamento do metarrelato de legitimação da modernidade. Ao perceberem a carga normativa dos enunciados denotativos da ciência climática, os seus opositores não hesitaram em investir justamente em uma espécie de contraprescrição, só que amparados em um poder econômico e midiático jamais disponível aos(às) cientistas (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
a, p. 53). Mas o ponto que faria a diferença nessa guerra seria, para Latour, o reconhecimento de que os(as) cientistas também fazem política. Se para ele não existe algo como aquilo que chamamos de “sociedade”, mas apenas coletivos de humanos e não humanos em suas distintas formas de associação (LATOUR, 2012LATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo/Rio de Janeiro: Ubu Editora/Ateliê Editorial, 2020a. 480 p.), então os(as) climatologistas fazem política pelo fato de serem porta-vozes de actantes destituídos de voz própria (o clima em sua longa história, por exemplo), com a diferença de que o fazem amparados naquela “vasta máquina” apresentada por Edwards (LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo/Rio de Janeiro: Ubu Editora/Ateliê Editorial, 2020a. 480 p., p. 61). A melhor forma de combater o negacionismo seria, portanto, levar ao conhecimento do público os arranjos sociais (entre humanos e não humanos) que garantem a credibilidade do conhecimento científico em questão. Essa abertura também permitiria perceber a instabilidade do próprio conceito de “natureza”, criando, assim, a possibilidade de composição de outros mundos para além de um mero retorno ao projeto moderno.

Já em Onde aterrar? (2020b), Latour apresenta uma interessante teoria sobre o negacionismo: para ele “[...] tudo ocorre como se uma parte importante das classes dirigentes (que hoje, de modo um tanto vago, chamamos de ‘elites’) tivesse chegado à conclusão de que não há mais lugar suficiente na terra para elas e para o resto de seus habitantes” (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
b, p. 8). Por isso a questão climática e sua denegação estariam no centro da “geopolítica” do “Novo Regime Climático”. Se não tomarmos consciência deste último, afirma Latour,

[...] não podemos compreender nem a explosão das desigualdades, nem a amplitude das desregulamentações, nem a crítica da globalização e nem, sobretudo, o desejo desesperado de regressar às velhas proteções do Estado nacional - o que se costuma chamar, um tanto erroneamente, de ‘ascensão do populismo (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
b, p. 9).

Conhecendo muito bem os avisos emitidos pela CST desde a sua constituição na década de 1970, a opção das elites teria sido, conscientemente, continuar apostando em sua sanha extrativa na esperança de que pudesse, quando necessário, pagar pelos botes salva-vidas que lhes permitiriam escapar do planeta (daí os empreendimentos espaciais como os de Elon Musk, Jeff Bezos e Richard Branson). Portanto, segundo Latour, essas “elites obscurantistas” sabiam das consequências de seus atos, mas mesmo assim decidiram não pagar pelo que fizeram ao planeta, ao mesmo tempo em que negam a sua culpa enquanto isso for possível, de modo que

[...] são essas duas decisões que permitem relacionar: 1) aquilo que, desde os anos 1980, chamamos de “desregulação” ou “desmantelamento do Estado-providência”; 2) aquilo que é conhecido desde os anos 2000 como “negacionismo climático”; e sobretudo 3) a extensão vertiginosa das desigualdades que testemunhamos há quarenta anos (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
b, p. 22).

A forma de frear esses crimes seria que as pessoas comuns, já pré-dispostas a desconfiar de tudo, tivessem à disposição, e de forma sólida, os “fatos” sobre o aquecimento global, isto é, o conhecimento sobre os processos que permitiram aos cientistas do clima estabilizarem seus enunciados após complexas negociações entre os humanos e os não humanos que compõem os seus “coletivos”. Mas um outro crime se seguiu aos primeiros: o investimento de bilhões de dólares na desinformação para esconder a mutação do clima. Mais do que se configurar como apenas um problema específico, as pessoas precisariam então ainda se dar conta de que “[...] o negacionismo climático organiza toda a política do tempo presente” (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
b, p. 28).

Por mais que sejam válidos os reparos de Mirowski quanto à insuficiência desses escritos no que diz respeito à crítica do neoliberalismo em suas relações com os negacionismos (também uma forma de negacionismo?), tanto a perspectiva “Digger” quanto a “Leveller” trazem elementos importantes para a compreensão das condições diretamente atreladas ao surgimento das CST. Oreskes, Conway, Edwards e Mann chamam a atenção para os artifícios criminosos de grupos que investiram massivamente na desinformação para benefício próprio. Por sua vez, a posição de Shapin e Latour, mas também de Isabelle Stengers (2015STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes - resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac Naify, 2015. 160 p.; 2018STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, p. 442-464, abr. 2018.), tem a vantagem de abrir o debate para outras perspectivas, inclusive cosmológicas, que estão diretamente implicadas no problema das mutações planetárias e que, por isso mesmo, teriam muito a contribuir para a sua resolução. Os povos que foram vitimados pelo processo de colonização orientados pela visão de mundo moderna são, também, os que têm sofrido de forma mais direta e impactante os efeitos deletérios dessa ontologia mercantilista (CAPIBERIBE, 2019CAPIBERIBE, Artionka. Um interminável Brasil colônia: os povos indígenas e um outro desenvolvimento. Maloca: Revista de Estudos Indígenas, Campinas, v. 1, n. 1, p. 53-77, 2019.) ou extrativa (POVINELLI, 2016POVINELLI, Elizabeth A. Geontologies: a requiem to late liberalism. Durham: Duke University Press, 2016. 232 p.; YUSOFF, 2018YUSOFF, Kathryn. A billion black Anthropocenes or none. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2018. (Forerunners: ideas first from the University of Minnesota Press, 53).). Por causa disso, essas populações se tornaram as maiores especialistas no “fim do mundo”, pois experienciam os fins de seus respectivos mundos desde o início desse processo de colonização (DANOWSKI; CASTRO, 2017DANOWSKI, Déborah; CASTRO, Eduardo Batalha Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. 2. ed. Desterro: Cultura e Barbárie; ISA, Instituto Socioambiental, 2017.). Não podemos nos esquecer de que essas populações também foram negadas pela “ontologia naturalista” (DESCOLA, 2015DESCOLA, Philippe. Além de natureza e cultura. Tessituras, Pelotas, v. 3, n. 1, p. 7-33, jan./jun. 2015.), que tem guiado desde o princípio o trabalho da ciência, mesmo que também disponham de formas muito acuradas de conhecimento sobre as catástrofes globais produzidas pela atividade capitalista, alcançando percepções não disponíveis ao regime de raciocínio naturalista (KOPENAWA, 2015KOPENAWA, Davi. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 723 p.; ACOSTA, 2016ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Elefante Editora, 2016. 264 p.; KRENAK, 2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 104 p.). Esse é o tom, por exemplo, do artigo recente publicado por Alyne Costa (2021COSTA, Alyne de Castro. Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do Antropoceno. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-49, jan./jun. 2021.). A filósofa Déborah Danowski (2018DANOWSKI, Déborah. Negacionismos. São Paulo: N-1 Edições, 2018. 26 p.) também oferece uma discussão muito interessante sobre o negacionismo a partir dessa perspectiva “multinaturalista”, refletindo sobre a complexidade desse fenômeno não apenas em relação aos seus perpetradores, mas também no que diz respeito às suas vítimas e espectadores.

De todo modo, é em meio a todas essas complexidades que se constituiu, nas últimas décadas, a CST. Não obstante o alto grau de consenso sobre as mudanças climáticas, Costa também nos lembra de que “[...] a consolidação da ciência do clima, então, se deu em meio ao desgaste da imagem da ciência como prática imparcial e desinteressada” (COSTA, 2021COSTA, Alyne de Castro. Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do Antropoceno. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-49, jan./jun. 2021., p. 38). É em meio a um reacendido “[...] debate histórico sobre a relação entre verdade, ciência e política” (COSTA, 2021COSTA, Alyne de Castro. Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do Antropoceno. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-49, jan./jun. 2021., p. 39), portanto, que as CST buscam se orientar e, ao mesmo tempo, orientar a ação coletiva global no intuito de evitar uma catástrofe sem precedentes.

A “auto-historiografia” da CST

Mas a produção da CST não comporta apenas uma narrativa sobre a história da Terra em suas interrelações com a humanidade. Ela também se dedica à produção de uma “auto-historiografia” (UHRQVIST; LINNÉR, 2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.). Isso significa que os(as) cientistas do Sistema Terra produzem enunciados denotativos com força prescritiva, mas, ao mesmo tempo, preocupam-se em legitimar as suas práticas por meio de racionalizações históricas capazes de fornecer um sentido e uma identidade para a sua própria comunidade. Embora essa prática não seja exclusiva da CST - de acordo com o historiador Jörn Rüsen (2001RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. 194 p.) a historicização é comum a todo ser humano que se vê diante de questões sobre a sua própria identidade e sobre o sentido de suas ações -, veremos que isso possui implicações específicas para o caso das discussões sobre o Antropoceno.

Ola Uhrqvist e Björn Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.) identificam três momentos distintos dessa “auto-historiografia”:

A primeira fase teria se desenrolado a partir de 1983, quando a NASA nomeou o seu novo empreendimento científico como NASA Earth System Science Committee em 1983 (ver também STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, v. 1, n. 1, p. 54-63, jan. 2020., p. 56), até mais ou menos o ano 2000. Ela teria como sujeitos históricos cientistas arrojados e visionários, responsáveis por desbravar uma ciência planetária que agora deveria ser continuada, de maneira mais organizada e vigorosa, por instituições como o International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP), fundado três anos depois, em 1987 (ver também HAMILTON; GRINEVALD, 2015HAMILTON, Clive; GRINEVALD, Jacques. Was the Anthropocene anticipated? The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 59-72, mar. 2015.), mesmo ano do Bruntland Report (ver também STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, v. 1, n. 1, p. 54-63, jan. 2020.) e da assinatura do Protocolo de Montreal (ver também LENTON, 2016LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.). Tratar-se-ia de um relato idealista sobre uma colaboração científica desinteressada, apontando para a superação das divisões políticas da Guerra Fria. Nessa fase, os(as) cientistas do Sistema Terra também destacavam a habilidade de sua comunidade para o uso de novas tecnologias de computação, de satélites e de armazenagem de dados, chamando a atenção para a importância dos empreendimentos de “big science” por meio de organizações internacionais. Além disso, essas narrativas passaram a incorporar ao seu trabalho uma reflexão conceitual que incluía a discussão sobre sistemas complexos e não-linearidade.

A partir dos anos 2000, o acúmulo de evidências de que a “empreitada humana” está produzindo mudanças ambientais globais teria feito com que a narrativa se deslocasse para o passado e para o futuro do Sistema Terra em si. O foco se dirigiu, portanto, para a produção de conhecimento voltado para a implementação de políticas de governança ambiental global. Ainda que essa discussão já estivesse presente desde a década de 1980, nesse momento ela começou a aparecer com mais destaque e regularidade. Poderíamos também apontar como marcos importantes desse período o artigo de Paul Crutzen e Eugene Stoermer (2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, n. 41, p. 17-18, 2000.), propondo que já não estaríamos mais vivendo no Holoceno, mas em uma outra época geológica, o “Antropoceno”, em que a humanidade se apresenta como principal força geológica, e a Declaração de Amsterdã (PRONK, 2002PRONK, Jan. The Amsterdam declaration on global change. In: STEFFEN, Will et al (org.). Challenges of a Changing Earth. Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002. p. 207-208. (Global Change - The IGBP Series). Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40 . Acesso em: 3 nov. 2021.
http://link.springer.com/10.1007/978-3-6...
), que deu origem à Earth System Science Partnership (ESSP).

Entre 2008 e 2013 essas narrativas se voltaram para a produção de soluções, uma vez que o problema já teria sido mais bem compreendido. A humanidade passou então a ser regularmente tratada como uma força geológica. Com a criação e consolidação do Future Earth entre 2012 e 2015, que é um desdobramento do ESSP, a tônica se deslocou para a cooperação entre as ciências naturais e sociais para que a humanidade pudesse tutelar a Terra de maneira mais ativa. Isso também representava um movimento em direção aos objetivos de desenvolvimento sustentável, a exemplo do que foi discutido na Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro (“Rio+20”), na mesma ocasião em que se comunicou a criação do Future Earth (ver também LÖVBRAND et al., 2015LÖVBRAND, Eva et al. Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, v. 32, p. 211-218, 2015.). Além do foco em histórias de exemplos específicos de mal administração do Sistema Terra, essas novas narrativas passaram a incentivar pesquisas transdisciplinares coprojetadas (co-designed) e coproduzidas (co-produced) (FUTURE EARTH, 2013FUTURE EARTH. Future earth initial design: report of the transition team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013. 51 p.). Se antes os cientistas apareciam como os únicos sujeitos dotados de agência nesse novo projeto de tutela do Sistema Terra, agora passaram a ser valorizados os interesses e os saberes de “partes interessadas” (stakeholders).

No entanto, as características apontadas acima não estão absolutamente vinculadas aos seus respectivos períodos. A discussão sobre a filiação da CST a antecedentes tomados como heroicos, a exemplo de insights ou descobertas isoladas como as de Buffon, Svante Arrhenius, Vladimir Vernadski e outros, continua aparecendo em diversos artigos mais recentes (CRUTZEN; STOERMER, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, n. 41, p. 17-18, 2000.; CRUTZEN, 2002CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, v. 415, n. 6867, p. 23-23, jan. 2002.; STEFFEN; CRUTZEN; MCNEILL, 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.; STEFFEN et al., 2011STEFFEN, Will et al. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.; ZALASIEWICZ et al., 2019ZALASIEWICZ, Jan et al (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: a guide to the scientific evidence and current debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em:< https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book> . Acesso em: 5 jan. 2022.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
; STEFFEN et al., 2020STEFFEN, Will et al. The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, v. 1, n. 1, p. 54-63, jan. 2020.). Clive Hamilton e Jacques Grinevald, por exemplo, acreditam que essa tópica prejudica a compreensão da novidade mais importante trazida pela CST, isto é, o fato de que vivemos em um novo regime planetário:

[...] os cientistas do século XIX e da primeira metade do século XX não possuíam o conceito científico moderno de sistema Terra do qual o Antropoceno é um resultado. Sugerimos que, referindo-se a precursores, talvez para reforçar a credibilidade do novo conceito, situando-o dentro de uma tradição respeitada (“nos ombros de gigantes”), os proponentes originais do Antropoceno involuntariamente minaram a novidade radical do conceito e a realidade da nova época geológica proposta (HAMILTON; GRINEVALD, 2015HAMILTON, Clive; BONNEUIL, Christophe; GEMENNE, François (org.). The Anthropocene and the global environmental crisis. New York: Routledge, 2015., p. 60-61, tradução livre).

Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.) também analisam criticamente essa estratégia retórica. Segundo eles, seu principal propósito é a autoatribuição de agência aos(às) pesquisadores(as) do Sistema Terra na história da atual tutela planetária, o que implicaria na exclusão de outras partes interessadas. Isso impediria que a historiografia da CST pudesse servir para a revisão crítica de seus pressupostos e projetos.

Outro ponto que merece atenção diz respeito às origens da CST na Guerra Fria, algo pouquíssimo mencionado no interior dessas narrativas. Joseph Masco (2010MASCO, Joseph. Bad Weather: On Planetary Crisis. Social Studies of Science, v. 40, n. 1, p. 7-40, 2010.) demonstrou, por exemplo, que os investimentos da ciência militar nos Estados Unidos a partir da década de 1950 para a corrida nuclear do pós-guerra foi fundamental para o desenvolvimento de um conjunto de saberes sobre sistemas físicos e climáticos globais. Os desdobramentos dessas pesquisas permitiram, por outro lado, perceber os efeitos nocivos dos testes nucleares e prever um cenário catastrófico para o caso de uma eventual guerra nuclear - o conhecido “inverno nuclear” -, sedimentando, assim, o caminho para as discussões sobre riscos e limites que se aprofundaram nas pesquisas sobre as mudanças climáticas e o sobre o Antropoceno. No entanto, Masco demonstra que o imaginário da catástrofe nos Estados Unidos ficou diretamente ligado a uma ideologia de segurança nacional, sobretudo por causa da contribuição da indústria cinematográfica. A catástrofe ambiental passaria a ser interpretada, portanto, nos mesmos termos das ameaças terroristas, isso é, como fenômeno imprevisível e externo à vida nacional, e não como consequência do próprio modelo de vida estadunidense. Além disso, o tratamento político do aquecimento global como assunto doméstico, isso é, como tema de segurança nacional, estaria inviabilizando a sua discussão em termos de governança global.

Bonneuil e Fressoz (2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017. 320 p.) também destacam as relações entre a emergência da CST e a Guerra Fria. Os historiadores sustentam que os esforços da CST constituem parte de um objetivo atualizado de representação do mundo como uma totalidade a ser governada por um sistema de poder hegemônico. Isso explicaria os investimentos direcionados, após o final da Segunda Guerra Mundial, aos conceitos de ecossistema, cibernética, à teoria dos jogos e à teoria dos sistemas complexos. O conhecimento sobre os fluxos globais interconectados, complexos e não lineares que caracterizam a biosfera era fundamental para o controle dos recursos globais em disputa pelas duas superpotências geopolíticas. Não por acaso a CST seria herdeira direta das descobertas realizadas por James Lovelock, que propôs a existência de feedbacks entre os seres vivos e os parâmetros físico-químicos básicos do planeta, o mesmo cientista que, depois de ter colaborado com a NASA, trabalhou para a Central Intelligence Agency (CIA) no desenvolvimento de tecnologias para localização de presença humana dentro das florestas do Vietnã (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017. 320 p., p. 58-59). O complexo “militar-industrial-acadêmico” da Guerra Fria tornou-se, então, fundamental para a constituição de um imaginário científico de um “planeta visto do espaço”, ou então como uma “espaçonave Terra”, isto é, como um objeto passível de intervenção e controle.

Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.) também chamam a atenção para a necessidade de uma análise mais acurada a respeito das relações entre CST e Guerra Fria. Para eles, as pesquisas planetárias passaram a se preocupar principalmente com assuntos de segurança nacional a partir do final da Segunda Guerra Mundial, especialmente no que diz respeito à preparação para guerras marítimas, à proteção de recursos naturais e à sobrevivência da população em caso de guerras nucleares. O meio ambiente global passa então a ser percebido como potencial campo de batalha, e disso derivou a necessidade de conhecê-lo melhor. Esse é um período de grande expansão da chamada “big science”, isto é, de grandes projetos de pesquisa relacionados a temas como física nuclear, de microondas e de estado sólido, da constituição de amplas redes de pesquisadores(as) e de investimentos massivos por parte do Estado em grandes laboratórios voltados para a obtenção de dados e de produção de modelos capazes de prever o impacto global das ações humanas. É nesse período que também se fortaleceram as pesquisas multidisciplinares, voltadas para a resolução de problemas complexos definidos por interesses militares.

Um aspecto que Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.) acrescentam diz respeito ao fato de que nesse período igualmente emerge uma nova ideologia conservacionista. Tratava-se já de uma reação aos efeitos daquilo que, recentemente, passou a ser conhecido como a “Grande Aceleração” (STEFFEN; CRUTZEN; MCNEILL, 2007STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.; STEFFEN et al., 2011STEFFEN, Will et al. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.; STEFFEN et al., 2015bSTEFFEN, Will et al. The trajectory of the Anthropocene: the great acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.) do impacto global do crescimento econômico promovido pela corrida científica, econômica e militar iniciada no período da Guerra Fria. Masco (2010MASCO, Joseph. Bad Weather: On Planetary Crisis. Social Studies of Science, v. 40, n. 1, p. 7-40, 2010.) nos lembra de que as pesquisas sobre os testes nucleares que puderam vir a público provocaram movimentos imediatos com o intuito de que as ações humanas não acarretassem na extinção de sua própria espécie. A “ecologia humana” teve, portanto, uma significativa importância para a constituição da abordagem científica da CST.

Foi só muito recentemente que o Anthropocene Work Group (AWG) incluiu a herança da Guerra Fria em sua “auto-historiografia”. Isso talvez possa ser explicado pela presença de filósofos e historiadores da CST em seu grupo, a exemplo de Naomi Oreskes e Jacques Grinevald (ZALASIEWICZ et al., 2020ZALASIEWICZ, Jan et al. The Anthropocene: comparing its meaning in geology (chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, v. 9, n. 3, e2020EF001896, 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2020EF001896 . Acesso em: 25 jan. 2022.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
). No entanto, trata-se, nesse caso, mais de uma conciliação entre essas duas narrativas, e não da substituição de um tropos épico por um de caráter mais irônico, pois os dois tipos de enredo continuam coexistindo no interior do mesmo relato. De todo modo, a instrumentalização e financiamento da emergente CST em direta conexão com os objetivos geopolíticos da Guerra Fria impossibilitaram aquele processo de maior autonomização entre ciência e Estado notada por Lyotard, com a consequente ingerência financeira que passou a caracterizar outros campos da pragmática científica principalmente a partir da década de 1970.

CST versus estratigrafia

As discussões sobre o Antropoceno têm sido promovidas por cientistas de diferentes áreas. No entanto, todas elas partilham uma perspectiva que se volta para sistemas biofísicos globais, cuja compreensão se tornou muito mais clara, como vimos na seção anterior, principalmente a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Em geral, essa comunidade aparece ligada, mais recentemente, aos Global Environmental Change Programmes (GEC), que foi um consórcio estabelecido entre o IGBP, o DIVERSITAS (um programa integrado de ciência da biodiversidade), o International Human Dimensions Programme on Global Environmental Change (IHDP) e o World Climate Research Programme (WCRP), que, a partir de 2001, se juntaram para compor a ESSP (ICSU-IGFA, 2008ICSU-IGFA. Review of the Earth System Science Partnership (ESSP). [s.l.: s.n.], 2008.). A criação desses programas resultou da crescente preocupação internacional relacionada às mudanças climáticas provocadas pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. A essas organizações internacionais se somam instituições acadêmicas mais específicas - como o Potsdam-Instituts für Klimafolgenforschung (PIK), o Stockholm Resilience Center (SRC), o International Institute for Applied Systems Analysis (IIASA), o Environment and Sustainability Institute da Universidade de Exeter, entre outros - e think tanks (em especial o Breakthrough Institute), o que marca algumas cisões no interior da comunidade da CST, ainda que esses grupos venham a se reunir em outras instâncias, a exemplo do Anthropocene Work Group (AWG). Embora a CST não se confunda exatamente com a comunidade internacional de climatologistas, pois ela toma o clima como um sistema integrado aos demais sistemas terrestres, também é muito difícil separá-las claramente, de modo que, no presente, podemos considerar como suas duas características fundamentais: a luta contra o negacionismo climático (ORESKES; CONWAY, 2019ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to climate change. New York: Bloomsbury Publishing, 2019. 355 p.; MANN, 2021MANN, Michael E. The new climate war: the fight to take back our planet. New York: PublicAffairs, 2021. 368 p.), que também afeta o trabalho mais amplo da CST, e a relativa autonomia em relação às formas neoliberais de financiamento científico, que se mantém no presente graças às conexões entre esses programas e organizações internacionais sem fins lucrativos.

Hamilton e Grinevald (2015HAMILTON, Clive; GRINEVALD, Jacques. Was the Anthropocene anticipated? The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 59-72, mar. 2015., p. 61-62) fornecem boas indicações a respeito desse último ponto. Segundo o relato que oferecem, o International Council of Scientific Unions (ICSU) criou o Scientific Committee on Problems of the Environment (SCOPE) em 1969, o qual, como demonstra Masco (2010MASCO, Joseph. Bad Weather: On Planetary Crisis. Social Studies of Science, v. 40, n. 1, p. 7-40, 2010., p. 21), estava voltado sobretudo para a compreensão dos efeitos globais dos testes nucleares. Os relatórios desse comitê trataram de diversos ciclos biogeoquímicos, em especial o do carbono, ao que se depreende tendo alguma influência na criação do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), que foi estabelecido pela World Meteorological Organization (WMO) e pelo United Nations Environment Programme (UNEP) em 1988. Antes disso, a ONU já havia organizado uma megaconferência sobre o assunto, a Conferência de Estocolmo, de 1972. A primeira World Climate Conference sobre as relações entre clima e humanidade também foi realizada em 1979 pela WMO - cuja história também é apresentada por Edwards (2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p.). Junto com o ICSU e com a UNEP, a WMO lançou, nessa ocasião, o World Climate Research Programme, que, como vimos, foi um dos programas componentes da ESSP. A Assembleia Geral da ICSU também foi responsável pela criação do IGBP em 1986, dois anos antes da criação do IPCC. Por fim, o Future Earth, que é uma recomposição recente dos consórcios que compuseram a ESSP, fortalece e dá continuidade ao modelo de colaboração e financiamento estabelecido por sua antecessora (FUTURE EARTH, 2013FUTURE EARTH. Future earth initial design: report of the transition team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013. 51 p.).

Isso não significa, no entanto, dizer que se trate de uma comunidade coesa, tornando, assim, arriscadas quaisquer generalizações que venhamos a fazer a seu respeito. Isso se complica ainda mais se incluirmos nesse grupo todos os(as) cientistas que têm, mais recentemente, se pronunciado sobre o Sistema Terra ou, mais especificamente, sobre o Antropoceno, pois, sobretudo a partir de meados da década passada, os posicionamentos sobre esse tema começaram a extrapolar bastante a comunidade mais restrita do início dos anos 2000 (HORN; BERGTHALLER, 2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. First Edition. London; New York: Routledge, 2020. (Key issues in environment and sustainability). 180 p.), alcançando cada vez mais o campo das ciências humanas.

Uma distinção importante, no entanto, é a que existe entre a comunidade da CST e a da geologia ou estratigrafia. Isso se deve, sobretudo, ao fato de que o conceito de “Antropoceno”, proposto por Paul Crutzen, um prestigiado membro da comunidade da CST, ser, desde o princípio, uma clara provocação dirigida à comunidade estratigráfica, a qual detém a autoridade final para definição da Escala de Tempo Geológica. Se a princípio o termo foi aceito pela comunidade da CST sem muito questionamento, isso se tornou uma polêmica de fato quando o grupo liderado por Jan Zalasiewicz, geólogo da Universidade de Leicester, decidiu, em 2008ZALASIEWICZ, Jan et al. Are we now living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4, 2008., encampar a formalização do termo no seio da comunidade geológica internacional. As possíveis implicações políticas dessa formalização provocaram uma ampla repercussão, trazendo para o debate um largo espectro de interessados(as) tanto no campo das ciências naturais quanto no das humanas.

Diferentes aspectos e detalhes do processo necessário para a formalização do Antropoceno como uma unidade cronoestratigráfica ou geocronológica já foram apresentados em diversos trabalhos (ZALASIEWICZ et al., 2008ZALASIEWICZ, Jan et al. Are we now living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4, 2008.; ZALASIEWICZ et al., 2010; CASTREE, 2015CASTREE, Noel. Changing the Anthropo(s)cene: Geographers, global environmental change and the politics of knowledge. Dialogues in Human Geography, v. 5, n. 3, p. 301-316, 2015.; HAMILTON; BONNEUIL; GEMENNE, 2015HAMILTON, Clive; BONNEUIL, Christophe; GEMENNE, François (org.). The Anthropocene and the global environmental crisis. New York: Routledge, 2015.; LECAIN, 2015LECAIN, Timothy James. Against the Anthropocene. A neo-materialist perspective. International Journal for History, Culture and Modernity, v. 3, n. 1, 28, abr. 2015.; LEWIS; MASLIN, 2015aLEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. Defining the Anthropocene. Nature, v. 519, n. 7542, p. 171-180, mar. 2015a.; 2015bLEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. A transparent framework for defining the Anthropocene Epoch. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 128-146, 2015b.; 2015c; MONASTERSKY, 2015MONASTERSKY, Richard. Anthropocene: The human age. Nature, v. 519, n. 7542, p. 144-147, 2015.; STENGERS, 2015bSTENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes - resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac Naify, 2015. 160 p.; FINNEY; EDWARS, 2016FINNEY, Stanley C.; EDWARDS, Lucy E. The “Anthropocene” epoch: Scientific decision or political statement? GSA Today, v. 26, n. 3, p. 4-10, 2016.; WATERS et al., 2016WATERS, Colin N. et al. The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, v. 351, n. 6269, aad2622, 2016.; BONNEUIL; FRESSOZ, 2017BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene. London: Verso, 2017. 320 p.; LORIMER, 2017LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017.; ZALASIEWICZ et al., 2017ZALASIEWICZ, Jan et al. The Working Group on the Anthropocene: Summary of evidence and interim recommendations. Anthropocene, v. 19, p. 55-60, 2017.; ZALASIEWICZ et al., 2019ZALASIEWICZ, Jan et al (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: a guide to the scientific evidence and current debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em:< https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book> . Acesso em: 5 jan. 2022.
https://www.cambridge.org/core/product/i...
; VEIGA, 2019VEIGA, José Eli da. O antropoceno e a ciência do sistema terra. São Paulo: Editora 34, 2019. 152 p.; LATOUR, 2020aLATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
; TURIN, 2021TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: TURIN, Rodrigo. História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 143-165. Disponível em: <https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea> . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.academia.edu/70916662/A_cat%...
). A maioria deles também aponta para uma diferença de concepções entre essas duas comunidades. Se para a CST está mais do que claro que já não vivemos em condições análogas às do Holoceno a partir do conjunto de evidências com as quais trabalha, para a estratigrafia, que mobiliza outro tipo de dados e com outras finalidades, a proposição de um Antropoceno como “época geológica” ainda não conseguiu vencer as objeções da burocracia específica de sua comunidade.

Foi para isso que se constituiu, em 2008, um grupo menor em torno da figura de Zalasiewicz, o já mencionado Anthropocene Work Group (AWG).8 8 O AWG é parte da Subcomission on Quaternary Stratigraphy (SQS), que por sua vez é um corpo constituinte da International Commission on Stratigraphy (ICS), o qual responde à International Union of Geological Sciences (IUGS), que é o coletivo responsável por ratificar ou não qualquer proposta de mudança na Escala de Tempo Geológica. O historiador ambiental John McNeill apresenta um relato interessante sobre o AWG em um seminário realizado no ano de 2017.9 9 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xhrP1hZuW0M&t=246s. Acesso em: 14 fev. 2022. McNeill, que faz parte do AWG, enfatiza uma radical estranheza em relação aos hábitos profissionais dos(as) estratigrafistas, aos(às) quais se refere como uma “tribo”. Segundo ele, a maioria dos membros da AWG, recrutados de maneira muito informal, é composta por geólogos(as) e por britânicos(as). Mas, pela primeira vez na história dos grupos de trabalho de estratigrafia, foram admitidos(as) “intrusos(as)” de outras áreas, principalmente da CST, mas também do direito, filosofia, arqueologia e duas pessoas com formação em história, o próprio McNeill e a historiadora da ciência Naomi Oreskes. Embora essa composição multidisciplinar seja motivo de controvérsias entre geólogos(as), McNeill faz questão de lembrar que não há privilégio nenhum em fazer parte do AWG, pois se trata de um trabalho não remunerado que essas pessoas realizam no seu tempo livre.10 10 Isso não significa, no entanto, que o AWG não receba ajuda financeira. Como lembram Eva Horn e Hannes Bergthaller, o grupo de trabalho foi financiado inicialmente pela Haus der Kulturen der Welt, de Berlin, e pelo Max Planck Institut, de Mainz (HORN; BERGTHALLER, 2020, p. 4). O historiador também considera estranhas outras peculiaridades dessa comunidade, como o fato de seus membros se encontrarem para votar a existência de um período, algo decidido de maneira muito mais anárquica entre nós, historiadores(as); o caráter extremamente burocrático e lento desse processo de autenticação epocal; e o fetichismo relacionado aos “golden spikes”, definidos em função de seu potencial de preservação para daqui a milhões de anos, mesmo que não existam mais geólogos(as) até lá. Latour também comenta a paciência dos(as) geólogos(as), acostumados(as) a pensarem “[...] o tempo em escala própria, de milhões e bilhões de anos” (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
a, p. 185), lembrando-se que essa comunidade levou meio século para se decidir sobre a Era Quaternária. Tratar-se-ia, portanto, de um exercício de imaginação muito próprio:

[...] tudo acontece como se os estratigráficos, transportando-se através da imaginação para os tempos futuros, fizessem um experimento de pensamento, permitindo deduzir, em retrospectiva, com base nas camadas de rocha que estão começando a acumular, o que teria ocorrido desde a chamada época “dos humanos” (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
a, p. 187).

Além disso, é preciso considerar a atenção especial que essa comunidade de cientistas passou a receber. Jamie Lorimer fala em “tempos desorientadores” (LORIMER, 2017LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017., p. 121) para geocientistas, suas disciplinas e suas instituições, em especial com relação à urgência da opinião pública mais ampla, nunca antes experimentada por esses(as) cientistas, em relação a uma resposta sobre a formalização ou não de uma época geológica. Para Turin, o maior desafio que se coloca à comunidade de estratigrafistas também é a necessidade de realizar uma “[...] estratigrafia do tempo presente” (TURIN, 2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: TURIN, Rodrigo. História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 143-165. Disponível em: <https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea> . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.academia.edu/70916662/A_cat%...
, p. 6), algo captado por Latour nos seguintes termos:

[...] e de repente, por uma completa inversão, vemos os geólogos pasmados pelo ritmo acelerado da história geo-humana; um ritmo que os obriga a colocar sua ‘cavilha de ouro’ em um segmento de duzentos ou até sessenta anos (dependendo da escolha de uma margem de tempo curta ou muito curta para delimitar o surgimento do Antropoceno) (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
a, p. 189).

Essa (con)fusão entre história geológica e humana possui evidentes implicações políticas. Em primeiro lugar, se seguirmos com Latour (2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
b), o AWG estaria no olho do furacão do problema político mais importante não só da nossa geração, mas da própria espécie humana. Por mais que Zalasiewicz e diferentes “et alli” tenham defendido que sua atividade não se preocupa com as “causas” do Antropoceno, mas com a definição de um marco estratigráfico útil exclusivamente para a comunidade geológica - a versão mais atualizada dessa argumentação encontra-se em Zalasiewicz et al. (2021ZALASIEWICZ, Jan et al. The Anthropocene: comparing its meaning in geology (chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, v. 9, n. 3, e2020EF001896, 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2020EF001896 . Acesso em: 25 jan. 2022.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
) -, sempre será possível denunciar, por um motivo ou outro, os inevitáveis silenciamentos efetivos dessa operação historiográfica, pois, conforme nos lembra Turin,

[...] nunca é neutra a nomeação de uma classificação temporal, por mais técnica que ela aparente ser. Ainda que o termo Antropoceno tenha sua entrada controlada e disciplinada em função de protocolos técnico-científicos, designando uma época geológica, ele não deixa de ter implicações que ultrapassam e conturbam as fronteiras disciplinares e sociais (TURIN, 2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: TURIN, Rodrigo. História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 143-165. Disponível em: <https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea> . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.academia.edu/70916662/A_cat%...
, p. 6-7).11 11 Mas o grupo de Zalasiewicz já tinha percebido, desde o início, o explosivo potencial político de sua empreitada: “[o Antropoceno] tem a capacidade de se tornar a unidade mais politizada, de longe, da Escala de Tempo Geológico” (ZALASIEWICZ et al., 2010, p. 2231, tradução livre).

Para além da política inerente à atividade científica, a discussão sobre o Antropoceno provoca inevitáveis discussões sobre culpados, desigualdades e projetos de futuro. Desde o seu surgimento, a CST teve uma trajetória peculiar, como vimos, por causa de suas vinculações governamentais durante o período da Guerra Fria e de sua atual “politização”, no sentido de impactar mais diretamente ou visivelmente os interesses neoliberais (ORESKES; CONWAY, 2019ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to climate change. New York: Bloomsbury Publishing, 2019. 355 p.). Para Lorimer, o AWG está trabalhando em condições novas, entre posições científicas e políticas, e em uma situação que não pode ser caracterizada como “ciência normal” nos termos kuhnianos (LORIMER, 2017LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017., p. 119). Também é necessário considerarmos o caráter alarmante das descobertas da CST que conduziram à proposta de formalização do Antropoceno (CASTREE, 2015CASTREE, Noel. Changing the Anthropo(s)cene: Geographers, global environmental change and the politics of knowledge. Dialogues in Human Geography, v. 5, n. 3, p. 301-316, 2015., p. 305). A evidência mais conhecida disso talvez seja a entrada de cientistas do clima, como Michael Mann, em uma verdadeira batalha midiática em defesa das descobertas de sua comunidade, com uma inescapável modalização das formas de enunciação mais tradicionais de seu campo, como ele mesmo nos lembra. Segundo ele, os cientistas do Sistema Terra se voltaram para a produção de outros tipos de narrativa, isto é, aquelas capazes de engajar o público na guerra contra o aquecimento global, contando com a credibilidade e integridade como elementos centrais para a comunicação das instituições científicas com o público (MANN, 2021MANN, Michael E. The new climate war: the fight to take back our planet. New York: PublicAffairs, 2021. 368 p., p. 12).

Não haveria espaço neste artigo para apresentar as diversas propostas de datação e nomeação alternativas que se multiplicaram desde o estabelecimento do AWG. Ao contrário do que alguém talvez possa imaginar, essas críticas não são produzidas apenas fora da comunidade da CST ou mesmo da estratigrafia. Dentro do próprio AWG há divergências importantes (LORIMER, 2015LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017., p. 120), ainda que se tenha conseguido chegar a um consenso bastante significativo em torno de uma proposta de datação (ZALASIEWICZ et al., 2017ZALASIEWICZ, Jan et al. The Working Group on the Anthropocene: Summary of evidence and interim recommendations. Anthropocene, v. 19, p. 55-60, 2017.) - isto é, aquela que coincide, justamente, com os testes nucleares do início da Guerra Fria. Diferentemente, portanto, de um grupo dotado de perspectivas e comportamentos coesos, como sugeriu McNeill ao se referir aos(às) estratigrafistas como uma “tribo”, o que atualmente talvez melhor caracterize a CST é uma multiplicidade de vozes, sobretudo em função das implicações políticas que seus estudos acabam apresentando.

Considerações finais: da retomada da prescrição nas narrativas da CST à pluralização de sentidos no pós-Holoceno

O que foi apresentado acima é suficiente para compreendermos em que medida a CST se destacou da pragmática científica geral que se delineava a partir da década de 1970. Devido ao seu caráter estratégico para a geopolítica da Guerra Fria, a CST pôde contar com financiamentos governamentais, e, assim, gozar de uma certa autonomia em relação à reestruturação neoliberal da prática científica que foi observada para o período, algo que foi mantido no presente por meio dos arranjos firmados nos consórcios que ligaram instituições internacionais de pesquisas sobre o Sistema Terra a instituições como a ONU e a WMO. Isso levou a comunidade da CST a delinear conclusões que apontavam para os riscos e os limites do projeto de globalização (a esse respeito, vide também CHARBONNIER, 2017CHARBONNIER, Pierre. A genealogy of the Anthropocene: the end of risk and limits. Annales. Histoire, Sciences Sociales, v. 72, n. 2, p. 199-224, jun. 2017.), tornando-a alvo dos investimentos negacionistas da gestão informacional neoliberal. A reação da CST foi, como vimos, redobrar a aposta na sua autoridade prescritiva, reaproximando-a de uma metanarrativa civilizacional racionalista que hoje divide estudiosas e estudiosos da ciência e da tecnologia. Ao considerar o impacto do neoliberalismo na produção científica, em geral, conforme sugerido por Mirowski, esse artigo pôde, assim, propor uma reinterpretação para aquela “auto-historiografia” da CST de que trataram Uhrqvist e Linnér (2015UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.).

Em que pese a pertinência das críticas recentes às narrativas históricas/políticas oferecidas pela CST, os modelos que elas nos oferecem representam um conhecimento fundamental se quisermos evitar a extinção próxima de nossa própria espécie. Diante dessa urgência, essa comunidade de cientistas se viu impelida a reconstituir não apenas a história do planeta, mas também a refletir sobre como a história humana pode ou não se conectar ao Sistema Terra. A interpretação das ações humanas passou a ser um ponto fundamental para o conhecimento das ações políticas de larga escala que são necessárias para que seja possível evitar o colapso das condições de habitabilidade planetária das quais nós dependemos.

É em meio a essa pluralidade de perspectivas que a historiografia, em geral, se vê provocada a rever os seus próprios pressupostos disciplinares. A desestabilização de conceitos fundamentais para a historiografia moderna, como os pares sujeito/objeto ou humanidade/natureza, nos levam a perceber que “não mais podemos contar as mesmas histórias” (LATOUR, 2020LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> . Acesso em: 7 out. 2021.
http://public.eblib.com/choice/PublicFul...
a, p. 44). Para Zoltán Simon (2020SIMON, Zoltán Boldizsár. The limits of Anthropocene narratives. European Journal of Social Theory, v. 23, n. 2, p. 184-199, 2020.), o caráter sem precedentes do Antropoceno demonstra a impotência das formas narrativas tradicionais e mesmo do conceito moderno de história para dotarmos de sentido a nossa vida neste novo regime planetário, ao passo que Rodrigo Turin nos chama a atenção para o fato de que foram as próprias condições de temporalização que se transformaram junto com um planeta cujas mudanças se aceleram em função da temporalidade neoliberal (TURIN, 2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: TURIN, Rodrigo. História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 143-165. Disponível em: <https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea> . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.academia.edu/70916662/A_cat%...
). No entanto, já é um lugar comum para a teoria da história e a história da historiografia a ideia de que um mesmo conjunto de evidências pode se articular a diferentes tipos de explicação e projetos de futuro.12 12 Para uma discussão atualizada sobre o problema da explicação na história, vide Arrais (2021). Ao invés de ceder à pressão do “gesto generalizante” (TURIN, 2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: TURIN, Rodrigo. História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 143-165. Disponível em: <https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea> . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.academia.edu/70916662/A_cat%...
) que caracteriza as formas menos críticas de narrativa, a historiografia pode contribuir para que diferentes sentidos sejam produzidos a partir das evidências de que já vivemos em um planeta mais dificilmente habitável. Pluralizar as perspectivas narrativas para além das formas modernas e neoliberais de temporalização é também encontrar espaço para que mais pessoas possam habitar um planeta mais sensível e irritadiço do que aquele que até então acreditávamos conhecer. Para isso, a historiografia precisará rever os seus objetivos e reconsiderar a agência humana em suas imbricações com a agência planetária (CHAKRABARTY, 2009CHAKRABARTY, Dipesh. The climate of history: four theses. Critical Inquiry, v. 35, n. 2, p. 197-222, dez./fev. 2009.; HORN; BERGTHALLER, 2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. First Edition. London; New York: Routledge, 2020. (Key issues in environment and sustainability). 180 p.; CLARK; SZERSZYNSKI, 2021CLARK, Nigel; SZERSZYNSKI, Bronislaw. Planetary social thought: the Anthropocene challenge to the social sciences. Cambridge: Polity Press, 2021. 256 p.).

Ao mesmo tempo, a compreensão das diferentes modalidades de causação relacionadas às mudanças planetárias globais do presente é também uma forma tanto de evitarmos os processos de exploração suicidários em andamento quanto de trabalharmos formas mais eficazes de responsabilização. Portanto, a historiografia tem o potencial reflexivo de contribuir para que as muitas formas de datar e nomear o mundo pós-holocênico possam servir como uma forma de potencializar as nossas chances de sobrevivência na Terra, diferentemente da atitude covarde daqueles que, diante do medo quanto a qualquer tipo de responsabilização, têm investido na possibilidade de escapar dos tempos e espaços terrestres.

Agradecimentos:

A pesquisa que resultou neste artigo foi realizada graças à licença que me foi concedida pela UNIFAL-MG para realização de pesquisa de pós-doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em História da UNIRIO, sob a supervisão do Prof. Dr. Rodrigo Turin.

Agradeço a Rodrigo Turin e José Eli da Veiga pelas discussões e sugestões relativas às ideias aqui apresentadas, bem como aos(às) pareceristas anônimos(as) pela generosa leitura e contribuição que ofereceram para a melhor sustentação das conclusões deste artigo.

Referências

  • ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Elefante Editora, 2016. 264 p.
  • ARRAIS, Cristiano Alencar. Causalidade e intencionalidade: uma contribuição ao debate sobre dimensão explicativa da historiografia. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 14, n. 36, p. 73-102, maio/ago. 2021.
  • BIERMANN, Frank. The Anthropocene: A governance perspective. TheAnthropocene Review, v. 1, n. 1, p. 57-61, 2014.
  • BIERMANN, Frank; BETSILL, Michele M; VIEIRA, Susana Camargo; et al. Navigating the anthropocene: the Earth System Governance Project strategy paper. Current Opinion in Environmental Sustainability, v. 2, n. 3, p. 202-208, 2010.
  • BONNEUIL, Christophe; FRESSOZ, Jean-Baptiste. The shock of the Anthropocene London: Verso, 2017. 320 p.
  • CAPIBERIBE, Artionka. Um interminável Brasil colônia: os povos indígenas e um outro desenvolvimento. Maloca: Revista de Estudos Indígenas, Campinas, v. 1, n. 1, p. 53-77, 2019.
  • CASTREE, Noel. Changing the Anthropo(s)cene: Geographers, global environmental change and the politics of knowledge. Dialogues in Human Geography, v. 5, n. 3, p. 301-316, 2015.
  • CHARBONNIER, Pierre. A genealogy of the Anthropocene: the end of risk and limits. Annales. Histoire, Sciences Sociales, v. 72, n. 2, p. 199-224, jun. 2017.
  • CHAKRABARTY, Dipesh. The climate of history: four theses. Critical Inquiry, v. 35, n. 2, p. 197-222, dez./fev. 2009.
  • CLARK, Nigel; SZERSZYNSKI, Bronislaw. Planetary social thought: the Anthropocene challenge to the social sciences. Cambridge: Polity Press, 2021. 256 p.
  • COSTA, Alyne de Castro. Da verdade inconveniente à suficiente: cosmopolíticas do Antropoceno. Cognitio-Estudos: Revista Eletrônica de Filosofia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 37-49, jan./jun. 2021.
  • CRUTZEN, Paul J. Geology of mankind. Nature, v. 415, n. 6867, p. 23-23, jan. 2002.
  • CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. The “Anthropocene”. Global Change Newsletter, n. 41, p. 17-18, 2000.
  • DANOWSKI, Déborah. Negacionismos São Paulo: N-1 Edições, 2018. 26 p.
  • DANOWSKI, Déborah; CASTRO, Eduardo Batalha Viveiros de. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins 2. ed. Desterro: Cultura e Barbárie; ISA, Instituto Socioambiental, 2017.
  • DESCOLA, Philippe. Além de natureza e cultura. Tessituras, Pelotas, v. 3, n. 1, p. 7-33, jan./jun. 2015.
  • DONGES, Jonathan F; WINKELMANN, Ricarda; LUCHT, Wolfgang; et al Closing the loop: Reconnecting human dynamics to Earth System science. The Anthropocene Review, v. 4, n. 2, p. 151-157, 2017.
  • DUMONT, Louis. German ideology: from France to Germany and back. Chicago: University of Chicago Press, 1994. 264 p.
  • EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p.
  • ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador 1: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994. 264 p.
  • FINNEY, Stanley C.; EDWARDS, Lucy E. The “Anthropocene” epoch: Scientific decision or political statement? GSA Today, v. 26, n. 3, p. 4-10, 2016.
  • FUTURE EARTH. Future earth initial design: report of the transition team. Paris: International Council for Science (ICSU), 2013. 51 p.
  • HAMILTON, Clive; BONNEUIL, Christophe; GEMENNE, François (org.). The Anthropocene and the global environmental crisis New York: Routledge, 2015.
  • HAMILTON, Clive; GRINEVALD, Jacques. Was the Anthropocene anticipated? The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 59-72, mar. 2015.
  • HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. First Edition. London; New York: Routledge, 2020. (Key issues in environment and sustainability). 180 p.
  • ICSU-IGFA. Review of the Earth System Science Partnership (ESSP) [s.l.: s.n.], 2008.
  • KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 104 p.
  • KOPENAWA, Davi. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 723 p.
  • LATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferências sobre a natureza no Antropoceno. São Paulo/Rio de Janeiro: Ubu Editora/Ateliê Editorial, 2020a. 480 p.
  • LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Tradução de Marcela Vieira e Alyne Costa. Rio de Janeiro: Bazar Do Tempo, 2020b. 160 p. Disponível em: <http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357> Acesso em: 7 out. 2021.
    » http://public.eblib.com/choice/PublicFullRecord.aspx?p=6439357
  • LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 4. ed. São Paulo: Editora 34, 2019a.
  • LATOUR, Bruno. Políticas da natureza: como associar as ciências à democracia. São Paulo: Editora Unesp, 2019b. 351 p.
  • LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 1997. 310 p.
  • LECAIN, Timothy James. Against the Anthropocene. A neo-materialist perspective. International Journal for History, Culture and Modernity, v. 3, n. 1, 28, abr. 2015.
  • LEEMANS, Rik; ASRAR, Ghassem; BUSALACCHI, Antonio; et al Developing a common strategy for integrative global environmental change research and outreach: the Earth System Science Partnership (ESSP). Current Opinion in Environmental Sustainability, v. 1, n. 1, p. 4-13, 2009.
  • LENTON, Tim. Earth system science: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016. 144 p.
  • LEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. Defining the Anthropocene. Nature, v. 519, n. 7542, p. 171-180, mar. 2015a.
  • LEWIS, Simon L.; MASLIN, Mark A. A transparent framework for defining the Anthropocene Epoch. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 128-146, 2015b.
  • LORIMER, Jamie. The Anthropo-scene: a guide for the perplexed. Social Studies of Science, v. 47, n. 1, p. 117-142, 2017.
  • LÖVBRAND, Eva et al Who speaks for the future of Earth? How critical social science can extend the conversation on the Anthropocene. Global Environmental Change, v. 32, p. 211-218, 2015.
  • LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 176 p.
  • MALM, Andreas; HORNBORG, Alf. The geology of mankind? A critique of the Anthropocene narrative. The Anthropocene Review, v. 1, n. 1, p. 62-69, 2014.
  • MANN, Michael E. The new climate war: the fight to take back our planet. New York: PublicAffairs, 2021. 368 p.
  • MASCO, Joseph. Bad Weather: On Planetary Crisis. Social Studies of Science, v. 40, n. 1, p. 7-40, 2010.
  • MIROWSKI, Philip. Democracy, expertise and the Post-Truth Era: an inquiry into the contemporary politics of STS. Indiana University: [S. n.], 2020. Disponível em:< https://www.academia.edu/42682483/Democracy_Expertise_and_the_Post_Truth_Era_An_Inquiry_into_the_Contemporary_Politics_of_STS> Acesso em: 14 fev. 2022.
    » https://www.academia.edu/42682483/Democracy_Expertise_and_the_Post_Truth_Era_An_Inquiry_into_the_Contemporary_Politics_of_STS
  • MIROWSKI, Philip. What is science critique? Lessig, Latour. In: TYFIELD, David (org.). The Routledge handbook of the political economy of science Abingdon: Routledge, 2017. p. 429-450.
  • MIROWSKI, Philip. The effortless economy of science? Durham: Duke University Press, 2004. 472 p.
  • MONASTERSKY, Richard. Anthropocene: The human age. Nature, v. 519, n. 7542, p. 144-147, 2015.
  • MOORE, Jason W. ¿Antropoceno o Capitaloceno? Sobre la naturaleza y los orígenes de nuestra crisis ecológica. In: MOORE, Jason W. El capitalismo en la trama de la vida: ecología y acumulación capital. Tradução de María José Castro Lage. Madrid: [S. n.], 2020. p. 201-227.
  • ORESKES, Naomi; CONWAY, Erik M. Merchants of doubt: how a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to climate change. New York: Bloomsbury Publishing, 2019. 355 p.
  • OTTO, Ilona M.; DONGES, Jonathan F.; CREMADES, Roger; et al Social tipping dynamics for stabilizing Earth’s climate by 2050. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 117, n. 5, p. 2354-2365, 2020.
  • POVINELLI, Elizabeth A. Geontologies: a requiem to late liberalism. Durham: Duke University Press, 2016. 232 p.
  • PRONK, Jan. The Amsterdam declaration on global change. In: STEFFEN, Will et al (org.). Challenges of a Changing Earth Berlin, Heidelberg: Springer Berlin Heidelberg, 2002. p. 207-208. (Global Change - The IGBP Series). Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40 Acesso em: 3 nov. 2021.
    » http://link.springer.com/10.1007/978-3-642-19016-2_40
  • ROCKSTRÖM, Johan et al A safe operating space for humanity. Nature, v. 461, n. 7263, p. 472-475, set. 2009.
  • RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. 194 p.
  • SCHELLNHUBER, Hans-Joachim. ‘Earth system’ analysis and the second Copernican revolution. Nature, v. 402, n. S6761, p. 19-23, 1999.
  • SHAPIN, Steven. É verdade que estamos vivendo uma Crise da Verdade? Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro. v. 13, n. 2, p. 308-319, jul./dez. 2020.
  • SIMON, Zoltán Boldizsár. The limits of Anthropocene narratives. European Journal of Social Theory, v. 23, n. 2, p. 184-199, 2020.
  • STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL, John R. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature. AMBIO: A Journal of the Human Environment, v. 36, n. 8, p. 614-621, dez. 2007.
  • STEFFEN, Will; TYSON, Peter (Orgs.). Global Change and the Earth System: A planet under pressure. [s.l.]: IGBP, 2001. (IGBP Science, 4).
  • STEFFEN, Will et al The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, v. 369, n. 1938, p. 842-867, 2011.
  • STEFFEN, Will et al Planetary boundaries: guiding human development on a changing planet. Science, v. 347, n. 6223, 1259855, 2015a.
  • STEFFEN, Will et al The trajectory of the Anthropocene: the great acceleration. The Anthropocene Review, v. 2, n. 1, p. 81-98, 2015b.
  • STEFFEN, Will et al The emergence and evolution of Earth System Science. Nature Reviews Earth & Environment, v. 1, n. 1, p. 54-63, jan. 2020.
  • STEFFEN, Will et al Global change and the earth system: a planet under pressure. Berlin: Springer, 2004. (Global change--the IGBP series). 348 p.
  • STENGERS, Isabelle. A proposição cosmopolítica. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, p. 442-464, abr. 2018.
  • STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes - resistir à barbárie que se aproxima. São Paulo: Cosac Naify, 2015. 160 p.
  • THORNTON, Peter E.; CALVIN, Katherine; JONES, Andrew D.; et al Biospheric feedback effects in a synchronously coupled model of human and Earth systems. Nature Climate Change, v. 7, n. 7, p. 496-500, 2017.
  • TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: TURIN, Rodrigo. História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2022. p. 143-165. Disponível em: <https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea> Acesso em: 15 fev. 2022.
    » https://www.academia.edu/70916662/A_cat%C3%A1strofe_c%C3%B3smica_do_presente_alguns_desafios_do_Antropoceno_para_a_consci%C3%AAncia_hist%C3%B3rica_contempor%C3%A2nea
  • TURIN, Rodrigo. Tempos precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. [S. l.]: Zazie Edições, 2019.
  • UHRQVIST, Ola; LINNÉR, Björn. Narratives of the past for Future Earth: The historiography of global environmental change research. The Anthropocene Review, v. 2, n. 2, p. 159-173, 2015.
  • VEIGA, José Eli da. O antropoceno e a ciência do sistema terra São Paulo: Editora 34, 2019. 152 p.
  • WATERS, Colin N. et al The Anthropocene is functionally and stratigraphically distinct from the Holocene. Science, v. 351, n. 6269, aad2622, 2016.
  • YUSOFF, Kathryn. A billion black Anthropocenes or none Minneapolis: University of Minnesota Press, 2018. (Forerunners: ideas first from the University of Minnesota Press, 53).
  • ZALASIEWICZ, Jan et al The Anthropocene: comparing its meaning in geology (chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, v. 9, n. 3, e2020EF001896, 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2020EF001896 Acesso em: 25 jan. 2022.
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2020EF001896
  • ZALASIEWICZ, Jan et al The Working Group on the Anthropocene: Summary of evidence and interim recommendations. Anthropocene, v. 19, p. 55-60, 2017.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al (org.). The Anthropocene as a Geological Time Unit: a guide to the scientific evidence and current debate. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2019. Disponível em:< https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book> Acesso em: 5 jan. 2022.
    » https://www.cambridge.org/core/product/identifier/9781108621359/type/book
  • ZALASIEWICZ, Jan et al Are we now living in the Anthropocene? GSA Today, v. 18, n. 2, p. 4, 2008.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al The new world of the Anthropocene. Environmental Science & Technology, v. 44, n. 7, p. 2228-2231, 2010.

NOTAS

  • 1
    Vários(as) cientistas do clima aproveitaram a grande projeção adquirida pelo filme para dar maior visibilidade aos seus apelos, algo que, em contrapartida, foi tomado pelo grupo Netflix como mais uma oportunidade de divulgação de seu produto (“´Don’t look up’ inspires powerful conversations about the climate crisis”, 1º de fevereiro de 2022. Disponível em: https://about.netflix.com/en/news/dont-look-up-inspires-powerful-conversations-about-the-climate-crisis. Acesso em: 11 fev. 2022).
  • 2
    Em outro artigo, que será publicado em breve na revista História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, eu reavalio os principais argumentos dessas críticas à luz da revisão de uma extensa lista textos produzidos no campo da CST.
  • 3
    Lyotard relaciona o que ele chama de “pós-modernidade” diretamente ao período de “[...] redesdobramento do capitalismo liberal avançado após o seu recuo, sob a proteção do keynesianismo durante os anos 1930-1960” (LYOTARD, 2009LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 176 p., p. 69). Em Jamais formos modernos (2019a [1994]), Latour desqualifica as críticas ditas “pós-modernas” à modernidade. Isso se deve ao fato de que elas continuariam se amparando em uma perspectiva semiótica e, portanto, seriam incapazes de atacar o problema ontológico fundamental da modernidade, uma vez que a linguagem continuaria sendo o refúgio inexpugnável do antropocentrismo. A isso Latour contrapõe uma “ontologia plana”, expressa, por exemplo, em associações de humanos e não humanos em coletivos que não obedecem, a priori, a nenhum tipo de metafísica. Philip Mirowski (2017MIROWSKI, Philip. What is science critique? Lessig, Latour. In: TYFIELD, David (org.). The Routledge handbook of the political economy of science. Abingdon: Routledge, 2017. p. 429-450. ) sugere, no entanto, que a não tematização do neoliberalismo nos escritos de Latour indica uma filiação não confessada deste último aos ideais neoliberais. A vinculação entre pensamento econômico neoclássico e os pressupostos teóricos dos Science and Technology Studies (STS), conforme proposto por Mirowski, ainda será abordada de maneira mais detida nesta mesma seção.
  • 4
    Algo esperado se considerarmos que “não importa se na educação, na ciência, na saúde ou na segurança pública um mesmo éthos é incorporado, promovendo uma espiral de aceleração de performance e uma responsabilização individualizada” (TURIN, 2019TURIN, Rodrigo. Tempos precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. [S. l.]: Zazie Edições, 2019., p. 41).
  • 5
    Diggers e Levellers são duas facções políticas distintas, de viés que hoje poderíamos associar aos ideais socialistas, que emergiram da Guerra Civil Inglesa (1642-46; 1647-48).
  • 6
    Pode soar contraditório o fato de Mirowski situar Oreskes no interior de uma corrente que remonta a Walter Lipmann (que também foi uma das principais inspirações da Sociedade Mont Pelèrin, ainda que tenha posteriormente se desvinculado do grupo), uma vez que ela aponta o fundamentalismo de mercado como o principal culpado das mobilizações negacionistas. Mirowski, no entanto, “[...] deseja propor que a relutância em explorar as profundezas do projeto neoliberal acaba prejudicando a sua própria cruzada” (MIROWSKI, 2020MIROWSKI, Philip. Democracy, expertise and the Post-Truth Era: an inquiry into the contemporary politics of STS. Indiana University: [S. n.], 2020. Disponível em:< https://www.academia.edu/42682483/Democracy_Expertise_and_the_Post_Truth_Era_An_Inquiry_into_the_Contemporary_Politics_of_STS> . Acesso em: 14 fev. 2022.
    https://www.academia.edu/42682483/Democr...
    , p. 32, tradução livre). Depreende-se assim da argumentação de Mirowski que Oreskes também não teria conseguido se desvencilhar dos pressupostos neoclássicos que teriam contaminado os fundamentos de sua própria perspectiva epistemológica.
  • 7
    O IPCC foi estabelecido em 1988 como uma agência intergovernamental subordinada à World Meteorological Organization e ao United Nations Environment Programme, contando atualmente com a participação de 195 Estados membros. Encarregada de revisar e sistematizar o imenso conhecimento científico produzido sobre o clima global com o intuito de orientar políticas intergovernamentais a esse respeito, o IPCC tem como objetivo representar de forma transparente o amplo espectro de opiniões científicas confiáveis sobre o assunto, bem como de identificar os impactos climáticos das atividades humanas, apresentando os dissensos que porventura venham a aparecer sobre um determinado tema. Além disso, o IPCC conta com um corpo híbrido e autogerido de cientistas e políticos, configurando-se como “[...] a espinha dorsal da infraestrutura de conhecimento climático de hoje” (EDWARDS, 2010EDWARDS, Paul N. A vast machine: computer models, climate data, and the politics of global warming. Cambridge, Mass: The MIT Press, 2010. 546 p., p. 398, tradução livre).
  • 8
    O AWG é parte da Subcomission on Quaternary Stratigraphy (SQS), que por sua vez é um corpo constituinte da International Commission on Stratigraphy (ICS), o qual responde à International Union of Geological Sciences (IUGS), que é o coletivo responsável por ratificar ou não qualquer proposta de mudança na Escala de Tempo Geológica.
  • 9
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xhrP1hZuW0M&t=246s. Acesso em: 14 fev. 2022.
  • 10
    Isso não significa, no entanto, que o AWG não receba ajuda financeira. Como lembram Eva Horn e Hannes Bergthaller, o grupo de trabalho foi financiado inicialmente pela Haus der Kulturen der Welt, de Berlin, e pelo Max Planck Institut, de Mainz (HORN; BERGTHALLER, 2020HORN, Eva; BERGTHALLER, Hannes. The Anthropocene: key issues for the humanities. First Edition. London; New York: Routledge, 2020. (Key issues in environment and sustainability). 180 p., p. 4).
  • 11
    Mas o grupo de Zalasiewicz já tinha percebido, desde o início, o explosivo potencial político de sua empreitada: “[o Antropoceno] tem a capacidade de se tornar a unidade mais politizada, de longe, da Escala de Tempo Geológico” (ZALASIEWICZ et al., 2010ZALASIEWICZ, Jan et al. The Anthropocene: comparing its meaning in geology (chronostratigraphy) with conceptual approaches arising in other disciplines. Earth’s Future, v. 9, n. 3, e2020EF001896, 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2020EF001896 . Acesso em: 25 jan. 2022.
    https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
    , p. 2231, tradução livre).
  • 12
    Para uma discussão atualizada sobre o problema da explicação na história, vide Arrais (2021ARRAIS, Cristiano Alencar. Causalidade e intencionalidade: uma contribuição ao debate sobre dimensão explicativa da historiografia. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 14, n. 36, p. 73-102, maio/ago. 2021.).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2022
  • Aceito
    08 Jul 2022
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
E-mail: revistahistoria@unesp.br