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De traidores a patriotas: um ensaio sobre discursos e comportamentos políticos no processo de independência (1789-1823)

From traitors to patriots: an essay on political discourses and behavior in the independence process (1789-1823)

RESUMO

Voltando-se para o tema da influência das experiências das revoltas que antecedem o processo de independência e os contrastes entre tais eventos, o artigo examina a trajetória singular de dois personagens entre o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX. José Resende Costa Filho e o padre Manuel Rodrigues da Costa participaram da Inconfidência Mineira e, depois de cumprir a condenação com o degredo, retornam ao Brasil e atuam no processo de emancipação política a partir de 1822. Para isso faz-se um esforço de acompanhar o percurso da atuação de cada um deles, desde a conspiração em Minas Gerais, até suas reabilitações políticas. Isso ocorre com a participação nos debates sobre as exigências das cortes de Portugal ao Brasil e, após o rompimento, na preparação da Constituinte de 1823. Busca-se aproximar, dentro do que as fontes históricas disponíveis oferecem, as linguagens políticas adotadas nas diferentes circunstâncias em que estiveram envolvidos, sem deixar de inseri-las em seus contextos.

Palavras-chave:
José de Resende Costa Filho; Manuel Rodrigues da Costa; Inconfidência Mineira; Independência do Brasil; Assembleia Constituinte de 1823

ABSTRACT

Returning to the theme of the influence of the experiences of the revolts that precede the independence process and the contrasts between such events, this article examines the singular trajectory of two characters between the end of the eighteenth and the first decades of the nineteenth century. José Resende Costa Filho and Manuel Rodrigues da Costa participated in the Inconfidência Mineira (Minas Conspiracy) and, after serving their sentence with exile, returned to Brazil and played an active role in the political emancipation process from 1822. To this end, an effort is made to follow the course of action of each of them, from the conspiracy in Minas Gerais, to their political rehabilitation. This occurs with the participation in the debates on the demands made by the Portuguese courts to Brazil and, after the rupture, in the preparation of the Constituent Assembly of 1823. We seek to approximate, within what the available historical sources offer, the political languages adopted in the different circumstances in which they were involved, without failing to insert them in their contexts.

Keywords:
José de Resende Costa Filho; Manuel Rodrigues da Costa; Inconfidência Mineira (Minas Conspiracy); Independence of Brazil; Constituent Assembly of 1823

Quanto a José de Resende Costa e ao padre Manuel Rodrigues, únicos que sobreviveram aos degradados da capitania de Minas, e que para ali voltaram, passa a referir o que ouvi de meu tio o Sr. marquês de Baependi, em uma longa conversação que tivemos, na sua residência da rua das Mangueiras.

- Sabes quanto o Brasil deve, especialmente a província de Minas, a dom Rodrigo de Souza Coutinho, 1º conde de Linhares, de saudosa memória. [...].

O que não sabes é que foi por pedido meu que ele obteve o perdão do nosso José de Resende e do padre Manuel Rodrigues, que, em 1831, foram meus companheiros na Assembleia Constituinte. José de Resende voltou, não só perdoado, como acabo de dizer-te, mas, condecorado com o hábito de Cristo, e com a nomeação de 2.º escriturário do Real Erário, tempos depois, elevado a escrivão da mesa-grande, com o título do conselho, em compensação da perda dos poucos bens, confiscados a seu pai, e que já não existiam.

Ao seu amigo padre Manuel Rodrigues da Costa, foram restituídos os seus, constantes da referida fazenda do Registro Velho, como bem sabes, e por hoje ponho ponto final, porque tenho mais que fazer.1 1 Trecho com ortografia atualizada. (GAMA, 1893GAMA, Visconde de Nogueira da. Minhas recordações. Rio de Janeiro: Magalhães & Comp. - Editores, 1893. 208 p. Disponível em: http://bmol.lencoispaulista.sp.gov.br:8080/xmlui/handle/1/210 . Acesso em: 5 abr. 2022.
http://bmol.lencoispaulista.sp.gov.br:80...
, p. 131-133).

Independentemente dos limites metodológicos que se impõem aos usos de textos memorialísticos na pesquisa histórica,2 2 Para os limites e possibilidades de uso de textos de memória na pesquisa histórica, conferir, por exemplo: ALBIERI, Sara; GLEZER, Raquel. O campo da história e as “obras fronteiriças”: algumas observações sobre a produção historiográfica brasileira e uma proposta de conciliação. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo: IEB-USP, n. 48, p. 13-30, 2009; GOBBI, Márcia Valéria Zamboni. Relações entre ficção e história: uma breve revisão teórica. Itinerários, Araraquara: UNESP, v. 22, p. 37-57, 2004. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/2736/2473. Acesso em: 27 mar. 2022; PESAVENTO, Sandra Jatahy. Fronteiras da ficção: diálogos da história com a literatura. Revista de História das Ideias, Coimbra: Universidade de Coimbra, v. 21, p. 33-57, 2000. Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/41745/1/Fronteiras_da_ficcao.pdf. Acesso em: 22 mar. 2022; RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. as recordações de Nicolau Antônio Nogueira Vale da Gama, o visconde de Nogueira da Gama (Juiz de Fora, Minas Gerais, 13 de setembro de 1809 - Nazaré, Bahia, 18 de outubro de 1887), apresentam a primeira referência “explicativa” do porquê dois dos participantes da Inconfidência Mineira, nos idos de 1789, foram libertados e conseguiram retornar ao Brasil após já terem cumprido suas sentenças condenatórias em degredo.

Eles foram os únicos dos 23 inconfidentes condenados ao exílio que conseguiram retornar ao Brasil. E pelo escrito fica-se sabendo que aqueles dois conjurados - José de Resende Costa Filho e Manuel Rodrigues da Costa -, depois de pedido de Manuel Jacinto Nogueira da Gama, o marquês de Baependi (São João del-Rei, 8 de setembro de 1765 - Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1847), que mantinha relação de amizade com dom Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), o 1º conde de Linhares, e este com o príncipe-regente dom João, conseguiram a liberdade de seus conterrâneos.3 3 Vale lembrar que até agora não se conhecia a maneira como Manuel Jacinto Nogueira da Gama, o marquês de Baependi, teve conhecimento daqueles dois personagens. O texto memorialístico de seu sobrinho elucida, portanto, como ele soube daqueles dois participantes da Inconfidência Mineira e como o processo de suas libertações chegou ao príncipe-regente Dom João. Conforme descrito pelo visconde de Nogueira da Gama, coube a seu tio, em relação de compadrio, solicitar ao conde de Linhares tal atitude de “complacência” com os dois ex-inconfidentes, que buscaram, em passado não distante e em conluio com outros colegas de movimento sedicioso, o rompimento de laços administrativos e políticos locais com a Coroa portuguesa. Influente nos círculos cortesãos, o conde de Linhares solicitou ao filho de Dona Maria I, o príncipe Dom João, que revertesse a decisão de sua mãe, que condenara os inconfidentes em 1792, e colocasse em liberdade quem buscou romper o jugo metropolitano em Minas Gerais. Nada raro, Dom Rodrigo estabelecia sem cerimônia contato com indivíduos direta ou indiretamente envolvidos na conspiração mineira, que formavam seu círculo intelectual. A admiração e o interesse por um intercâmbio que favorecesse soluções utilitárias para promover o crescimento do Império luso-brasileiro nos últimos anos do século XVIII aproximaram-no de José Álvares Maciel (1760-1804) e dos irmãos Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá (1762-1835) e José de Sá Bittencourt Acioli (1755-1828) (POMBO, 2015POMBO, Nivia. Dom Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamento e ação político-administrativa no Império português (1778-1812). São Paulo: Hucitec, 2015., p. 206-210)4 4 José de Sá Bittencourt Acioli formou-se em Filosofia, em 1787, pela Universidade de Coimbra. Depois empreendeu estudos na França e na Inglaterra. Ao regressar ao Brasil e se instalar em Minas Gerais, sua terra natal, passou a se dedicar aos trabalhos de cerâmica e na fundição de ferro. Denunciado por participar da Inconfidência, fugiu para a Bahia, onde foi preso no engenho Acarahy a mando do governador visconde de Barbacena. Enquanto esteve preso no Rio de Janeiro, contou com a ajuda de parentes que, também, no final do processo, conseguiram sua libertação por ações corruptivas que empreenderam a membros da Alçada para não o incriminar. Solto, voltou à Bahia e estabeleceu plantações de algodão nas margens do rio das Contas. Por ordem régia de 12 de junho de 1799, foi designado responsável por realizar expedição mineralógica em minas de salitre em Montes Altos. Na sequência, em Minas Gerais, montou uma fábrica de salitre, mas, sem apoio governamental, desistiu do empreendimento, demitindo-se, com anuência do príncipe-regente Dom João (SILVA, 1909, p. 475-478). Seu irmão, Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, o intendente da Câmara, considerado o pai da siderurgia brasileira, formou-se em Leis pela Universidade de Coimbra, em 1788. Estudou e pesquisou mineralogia em vários centros europeus, com financiamentos da Coroa portuguesa. Em Portugal foi conselheiro do governo em Montanística (extração e fusão de metais). Foi intendente geral das minas de ouro e diamantes do Brasil por 15 anos, de 1807 a 1823, quando ingressou como deputado na Assembleia Constituinte, sendo eleito seu presidente. Em 1821, foi eleito deputado às Cortes de Lisboa (MENDONÇA, 1933). Já José Álvares Maciel, também formado em Filosofia em Coimbra, ampliou estudos em Química e Metalurgia na Inglaterra. No Rio de Janeiro, em 1788, conheceu Tiradentes e ambos passaram a discutir projetos de melhoria nas áreas de manufaturas e metalurgia para as Minas Gerais. Entre 1788 e 1789, na capitania de Minas Gerais, a mando do governador visconde de Barbacena, empreendeu estudos de vegetais e minerais nos sertões mineiros. Envolvido na Inconfidência Mineira, foi preso e condenado ao exílio em Angola, na África. Em 1799, construiu, a pedido de Sua Majestade, na Ilha de Illamba, alguns fornos, a fim de fazer aproveitar jazidas de ferro ali encontradas (JARDIM, 1989, p. 144-148). .

Dessa maneira, configurou-se uma situação peculiar em que participantes da Inconfidência Mineira retornam ao cenário no qual conspiraram contra a monarquia e, quase três décadas depois, envolvem-se no processo de emancipação e consolidação política do Brasil5 5 A presença dos inconfidentes Resende Costa, Rodrigues da Costa, além de José de Sá Bittencourt e Accioli, nos dois movimentos foi tema do capítulo “Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do último quartel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação”, de João Pinto Furtado (FURTADO, 2006, p. 99-121). Atento a debater, sob o ponto de vista historiográfico e da memória, a relação entre as inconfidências e a independência, a partir da releitura dos eventos passados feita pelos agentes da emancipação, não foi intenção do autor lidar com os discursos políticos e as vivências específicas desses atores. .

A partir do exemplo das ações desses dois personagens, em um momento em que, no ano de 2022, se comemora o bicentenário da Independência do Brasil, merecem reflexão os vínculos entre as designadas inconfidências, ensaios de conspiração que ocorreram em Minas, Rio de Janeiro e Bahia no final do século XVIII, e a emancipação política. Ao se analisar esse contexto histórico, percebe-se uma contradição aparente, afinal, parte dos integrantes de movimentos de contestação ao domínio colonial e ao regime monárquico no final do século XVIII em Minas Gerais abraçam mais tarde a causa monárquica da mesma dinastia que haviam combatido.

As interrogações que essa situação única proporciona são diversas. Os antigos conspiradores mudam de lado, admitindo o governo monárquico, para cujo sucesso passam a colaborar? Embora acusados pelo crime de inconfidência, teriam ambas as convicções políticas débeis quanto à crítica ao domínio de Portugal, situação comprovada pela sua inserção futura nos quadros administrativos do reino? Seria o comportamento dos dois coerentes no percurso entre 1789 e 1822, uma vez que estariam lutando em defesa do tradicional direito dos povos à justiça e às prerrogativas costumeiras que, ao serem violadas, justificam a reação contra o tirano?6 6 A esse respeito, João Furtado escreveu que os personagens “[...] puderam nesse processo de reconciliar com a monarquia, com os Bragança e, por que não dizer, com sua história imediata” (FURTADO, 2006, p. 119).

Cientes de que não vamos esgotar tais indagações, pretendemos arranhar algumas delas ao trazer à luz a trajetória de duas figuras discutindo as experiências e linguagens políticas de José de Resende Costa Filho e de Manuel Rodrigues da Costa frente às monarquias, portuguesa e brasileira.

Para isso, faz-se necessário refletir, de início, sobre esta certa proximidade entre as ações concretas e os discursos políticos que se podem estabelecer a partir da Inconfidência Mineira e da Independência7 7 Inspirador na abordagem sobre as “linguagens políticas múltiplas”, conduzidas por indivíduos em circunstâncias políticas diversas entre o final do século XVIII e o início do século XIX, é o artigo de: NEVES, Lúcia Maria Bastos P. Um baiano na setembrizada: Vicente José Cardoso da Costa (1765-1834). In: RODRIGUES, José Damião (coord.). O Atlântico revolucionário: circulação de ideias e de elites no final do Antigo Regime. Ponta Delgada: Centro de História de Além-Mar, 2012, p. 119-136. . Tal abordagem não implica aceitar uma relação de continuidade entre esses dois eventos históricos.

Inconfidência Mineira (1789) e Independência (1822): elipses e continuidades

Parte da historiografia de caráter nativista reivindicou a existência de uma relação causal entre 1789 e 1822. Vale lembrar, porém, que, durante o Império brasileiro (1822-1889), assuntos como os relacionados aos movimentos revolucionários, que na crise do sistema colonial buscaram soluções de cunho separatista e republicano, não despertaram maiores interesses por parte dos pensadores. Em tempos monárquicos, a antipatia se explicava: os inconfidentes mineiros, inspirados na independência norte-americana e nas ideias libertárias que corriam o mundo, cogitaram adotar a República como forma de governo. O mesmo ocorre com outras revoltas do período, como a Conjuração Baiana, de 1798, e a Revolução Pernambucana, de 1817. Governando o Primeiro e o Segundo Reinados, Dom Pedro I e Dom Pedro II, o neto e o bisneto da Rainha Maria I, que assinou a condenação dos réus mineiros em 1792, o enaltecimento de uma conspiração de fundo liberal e republicano eram temas, no mínimo, delicados. Nesse cenário, o elogio à rebeldia poderia soar como crítica à dinastia reinante e estímulo à contestação do sistema político vigente (MILLIET, 2001MILLIET, Maria Alice. Tiradentes: o corpo do herói. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 24-25).

Diante desse panorama, intelectuais se engajaram no projeto de construção do Brasil como nação, revisitando eventos, mitos, lendas e poesias que evocassem um passado autóctone e dignificante (SERELLE, 2002SERELLE, Márcio de Vasconcellos. Os versos ou a história: a formação da Inconfidência Mineira no imaginário do Oitocentos. 2002. 230 f. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. , p. 16), recorrendo aos “fatos históricos dos séculos anteriores, recorrendo aos relatos históricos de viajantes e historiadores, aos documentos e aos textos ficcionais” (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, Ilca Vieira de. Os fios e os bordados: imagens de Gonzaga na ficção literária brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012., p. 26). Evitavam-se, na medida do possível, as contestações havidas contra o poder dos reis.

Nas perspectivas nativistas que assinalam um percurso no qual preexiste à nação uma sucessão de acontecimentos que traduzem um desejo de afirmação coletiva soberana, o tratamento dos conflitos políticos e das rebeliões no período colonial na chave nativista, isto é, tratando-os a todos como expressão de um sentimento nativista, colaborava para sedimentar a ideia de que a independência era um fato inexorável da história do Brasil, e a Inconfidência Mineira um movimento precursor da história nacional brasileira8 8 Para a discussão historiográfica e análise sobre a associação entre os movimentos de 1789 e 1822, ver: SILVA, Ana Rosa Cloclet. Identidades políticas e a emergência do novo Estado nacional: o caso mineiro. In: JANCSÓ, István (org.) Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 517-522. . E como há muito já explicou Rogério Forastieri da Silva: “Eram movimentos ‘precursores da independência’, inscritos num capítulo intitulado ‘antecedentes’ ao capítulo que tratava da emancipação”. E, ainda, é uma operação historiográfica de impacto: “Procura-se por meio dos ‘movimentos nativistas’ ou dos ‘movimentos precursores da independência’ fundar os ‘alicerces’ da nacionalidade emergente” (SILVA, 1997SILVA, Rogério Forastieri da. Colônia e nativismo: a história como “biografia da nação”. São Paulo: Hucitec, 1997., p. 83).

Já em outro viés, embora tributário de uma mesma perspectiva teleológica, o escritor José de Alencar, por seu turno, ao refletir em pesquisas históricas que fazia em meados do século XIX sobre o que denominou “drama da independência”, afirmou que a Inconfidência Mineira teria sido, ao lado da Conjuração Baiana, “abortos de uma ideia ainda não amadurecida no espírito público”. (ALENCAR, 1862, p. 2 apudLEAL, 2016LEAL, Tito Barros. Um manuscrito, outra visão: breves considerações de José de Alencar sobre a Independência do Brasil. In: XII SEMANA DE HISTÓRIA DA FECLESC, 2016, Quixadá (Ceará). Anais [...] Quixadá: UECE, 2016. 14 f. Disponível em: http://uece.br/eventos/semanadehistoriadafeclesc/anais/trabalhos_completos/245-18759-05062016-234846.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022.
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, p. 6) Isso exemplifica a proposta de ser a Inconfidência o gene da nacionalidade brasileira. E, para isso, nada como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), instituição fundada em 1838 com a intenção de se criar uma história que formasse uma identidade nacional para o Brasil, fosse responsável pela construção de uma memória histórica comum e heroica que auxiliasse a explicar nossa proposta separatista de Portugal, tendo a Inconfidência como um de seus alicerces, e, também, por garantir uma identidade própria que explicasse ser a nação brasileira continuadora do processo civilizatório português (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Manoel Luis Lima Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, FGV, n. 1, p. 5-27, 1988. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935. Acesso em: 5 abr. 2022.
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; GOMES; CHAVES, 2017GOMES, Wederson de Souza; CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Memória política de José de Resende Costa Filho: imaginário do burocrata e Inconfidência Mineira (1788-1813). Albuquerque: Revista de História, Aquidauana, UFMS, v. 9, n. 17, p. 270-285, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.46401/ajh.2017.v9.2169. Acesso em: 5 abr. 2022.
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). Em 1839, por exemplo, José de Resende Costa Filho e Manuel Rodrigues da Costa tornam-se sócios correspondentes do Instituto, e, no ano seguinte, dentre aquele grupo de intelectuais, são instigados a escrever, como testemunhas oculares, suas versões do movimento rebelde mineiro.

Aos 76 anos de idade, José de Resende Costa Filho, lúcido, resolveu apenas tecer rápidas notas explicativas dedicadas a enaltecer indiretamente a figura do alferes Tiradentes, que fora apresentado como o líder do movimento de 1789, e, aos interessados em saber sobre o assunto, solicitou remeter à obra do inglês Robert Southey, em cujas páginas da revista daquele Instituto se publicou, na edição de 1846, a tradução do capítulo “Conspiração em Minas Gerais no ano de 1788 para a Independência do Brasil”, da obra História do Brasil, mencionado por José de Resende Costa Filho. Em seu curto texto, o ex-inconfidente absteve-se de quaisquer polêmicas, principalmente referente ao caráter republicano de um movimento que se levantava contra a monarquia da casa reinante portuguesa (RODRIGUES, 2002RODRIGUES, André Figueiredo. O clero e a Conjuração Mineira. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002.).

Naquele momento, na década de 1840, com as revoltas regenciais ainda vivas como ameaças ao sistema político, qualquer retomada de ideias contestatória poderia trazer à tona ressentimentos que se buscavam esquecer. Além disso, sabe-se que sua trajetória no processo judicial não foi das melhores, tendo suas falas proporcionado conhecimento de detalhes da revolta e auxiliado a incriminar ainda mais as pessoas que citou em seus depoimentos, o que, naquele momento, poderia ser interpretado - caso aqueles fatos viessem à lume - como atitude desonrosa e de revigoramento do movimento que se buscava fazer esquecer (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989.).

Com o avanço do movimento republicano na segunda metade do século XIX, a história da Inconfidência Mineira floresce, ganhando contornos que aproximam o projeto político rebelde à ideia de rompimento dos laços coloniais, em virtude da excessiva carga tributária que Portugal lançava ao explorar o território mineiro, que proporcionaria a independência da capitania de Minas Gerais. O desenrolar da sedição poderia se estender para outras regiões da América portuguesa, como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo9 9 Vários historiadores compartilham dessa ideia como Lúcio José dos Santos (com o seu A Inconfidência Mineira: papel de Tiradentes na Inconfidência Mineira, 1927), José Pedro Xavier da Veiga (em Efemérides mineiras - 1664-1897, 1897), Kenneth Maxwell (com A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808, 1973) e Márcio Jardim (com A Inconfidência Mineira: uma síntese factual, 1989). Aliás, Márcio Jardim é um dos poucos autores que sustenta a proposta de que os mineiros que lideraram a Inconfidência “[...] tinham bem em vista a independência global do Brasil, não tendo jamais passado por seus planos a hipótese de formar uma república só em Minas Gerais” (JARDIM, 1989, p. 344). . Delineava-se na memória que se formava um marco que expressava, ali, o surgimento do sentimento nacional. Coube a Joaquim Norberto de Sousa e Silva, em História da Conjuração Mineira: estudos sobre as primeiras tentativas para a Independência do Brasil, apresentado nas sessões do IHGB entre 1860 e 1873, proclamar, de maneira veemente, a Independência como uma continuidade do movimento insurreto mineiro e da busca da nacionalidade brasileira, como o título de sua obra já explicita.

Nesse processo, vale lembrar que nossa separação política não coincidiu com a consolidação da unidade nacional e nem mesmo com princípios de identidade que se buscavam na construção da nação. Sob tal demanda, se recupera a Inconfidência como uma narrativa que procurava evidenciar a luta de homens corajosos que se lançaram em aventura rebelde que pretendia evidenciar a grandeza econômica de nosso país e que os seus personagens haviam sido condenados injustamente pela Coroa portuguesa. Na luta para justificar o nosso processo de rompimento dos laços coloniais, construiu-se, por meio de um suposto sentimento de nacionalidade, sujeitos e fatos históricos - e heroicos - que valorizassem projetos de luta pela libertação do Brasil de Portugal, e a Inconfidência Mineira passou a ser interpretada como um desses eventos que ajudaram a colocar em xeque as relações entre o colonizador português e o colonizado nacional (RODRIGUES; CABREIRA, 2020RODRIGUES, André Figueiredo; CABREIRA, Maria Alda Barbosa. Em busca de um rosto: a república e a representação de Tiradentes. São Paulo: Humanitas, 2020.). O germe de um processo de autonomia econômica e política que iniciaram e a construção mitológica de Tiradentes como herói despertou o nascimento de narrativas que passaram a associar toda a formação de um ideário de nação do Brasil a movimentos políticos do período colonial e, por seu turno, de eventos que se ligassem ao processo político emancipacionista de início do século XIX (SOUZA, 1999SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Editora UNESP, 1999.)10 10 Iara Lis Carvalho Souza, analisando as representações sobre dom Pedro I, a partir de meados do século XIX, examina a construção elaborada pelo jornalista Theophilo Ottoni, que associou o imperador à história da luta política de Tiradentes, terminando o periodista por concluir: “Um planejara, outro realizava a independência” (SOUZA, 1999, p. 360). .

Muitas décadas depois, parte significativa da historiografia, guiando-se pelos apontamentos de Maria Odila Leite da Silva Dias, em continuidade ao pensamento de Caio Prado Júnior e de Sérgio Buarque de Holanda, indica ser a independência uma contiguidade do processo de transição da colônia para o Império (DIAS, 1972DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole (1808-1853). In: MOTTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: dimensões. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 160-184.; JARDIM, 2020JARDIM, Ana Cristina Magalhães. Marília de Dirceu: a mulher e o mito; o Romantismo e a formação da nação brasileira. Curitiba: Appris, 2020.). No caso brasileiro, rompimento não teria sido ocasionado por eventos nacionalistas ou revolucionários, o que significou a manutenção das estruturas políticas, econômicas e sociais vigentes desde os tempos da dependência em relação a Portugal. Tal peculiaridade reforçaria a ideia de continuidade em que súditos instalados na colônia também desejavam permanecer atrelados à estrutura monárquica após a Independência. A monarquia constituiria para esses um elo entre os valores cosmopolitas e de progresso da civilização europeia (DIAS, 1972DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole (1808-1853). In: MOTTA, Carlos Guilherme (org.). 1822: dimensões. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 160-184.).

As análises mudariam de perspectiva poucas décadas depois. István Jancsó abriria interpretações que passam a considerar a natureza das críticas políticas nos movimentos de contestação. Como bem salientou

Entre os anos de 1789 a 1801 as autoridades de Lisboa viram-se diante de problemas sem precedentes. De várias regiões de sua colônia americana chegavam notícias de desafeição ao Trono, o que era sobremaneira grave. A preocupante novidade residia no fato de que o objeto das manifestações de desagrado, frequentes desde os primeiros séculos da colonização, deslocava-se, nitidamente, de aspectos particulares de ações de governo para o plano mais geral da organização do Estado. (JANCSÓ, 1997JANCSÓ, István. A sedução da liberdade: cotidiano e contestação política no final do século XVIII. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 387-437. [ (texto); 470-472 (notas); 500-501 (bibliografia)] ., p. 388).

De degredados a reerguidos

De acordo com a sentença condenatória proferida em 18 de abril de 1792, os participantes da Inconfidência Mineira foram condenados ao degredo na África, com exceção dos religiosos, enviados para conventos em Portugal. Alguns morreram assim que chegaram ao continente africano, como o poeta Inácio José de Alvarenga Peixoto (1742-1792), o contratador Domingos de Abreu Vieira (1724-1792) e o médico Domingos Vidal de Barbosa Lage (1761-1793), mas outros tiveram no exílio a chance de recomeçar suas vidas, trabalhando no comércio ou ocupando cargos importantes na administração local, e alguns se reintegraram à vida política brasileira, como José de Resende Costa Filho e o padre Manuel Rodrigues da Costa (RODRIGUES, 2002RODRIGUES, André Figueiredo. O clero e a Conjuração Mineira. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002.).

José de Resende Costa Filho nasceu no Arraial da Aplicação de Nossa Senhora da Penha de França da Laje, na freguesia de Prados, na comarca do Rio das Mortes, em Minas Gerais, sendo batizado em 15 de junho de 1765. Era filho de José de Resende Costa e de Ana Alves Preto; ambos nascidos em território mineiro. Faleceu em 16 de junho de 1841, no Rio de Janeiro. Em julho de 1789, nos seus 24 anos de idade, foi preso por participar dos falatórios sediciosos que se espalhavam pela capitania. Extremamente amedrontado, em seus depoimentos proporcionou aos inquiridores da devassa aberta para julgar o crime de rebelião que se abateu sobre as Minas Gerais, detalhes da conspiração, fornecendo provas da real proporção do movimento. Ao final do processo, em 1792, recebeu como sentença a pena de degredo por 10 anos para Cabo Verde (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989.).

No arquipélago vulcânico localizado na costa noroeste da África, Resende Costa Filho foi acolhido pelo secretário de governo, o naturalista fluminense João Diogo da Silva Feijó (1760-1824), no exercício de atividades burocráticas. Em 1793 foi designado auxiliar da Secretaria de Governo e oficial de escrituração do Real Contrato da Urcela. Em 20 de julho de 1795 foi promovido interinamente a secretário de governo, como sucessor de Feijó. Em janeiro de 1796 assumiu o ofício de escrivão da Provedoria da Real Fazenda, tendo sido confirmado no cargo por decreto real em 25 de outubro de 1797, onde permaneceu até 1798, quando se tornou comandante da Praça da Vila da Praia - antiga capital de Cabo Verde -, com o título de capitão-mor do Forte de Santo Antônio (patente passada em 21 de maio) até 1803 (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989.; PINTO, 1992PINTO, Rosalvo Gonçalves. Os inconfidentes José de Resende Costa (pai e filho) e o arraial da Laje. Brasília: Senado Federal; Subsecretaria de Edições Técnicas, 1992.).

Em 1803, com os já completos 10 anos de sua sentença e extinta sua punibilidade, Resende Costa Filho requereu licença para se mudar para Lisboa, onde contou com o apoio do futuro marquês de Baependi, em cuja casa se hospedou11 11 Durante a realização da Assembleia Constituinte de 1823, José de Resende Costa e Manuel Jacinto Nogueira da Gama, o marquês de Baependi, se encontrarão, sendo o primeiro indicado como deputado pela capitania de Minas Gerais e, o segundo, como deputado geral pelo Rio de Janeiro. Baependi ainda foi senador pela província de Minas Gerais (1826-1847) e presidente do Senado (1838). Em 1823 integrou o Conselho de Estado, encarregado de elaborar a Constituição outorgada em 1824, após a dissolução da Assembleia Constituinte (HOFFBAUER, 2019). . Em Portugal, em 1804, foi nomeado escriturário do Erário Real, função exercida até 180912 12 Em carta datada de 3 de março de 1804 e enviada ao seu cunhado Gervásio Pereira Alvim, residente no arraial da Laje, em Minas Gerais, Resende Costa Filho recomenda vivamente ao parente o amigo tenente-coronel Manuel Jacinto Nogueira da Gama que se mudara para Minas e informa estar no aguardo de nomeação para o cargo de escriturário do Erário Real. Na missiva se lê: “Segue agora a essa Capitania o meu prezadíssimo amigo, o Ten. Cel. Manuel Jacinto Nogueira da Gama, despachado em escrivão da Junta dessa Capitania, em cuja casa tenho assistido e a quem devo imensas obrigações. Nos reveses e infortúnios que tenho tido, achei-o sempre fiel; e uma brilhante carreira me era preparada por sua intervenção, cuja perdi pela minha negligência e demora que tive em vir de Cabo Verde. Assim quis o destino” (AUTOS, 1977, v. 9, p. 379). . O príncipe regente Dom João, já no Brasil, e a pedido de Nogueira da Gama, chamou-o nesse ano para vir para o Rio de Janeiro, nomeando-o administrador da Fábrica de Lapidação de Diamantes e contador geral do Erário e escrivão da Mesa do Tesouro; cargos que exerceu até 1827. No período da Independência, de 1820 a 1822, foi nomeado procurador da Câmara de São João del-Rei como defensor dos interesses mineiros na Corte. Em 1821 foi eleito deputado por Minas Gerais às Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação portuguesa, instaladas em Lisboa, não tendo voltado à capital do reino.13 13 Os deputados que representavam a província de Minas Gerais nas reuniões das Cortes em Lisboa decidiram não participar, por interpretarem que havia uma clara definição por parte dos portugueses em relação ao Brasil. Sobre isto se lê em documento emitido pela deputação mineira, estando nela José de Resende Costa Filho: “Refletindo nós, que nas Cortes [...] se tem proposto, discutido, e deliberado com toda a atenção, e miudeza objetos de utilidade privativa; [...] e que se tem olhado com a maior indiferença para os interesses gerais do rico e vastíssimo Reino do Brasil; acontecendo exprimirem se alguns dos Deputados, já de uma maneira, que horroriza, como na Sessão de 18 de Outubro do ano pretérito, quando se disse - ‘Que mal nos resulta de que os Pernambucanos se degolem uns aos outros’?! Já com mofa e desprezo dos Brasileiros: refletindo, que depois de proclamar-se no Artigo 21 das Bases, que a Constituição, ou Lei fundamental não seria comum a América” (COMMUNICAÇÃO, 1897, p. 4). Após a Independência e já totalmente integrado à vida política do país, foi eleito por Minas Gerais deputado à Assembleia Constituinte brasileira em 1823, encarregada de preparar a primeira Constituição para a pátria recém-nascida, em 1822, e, em seguida, como deputado para a legislatura de 1826 (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989.; PINTO, 1992PINTO, Rosalvo Gonçalves. Os inconfidentes José de Resende Costa (pai e filho) e o arraial da Laje. Brasília: Senado Federal; Subsecretaria de Edições Técnicas, 1992.).

Em 1825, por decreto real de 22 de janeiro, recebeu o Hábito da Ordem de Cristo. Em 1827, após aposentar-se como escrivão da Mesa do Tesouro, recebeu o título de Conselheiro do Império. Como deputado, ficou até 1829 (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989.; PINTO, 1992PINTO, Rosalvo Gonçalves. Os inconfidentes José de Resende Costa (pai e filho) e o arraial da Laje. Brasília: Senado Federal; Subsecretaria de Edições Técnicas, 1992.).

Na Câmara, Resende Costa Filho teve ao seu lado o padre Manuel Rodrigues da Costa, que foi, entre todos os envolvidos, o primeiro a se livrar da pena de degredo. O religioso nasceu em 2 de julho de 1754, em Conceição de Ibitipoca, freguesia do arraial de Nossa Senhora do Campo Alegre de Carijós (distrito do atual município de Lima Duarte), na comarca do Rio das Mortes, em Minas Gerais, sendo seus pais o coronel Manuel Rodrigues da Costa e Joana Teresa de Jesus. (RODRIGUES, 2020RODRIGUES, André Figueiredo; CABREIRA, Maria Alda Barbosa. Em busca de um rosto: a república e a representação de Tiradentes. São Paulo: Humanitas, 2020.).

Manuel Rodrigues da Costa ordenou-se sacerdote em 1780, aos 26 anos de idade, no Seminário de Mariana. Na época de sua prisão, em 1791, vivia com sua mãe na fazenda do Registro Velho, que ficava no caminho entre o Rio de Janeiro e Vila Rica (RODRIGUES, 2010RODRIGUES, André Figueiredo. A fortuna dos inconfidentes: caminho e descaminhos dos bens de conjurados mineiros (1760-1850). São Paulo: Globo, 2010.; RODRIGUES, 2002RODRIGUES, André Figueiredo. O clero e a Conjuração Mineira. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002.).

Entusiasmado pela ideia de revolta, viu-se preso por ter conhecimento da conspiração e não a ter denunciado, em virtude de a sentença aplicada aos sediciosos religiosos ser mantida em segredo por determinação da carta régia de 17 de julho de 1790, que solicitava que os réus eclesiásticos fossem enviados a Lisboa para receberem ali sentença condenatória14 14 “Quanto aos réus eclesiásticos, que sejam remetidos a esta Corte debaixo de segura prisão, com a sentença contra eles proferida, para à vista dela Eu determinar o que melhor me parecer” (AUTOS, 1982, v. 7, p. 269). . Como a Rainha Dona Maria I enlouquecera e não existindo a pretendida condenação, o regente Dom João determinou que se fizesse silêncio perpétuo sobre aquele condenado religioso, passando a ficar esquecido em convento lisboeta. Manuel Rodrigues da Costa ficou recluso na fortaleza de São Julião da Barra, de 30 de setembro de 1792 ao último trimestre de 1796, quando passou a viver no Convento de São Francisco da Cidade, até ser libertado em 1801. Em 1804, quando regressou para Minas Gerais, colocou em prática, na Fazenda do Registro Velho, que pertencia à sua família, técnicas modernas de cultivo da terra que havia aprendido enquanto cumpria condenação em Lisboa (RODRIGUES, 2002RODRIGUES, André Figueiredo. O clero e a Conjuração Mineira. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002.).

Os clérigos ilustrados, que somavam disposição para o progresso, tiveram, no início do século XIX, uma influência especial sobre os homens de lavoura, chegando a serem imitados. Padres como Rodrigues da Costa acumulavam as funções religiosas, as de fazendeiros e homens de negócios, assim como, em muitos casos, as de estudiosos. Muitos eclesiásticos que estudavam em Coimbra associavam o aprendizado da Matemática ou das Ciências Naturais ao da Teologia e de Cânones, sintomas interessantes de como “[...] participavam do espírito dos tempos” (DIAS, 1968DIAS, Maria Odila da Silva. Aspectos da Ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 278, p. 105-170, 1968., p. 145).

O viajante francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), vindo a Minas Gerais em 1817, esteve em sua fazenda e assim a descreveu:

[...] na habitação de Registro Velho, tive um prazer de ver um campo de trigo que prometia colheita, e cujo proprietário plantara, com o maior êxito, macieiras, vinhedos, marmeleiros, ginjeiras, oliveiras e até mesmo pereiras, arvores que tão raramente produzem em outras partes elevadas do Brasil. (SAINT-HILAIRE, 1975SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1975., p. 60).

Esse viajante, assim como o mineralogista inglês John Mawe (1764-1829), observou que os fazendeiros de origem clerical eram menos atrasados que os demais agricultores da região, salientando, dentre esses, que alguns empregavam regularmente fertilizantes em suas terras, inovando as técnicas rurais existentes na tentativa ilustrada de modernização (DIAS, 1968DIAS, Maria Odila da Silva. Aspectos da Ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 278, p. 105-170, 1968.).

De todos os envolvidos na Conjuração Mineira, o padre Manuel Rodrigues da Costa foi o único que conseguiu colocar em prática pelo menos um dos planos sediciosos: a implantação de manufaturas15 15 Entre os planos conjurados discutiram a transformação da capitania de Minas Gerais em uma Republica, com capital em São João del-Rei; a instalação de um parlamento em cada cidade mineira, subordinado ao parlamento da capital; a criação de uma universidade em Vila Rica; que os dízimos seriam recolhidos pelos padres das paroquias, desde que mantivessem professores, escolas, casas de caridade e hospitais e que as jazidas de ferro e demais minérios fossem exploradas, construindo-se uma fábrica de pólvora, etc. . Preocupado com o engrandecimento da pátria, procurou estudar diversas indústrias em Lisboa enquanto esteve recluso, especialmente a de tecidos e a da fabricação de vinhos. Sendo um homem empreendedor, instalou em sua propriedade uma pequena fábrica de tecidos de lã para confeccionar uniformes militares e estabeleceu plantações de vinhas e oliveiras, como descritas por Auguste de Saint-Hilaire. (AUTOS, 1981AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados ; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1981. v. 4., v. 4, p. 236-237; RODRIGUES, 2002RODRIGUES, André Figueiredo. O clero e a Conjuração Mineira. São Paulo: Humanitas FFLCH-USP, 2002.).

Além de próspero proprietário rural, Manuel Rodrigues destacou-se também como um dos ardentes promotores da Independência do Brasil na província de Minas Gerais, pela qual foi eleito deputado para a Assembleia Constituinte de 1823 e para a legislatura de 1826, de que requereu e obteve dispensa da Câmara, em razão de sua idade avançada, pois já estava com 72 anos, e por questões de saúde.

De traidores a patriotas

Após o retorno ao Brasil daqueles dois ex-inconfidentes, eles se envolveram em funções administrativas no âmbito do Império luso-brasileiro e nos debates acerca do nosso processo de autonomia. E no contexto de um Brasil recém-independente, fez-se necessário elaborar nosso primeiro conjunto de leis, a Constituição16 16 Mas a proposta de se elaborar uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, para essa finalidade, de se elaborar nossa primeira Constituição, tem sua história estritamente ligada à Revolução Liberal do Porto, de 1820, que foi, antes de tudo, um movimento antiabsolutista e antibrasileiro, nascido do ressentimento lusitano que buscava reduzir o Brasil ao seu antigo status de colônia, rompendo quaisquer propostas de autonomia econômica e comercial anteriormente conquistada. Explica Ernani Ribeiro, ao comentar o histórico da Assembleia Constituinte brasileira de 1823, que a “Revolução Constitucionalista do Porto foi um movimento turbilhonar de ideias liberais, que arrastava adeptos entusiásticos em todas as partes do Império luso. No Brasil, primeiro o Pará, depois a Bahia, o Rio de Janeiro, enfim, o Reino todo declara-se ‘constitucional’ e atende ao decreto que ordena a realização de eleições para deputados as Cortes de Lisboa. Assim como o rei o era dos três reinos - Portugal, Brasil e Algarves -, o Congresso faria uma constituição e legislaria para os três reinos - a ‘nação’ - como então diziam” (BRASIL, 2015, p. 37). .

A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil foi convocada na cidade do Rio de Janeiro em 3 de junho de 1822 pelo regente Dom Pedro, instalada em 3 de maio de 1823 e dissolvida por decreto imperial a 12 de novembro do mesmo ano. Contou com a participação de funcionários públicos, proprietários de terras, intelectuais e eclesiásticos, partidários de ideais absolutistas ou liberais moderados (BRASIL, 2003BRASIL. Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa (1823). Diário da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil - 1823. Introdução de Pedro Calmon. Brasília: Edições do Senado Federal, 2003. (Edição fac-similar)., p. 10-11, 18-19, 21-22; BRASIL, 2015, p. 29; 40)17 17 A eleição à Assembleia Constituinte de 1823 “[...] favoreceu de modo especial ex-revolucionários: conjurados mineiros e baianos e líderes da revolução pernambucana de 1817” (BRASIL, 2015, p. 50). .

Os dois ex-conjurados participaram das cinco sessões preparatórias, ocorridas entre 17 de abril e 2 de maio de 1823, instaladas no prédio que abrigou o Tribunal da Relação - que os julgou como rebeldes - e serviu também de carceragem para alguns de seus colegas de infortúnio (BRASIL, 2003BRASIL. Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa (1823). Diário da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil - 1823. Introdução de Pedro Calmon. Brasília: Edições do Senado Federal, 2003. (Edição fac-similar)., p. 35; BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
, p. 41-42). Foi no prédio da Cadeia Velha que, em 1792, no pavor da leitura da sentença condenatória aos sediciosos mineiros, que José de Resende Costa Filho, após permanecer preso naquele local por quase dois anos, escutou, em primeira vez, sua condenação à morte na forca; que depois reverteu-se, em virtude de uma carta régia de Dona Maria I, a comutação de sua pena em degredo para a África.18 18 A Cadeia Velha foi escolhida como sede da Assembleia Constituinte brasileira em dezembro de 1822, por “determinação do ministro da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada”. Nessa época, o prédio se achava desocupado e “era o edifício que melhores proporções oferecia”. Sua decoração foi entregue a Theodoro José Biancardi, por indicação de José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão de Martim Francisco (BRASIL, 2015, p. 40). E, no contexto, pouco mais de 30 anos depois, voltou àquele local de agonia! Em registro inusitado de sua presença naquele prédio, Theodoro José Biancardi (1777-1849), responsável pela decoração do local e oficial da Secretaria da Assembleia Constituinte, de acordo com informações transmitidas por Alexandre José de Mello Morais (1816-1882), informou que:

[...] quando estava mandando assoalhar a boca do alçapão, de repente, vê um homem, vestido de preto, ajoelhar-se perto da boca do alçapão, que se estava fechando, e, unindo as mãos, levanta os olhos para o céu, e disse estas palavras, que, tradicionalmente conservadas, me foram repetidas: “louvado sejais, meu Deus: quando, em 1792, eu sai por aqui, para cumprir a sentença que me foi imposta por ocasião da Conjuração Mineira, não me passou pelo pensamento que seria eu hoje um dos membros da Assembleia Geral Legislativa e Constituinte do Brasil!!! Louvado seja o Senhor meu Deus”. (CASTRO, 1926 apudBRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
, p. 51).19 19 Chegamos a esse texto a partir de uma referência apresentada por Wederson de Souza Gomes em comunicação acerca da trajetória de José de Resende Costa Filho e o convite que lhe fora feito em 1839 para ingresso no IHGB como sócio correspondente (GOMES, 2017, p. 8).

Já o padre Manuel Rodrigues da Costa, apesar de ter cumprido prisão no Convento da Ordem Terceira de São Francisco, ao entrar no prédio da Cadeia Velha deve também ter sentido difíceis lembranças dos sofrimentos passados por seus companheiros de levante. Não esteve ali recluso, pois, em decorrência de seu estado de religioso, como se disse, foi enviado para Lisboa para lá receber sentença condenatória, o que não ocorreu, ficando ele, assim como os demais eclesiásticos, esquecido em conventos naquela localidade portuguesa.

Mas, depois de conviverem no ambiente político contestatório de Minas Gerais e serem punidos por isso, José de Resende Costa Filho e Manuel Rodrigues da Costa deram a volta por cima, passando de traidores a apoiadores do Império, mostrando-se fiéis à monarquia. A partir de 1809, de acordo com pesquisas de Wederson de Souza Gomes, empreendidas sobre a atuação de Resende Costa Filho e seu desempenho político no âmbito do Império luso-brasileiro, em cartas a Dom José Antônio de Meneses e Sousa Coutinho, o Principal de Sousa, integrante da regência governativa em Portugal e irmão de dom Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, após o estabelecimento da família real no Rio de Janeiro, hostiliza aqueles que vacilavam na sua fidelidade e respeito ao monarca. Exemplo disso foram seus ataques, em várias missivas, aos moradores de Buenos Aires, que, com a deposição do rei de Espanha, Fernando VII, por Napoleão Bonaparte, da França, flertavam com a revolução, sendo classificados por ele como “traidores” (GOMES, 2019GOMES, Wederson de Souza. Patriotismo luso-brasileiro: a felicidade e o bem comum no imaginário ilustrado das primeiras décadas do século XIX. Mosaico, Rio de Janeiro, FGV, v. 10, n. 16, p. 125-140, 2019. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/79222/76516. Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 130). Em uma dessas epístolas, se refere a isso escrevendo: “[...] me é de um grande bem a sufocar-se a hidra Revolucionária dos Buenaristas” (apudGOMES, 2019GOMES, Wederson de Souza. Patriotismo luso-brasileiro: a felicidade e o bem comum no imaginário ilustrado das primeiras décadas do século XIX. Mosaico, Rio de Janeiro, FGV, v. 10, n. 16, p. 125-140, 2019. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/79222/76516. Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 131).

Por outro lado, ao aludir essa mesma situação na província de Montevidéu, elogiou seus moradores e a administração local, chamando-os de “patriotas” por eles terem se mantido fiéis à monarquia espanhola, mesmo após a deposição de seu rei (GOMES, 2019GOMES, Wederson de Souza. Patriotismo luso-brasileiro: a felicidade e o bem comum no imaginário ilustrado das primeiras décadas do século XIX. Mosaico, Rio de Janeiro, FGV, v. 10, n. 16, p. 125-140, 2019. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/79222/76516. Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 130).

Essa postura, aliás, contrastava com o que ele divulgava na época em que se preparava o movimento sedicioso mineiro. Em certa ocasião, antes de sua prisão, repetia aos ventos ideais sediciosos de liberdade e rompimento dos laços coloniais, a fim de “sacudirem[-se] fora da obediência que devem prestar aos seus legítimos soberanos”, como escreveu Basílio de Brito Malheiro do Lago, em trecho da carta-denúncia ao referir-se aos nacionais do Brasil, que divulgavam, como fazia Resende Costa Filho, proposições independentistas e republicanas. Já após a prisão do padre Carlos Correia de Toledo (1731-1803), que o aliciou, e se ver na categoria de investigado, decidiu, em conjunto com seu pai de igual nome, protestar fidelidade à rainha Maria I, escrevendo em carta de delação de 30 de junho de 1789: “Beijamos humildemente as mãos de V. Exa. Deus guarde a V. Exa. por dilatados anos. [...] Fiéis e humildes servos de Vossa Excelência” (AUTOS, 1978AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados ; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1978. v. 2., v. 2, p. 463); e, na sequência, em depoimento prestado em 8 de julho, conta em detalhes o que sabia da revolta, escrutinando os planos da sedição e seus principais participantes, atestando que aquelas informações eram frutos de prelações que ouviu e de conversas que manteve com personagens importantes da trama sediciosa (AUTOS, 1976AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1976. v. 1., v. 1, p. 255-256).

Seu comportamento mostra dubiedade e compromisso com os jogos do poder e as circunstâncias, e o caso do prestar fidelidade atesta isso. No excerto prestativo ao exercício de lealdade ao rei espanhol, José de Resende Costa Filho, ao referir-se ao governo de Buenos Aires como revolucionário, alude os buenaristas em tom negativo, já que eles pretendiam edificar, naquela parte da América Hispânica, uma junta governativa autônoma. Ideia nada obstante ao proposto nas reuniões inconfidentes, que previam Minas Gerais como unidade autônoma do Império português e da qual ele mostrava-se favorável ao incentivar positivamente tal situação no final do século XVIII. E José de Resende Costa Filho vai mais longe: informou em seu depoimento que havia a proposta de se constituir em Minas Gerais uma república centralizada e que o governo a ser formado deveria retirar a sua autoridade de uma concordância popular, de interesses locais comuns; contrastando com seu posicionamento posterior de crítica às ações empreendidas pelos moradores da província de Buenos Aires contra a dominação espanhola. E ainda continuou em seu depoimento informando que o poder administrativo em Minas seria dividido em casas legislativas espalhadas pela capitania, provavelmente em número de sete parlamentos (câmaras), com competência para legislar sobre matéria de interesse local, respeitando-se os princípios básicos de uma legislação geral que atenderia toda a capitania (AUTOS, 1981AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados ; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1981. v. 4., v. 4, p. 208). Como avalia Wederson Gomes, “[...] o posicionamento crítico que o intelectual possuía acerca dos revolucionários é relevante para pensarmos a própria fidelidade que ele dedicava à nação e à monarquia portuguesa” (GOMES, 2019GOMES, Wederson de Souza. Patriotismo luso-brasileiro: a felicidade e o bem comum no imaginário ilustrado das primeiras décadas do século XIX. Mosaico, Rio de Janeiro, FGV, v. 10, n. 16, p. 125-140, 2019. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/79222/76516. Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 132).

Ainda em sua perspectiva, Resende Costa Filho compreendia que as monarquias ibéricas, que enfrentavam na primeira década do século XIX turbulências políticas ocasionadas pelo expansionismo francês na Europa, deviam unir seus súditos em condições de derrotar aquela ameaça externa ao reforçar laços entre a metrópole e suas colônias nas Américas. Nessa concepção, e atentando-se à realidade do Império luso-brasileiro, defende laços de fidelidade e respeito ao monarca português, principalmente ao se mostrar terminantemente contrário à Revolução Pernambucana de 1817, evento que levou mais longe a luta por independência, com a fundação de uma república que durou algumas semanas, revelando sua flagrante condenação a aquele episódio e ao tratar seus líderes como “infames rebelados” (GOMES, 2019GOMES, Wederson de Souza. Patriotismo luso-brasileiro: a felicidade e o bem comum no imaginário ilustrado das primeiras décadas do século XIX. Mosaico, Rio de Janeiro, FGV, v. 10, n. 16, p. 125-140, 2019. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/mosaico/article/view/79222/76516. Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
, p. 132-133).

No entanto, na Assembleia Constituinte de 1823, José de Resende Costa Filho não se envolveu em debates políticos intensos20 20 Na Assembleia sugestionou um projeto de lei e três propostas de alteração legislativa (nominadas por Indicação). Em 18 de junho apresentou à Comissão de Redação do Regimento Provisório o projeto de lei nº 14 que propôs a revogação do alvará de 5 de novembro de 1808, que dispunha sobre o “controle dos preços de drogas e medicamentos vendidos” pelos boticários, estabelecendo-se regulamento com valores máximos. Provisoriamente aprovado, foi encaminhado para relatoria de José Antônio da Silva Maia, cuja leitura de seu parecer e discussão plenária ocorreu em 27 de julho. Sob intenso debate, a decisão de sua aprovação foi adiada (BRASIL, 1874a, t. 1, p. 141-142). Em 7 de agosto, o projeto foi levado ao plenário e, ali, em votação, reprovado (BRASIL, 1874d, t. 4, p. 32-33). Ainda em 18 de junho, apresentou a Indicação nº 1, que, em virtude da proposta anterior e com a finalidade de se preparar tal regimento, sugestionou a criação de uma Junta de Saúde Pública que reunisse “as atribuições, encargos e jurisdição do físico-mor, do provedor-mor da saúde e do cirurgião-mor do império e da qual façam parte estes membros e outros que a Assembleia designar”. (BRASIL, 1874b, t. 2, p. 71; BRASIL, 2015, p. 139). Sua segunda Indicação, apresentada em 4 de julho, recomendou a revisão da legislação concernente ao juízo dos defuntos e ausentes, com o objetivo de disciplinar a legislação então existente, que, para ele, era “vaga”, “contraditória” e “cheia de embaraços contra o direito de propriedade”, já que ela evidenciava atos arbitrários comuns praticados contra heranças que nas mãos de tesoureiros e oficiais de juízos das provedorias tomavam para si parcela significativa daqueles patrimônios - escravos, casas e móveis - em detrimento das verdadeiras pessoas que deveriam utilizá-lo; além de, muitas vezes, não fazerem cumprir cláusulas testamentárias e legados vinculados a capelas e obras pias, assim como fiscalizar as contas de irmandades religiosas seculares (BRASIL, 1874c, t. 3, p. 14-16; BRASIL, 2015, p. 139). Já em sua última Indicação, a de nº 3, datada de 22 de julho, objetivou discutir os excessos praticados nas cobranças de direitos religiosos - côngruas (salários), conhecenças (dízimo pessoal que os fiéis eram obrigados a contribuir para sustentar seus pastores) e direitos paroquiais - no bispado de Mariana (BRASIL, 1874c, t. 3, p. 100-101; BRASIL, 2015, p. 139). No final, nenhuma de suas propostas foi aprovada em plenário. . Protestou votos de fidelidade ao rei e mostrou-se partidário de que as decisões políticas deveriam centralizar-se no Rio de Janeiro, em clara oposição as disputas políticas que arrefeciam os debates acerca da união por um pacto constitucional que não permitisse que províncias como a da Bahia, a Cisplatina (atual Uruguai), a do Pará e a do Maranhão reivindicassem o direito de se manterem unidos ao reino de Portugal. No contexto, optou-se pela adesão em torno do príncipe-regente Dom Pedro de Alcântara, que congregava em torno de si interesses do centrossul do Brasil e a permanência de estruturas coloniais, como a escravidão, a unidade territorial e o modelo monárquico, que interessava às elites políticas e econômicas continuar.

Também como seu colega mineiro, o padre Manuel Rodrigues da Costa teve participação discreta na Assembleia Constituinte; à semelhança da também sua atuação contida na revolta de 1789. Ele se envolveu em debates vinculados a temas ligados à liberdade religiosa,21 21 Na Assembleia Constituinte, Manuel Rodrigues da Costa teve participação discreta, aparecendo, como se disse, com destaque nas discussões sobre liberdade religiosa, catequese de indígenas e anistia a presos políticos. Nas discussões intensas sobre direitos individuais empenhou-se pela não aprovação de “liberdade religiosa” aos brasileiros. Sua intervenção resultou em intenso debate, sendo acusado por dois eclesiásticos pernambucanos (Venâncio Henriques de Resende e Francisco Muniz Tavares) de ser “intolerante religioso”. As falas destes dois deputados, proclamadas em 8 de outubro, direcionaram-se por caminhos que as ligavam mais a uma simbiose entre religião e os ditames estatais do que suas interconexões com a Igreja católica apostólica romana. Por sua vez, a interpretação de Rodrigues da Costa evidencia um posicionamento intransigente de defesa da religião, e diretamente da Igreja católica, por entendê-la como um importante fundamento moral e civilizacional da sociedade, recriminando a ideia da liberdade religiosa existente no projeto constitucional (BRASIL, 1874a, t. 1, p. 40-41 e 43-53). Às vésperas da dissolução da Assembleia Constituinte, a 6 de novembro de 1823, foram votadas e aprovadas várias emendas sobre religião. Em uma delas, proposta pelo futuro senador do Império Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, dizia: “A religião católica apostólica romana é a religião do Império, única mantida por ele com culto público; e porém livre o culto privado de todas as outras que não forem destrutivas da moral” (BRASIL, 1874e, t. 6, p. 207). E dentre as bases da organização político-institucional do recém-independente Brasil, a Constituição de 1824, outorgada por Pedro I, conferiu ao catolicismo romano o atributo de religião oficial do Império. A separação entre a Igreja e o Estado viu-se concretizada em 7 de janeiro de 1890, após a instauração da República (1889), e efetivamente consagrada a partir da Constituição de 1891. (RODRIGUES, 2020, p. 163) à catequese de indígenas e à anistia aos presos políticos que lutaram para que o Brasil se emancipasse de Portugal22 22 Em 12 de maio, Manuel Rodrigues da Costa foi eleito partícipe da Comissão de Colonização e de Civilização e Catequização dos indígenas selvagens do Brasil, ao lado de João Gomes da Silveira Mendonça, marquês de Sabará e oficial superior do Exército, e de Antônio Gonçalves Gomide (BRASIL, 1874, t. 1, p. 47). Dois meses depois, em 28 de julho, a comissão passou a contar com mais dois membros: José Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro visconde de São Leopoldo, e Luiz José de Carvalho e Mello, futuro visconde de Cachoeira (BRASIL, 1874, t. 3, p. 128). .

Em 5 de maio, o deputado Antônio Martins Bastos, eleito pelo Rio Grande do Sul, inicia discussão acalorada, acusando Dom Pedro, que estava presente, de agir de maneira arbitrária e anticonstitucional em ações de repressão a opositores políticos que defenderam posicionamento diverso do governo do príncipe-regente no adesismo ao projeto de independência; e, em virtude disso, a administração central, no Rio de Janeiro, passou a perseguir governos provinciais que continuaram a seguir determinações de Lisboa, como Bahia, Maranhão, Cisplatina e Pará. Os conflitos armados que se seguiram levaram a diversas prisões, até o apaziguamento daquelas regiões. E a fala de Antônio Bastos direcionou-se nesse sentido: o de que se deveria ofertar anistia plena aos revoltosos que lutaram contra a Independência do Brasil, assim como a favor dos revolucionários que propuseram medidas independentistas contra a Coroa portuguesa em 1817 (BRASIL, 1874aBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
, t. 1, p. 21)23 23 Em explicação sobre o que foi a Assembleia Constituinte, Ernani Valter Ribeiro escreveu: “Dos revolucionários de 1817, integraram a Assembleia Antônio Carlos e os padres Francisco Muniz Tavares, Jose Martiniano de Alencar, Joao Antônio Rodrigues de Carvalho e Venâncio Henriques de Resende. ‘Quando o governo real venceu a revolução, Antônio Carlos foi preso e mandado para a Bahia, onde, desembarcando acorrentado, se viu metido, completamente nu, numa enxovia, com grilhões aos pês e corrente ao pescoço [...]. Durante longos dias, o alimento que lhe forneceram não passou de um pedaço de carne quase sempre podre envolto em farinha [...] no cárcere [...] ficou quase quatro anos’ (SOUSA, [Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,] 1972, v. 7, p. 230). Do presídio baiano, sairá Antônio Carlos para as Cortes de Lisboa, onde revelara todos seus dotes oratórios e sua extraordinária coragem. Quando se convenceu de que a maioria portuguesa daquela Assembleia tudo decidia contra os interesses brasileiros e que não licenciava os deputados que queriam regressar a pátria, decidiu fugir com alguns companheiros. Gomes de Carvalho relata que na ‘manhã de 6 de outubro estalou a nova de terem na véspera tomado barco inglês com destino a Falmouth, Lino Coutinho, Barata, Agostinho Gomes, Antônio Carlos, Bueno, Costa Aguiar e Feijó. A cólera contra eles explodiu com violência e de Portugal estendeu-se as possessões. A imprensa cobriu-os de injúrias; nas Cortes, Xavier Monteiro requereu que não fossem considerados portugueses, e os madeirenses assanhados tentaram arrebatá-los do navio inglês de escala em Funchal, que os levava a pátria’. (CARVALHO, [Manuel Emilio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes de 1821. Brasília: Senado Federal; EdUnB,] 1979, p. 271)” (BRASIL, 2015, p. 51). .

A proposta, portanto, pretendia “socorrer a humanidade oprimida”, pela “anistia” que aliviaria “o mal de muitos homens”24 24 Disse Antônio Martins Bastos: “Sendo inegável que não pequeno número de cidadãos, desvairados, e o que mais é, ainda menos atenciosos a seus verdadeiros interesses tem cabido em erros de opinião pelo que respeita à sagrada causa da independência e ao sistema de governo monárquico-constitucional, felizmente adotado, achando-se a maior parte sofrendo os horrores dos cárceres e prisões (como que assim exigia a segurança do Império) outros fugitivos e expatriados, cujo receio de tão fracos inimigos deve desaparecer à vista do estado físico e moral em que nos encontramos pela força e consistência do Império, e pela decidida opinião dos povos, parece que esta augusta assembleia, entrando em suas altas funções seguirá sem dúvida uma vereda que a prudência requer e a generosidade recomenda se conceder uma anistia geral a todos os que se acharem nas circunstâncias acima referidas” (BRASIL, 1874a, t. 1, p. 21). . Assim, na sessão de 9 de maio de 1823, a discussão que previa indulto a todas as pessoas que abraçaram a causa da Independência, seja qual tenha sido sua opinião política, apareceu em plenário, e, na ocasião, Antônio Martins Bastos propôs a seguinte resolução:

1º Que se conceda plena, e completa anistia a todos aqueles que direta ou indiretamente se tenham envolvidos em objetos políticos, pelo que respeita a sagrada causa da Independência, e ao sistema de governo monárquico constitucional, que felizmente temos adotado; quer se achem presos, ausentes ou expatriados.

2º Que a presente anistia seja extensiva a todos as pessoas contra quem se tenham já começado processos ou pronunciado sentença. (BRASIL, 1874aBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
, t. 1, p. 40).

No debate da proposta, o deputado José Martiniano de Alencar, pela província do Ceará, mostrando independência frente ao imperador, acusou o gabinete Andrada de prender, deportar e processar, em vários locais do Brasil, seus adversários políticos, estando dentre esses alguns próceres da Independência, como Joaquim Gonçalves Ledo (1781-1847), que havia fugido para Buenos Aires25 25 Gonçalves Ledo foi um dos articuladores da Independência do Brasil, sendo um dos responsáveis pela permanência de dom Pedro em contrariedade às ordens das Cortes lisboetas. Para evitar quaisquer ameaças recolonizadoras, propôs ao príncipe-regente a convocação de uma Assembleia Constituinte. Dom Pedro convocou a Assembleia e proclamou Ledo conselheiro do governo. Nas discussões para se convocar a Constituinte, Ledo e seu grupo partidário, os liberais, apoiaram a ideia de eleições diretas para deputados; enquanto José Bonifácio sugeriu eleições indiretas, com nomeação governamental. Após a Independência, Ledo foi acusado por Bonifácio de ser republicano e passou a persegui-lo, até mesmo sofrendo ameaça de morte. Ao final, por segurança, deixou o país e foi exilar-se na Argentina. Conferir: ASLAN, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Ledo. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1975; BANDECHI, Brasil. Joaquim Gonçalves Ledo, o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil e a Independência. Revista de História, São Paulo, v. 52, n. 103, p. 687-699, 1975. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/133173/129275. Acesso em: 5 abr. 2022. .

Postos a votos o projeto, o gabinete Andrada combateu a anistia, que foi rejeitada por 35 contra 17 votos26 26 A indisposição contra o autoritarismo dos Andradas chegou a tal monta que, por pressão e por várias divergências políticas, como a empreendida - e com violência física - contra o jornalista Luís Augusto May, redator do jornal Malagueta, de oposição aos Andradas, proporcionaram a demissão daquele gabinete em 17 de julho de 1823. Conferir: ANTÔNIO, Carlos Ribeiro de Andrada. Dicionário histórico biográfico brasileiro pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. Disponível em: https://goo.gl/yyKUBa. Acesso em: 5 abr. 2022; NEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Antônio Carlos de Andrada. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. . O padre Manuel Rodrigues da Costa votou a favor, pois ele sabia dos dissabores de ser preso, julgado e condenado por querer ver sua terra livre do jugo metropolitano e, também, autônoma para decidir sobre seus próprios caminhos.

Embora nos depoimentos a devassa da Inconfidência tenha se esforçado para se mostrar refratário a qualquer ideia crítica em relação ao domínio de Portugal na América, chegando mesmo a dizer em 30 de julho de 1789, a respeito das propostas rebeldes de Tiradentes, “que semelhantes coisas nem pensar se deviam”; ele se envolveu na conspiração, participando de encontros em que se debatiam temas centrais do projeto de sublevação. Em uma dessas reuniões, Tiradentes teria mencionado, em uma longa exposição, a riqueza de Minas Gerais, a submissão dos povos à opressão dos governadores e seus auxiliares (“Tiradentes, queixando-se-lhe amargamente dos Governadores destas Minas: que se achavam assoladas e que já se faziam intoleráveis os seus despotismos”) e a intenção de libertar a região da dependência com a Europa (“e que este país podia ser um Império”) (AUTOS, 1976AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1976. v. 1., v. 1, p. 200-201).

O esforço de aproximar as ações políticas dos inconfidentes, nem sempre transparentes em virtude do ambiente hostil no qual os depoimentos foram captados, convertidos em devotados patriotas, com a linguagem usada nos idos de 1789 e de 1822, não resulta coerente. Afinal, como escreveu Reinhart Koselleck,

Um traço característico do tempo histórico é a reprodução continua da tensão entre, de um lado, a sociedade e sua mudança e, do outro, o processamento e a elaboração linguísticos das mesmas. Cada história nutre-se dessa tensão. Relações sociais, conflitos, suas soluções e seus pressupostos mutáveis nunca coincidem com as articulações linguísticas em virtude das quais as sociedades agem, se compreendem, interpretam, mudam e se reconfiguram. (KOSELLECK, 2020KOSELLECK, Reinhart. Histórias de conceitos: estudos sobre s semântica e a pragmática da linguagem política e social. Tradução de Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020. , p. 20).

Considerações finais

As trajetórias de José de Resende Costa Filho e Manuel Rodrigues da Costa, envolvidos na pretendida revolta mineira de 1789, na qual foram condenados e expulsos da América portuguesa em 1792, evidenciam dois casos de personagens que após a Independência do Brasil, em 1822, reabilitaram-se politicamente, mesmo que para isso fossem necessários o abandono dos princípios que de início defenderam, como o rompimento dos laços coloniais e do regime monárquico no território das Minas Gerais. Após o cumprimento de suas sentenças condenatórias, eles conseguiram regressar ao Brasil, e, aqui, abraçaram a causa monárquica, da mesma dinastia que haviam combatido décadas antes enquanto partícipes da Inconfidência Mineira.

E justamente essa mudança de postura, muito atrelada às circunstâncias econômicas que participaram no âmbito do Império luso-brasileiro, mesmo antes de regressarem ao local onde viviam antes de suas condenações, incorporando-se à estrutura política vigente. E coube ao marquês de Baependi ajudá-los a se reerguerem da pecha de traidores da monarquia luso-brasileiro para patriotas defensores de uma monarquia continuísta da casa reinante portuguesa em terras do Brasil. Ao acompanhar, a partir das poucas fontes documentais existentes, as experiências e as linguagens políticas desses dois ex-inconfidentes, é-nos possível evidenciar essa volta por cima, mostrando-os fiéis à monarquia. Seus compromissos com os jogos de poder e as circunstâncias mostram o quanto José de Resende Costa Filho e Manuel Rodrigues da Costa eram homens de seus tempos e que suas ações de fidelidade ocorrem em detrimento de dubiedades de suas ideias e ações. Independentemente disso, conseguem reabilitar-se, passando de traidores do Império luso-brasileiro a patriotas da monarquia brasileira.

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    » http://uece.br/eventos/semanadehistoriadafeclesc/anais/trabalhos_completos/245-18759-05062016-234846.pdf.
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  • SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

NOTAS

  • 1
    Trecho com ortografia atualizada.
  • 2
    Para os limites e possibilidades de uso de textos de memória na pesquisa histórica, conferir, por exemplo: ALBIERI, Sara; GLEZER, RaquelALBIERI, Sara; GLEZER, Raquel. O campo da história e as "obras fronteiriças": algumas observações sobre a produção historiográfica brasileira e uma proposta de conciliação. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 48, p. 13-30, 2009.. O campo da história e as “obras fronteiriças”: algumas observações sobre a produção historiográfica brasileira e uma proposta de conciliação. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo: IEB-USP, n. 48, p. 13-30, 2009; GOBBI, Márcia Valéria ZamboniGOBBI, Márcia Valéria Zamboni. Relações entre ficção e história: uma breve revisão teórica. Itinerários, v. 22, p. 37-57, 2004. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/2736/2473 . Acesso em: 27 mar. 2022.
    https://periodicos.fclar.unesp.br/itiner...
    . Relações entre ficção e história: uma breve revisão teórica. Itinerários, Araraquara: UNESP, v. 22, p. 37-57, 2004. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/itinerarios/article/view/2736/2473. Acesso em: 27 mar. 2022; PESAVENTO, Sandra JatahyPESAVENTO, Sandra Jatahy. Fronteiras da ficção: diálogos da história com a literatura. Revista de História das Ideias, v. 21, p. 33-57, 2000. Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/41745/1/Fronteiras_da_ficcao.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
    https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10...
    . Fronteiras da ficção: diálogos da história com a literatura. Revista de História das Ideias, Coimbra: Universidade de Coimbra, v. 21, p. 33-57, 2000. Disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/41745/1/Fronteiras_da_ficcao.pdf. Acesso em: 22 mar. 2022; RICOEUR, PaulRICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
  • 3
    Vale lembrar que até agora não se conhecia a maneira como Manuel Jacinto Nogueira da Gama, o marquês de Baependi, teve conhecimento daqueles dois personagens. O texto memorialístico de seu sobrinho elucida, portanto, como ele soube daqueles dois participantes da Inconfidência Mineira e como o processo de suas libertações chegou ao príncipe-regente Dom João.
  • 4
    José de Sá Bittencourt Acioli formou-se em Filosofia, em 1787, pela Universidade de Coimbra. Depois empreendeu estudos na França e na Inglaterra. Ao regressar ao Brasil e se instalar em Minas Gerais, sua terra natal, passou a se dedicar aos trabalhos de cerâmica e na fundição de ferro. Denunciado por participar da Inconfidência, fugiu para a Bahia, onde foi preso no engenho Acarahy a mando do governador visconde de Barbacena. Enquanto esteve preso no Rio de Janeiro, contou com a ajuda de parentes que, também, no final do processo, conseguiram sua libertação por ações corruptivas que empreenderam a membros da Alçada para não o incriminar. Solto, voltou à Bahia e estabeleceu plantações de algodão nas margens do rio das Contas. Por ordem régia de 12 de junho de 1799, foi designado responsável por realizar expedição mineralógica em minas de salitre em Montes Altos. Na sequência, em Minas Gerais, montou uma fábrica de salitre, mas, sem apoio governamental, desistiu do empreendimento, demitindo-se, com anuência do príncipe-regente Dom João (SILVA, 1909SILVA, Ignacio Accioli Cerqueira e. José de Sá Bitancourt Accioli. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 14, p. 475-480, 1909. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/1859.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022.
    http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acer...
    , p. 475-478). Seu irmão, Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, o intendente da Câmara, considerado o pai da siderurgia brasileira, formou-se em Leis pela Universidade de Coimbra, em 1788. Estudou e pesquisou mineralogia em vários centros europeus, com financiamentos da Coroa portuguesa. Em Portugal foi conselheiro do governo em Montanística (extração e fusão de metais). Foi intendente geral das minas de ouro e diamantes do Brasil por 15 anos, de 1807 a 1823, quando ingressou como deputado na Assembleia Constituinte, sendo eleito seu presidente. Em 1821, foi eleito deputado às Cortes de Lisboa (MENDONÇA, 1933MENDONÇA, Marcos Carneiro de. O intendente Câmara: Manoel Ferreira da Câmara Bethencourt e Sá intendente geral das minas e dos diamantes: 1764-1835. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933.). Já José Álvares Maciel, também formado em Filosofia em Coimbra, ampliou estudos em Química e Metalurgia na Inglaterra. No Rio de Janeiro, em 1788, conheceu Tiradentes e ambos passaram a discutir projetos de melhoria nas áreas de manufaturas e metalurgia para as Minas Gerais. Entre 1788 e 1789, na capitania de Minas Gerais, a mando do governador visconde de Barbacena, empreendeu estudos de vegetais e minerais nos sertões mineiros. Envolvido na Inconfidência Mineira, foi preso e condenado ao exílio em Angola, na África. Em 1799, construiu, a pedido de Sua Majestade, na Ilha de Illamba, alguns fornos, a fim de fazer aproveitar jazidas de ferro ali encontradas (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989., p. 144-148).
  • 5
    A presença dos inconfidentes Resende Costa, Rodrigues da Costa, além de José de Sá Bittencourt e Accioli, nos dois movimentos foi tema do capítulo “Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do último quartel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação”, de João Pinto Furtado (FURTADO, 2006FURTADO, João Pinto. Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do último quartel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação. In: MALERBA, Jurandir (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 99-121., p. 99-121). Atento a debater, sob o ponto de vista historiográfico e da memória, a relação entre as inconfidências e a independência, a partir da releitura dos eventos passados feita pelos agentes da emancipação, não foi intenção do autor lidar com os discursos políticos e as vivências específicas desses atores.
  • 6
    A esse respeito, João Furtado escreveu que os personagens “[...] puderam nesse processo de reconciliar com a monarquia, com os Bragança e, por que não dizer, com sua história imediata” (FURTADO, 2006FURTADO, João Pinto. Das múltiplas utilidades das revoltas: movimentos sediciosos do último quartel do século XVIII e sua apropriação no processo de construção da nação. In: MALERBA, Jurandir (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 99-121., p. 119).
  • 7
    Inspirador na abordagem sobre as “linguagens políticas múltiplas”, conduzidas por indivíduos em circunstâncias políticas diversas entre o final do século XVIII e o início do século XIX, é o artigo de: NEVES, Lúcia Maria Bastos PNEVES, Lúcia Maria Bastos P. Um baiano na setembrizada: Vicente José Cardoso da Costa (1765-1834). In: RODRIGUES, José Damião (coord.). O Atlântico revolucionário: circulação de ideias e de elites no final do Antigo Regime. Ponta Delgada: Centro de História de Além-Mar, 2012. p. 119-136.. Um baiano na setembrizada: Vicente José Cardoso da Costa (1765-1834). In: RODRIGUES, José Damião (coord.). O Atlântico revolucionário: circulação de ideias e de elites no final do Antigo Regime. Ponta Delgada: Centro de História de Além-Mar, 2012, p. 119-136.
  • 8
    Para a discussão historiográfica e análise sobre a associação entre os movimentos de 1789 e 1822, ver: SILVA, Ana Rosa ClocletSILVA, Ana Rosa Cloclet. Identidades políticas e a emergência do novo Estado nacional: o caso mineiro. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec , 2005. p. 517-522.. Identidades políticas e a emergência do novo Estado nacional: o caso mineiro. In: JANCSÓ, István (org.) Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 517-522.
  • 9
    Vários historiadores compartilham dessa ideia como Lúcio José dos Santos (com o seu A Inconfidência Mineira: papel de Tiradentes na Inconfidência Mineira, 1927), José Pedro Xavier da Veiga (em Efemérides mineiras - 1664-1897, 1897), Kenneth Maxwell (com A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808, 1973) e Márcio Jardim (com A Inconfidência Mineira: uma síntese factual, 1989). Aliás, Márcio Jardim é um dos poucos autores que sustenta a proposta de que os mineiros que lideraram a Inconfidência “[...] tinham bem em vista a independência global do Brasil, não tendo jamais passado por seus planos a hipótese de formar uma república só em Minas Gerais” (JARDIM, 1989JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1989., p. 344).
  • 10
    Iara Lis Carvalho Souza, analisando as representações sobre dom Pedro I, a partir de meados do século XIX, examina a construção elaborada pelo jornalista Theophilo Ottoni, que associou o imperador à história da luta política de Tiradentes, terminando o periodista por concluir: “Um planejara, outro realizava a independência” (SOUZA, 1999SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831. São Paulo: Editora UNESP, 1999., p. 360).
  • 11
    Durante a realização da Assembleia Constituinte de 1823, José de Resende Costa e Manuel Jacinto Nogueira da Gama, o marquês de Baependi, se encontrarão, sendo o primeiro indicado como deputado pela capitania de Minas Gerais e, o segundo, como deputado geral pelo Rio de Janeiro. Baependi ainda foi senador pela província de Minas Gerais (1826-1847) e presidente do Senado (1838). Em 1823 integrou o Conselho de Estado, encarregado de elaborar a Constituição outorgada em 1824, após a dissolução da Assembleia Constituinte (HOFFBAUER, 2019HOFFBAUER, Daniela. Manuel Jacinto Nogueira da Gama, marquês de Baependi. MAPA - Memória da Administração Pública Brasileira, 12 dez. 2019. Disponível em: http://mapa.an.gov.br/index.php/ultimas-noticias/758-manuel-jacinto-nogueira-da-gama-marques-de-baependi. Acesso em: 5 abr. 2022.
    http://mapa.an.gov.br/index.php/ultimas-...
    ).
  • 12
    Em carta datada de 3 de março de 1804 e enviada ao seu cunhado Gervásio Pereira Alvim, residente no arraial da Laje, em Minas Gerais, Resende Costa Filho recomenda vivamente ao parente o amigo tenente-coronel Manuel Jacinto Nogueira da Gama que se mudara para Minas e informa estar no aguardo de nomeação para o cargo de escriturário do Erário Real. Na missiva se lê: “Segue agora a essa Capitania o meu prezadíssimo amigo, o Ten. Cel. Manuel Jacinto Nogueira da Gama, despachado em escrivão da Junta dessa Capitania, em cuja casa tenho assistido e a quem devo imensas obrigações. Nos reveses e infortúnios que tenho tido, achei-o sempre fiel; e uma brilhante carreira me era preparada por sua intervenção, cuja perdi pela minha negligência e demora que tive em vir de Cabo Verde. Assim quis o destino” (AUTOS, 1977AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados ; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1977. v. 9., v. 9, p. 379).
  • 13
    Os deputados que representavam a província de Minas Gerais nas reuniões das Cortes em Lisboa decidiram não participar, por interpretarem que havia uma clara definição por parte dos portugueses em relação ao Brasil. Sobre isto se lê em documento emitido pela deputação mineira, estando nela José de Resende Costa Filho: “Refletindo nós, que nas Cortes [...] se tem proposto, discutido, e deliberado com toda a atenção, e miudeza objetos de utilidade privativa; [...] e que se tem olhado com a maior indiferença para os interesses gerais do rico e vastíssimo Reino do Brasil; acontecendo exprimirem se alguns dos Deputados, já de uma maneira, que horroriza, como na Sessão de 18 de Outubro do ano pretérito, quando se disse - ‘Que mal nos resulta de que os Pernambucanos se degolem uns aos outros’?! Já com mofa e desprezo dos Brasileiros: refletindo, que depois de proclamar-se no Artigo 21 das Bases, que a Constituição, ou Lei fundamental não seria comum a América” (COMMUNICAÇÃO, 1897COMMUNICAÇÃO ao Governo Provisório de Minas-Geraes (1822), dos deputados eleitos pela Provincia ás Côrtes Portuguezas, de não seguirem para Lisboa e dos motivos por que assim deliberarão. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto, Imprensa Oficial, v. 2, fasc. 1, p. 3-6, 1897. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/1066.pdf . Acesso em: 5 abr. 2022.
    http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acer...
    , p. 4).
  • 14
    “Quanto aos réus eclesiásticos, que sejam remetidos a esta Corte debaixo de segura prisão, com a sentença contra eles proferida, para à vista dela Eu determinar o que melhor me parecer” (AUTOS, 1982AUTOS de Devassa da Inconfidência Mineira. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados ; Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, 1982. v. 7., v. 7, p. 269).
  • 15
    Entre os planos conjurados discutiram a transformação da capitania de Minas Gerais em uma Republica, com capital em São João del-Rei; a instalação de um parlamento em cada cidade mineira, subordinado ao parlamento da capital; a criação de uma universidade em Vila Rica; que os dízimos seriam recolhidos pelos padres das paroquias, desde que mantivessem professores, escolas, casas de caridade e hospitais e que as jazidas de ferro e demais minérios fossem exploradas, construindo-se uma fábrica de pólvora, etc.
  • 16
    Mas a proposta de se elaborar uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, para essa finalidade, de se elaborar nossa primeira Constituição, tem sua história estritamente ligada à Revolução Liberal do Porto, de 1820, que foi, antes de tudo, um movimento antiabsolutista e antibrasileiro, nascido do ressentimento lusitano que buscava reduzir o Brasil ao seu antigo status de colônia, rompendo quaisquer propostas de autonomia econômica e comercial anteriormente conquistada. Explica Ernani Ribeiro, ao comentar o histórico da Assembleia Constituinte brasileira de 1823, que a “Revolução Constitucionalista do Porto foi um movimento turbilhonar de ideias liberais, que arrastava adeptos entusiásticos em todas as partes do Império luso. No Brasil, primeiro o Pará, depois a Bahia, o Rio de Janeiro, enfim, o Reino todo declara-se ‘constitucional’ e atende ao decreto que ordena a realização de eleições para deputados as Cortes de Lisboa. Assim como o rei o era dos três reinos - Portugal, Brasil e Algarves -, o Congresso faria uma constituição e legislaria para os três reinos - a ‘nação’ - como então diziam” (BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , p. 37).
  • 17
    A eleição à Assembleia Constituinte de 1823 “[...] favoreceu de modo especial ex-revolucionários: conjurados mineiros e baianos e líderes da revolução pernambucana de 1817” (BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , p. 50).
  • 18
    A Cadeia Velha foi escolhida como sede da Assembleia Constituinte brasileira em dezembro de 1822, por “determinação do ministro da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada”. Nessa época, o prédio se achava desocupado e “era o edifício que melhores proporções oferecia”. Sua decoração foi entregue a Theodoro José Biancardi, por indicação de José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão de Martim Francisco (BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , p. 40).
  • 19
    Chegamos a esse texto a partir de uma referência apresentada por Wederson de Souza Gomes em comunicação acerca da trajetória de José de Resende Costa Filho e o convite que lhe fora feito em 1839 para ingresso no IHGB como sócio correspondente (GOMES, 2017GOMES, Wederson de Souza. José de Resende Costa Filho: a arquitetura da nação brasileira a partir do passado colonial. In: XXIX SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 2017. Anais [...] , Brasília: ANPUH; UnB, 2017. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548953095_77feeab338c7b8b6a8bee4644e1e1053.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://anpuh.org.br/uploads/anais-simpo...
    , p. 8).
  • 20
    Na Assembleia sugestionou um projeto de lei e três propostas de alteração legislativa (nominadas por Indicação). Em 18 de junho apresentou à Comissão de Redação do Regimento Provisório o projeto de lei nº 14 que propôs a revogação do alvará de 5 de novembro de 1808, que dispunha sobre o “controle dos preços de drogas e medicamentos vendidos” pelos boticários, estabelecendo-se regulamento com valores máximos. Provisoriamente aprovado, foi encaminhado para relatoria de José Antônio da Silva Maia, cuja leitura de seu parecer e discussão plenária ocorreu em 27 de julho. Sob intenso debate, a decisão de sua aprovação foi adiada (BRASIL, 1874aBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 1, p. 141-142). Em 7 de agosto, o projeto foi levado ao plenário e, ali, em votação, reprovado (BRASIL, 1874dBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico , 1874d. Tomo 4. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8569. Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 4, p. 32-33). Ainda em 18 de junho, apresentou a Indicação nº 1, que, em virtude da proposta anterior e com a finalidade de se preparar tal regimento, sugestionou a criação de uma Junta de Saúde Pública que reunisse “as atribuições, encargos e jurisdição do físico-mor, do provedor-mor da saúde e do cirurgião-mor do império e da qual façam parte estes membros e outros que a Assembleia designar”. (BRASIL, 1874bBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874b. Tomo 2. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8588 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 2, p. 71; BRASIL, 2015, p. 139). Sua segunda Indicação, apresentada em 4 de julho, recomendou a revisão da legislação concernente ao juízo dos defuntos e ausentes, com o objetivo de disciplinar a legislação então existente, que, para ele, era “vaga”, “contraditória” e “cheia de embaraços contra o direito de propriedade”, já que ela evidenciava atos arbitrários comuns praticados contra heranças que nas mãos de tesoureiros e oficiais de juízos das provedorias tomavam para si parcela significativa daqueles patrimônios - escravos, casas e móveis - em detrimento das verdadeiras pessoas que deveriam utilizá-lo; além de, muitas vezes, não fazerem cumprir cláusulas testamentárias e legados vinculados a capelas e obras pias, assim como fiscalizar as contas de irmandades religiosas seculares (BRASIL, 1874cBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico , 1874c. Tomo 3. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8571. Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 3, p. 14-16; BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , p. 139). Já em sua última Indicação, a de nº 3, datada de 22 de julho, objetivou discutir os excessos praticados nas cobranças de direitos religiosos - côngruas (salários), conhecenças (dízimo pessoal que os fiéis eram obrigados a contribuir para sustentar seus pastores) e direitos paroquiais - no bispado de Mariana (BRASIL, 1874cBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico , 1874c. Tomo 3. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8571. Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 3, p. 100-101; BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , p. 139). No final, nenhuma de suas propostas foi aprovada em plenário.
  • 21
    Na Assembleia Constituinte, Manuel Rodrigues da Costa teve participação discreta, aparecendo, como se disse, com destaque nas discussões sobre liberdade religiosa, catequese de indígenas e anistia a presos políticos. Nas discussões intensas sobre direitos individuais empenhou-se pela não aprovação de “liberdade religiosa” aos brasileiros. Sua intervenção resultou em intenso debate, sendo acusado por dois eclesiásticos pernambucanos (Venâncio Henriques de Resende e Francisco Muniz Tavares) de ser “intolerante religioso”. As falas destes dois deputados, proclamadas em 8 de outubro, direcionaram-se por caminhos que as ligavam mais a uma simbiose entre religião e os ditames estatais do que suas interconexões com a Igreja católica apostólica romana. Por sua vez, a interpretação de Rodrigues da Costa evidencia um posicionamento intransigente de defesa da religião, e diretamente da Igreja católica, por entendê-la como um importante fundamento moral e civilizacional da sociedade, recriminando a ideia da liberdade religiosa existente no projeto constitucional (BRASIL, 1874aBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 1, p. 40-41 e 43-53). Às vésperas da dissolução da Assembleia Constituinte, a 6 de novembro de 1823, foram votadas e aprovadas várias emendas sobre religião. Em uma delas, proposta pelo futuro senador do Império Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, dizia: “A religião católica apostólica romana é a religião do Império, única mantida por ele com culto público; e porém livre o culto privado de todas as outras que não forem destrutivas da moral” (BRASIL, 1874eBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico , 1874e. Tomo 6. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8589. Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 6, p. 207). E dentre as bases da organização político-institucional do recém-independente Brasil, a Constituição de 1824, outorgada por Pedro I, conferiu ao catolicismo romano o atributo de religião oficial do Império. A separação entre a Igreja e o Estado viu-se concretizada em 7 de janeiro de 1890, após a instauração da República (1889), e efetivamente consagrada a partir da Constituição de 1891. (RODRIGUES, 2020RODRIGUES, André Figueiredo. Inconfidência Mineira: negócios, conspiração e traição em Minas Gerais. São Paulo: Humanitas, 2020., p. 163)
  • 22
    Em 12 de maio, Manuel Rodrigues da Costa foi eleito partícipe da Comissão de Colonização e de Civilização e Catequização dos indígenas selvagens do Brasil, ao lado de João Gomes da Silveira Mendonça, marquês de Sabará e oficial superior do Exército, e de Antônio Gonçalves Gomide (BRASIL, 1874BRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 1, p. 47). Dois meses depois, em 28 de julho, a comissão passou a contar com mais dois membros: José Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro visconde de São Leopoldo, e Luiz José de Carvalho e Mello, futuro visconde de Cachoeira (BRASIL, 1874BRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 3, p. 128).
  • 23
    Em explicação sobre o que foi a Assembleia Constituinte, Ernani Valter Ribeiro escreveu: “Dos revolucionários de 1817, integraram a Assembleia Antônio Carlos e os padres Francisco Muniz Tavares, Jose Martiniano de Alencar, Joao Antônio Rodrigues de Carvalho e Venâncio Henriques de Resende. ‘Quando o governo real venceu a revolução, Antônio Carlos foi preso e mandado para a Bahia, onde, desembarcando acorrentado, se viu metido, completamente nu, numa enxovia, com grilhões aos pês e corrente ao pescoço [...]. Durante longos dias, o alimento que lhe forneceram não passou de um pedaço de carne quase sempre podre envolto em farinha [...] no cárcere [...] ficou quase quatro anos’ (SOUSA, [Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,] 1972, v. 7, p. 230). Do presídio baiano, sairá Antônio Carlos para as Cortes de Lisboa, onde revelara todos seus dotes oratórios e sua extraordinária coragem. Quando se convenceu de que a maioria portuguesa daquela Assembleia tudo decidia contra os interesses brasileiros e que não licenciava os deputados que queriam regressar a pátria, decidiu fugir com alguns companheiros. Gomes de Carvalho relata que na ‘manhã de 6 de outubro estalou a nova de terem na véspera tomado barco inglês com destino a Falmouth, Lino Coutinho, Barata, Agostinho Gomes, Antônio Carlos, Bueno, Costa Aguiar e Feijó. A cólera contra eles explodiu com violência e de Portugal estendeu-se as possessões. A imprensa cobriu-os de injúrias; nas Cortes, Xavier Monteiro requereu que não fossem considerados portugueses, e os madeirenses assanhados tentaram arrebatá-los do navio inglês de escala em Funchal, que os levava a pátria’. (CARVALHO, [Manuel Emilio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes de 1821. Brasília: Senado Federal; EdUnB,] 1979, p. 271)” (BRASIL, 2015BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil , 1823. 2. ed. rev. e reform. Brasília: Edições Câmara da Câmara dos Deputados, 2015. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/26359 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , p. 51).
  • 24
    Disse Antônio Martins Bastos: “Sendo inegável que não pequeno número de cidadãos, desvairados, e o que mais é, ainda menos atenciosos a seus verdadeiros interesses tem cabido em erros de opinião pelo que respeita à sagrada causa da independência e ao sistema de governo monárquico-constitucional, felizmente adotado, achando-se a maior parte sofrendo os horrores dos cárceres e prisões (como que assim exigia a segurança do Império) outros fugitivos e expatriados, cujo receio de tão fracos inimigos deve desaparecer à vista do estado físico e moral em que nos encontramos pela força e consistência do Império, e pela decidida opinião dos povos, parece que esta augusta assembleia, entrando em suas altas funções seguirá sem dúvida uma vereda que a prudência requer e a generosidade recomenda se conceder uma anistia geral a todos os que se acharem nas circunstâncias acima referidas” (BRASIL, 1874aBRASIL. Assembleia Constituinte do Império do Brazil (1823). Annaes do Parlamento Brazileiro - Assembleia Constituinte (1823). Rio de Janeiro: Tipografia do Imperial Instituto Artístico, 1874a. Tomo 1. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/8567 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcam...
    , t. 1, p. 21).
  • 25
    Gonçalves Ledo foi um dos articuladores da Independência do Brasil, sendo um dos responsáveis pela permanência de dom Pedro em contrariedade às ordens das Cortes lisboetas. Para evitar quaisquer ameaças recolonizadoras, propôs ao príncipe-regente a convocação de uma Assembleia Constituinte. Dom Pedro convocou a Assembleia e proclamou Ledo conselheiro do governo. Nas discussões para se convocar a Constituinte, Ledo e seu grupo partidário, os liberais, apoiaram a ideia de eleições diretas para deputados; enquanto José Bonifácio sugeriu eleições indiretas, com nomeação governamental. Após a Independência, Ledo foi acusado por Bonifácio de ser republicano e passou a persegui-lo, até mesmo sofrendo ameaça de morte. Ao final, por segurança, deixou o país e foi exilar-se na Argentina. Conferir: ASLAN, NicolaASLAN, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Ledo. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1975. . Biografia de Joaquim Gonçalves Ledo. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1975; BANDECHIBANDECHI, Brasil. Joaquim Gonçalves Ledo, o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil e a Independência. Revista de História, v. 52, n. 103, p. 687-699, 1975. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/133173/129275 . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://www.revistas.usp.br/revhistoria/...
    , Brasil. Joaquim Gonçalves Ledo, o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil e a Independência. Revista de História, São Paulo, v. 52, n. 103, p. 687-699, 1975. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/133173/129275. Acesso em: 5 abr. 2022.
  • 26
    A indisposição contra o autoritarismo dos Andradas chegou a tal monta que, por pressão e por várias divergências políticas, como a empreendida - e com violência física - contra o jornalista Luís Augusto May, redator do jornal Malagueta, de oposição aos Andradas, proporcionaram a demissão daquele gabinete em 17 de julho de 1823. Conferir: ANTÔNIO, Carlos Ribeiro de AndradaANTÔNIO, Carlos Ribeiro de Andrada. Dicionário histórico biográfico brasileiro pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. Disponível em: https://goo.gl/yyKUBa . Acesso em: 5 abr. 2022.
    https://goo.gl/yyKUBa...
    . Dicionário histórico biográfico brasileiro pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001. Disponível em: https://goo.gl/yyKUBa. Acesso em: 5 abr. 2022; NEVES, Lúcia Bastos Pereira dasNEVES, Lúcia Bastos Pereira das. Antônio Carlos de Andrada. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. v. 1, p. 48-49.. Antônio Carlos de Andrada. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2022
  • Aceito
    17 Out 2022
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