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Democracia com limites: a trajetória de Oscar Dias Corrêa (1945-1966)* * Resultado parcial da pesquisa “Pensamento e ação: os intelectuais mineiros e os projetos para o Brasil”, financiada pela FAPEMIG (APQ-00340-18).

Democracy with limits: the trajectory of Oscar Dias Corrêa (1945-1966)

RESUMO

O artigo examina os limites da democracia no Brasil durante a chamada República de 1946, recortando, para análise, a trajetória do parlamentar mineiro Oscar Dias Corrêa (União Democrática Nacional - UDN), entendida sempre à luz da dinâmica social e política que animou o debate público naquela conjuntura. Além da bibliografia, é mobilizado um conjunto diverso de fontes, a exemplo de jornais, memórias e anais do Congresso Nacional. Os resultados apontam para uma personalidade complexa, que desafia as classificações usuais para definir o campo político de então porque a personagem era um crítico visceral de JK e Jango, mas defensor de bandeiras nacionalistas e reformistas, portador de forte discurso legalista/democrata; foi favorável ao golpe de 1964, mas rompeu com o regime por julgá-lo autoritário.

Palavras-chave:
democracia; República de 1946; Oscar Dias Corrêa

ABSTRACT

The article analyzes the limits of democracy in Brazil during the known República de 1946, the focus is to analyze the trajectory of the parliamentarian Oscar Dias Correa (UDN) from Minas Gerais, considering the social and political dynamics that mobilized the public debate at that time. Besides bibliograph, the text is based on many documents, as newspapers, memories, and annals of National Congress. The results show a complex personality, that defy the used classifications to explain the political field at that time because the character was a radical objector of JK and Jango, but he was a nationalist and he supported the social reforms, he had a strong legalist and democratic discourse, but, at the same time, he supported the coup of 1964. Finally, he has become opponent of new regime because its authoritarian profile.

Keywords:
democracy; Republic of 1946; Oscar Dias Corrêa

Brasília/DF, março de 1964. Enquanto a temperatura política se eleva no plano piloto, um homem de meia idade, franzino e solitário, munido de uma carabina de 14 disparos, treina tiro ao alvo em uma floresta próxima, pendurando pedaços de papel nas árvores com o intuito de aprimorar sua pontaria. De volta para casa, organiza sua família para o combate. Além da sua carabina, o moço tinha uma pistola Walter, providenciara uma pistola de pólvora seca para sua esposa e um fuzil para o filho de 14 anos. A estratégia para o confronto estava definida:

Então combinei: “Se formos invadidos, Oscarzinho, você atira com o fuzil, eu atiro com a CBC. No momento em que você e eu estivermos carregando, sua mãe atira com a pistola de pólvora seca. Assim, eles têm a impressão de que nós continuamos atirando, e eu guardo a pistola Walter para a emergência final. Na hora em que acabar tudo - a pistola Walter tem oito tiros -, os primeiros oito que aparecerem eu mato” (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 2, p. 580).

O temido conflito não aconteceu. Os sindicalistas que Darcy Ribeiro teria insuflado para atacar os deputados da União Democrática Nacional (UDN) nunca chegaram ao apartamento onde Oscar Dias Corrêa, Dona Diva Gordilho Corrêa e o adolescente Oscar Corrêa Júnior residiam.

A história é relatada pelo próprio Oscar Dias Corrêa em longa entrevista concedida ao Projeto “Memória Política de Minas”, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O depoimento resultou em dois volumes, totalizando mais de mil páginas que tratam do campo político no Brasil, especialmente no pós-1945. É quase uma autobiografia que nasce não diretamente da pena do personagem, mas das respostas que apresenta aos seus interlocutores, entregando uma “versão editada” da sua história, conforme a ocasião pede, para usarmos os termos de Paul John Eakin (2019EAKIN, Paul John. Vivendo autobiograficamente: a construção de nossa identidade narrativa. São Paulo: Letra e Voz, 2019., p. 43).

Nesse perfil editado, sobressai um homem público de conduta ilibada, democrata, legalista, arauto da liberdade e pacífico, que tinha “medo de ter que atirar” (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 1, p. 352).

Como harmonizar esse perfil com aquele do homem preparado para o combate armado contra os sindicalistas? Por que constar e dar destaque em suas memórias a esse treinamento de tiros? As respostas passam pelo fato de que o mesmo defensor da Constituição e da liberdade foi entusiasta do golpe que depôs João Goulart. Contar com tintas fortes e detalhes a preparação da família para o combate é ação deliberada para ajustar as peripécias, fazer coerente a biografia, justificar uma potencial ação violenta, contrariando o perfil geral, em virtude de uma situação extrema. Está-se claramente em uma “recordação laboriosa”, não espontânea, uma cuidadosa busca do passado, conduzida com fins bem delimitados (RICOEUR, 2007RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007., p. 46-47). A entrevista foi concedida aos historiadores Hugo Antônio Avelar e Sílvia Barata de Paula Pinto e ao sociólogo Odilon Vargas Toledo, entre outubro de 1994 e agosto de 1995, distribuída em longas sessões. No seu percurso, Oscar mede cada palavra, recorre a documentos arquivados, a exemplo do programa da UDN de 1949 (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 1, p. 432).

Além desta introdução, este artigo narra a trajetória de Oscar Dias Corrêa, tratando do seu batismo político em 1945 até a virada dos anos 1950 para 1960, prossegue com o exame das posições políticas do parlamentar nos anos 1961-1964 e se encerra com as considerações finais, em que também é tratada sua relação tensa com o Regime Militar, especialmente no ano de 1966, momento de diversos atritos entre o Executivo e o Legislativo (VASCONCELOS, 2013VASCONCELOS, Claúdio Beserra de. Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, p. 333-358, jan./abr. 2013.).

De Itaúna a Brasília

A notícia do Golpe de 1937, a 10 de novembro, chegou rapidamente às salas de aula da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. O professor Ildefonso Mascarenhas reagiu duramente e espinafrou Getúlio Vargas. Entusiasmados, os discentes o carregaram nos ombros pelos corredores. Entre eles, estava Oscar Dias Corrêa (VAZ, 1997VAZ, Alisson Mascarenhas. Duas visões da política mineira: depoimentos de Oscar Dias Corrêa e Pio Soares Canêdo. Belo Horizonte: BDMG, 1997., p. 112-113).

Sete anos depois, o Brasil vivia a campanha presidencial de 1945. Em pequenas cidades, faziam-se comícios sem a presença do candidato a presidente. Para compensar, figuras exponenciais da política estadual e local discursavam. Natural de Itaúna/MG, Oscar Dias Corrêa participou de um desses eventos em sua cidade, dividindo o palco com os próceres da UDN/MG, como Milton Campos e Pedro Aleixo. Contando à época com 24 anos de idade, Oscar falou energicamente em favor do Brigadeiro Eduardo Gomes, o udenista que aspirava ao Palácio do Catete. Enquanto falava, houve uma troca de tiros envolvendo gente da UDN e os queremistas. Além desse batismo político, a noite em Itaúna foi marcante porque, após o comício, Oscar conheceu, em um jantar reunindo famílias importantes da cidade, a jovem Diva Gordilho, com quem se casaria. O pai da moça, Otávio Gordilho, engenheiro da Rede Mineira de Viação, um homem “sério, trabalhador, incorruptível”, somente consentiu com o namoro ao saber das credenciais udenistas de Oscar (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 1, p. 21-22).

Naquela conjuntura, o campo político brasileiro tinha em Getúlio Vargas um dos seus eixos estruturadores. Mesmo após sua deposição, em outubro de 1945, os agrupamentos políticos se davam em torno da disjuntiva getulistas X antigetulistas, ou, nos termos de Thomas Skidmore, entre os “de dentro” e os “de fora” (SKIDMORE, 1975SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975., p. 80-89).

Minas Gerais foi um dos principais centros de mobilização dos “de fora”, reunindo lideranças que haviam rompido com Vargas, a exemplo de Artur Bernardes e Virgílio de Melo Franco, velhos e novos opositores, com forte presença de professores e estudantes de Direito. A força dos bacharéis no interior da UDN (BENEVIDES, 1981BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.; CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.) é ainda mais saliente em sua seção mineira (LACERDA, 2017LACERDA, Vitor. O Udenismo e Minas Gerais: sujeitos, processos e culturas políticas (1943-1966). 2017. 133 f. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2017.; FERRO, 2015FERRO, Flávia Salles. Virgílio de Mello Franco: trajetória política em tempo de mudanças (1929-1948). 2015. 130 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.).

Em 1943, ano do conhecido Manifesto dos Mineiros, um documento crítico da Ditadura do Estado Novo, assinado por dezenas de lideranças e intelectuais mineiros que estariam, dois anos mais tarde, na fundação da UDN, Oscar Dias Corrêa graduou-se em Direito na Universidade de Minas Gerais e, na sequência, foi vencedor nos concursos de monografia e oratória do Instituto de Advogados Brasileiros (IAB), ganhando notoriedade no campo jurídico. Por sinal, era o IAB um dos polos articuladores dos antigetulistas em Belo Horizonte (PEREIRA, 2019PEREIRA, Laurindo Mekie. Só a UDN salva a República: um estudo sobre a atuação de Oscar Dias Corrêa (1945-1955). Locus - Revista de História, Juiz de Fora, v. 25, n. 2, p. 183-205, 2019.). Foi nesse ambiente, integrado nessas redes de sociabilidade (SIRINELLI, 2003SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 231-262.), que Oscar ingressou na UDN, tornando-se um dos seus mais enérgicos defensores.

Os embates em Itaúna/MG, relatados por Oscar em suas memórias, traduzem, no âmbito local, uma divisão nacional. A UDN, partido que nascera como uma ampla frente contrária à Ditadura do Estado Novo, sonhava conquistar a presidência com Eduardo Gomes. Eurico Gaspar Dutra, candidato do Partido Social Democrático (PSD), não despertava entusiasmo, mas tinha a seu favor a engrenagem político-partidária forjada ainda no Estado Novo. Os trabalhadores urbanos, novo personagem da política brasileira desde 1930 (WEFFORT, 1978WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), sonhavam com a permanência de Vargas e encetaram o “queremismo”, explicitando a popularidade do ex-ditador, deixando desconcertados os udenistas. Além da máquina pessedista, o apoio dos trabalhadores, após manifesto apoio de Vargas, foi decisivo para a vitória de Dutra (FERREIRA, 2003aFERREIRA, Jorge. A democratização de 1945 e o movimento queremista. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003a. v. 3, p. 13-46.).

No seu nascedouro, a UDN reunia frações de oligarquias derrotadas em 1930, antigos aliados de Vargas, antigos participantes do Estado Novo, liberais com formação regional e um segmento mais à esquerda (BENEVIDES, 1981BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 29-30). Era uma frente ampla. Dissidências foram surgindo com o tempo, a exemplo dos esquerdistas que saíram da sigla e fundaram, em 1947, o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Frações regionais também romperam e resultaram em novas siglas, como o Partido Republicano (PR), em Minas Gerais, liderado por Artur Bernardes, e o Partido Libertador (PL), do Rio Grande do Sul, cuja principal liderança era Raul Pilla.

Contudo, a UDN permaneceu heterogênea. Jorge Chaloub aprimora a classificação de Benevides que, a seu juízo, não dá conta das importantes diferenças internas. Estudando a presença e significados do pensamento liberal no partido, o autor distingue duas correntes que, apesar da existência de outros grupos,1 1 Outras correntes internas também são conhecidas: os “realistas”, compostos por lideranças mais pragmáticas, a exemplo de Otávio Mangabeira e Juracy Magalhães, os “chapa-branca”, grupo de parlamentares que emprestavam apoio a governos do PSD em troca de investimentos em suas bases eleitorais, e a “bossa nova”, grupo de deputados que, nos anos 1960, se identificavam com as reformas propostas pelo Governo Goulart. constituíram a “marca exclusiva da UDN”: a) o liberalismo dos bacharéis e b) o liberalismo lacerdista (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 33-35).

No esforço de qualificar e esmiuçar as diferenças internas, Chaloub identifica ainda uma subdivisão entre os bacharéis. Haveria os liberais conservadores, a exemplo de Afonso Arinos (MG/RJ), Prado Kelly (RJ) e Milton Campos (MG), e os liberais modernizantes, representados por Aliomar Baleeiro (BA) e Bilac Pinto (MG).

Os pontos convergentes eram predominantes. Os bacharéis julgavam o Brasil ainda distante do capitalismo competitivo e moderno. Visavam conquistá-lo através do Direito. Daí a “precedência da forma jurídica” que “leva a uma forma liberal que tem por característica central a enorme importância e o papel central do Estado” (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 50).

O Direito era indissociável da política:

A política é antes arte que ciência, que tem no direito sua linguagem privilegiada e no senso de realidade seu norte. Mais do que transformar o mundo, cabe à política permitir que os homens melhor se adaptem a ele. O bacharel se distingue como hábil estadista por sua capacidade de se adaptar ao ritmo da sociedade e prever, antes dos demais, as transformações que se delineiam no horizonte (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 43-44).

O Brasil estaria vivendo uma grande crise em virtude da falha das elites em cumprirem o seu papel de liderança e moderação. Faltava aos homens que há décadas dirigiam o país a visão do estadista, a liderança capaz de colocar o “interesse nacional” acima dos particulares, “ordenando os impulsos sociais e definindo os rumos do país.” (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 65). As massas seriam movidas pela paixão e facilmente exploradas pela ação inescrupulosa de líderes sem a moral adequada. Nesse cenário, era necessária a ação de homens probos que, pela mão do Estado, restauraria a ordem, permitiria transformações gradativas, por vias legais, sem percalços, sem mudanças bruscas. Por sinal, a ideia de crise une liberais e conservadores no Brasil para justificarem soluções autoritárias. Foi assim em 1937. Repetia-se em 1964 (NAPOLITANO, 2019NAPOLITANO, Marcos. Golpe de Estado: entre o nome e a coisa. Estudos Avançados, São Paulo, v. 33, n. 96, p. 397-420, 2019., p. 414).

A economia se subordinava ao projeto político. Não faltariam aos grandes intelectuais da UDN conhecimento dos debates mais presentes em matéria econômica, embora não fossem exatamente economistas como Eugenio Gudin ou Roberto Campos. Mais importante, porém, observa Chaloub, era que, na economia política dos bacharéis udenistas, nem o mercado nem o interesse individual eram os pontos de partida: “A organização social e política era construída a partir do Estado, que tinha no direito elemento privilegiado para essa tarefa, e não do mercado, com seu mecanismo de transformar os vícios privados do indivíduo utilitário em virtudes públicas” (CHALOUB, 2017CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. A economia política dos bacharéis udenistas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329406, jun. 2017., p. 3).

Mas havia também diferenças. Os liberais conservadores, especialmente Afonso Arinos, exaltavam a tradição e moderação. Já os modernizantes eram mais pragmáticos, mais afeitos a uma visão liberal assentada no interesse, focados no presente e adeptos a intervenções a partir do planejamento, aproximando-se mais facilmente de Carlos Lacerda, com quem convergiriam mais rapidamente por colocarem o tema da subversão comunista no lugar da corrupção como a mais séria ameaça à ordem (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 71 e 83).

O liberalismo de Lacerda, explica Chaloub (2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 87), era sobretudo uma “crítica liberal da política brasileira”. Ao contrário dos bacharéis, não enxergava no passado exemplos ou padrões a serem recuperados. Inversamente, lia a história e o presente do país como um repertório de erros, excessos e abusos do Estado. Em 1945, quando o inimigo comum é a Ditadura Varguista, as diferenças entre lacerdistas e bacharéis ficam em segundo plano. Nesse contexto, o discurso udenista é enfaticamente democrático. No entanto, as derrotas eleitorais de 1945 - para Dutra -, e de 1950 - para Vargas -, levaram segmentos importantes do partido a reverem posições e a se engajarem em iniciativas golpistas. O revés de 1945 foi atribuído à herança dos tempos ditatoriais. Já a vitória eleitoral do próprio Vargas em 1950 seria, na ótica udenista, a encarnação dos males da política nacional, e desaguou em claras manobras extra-constitucionais, a exemplo da alegação de que seria necessária maioria absoluta para a eleição de um presidente, uma flagrante violência ao texto constitucional de 1946, argumento abraçado até mesmo por certos bacharéis, como Afonso Arinos, e explicitamente encampado por Carlos Lacerda, cuja importância no partido crescia à medida que a sigla falhava em lograr a conquista do poder pelas vias eleitorais (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.).

Para Lacerda, o Brasil que emergira do regime varguista padecia de dois grandes males, o caudilhismo e o comunismo. Contra ambos, igualmente totalitários, deveriam os adeptos do pensamento ocidental, os verdadeiros democratas, manejar todos os recursos. Nessas condições, não haveria democracia de fato e a observância estrita de formalismos jurídicos era sinal de tibieza. As soluções extra-legais eram exceções necessárias frente aos perigos maiores representados pelo inimigo (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 86-93). Como bem pontua Jorge Chaloub, embora Lacerda desconhecesse a obra de Carl Schmitt, sua leitura da política a partir da chave amigo X inimigo é convergente com a abordagem teórica do jurista alemão, assim como as recorrentes críticas ao pensamento e prática liberais pelo seu artificialismo (SCHMITT, 2009SCHMITT, Carl. O conceito de político/teoria do Partisan. Belo Horizonte: Del Rey, 2009., p. 27).

Os argumentos de Lacerda se repetiriam na crise de novembro de 1955, quando setores militares e udenistas manobravam para impedir a posse de JK e Jango. Novamente, a tese lacerdista era de que, não havendo democracia efetivamente, o Brasil carecia de uma purificação, uma “autoridade forte, sem as peias constitucionais”, que eliminasse corruptos e estabelecesse a “verdadeira democracia” (ROCHA, 1960ROCHA, Munhoz da. Radiografia de novembro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960., p. 52). Nas palavras de Munhoz da Rocha, ex-ministro de Café Filho, Lacerda “Não se conforma em ser minoria diante da definição geral do eleitorado brasileiro” (ROCHA, 1960ROCHA, Munhoz da. Radiografia de novembro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960., p. 51).

Isso era o pensamento de Lacerda, não da UDN, argumenta Oscar Dias Corrêa, para quem a pecha de golpismo é uma terrível injustiça contra seu partido. Em carta ao Jornal do Brasil, em 1994, ele rebateu matéria do órgão que relacionava a sigla a gestos golpistas: “UDN merece respeito, pelo menos dos que lhe conheceram o esforço para restaurar a democracia e a ética no Brasil [...]” (JORNAL DO BRASIL, 1994JORNAL DO BRASIL. Opinião dos leitores - Papel da UDN, Rio de Janeiro, p. 10, 14 set. 1994., p. 10).

A reação de Oscar nos remete às dificuldades já apontadas por Benevides e Chaloub para encontrarmos os termos adequados para definir a UDN. Apesar da minuciosa análise que realiza, Chaloub (2015) admite que sua tipologia, que muito avança em relação à de Benevides (1981), não contemplaria inteiramente trajetórias específicas. De fato, quando observados mais de perto, há personagens que parecem escapar às classificações, por mais percucientes que sejam, como são as de Chaloub. É o caso de Oscar Dias Corrêa, que, como se verá aqui, era um bacharel liberal, mas próximo a Lacerda, um bacharel modernizante, mas admirador e enérgico defensor de valores e personalidades tradicionais, como Milton Campos.

De fato, a UDN era muito heterogênea e seria simplista generalizar essa visão do líder da Guanabara para toda a agremiação, pelo menos antes da crise de 1963/1964, quando a oposição comum a Goulart praticamente unificou o partido, como observa Jorge Chaloub (2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.). Curiosamente, o próprio Oscar, bem antes dos anos 1960, havia se aproximado de Lacerda. Em janeiro de 1955, foi organizado um ato de desagravo a Carlos Lacerda, que, segundo o Tribuna da Imprensa, teria sido gravemente insultado em um evento na cidade de Juiz de Fora. Entre os escalados para discursar, promovendo o desagravo, estava Oscar Dias Corrêa (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1955aTRIBUNA DA IMPRENSA. Assembleia de desagravo a Lacerda. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 3, 18 jan. 1955a., p. 3). A cooperação entre os dois parlamentares seria crescente, como indica o Tribuna da Imprensa (1955bTRIBUNA DA IMPRENSA. Rio de Janeiro, p. 1, 2 e 4, 27 jan. 1955b., p. 1-2 e 4). Aliás, o próprio Oscar recorda que, entusiasmado com suas críticas a JK, Lacerda afirmou: “É a melhor coisa que Minas fez ao Brasil nesses últimos anos: mandar para cá o Oscar Corrêa”. Portanto, “cheguei aqui com a bênção do Carlos” (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 1, p. 275).

O vínculo entre Oscar Corrêa e Carlos Lacerda seria soldado pela quase obsessiva oposição a JK, aspecto comum aos dois. A propósito, é bastante razoável dizer que a projeção de Oscar - de deputado estadual para federal - resultou em grande medida da sua condição de antijuscelinista número 1 em Minas Gerais (PEREIRA, 2019PEREIRA, Laurindo Mekie. Só a UDN salva a República: um estudo sobre a atuação de Oscar Dias Corrêa (1945-1955). Locus - Revista de História, Juiz de Fora, v. 25, n. 2, p. 183-205, 2019.).

No primeiro mandato na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) entre 1947 e 1950, Oscar foi o vice-líder da UDN, partido do então Governador Milton Campos. No mandato seguinte, JK, do PSD, sucedeu a Campos, e Oscar se tornou o paladino da oposição, ocupando com frequência a tribuna da ALMG e a imprensa, em ataque incessante e duro contra o governador e, a partir de 1954, pré-candidato a presidente (PEREIRA, 2019PEREIRA, Laurindo Mekie. Só a UDN salva a República: um estudo sobre a atuação de Oscar Dias Corrêa (1945-1955). Locus - Revista de História, Juiz de Fora, v. 25, n. 2, p. 183-205, 2019.).

Entre dezembro de 1954 e julho de 1955, Oscar Dias Corrêa teve uma coluna no jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Muito frequente nos primeiros meses e mais rarefeita nos últimos, todas as 26 colunas escritas por Corrêa destinaram-se a combater JK,2 2 Foram 9 publicações em dezembro de 1954, 6 em janeiro de 1955, 3 em fevereiro de 1955, 4 em março de 1955, 1 em abril de 1955 e 3 em junho de 1955. o que não era tarefa fácil. Contra JK, observa Cláudio Bojunga, não funcionava a acusação de comunista, o mais poderoso dos estigmas, em virtude das boas relações de seu governo estadual com o capital privado (BOJUNGA, 2001BOJUNGA, Claudio. JK: o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001., p. 282).

Oscar apostou então no ataque a sua gestão e ao seu caráter, no que foi coerente com as linhas gerais do pensamento dos bacharéis, como já discutido aqui. O tema da economia era praticamente ausente, como ele mesmo diria em suas memórias. O debate era político. Não se tratava, por exemplo, de condenar a forte presença do Estado no desenvolvimento de Minas Gerais, mas de apontar, na visão de Oscar Corrêa, a ineficiência, o mau uso dos recursos e a propaganda enganosa quanto aos resultados, os vícios nas relações entre gestores públicos e interesses privados. Esse é um dos aspectos fundamentais para se compreender a trajetória de Oscar Dias Corrêa. A dimensão política parece ter sempre informado suas decisões, sobrepondo-se às variáveis econômicas e sociais, como se vê nos atritos frequentes com os pessedistas, no perfil ideológico com o qual se apresentava e no embate final com Castelo Branco em 1966.

Oscar escreve e se apresenta na condição de quem conheceria bem JK e faz um alerta aos demais brasileiros. Ele e os demais mineiros não esperavam do pré-candidato a presidente senão “as mentiras costumeiras, os descumprimentos de palavra, os esbanjamentos da prodigalidade à custa do erário, o sobrecarregamento dos encargos do povo e do ônus do tesouro, o desregrado da atuação, a desonestidade [...]” (CORRÊA, 1954aCORRÊA, Oscar Dias. Convite à valsa. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 15 dez. 1954a., p. 4).

O estilo pessoal de Juscelino também é denunciado na coluna “Mineiro da boêmia”, quando o deputado tece fortes críticas aos seus aliados, entourage “sequiosa”, afeita a “negociatas” (CORRÊA, 1954cCORRÊA, Oscar Dias. Mineiro da boêmia. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 16 dez. 1954c., p. 4).

A imagem do gestor dinâmico seria falsa, construída a partir da subvenção e mesmo suborno de rádios e jornais. Os números das realizações de JK em MG, especialmente em energia e transportes, seriam manipulados (CORRÊA, 1954bCORRÊA, Oscar Dias. A energia... verbal de Juscelino. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 18 dez. 1954b., 1954dCORRÊA, Oscar Dias. Transportes... de oratória. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 17 dez. 1954d.).

JK é acusado também de ser desleal para com colegas de partido e perseguidor de adversários, contra os quais recorria às práticas violentas, próprias do coronelismo (CORRÊA, 1955CORRÊA, Oscar Dias. Paz e chicote. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, p. 4, 9 jan. 1955., p. 4). Na tribuna da Câmara Federal, também denunciou o Governo JK como o tempo do “descalabro moral, do desmantelo econômico e administrativo, de desobediência aos mais elementares princípios jurídicos” e práticas violentas contra adversários. A fúria contra Juscelino chamava a atenção. Qual a razão disso? “não é produto de ódio pessoal”, mas sim em defesa do “alto interesse coletivo”, “pela verdade e pela justiça”. Na defesa de JK falaram os deputados mineiros do PSD Último de Carvalho e José Maria Alkmin (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1955aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano X, n. 21, 10 fev. 1955a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD10FEV1955.pdf#page= . Acesso em: 29 ago. 2021.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
).

Em novembro de 1955 era intenso o debate sobre os resultados das eleições em que saíram vencedores JK e Jango. Novamente, setores udenistas questionavam a legitimidade de um candidato sem maioria absoluta dos votos. Em pronunciamento na Câmara Federal, Armando Falcão (PSD - CE) defendia os eleitos e, no meio de sua fala, incluía intervenções de udenistas no debate. Em uma dessas, citou entrevista de Oscar Dias Corrêa ao O Globo em 20 de novembro de 1950, quando o tema foi levantado pela primeira vez. Dizia então Oscar: “Nesta altura dos acontecimentos, já conhecidos os resultados do pleito, entendemos que a pretendida maioria absoluta não prevista na Constituição nem determinada em nenhum outro texto legal, deixa de ser uma tese jurídica ou política, para ser simplesmente golpista” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1955bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano X, n. 165, 1 nov. 1955b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD01NOV1955.pdf#page . Acesso em: 18 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 8044).

No dia 12 de novembro de 1955, quando o chamado contragolpe de Lott era debatido no plenário, Bilac Pinto (UDN/MG) e Oscar declararam voto contrário à decisão da câmara em aprovar as atitudes do general. Novamente, na tribuna no dia 22, Oscar proferiu longo discurso, criticando os “acontecimentos deprimentes [...] nestes dias ominosos” e denunciando a ilegalidade e ilegitimidade da ordem então instituída, com Nereu Ramos à frente da presidência (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1955cDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano X, n. 181, 26 nov. 1955c. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26NOV1955.pdf#page= . Acesso em: 22 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
).3 3 O discurso foi proferido no dia 22 e publicado no dia 26 de novembro.

Do ponto de vista estritamente legal, Oscar tinha razão. As manobras golpistas atribuídas a setores militares e cooperação com parte dos udenistas não foram documentadas, o que, na visão de Skidmore (1975SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.), passaria a pesar contra o PSD. Dali em diante, a UDN constantemente se referia a novembro de 1955 como o “golpe pessedista”.

Oscar era assíduo na tribuna da Câmara Federal, sempre na linha de frente contra Juscelino, trocando farpas com parlamentares do PSD, como Último de Carvalho (PSD/MG) e Armando Falcão (PSD/CE). Em fins de outubro de 1956, por exemplo, proferiu um longuíssimo discurso, reafirmando velhas críticas a JK e alertando para os descaminhos do seu governo (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1956aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XI, n. 192, 27 out. 1956a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD27OUT1956.pdf#page= . Acesso em: 1 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
). Nesse mesmo discurso, atacou a Frente de Novembro, a quem chamou de subversiva. Foi aparteado por Bruzzi Mendonça, segundo o qual “correligionários seus, notadamente o Sr. Carlos Lacerda, vem fazendo a pregação da institucionalização do atestado de ideologia, acusando indiscriminadamente a todos de comunistas”, condenando o governo porque este procurava promover um “clima de tolerância”. Oscar se recusou a debater o tema, dizendo que o próprio Lacerda o faria, mas aproveitou para registrar sua discordância da proposta de “Estado de emergência”, pregada pelo seu colega de partido (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1956aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XI, n. 192, 27 out. 1956a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD27OUT1956.pdf#page= . Acesso em: 1 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 10202).

Na campanha de 1958, Oscar recebeu o apoio público de Lacerda:

OSCAR DIAS CORREA é um dos esteios da oposição. Precisamos de uma Oposição ainda mais forte, para lançar as bases do primeiro governo udenista do Brasil. [...] A sua dedicação, a seriedade de seus estudos, a firmeza de seu caráter e a combatividade do seu temperamento são forças a serviço do povo na Câmara dos Deputados (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1958TRIBUNA DA IMPRENSA. Rio de Janeiro, p. 3, 4 set. de 1958., p. 3).

Apesar da semelhança no estilo e bom relacionamento com Lacerda, o deputado mineiro não era exatamente um lacerdista. A diferença emerge em momentos e questões críticas, como no debate sobre a maioria absoluta em 1950 e a defesa do “Estado de emergência” ou a necessidade de uma intervenção “purificadora”, ideias de Lacerda que Oscar não compartilhava, como já apontado anteriormente.

Todavia, opera-se aqui com um personagem em movimento, tentando discernir e problematizar sua participação em uma conjuntura de forte agitação social e política. Imaginar um percurso retilíneo e coerente seria cair na famosa ilusão biográfica de que fala Pierre Bourdieu (1998BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 183-191.). Se nos anos 1950 o parlamentar mineiro rejeita a solução lacerdista da “intervenção purificadora”, nos anos 1960 ele adota discurso semelhante, mas tentando se justificar precisamente sob o argumento de que o tempo era outro.

Como já assinalado, nas intervenções de Oscar, as questões econômicas eram secundárias. A história da Petrobrás e do monopólio estatal do petróleo, proposto pela UDN, mostra a convergência dos maiores partidos em um problema crucial. Em seu perfil ideológico, publicado em 1955 pela Tribuna da Imprensa, Oscar é apresentado como parlamentarista, municipalista moderado, antidivorcista e contrário ao jogo, “mesmo regulamentado”, também é “pela Petrobrás”, a “favor das relações comerciais e diplomáticas com os países comunistas”, “taxação rigorosa dos lucros excessivos”, “participação dos empregados nos lucros” e “intervenção do Estado na economia: apenas o indispensável” (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1955cTRIBUNA DA IMPRENSA. Rio de Janeiro, p. 2, 18 abr. 1955c., p. 2). Em intervenção no congresso em outubro de 1956, ele defendeu novamente taxar “lucros extraordinários”, acusando a bancada governista de ser defensora dos “tubarões”, “grandes capitães da indústria”, colocando-se do outro lado, na defesa das “classes menos favorecidas” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1956bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XI, n. 193, p. 10271, 30 out. 1956b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD30OUT1956.pdf#page= . Acesso em: 2 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 10271).

O que comporia o “indispensável” na intervenção do Estado? Certamente medidas que permitissem taxar lucros e garantir a participação de empregados neles. E o controle de setores estratégicos também. Além do petróleo, Oscar defendia o monopólio estatal da energia nuclear (CORREIO BRAZILIENSE, 1962CORREIO BRAZILIENSE. Brasília, p. 6, 17 out. 1962., p. 6; MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 1, p. 339).

O desenvolvimentismo, assentado na industrialização, presença do Estado e planejamento, pensamento econômico hegemônico nos anos 1950 e 1960 (BIELSCHOWSKY, 1996BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.), não foi combatido por Oscar Dias Corrêa. Dialogando com a tipologia de Ricardo Bielschowsky, Jorge Chaloub afirma que os bacharéis da UDN poderiam ser classificados como desenvolvimentistas do setor público não nacionalistas (CHALOUB, 2017CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. A economia política dos bacharéis udenistas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329406, jun. 2017., p. 11-12).

Oscar Dias Corrêa conhecia os temas econômicos. Por concurso, era professor de Economia Política na Faculdade de Direito de Minas Gerais desde 1952 e na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil a partir de 1957. Em livro deste mesmo ano, ele dialoga com grandes nomes do pensamento econômico. Por sinal, reconhece a contribuição de J. M. Keynes no que diz respeito aos aspectos macroeconômicos, como conquista indispensável da economia política (CORRÊA, 1957CORRÊA, Oscar Dias. Introdução crítica à economia política. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957., p. 167). Também é enfático ao apontar a necessidade de o capitalismo cada vez mais fazer concessões sociais (CORRÊA, 1957CORRÊA, Oscar Dias. Introdução crítica à economia política. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957., p. 43 e 226).

O combate entre UDN e PSD não se devia a um grande diferencial quanto ao modelo econômico. A divergência, segundo o próprio, seria de ordem moral e política. Moral, porque Oscar assegurava, em seus pronunciamentos nas tribunas, imprensa e nas memórias, ter provas da desonestidade de JK, o que ele julgava inaceitável. Política, porque ele julgava os pessedistas “espertos”, “matreiros”, “pragmáticos”, “sem vergonha”, “demagogos”, interessados apenas em seus projetos pessoais, portanto inferiores aos udenistas quanto ao preparo técnico, moralidade e ao compromisso com o “interesse nacional”.

Em 1962, o Correio Braziliense apresentava Oscar como defensor da política externa independente, um “social-democrata”, “centrista”, que aceita “o dirigismo estatal, pela planificação democrática, supletivo e corretivo da iniciativa privada, bem como o monopólio estatal de bens e serviços que não possam ser entregues sem perigo de concentração monopolística [...] defendeu a ‘Petrobrás’ e monopólio dos minérios atômicos [...]” (CORREIO BRAZILIENSE, 1962CORREIO BRAZILIENSE. Brasília, p. 6, 17 out. 1962., p. 6). Vê-se um udenista próximo ao ideário do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) (DELGADO, 1989DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo - 1945/1964. São Paulo: Marco Zero, 1989.). É significativo que o parlamentar mineiro mantenha essas ideias em 1962, uma vez que a Revolução Cubana (1959) e a aproximação de Fidel Castro à União Soviética contribuíram diretamente para redefinir posições políticas no Brasil (MOTTA, 2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.).

Mas os conflitos políticos estavam se agravando e os compromissos legalistas e democráticos de Oscar Dias Corrêa, assim como os dos seus colegas bacharéis, tradicionais e modernizantes, seriam duramente testados.

Uma conjuntura especial: os anos 1960 e os limites do compromisso democrático

Com o apoio da UDN, brandindo uma vassoura como símbolo de uma campanha e governo que moralizaria o país, Jânio Quadros chegou à presidência num contexto de retração econômica. Seu ministério reunia nomes dos diversos partidos, como a própria UDN, mas também do Partido Social Democrático (PSD), Partido Trabalhista Nacional (PTN) e Partido Democrata Cristão (PDC) (QUELER, 2008QUELER, Jefferson José. Entre o mito e a propaganda política: Jânio Quadros e sua imagem pública (1959-1961). 2008. 349 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008., p. 292).

Era um tempo de agitação social. Na leitura clássica de Francisco Weffort, o compromisso populista dava sinais de esgotamento. As demandas populares por emprego, ampliação das possiblidades de consumo e maior participação política não podiam ser atendidas em um quadro de crise econômica (WEFFORT, 1978WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). A partir de outro enfoque, na verdade crítico de Weffort, autores como Ângela de Castro Gomes (2005GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV, 2005.), Jorge Ferreira (2001FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001., 2003aFERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o governo civil-militar de 1984. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b. v. 3, p. 343-404.) e Lucília Delgado (1989DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB: do getulismo ao reformismo - 1945/1964. São Paulo: Marco Zero, 1989.) apontam para o progressivo fortalecimento político dos trabalhadores, organizados em sindicatos e no PTB muito antes dos anos 1960.

O recrudescimento da Guerra Fria, agravado nas Américas por causa da Revolução Cubana (HOBSBAWM, 1995HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia das Letras, 1995.), a tentativa de invasão dos EUA na Baía dos Porcos (1961) e a aproximação de Cuba da URSS incidiam fortemente no debate político no Brasil, onde ganhava ares cada vez mais fortes o anticomunismo, que tornava suspeito, aos olhos dos seus adeptos, qualquer projeto reformista ou nacionalista (MOTTA, 2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000., p. 296-287, 325, 329 e 336).

Os temores despertados pelo triunfo de Fidel Castro foram especialmente decisivos entre os militares, cooperando para alterar o padrão de relacionamento entre os homens da caserna e o campo político, desgastando o modelo moderador até então hegemônico, conforme interpretação de Alfred Stepan (1975STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Paulo: Artenova, 1975., p. 115-117).

A renúncia de Quadros, em agosto de 1961, resultou em profunda crise política. Os ministros militares vetaram a posse do vice João Goulart, em flagrante desrespeito à Constituição vigente. Carlos Lacerda, que intensificara as críticas a Quadros após a condecoração de Che Guevara em 19 agosto (Centro de Pesquisa e Documentação - CPDOC - Adauto Lucio Cardoso), se junta ao movimento contra Goulart (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.).

Não havia unidade na UDN. Na Câmara Federal, Adauto Lúcio Cardoso (UDN/GB - União Democrática Nacional/Guanabara) defendia a Constituição, o que, dizia, era sua posição invariável, citando para tal circunstâncias anteriores, como as crises de 1954 e 1955 (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1961aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVI, n. 145, p. 6255, 27 ago. 1961a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD27AGO1961.pdf#page= . Acesso em: 7 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 6255). Para dar mais vida ao argumento, acrescentou: “quaisquer que sejam os meus temores e apreensões por ver assomar à Presidência um homem como o Sr. João Goulart, minha decisão inabalável é de lutar para que a Constituição seja cumprida, ainda que a República corra os mais graves riscos” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1961aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVI, n. 145, p. 6255, 27 ago. 1961a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD27AGO1961.pdf#page= . Acesso em: 7 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 6255).4 4 No mesmo discurso, o deputado aponta suas divergências, bem como de muitos colegas da UDN, com Carlos Lacerda no presente e no passado, nas crises de 1954/1955, quanto soluções excepcionais, fora da Constituição. No dia 28 de agosto, Cardoso voltou a tribuna e apresentou uma representação criminal contra Raniere Mazilli, presidente da Câmara, que naquele momento exercia a presidência da República; Marechal Odylio Denis, ministro da Guerra; Brigadeiro Grun Moss, ministro da Aeronáutica; e Almirante Silvio Heck, ministro da Marinha, pelos crimes de responsabilidade, porque estavam violentando a Constituição vigente ao vedarem a posse de João Goulart (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1961bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVI, n. 147, p. 6286, 29 ago. 1961b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29AGO1961.pdf#page= . Acesso em: 7 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 6286).5 5 Assinam como “testemunhas” no documento os deputados Santiago Dantas (PTB/MG), Ruy Ramos (PTB/RS), Cezar Pricio, Almino Affonso (PSB/SP) e Batista Ramos (PTB/SP). Outras lideranças da UDN, a exemplo de Juracy Magalhães, governador da Bahia, também defendiam a posse de João Goulart (STEPAN, 1975STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Paulo: Artenova, 1975., p. 71).

Oscar Dias Corrêa afirma com veemência que essa era exatamente a sua posição e que a representação de Adauto Lúcio Cardoso seria de sua coautoria (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 1, p. 348). Em outra entrevista, ele fornece mais detalhes, dizendo que a “segunda assinatura era a minha. [...] É tese que sustento: eleito, toma posse; quem elegeu, agüente [...]. Achava que o Jango devia tomar posse” (VAZ, 1997VAZ, Alisson Mascarenhas. Duas visões da política mineira: depoimentos de Oscar Dias Corrêa e Pio Soares Canêdo. Belo Horizonte: BDMG, 1997., p. 185).6 6 Além de seu nome não constar nos Anais da Câmara Federal, registre-se que Oscar Dias Corrêa foi Secretário de Educação em Minas Gerais entre 31 de janeiro de 1961 e 17 de maio de 1962. Esse desencontro, no entanto, não necessariamente invalida sua concordância, naquela conjuntura, com a representação apresentada por Adauto Cardoso, de quem, por sinal, era muito próximo, como se vê repetidas vezes em outras passagens de suas memórias.

Durante o Governo Jango, Oscar integrou a chamada “banda de música” da UDN, ala que fazia oposição cerrada ao presidente. Era, junto com Bilac Pinto (UDN/MG), um dos “arautos do anticomunismo” (BENEVIDES, 1981BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 233).

Em maio de 1963, o deputado mineiro fez duras críticas a Leonel Brizola, acusando-o de pregar a “ilegalidade, a desagregação, a subversão, a desunião, enfim a supressão da própria existência livre da Nação brasileira” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 47, p. 2169-2171, 9 maio 1963a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD09MAI1963.pdf#page= . Acesso em: 9 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 2169). Ele teria desrespeitado o general Antônio de Andrade Muricy, chamando-o de gorila e golpista e insuflado sargentos soldados à desobediência em evento na cidade de Natal/RN. Apesar do conteúdo, os dois parlamentares se trataram com respeito ao longo do duelo verbal. Brizola confirmou as críticas ao general e negou a segunda acusação, dizendo que interpelaria na justiça órgãos de imprensa que divulgavam informações falsas a seu respeito. Irônico, Oscar diz apreciar o fato que seu adversário “ainda acredita na lei, por mais que pregue contra ela” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 47, p. 2169-2171, 9 maio 1963a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD09MAI1963.pdf#page= . Acesso em: 9 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 2171).

No mês seguinte, quando o tema da reforma agrária agitava o país e a Câmara Federal, Oscar voltou a dizer que as instituições democráticas estavam em perigo e que era necessário defender o Congresso Nacional, que é o único representante do “povo brasileiro”, diferente dos sindicatos que representam classes, parcelas do povo (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 68, p. 3093, 8 jun. 1963b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD08JUN1963.pdf#page= . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 3093). Ataca, em seguida, o presidente Goulart, que estaria trabalhando para “demonstrar a falência do Congresso Nacional, o seu não atendimento às necessidades do povo, [...] o não atendimento aos interesses gerais da coletividade”. Após todo um raciocínio tendo Jango como personagem central, ele afirma: “é certo que se trama, agora mais do que nunca, neste País a quebra, a violação, a ruína das instituições democráticas” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 68, p. 3093, 8 jun. 1963b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD08JUN1963.pdf#page= . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 3093).

Nesse discurso, verifica-se uma das chaves para se compreender o pensamento do deputado mineiro. Em sua tese, o Legislativo é a principal instituição política. Nessa fala, de 1963, ele contrasta o Congresso com os sindicatos. Em 1966, quando o embate é com Castelo Branco, a contraposição é com o Executivo. Em ambos os casos, o Legislativo é central. No primeiro, como “representante do povo”; no segundo, como única fonte da legitimidade.

Oscar se opôs com veemência à proposta de mudança da Constituição para permitir ao Estado desapropriar terras sem o pagamento prévio em dinheiro em intermináveis debates na Câmara Federal (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963cDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 77, p. 8625, 22 jun. 1963c. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22JUN1963.pdf#page= . Acesso em: 7 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 8625).

O Governo Goulart seria incompetente do ponto de vista administrativo; mais grave, lhe faltaria autoridade moral (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963dDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 96, p. 4560-4561, 19 jul. 1963d. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19JUL1963.pdf#page= . Acesso em: 11 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 4560) e estaria a “agitar e intranquilizar a Nação”, “já dividiu comerciantes, industriais e trabalhadores da cidade. Tenta dividir os homens do campo - trabalhadores e patrões. Tenta dividir os partidos [...] Até sobre a Igreja Católica Apostólica Romana incide o trabalho pertinaz, insidioso e obstinado de dividir fôrças que são indivisíveis” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963dDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 96, p. 4560-4561, 19 jul. 1963d. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD19JUL1963.pdf#page= . Acesso em: 11 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 4561).

O deputado não esconde seus vínculos. Defende o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)7 7 Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade criada em 1959, teve atuação destacada na mobilização contra as reformas e financiou a campanha de muitos candidatos nas eleições de 1962. ADP-Ação Democrática Popular. Entidade criada em 1961 agregando políticos anticomunistas, mobilizando centenas de parlamentares na oposição a João Goulart, conforme Motta (2000, p. 296-299). , a Ação Democrática Parlamentar (ADP) e suas “posições patrióticas” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963eDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 101, p. 4810-4811, 26 jul. 1963e. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26JUL1963.pdf#page= . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 4810-4811) e avança um argumento fundamental: fala de “esquerdismos deformadores e do comunismo subversor”, recebendo a solidariedade de seu grande adversário do PSD/MG Último de Carvalho (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963eDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 101, p. 4810-4811, 26 jul. 1963e. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26JUL1963.pdf#page= . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 4810) e define a ADP como “anteparo, um dique, um obstáculo vigoroso à esquerdização e comunização deste país” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963eDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 101, p. 4810-4811, 26 jul. 1963e. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26JUL1963.pdf#page= . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 4810).

Contra o fantasma vermelho, ergue-se o “brasileiro e católico”, “brasileiro na defesa intransigente de tudo que seja bom para o Brasil e católico na humildade de quem, temente a Deus, lhe segue, com as fraquezas humanas, os ensinamentos” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963eDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 101, p. 4810-4811, 26 jul. 1963e. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD26JUL1963.pdf#page= . Acesso em: 10 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 4810-4811).

O anticomunismo e a defesa da democracia se destacam nos argumentos de Oscar Dias Corrêa. A rigor, no discurso anticomunista então vigente, eram faces da mesma moeda porque, nessa leitura, o comunismo seria oposto ao regime democrático (MOTTA, 2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000., p. 306, 309 e 355). Ao longo do segundo semestre de 1963, ele volta ao tema diversas vezes, falando das “nuvens densas, cores negras, sobre a democracia brasileira” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963fDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 114, p. 5410-5411, 14 ago. 1963f. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14AGO1963.pdf#page= . Acesso em: 8 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5410).

Avançando argumentos, o parlamentar afirmava que Jango “tenta corromper também as Fôrças Armadas, inclusive às vezes incentivando à indisciplina sargentos, oficiais, quanto às vezes, para o amaciamento das cúpulas do Exército Nacional, faz as promoções não do interesse do Exército, mas no interesse pessoal de sua permanência e no servir os seus objetivos” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1963fDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 114, p. 5410-5411, 14 ago. 1963f. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14AGO1963.pdf#page= . Acesso em: 8 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5411). Nesse ponto, além de afinado com o discurso anticomunista em geral (MOTTA, 2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.), o deputado converge com militares de oposição. Segundo Stepan (1975STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Paulo: Artenova, 1975.), as promoções realizadas pelo presidente Goulart eram vistas entre os oficiais como instrumento que minava a “hierarquia do Exército ao degradar visivelmente os critérios profissionais de promoção” (STEPAN, 1975STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Paulo: Artenova, 1975., p. 122). Consolidava-se, no discurso de Oscar, o fato de que o governo estava quebrando as regras constitucionais.

Às vésperas do golpe, setores à direita do espectro político se apoderariam do discurso da legalidade e defesa da Constituição, acusando o bloco nacionalista/reformista de quebrar a ordem legal. Essa mudança seria decisiva para os lances finais entre 31 de março e 2 de abril. Como explica Reis Filho, invertiam-se os termos de 1961: “Quem então apenas defendera a ordem legal, agora parecia ofendê-la. E os que haviam pretendido golpear a Constituição da República, agora a defendiam. Ou pareciam defendê-la. Na verdade, preparavam-se para atacá-la” (REIS FILHO, 2001REIS FILHO, Daniel Aarão. O colapso do colapso do populismo no Brasil. In: FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 319-377., p. 341). A síntese do autor é precisa. Mas, é significativo que, como se vê nas palavras do parlamentar mineiro em agosto de 1963, esse processo tenha começado muito antes do fatídico março de 1964. Talvez isso também contribua para explicar o seu êxito.

No início de 1964, como apontam diversos autores (FERREIRA, 2003bFERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o governo civil-militar de 1984. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b. v. 3, p. 343-404.; MOTTA, 2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.; CARDOSO JÚNIOR, 2021CARDOSO JÚNIOR, Edi de Freitas. “O Brasil que há de ser!” Darcy Ribeiro e cultura política trabalhista no governo João Goulart. 2021. 354 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.OK), as margens de negociação política haviam se estreitado demais. O tom do discurso de Oscar também subira um degrau. Contra um suposto “plano de coerção das liberdades públicas”, conclamava: “homens públicos do Brasil, unir-nos, para que possamos defender a liberdade, custe o que custar, haja o que houver [...] inclusive com o nosso sacrifício ou pelo menos com a nossa luta permanente” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1964aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XIX, n. 20, p. 407, 29 jan. 1964a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD29JAN1964.pdf#page= . Acesso em: 7 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 407).

A defesa da liberdade frente à ameaça comunista era o principal vetor de articulação da ampla e heterogênea frente anti Goulart. Suas diferenças internas eram superadas pela repulsa e medo do comunismo, sentimentos e percepções autênticos em parte deles e habilmente explorados na disputa política (MOTTA, 2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.).

De todas as reformas propostas pelo governo, a agrária era que despertava maior resistência. O município de Curvelo-MG foi um dos centros de articulação de diversos setores de oposição, agora claramente dispostos ao confronto armado (STARLING, 1986STARLING, Heloisa. Os senhores das Gerais. Os novos inconfidentes e o golpe de 1964. Petrópolis: Vozes, 1986., p. 251). Oscar Corrêa era um dos participantes desse movimento e seu porta-voz na Câmara Federal. Sua justificativa era de que seria preciso reagir ao fato de que o governo “ampara pseudo-camponeses em Governador Valadares, os falsos camponeses do Piauí e os arma e estimula, na frase do próprio Sr. Presidente da SUPRA, Sr. João Pinheiro Neto, e que invadem propriedade e as tomam na ‘raça e na marra’” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1964bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XIX, n. 31, p. 864, 20 fev. 1964b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20FEV1964.pdf#page= . Acesso em: 12 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 864).

O parlamentar viajou para a Europa na segunda quinzena de março de 1964 e só retornou em abril, com o golpe consumado. Em Paris, quando soube da “revolução”, brincou: “Isso é 1º e abril”. Ele alega não ter participado diretamente da articulação da intervenção militar, embora tivesse plena ciência e a apoiasse inteiramente (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 2, p. 593).

O legalista, enérgico defensor da democracia e da constituição, sucumbiu em 1964. Se, por um lado, é fato que havia setores no bloco nacionalista reformista que adotaram uma linha mais agressiva, a exemplo dos discursos exaltados de Leonel Brizola e que os movimentos sociais estavam em notável crescimento (REIS FILHO, 2001REIS FILHO, Daniel Aarão. O colapso do colapso do populismo no Brasil. In: FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 319-377.), por outro, as acusações de que João Goulart planejava um golpe carecem de sustentação empírica (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.; FICO, 2017FICO, Carlos. Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 9, n. 20, p. 05‐74, jan./abr. 2017., p. 11; MELO, 2014MELO, Damian Bezerra de. O Golpe de 1964 e meio século de controvérsias: o estado atual da. In: MELO, Damian Bezerra de. A miséria da historiografia: uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014. p. 157-188.).

Uma análise cuidadosa da influência dos comunistas nos movimentos sociais, sua presença em instituições como Congresso Nacional e Forças Armadas, bem como suas relações com o Governo Jango também desautorizam a tese de que o país estava à beira da instalação do comunismo, como afirmavam de forma veemente os mais extremados opositores do governo então vigente (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 37-40).

Contudo, esse discernimento, que parece bastante razoável ao historiador, era algo bem mais difícil para quem viveu os agitados anos 1960. Como destaca o próprio Rodrigo Motta (2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 45), para muitos contemporâneos do Golpe, o comunismo parecia uma ameaça verossímil. Em que medida era autêntico o medo do comunismo ou mero recurso político manipulado pelos opositores do Governo Jango dificilmente se poderá saber. O dado objetivo é que a bandeira anticomunista foi erguida em muitas situações para barrar projetos reformistas, numa bem articulada exploração do tema pelos grupos à direta no espectro político (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 23).

Oscar Dias Corrêa parece estar entre aqueles que temiam efetivamente o comunismo. Além disso, sua trajetória não permite associá-lo simplesmente a alguém ou a um grupo que apenas explora o fantasma vermelho para barrar projetos reformistas porque seus discursos e propostas revelam um perfil ideológico complexo, favorável a diversas medidas de corte nacionalista e distributivista, ainda que mais tímidas do que propunham as reformas de base.

Mas, junto com às bandeiras sociais e econômicas, no perfil de Oscar também se destacavam aspectos de ordem moral, como oposição ao divórcio e legalização do jogo, temas caros a muitos setores cristãos.

Em síntese, a postura pró-golpe de Oscar se assentaria em um autêntico temor ao comunismo e aos alegados riscos à democracia. Nesse caso, haveria coerência - não necessariamente lucidez, justiça ou legitimidade -, em sua trajetória, discurso e autobiografia. Teria sido apenas quando esse fantasma lhe pareceu mais real que ele se dispôs a romper seu compromisso com a defesa da constituição.

Se o receio da “ameaça comunista” era real, em que medida a defesa da democracia era concreta? O flagrante desrespeito à Constituição perpetrado para depor Goulart não desautoriza por completo esse discurso? A postura de Oscar exemplificaria a descrença generalizada no regime político vigente, como propõe Alfred Stepan? Residiria nesse ponto a explicação para o fato de o deputado abrir uma exceção em suas convicções legalistas, rompendo com um discurso cultivado anos a fio? Trata-se de explícita manifestação da visão instrumental da democracia, conforme os termos de Argelina Figueiredo (1993FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993.)? A resposta possivelmente seria um inequívoco sim, não fossem as relações complexas que o parlamentar e o novo regime entabularam.

Considerações finais: desfecho improvável

No primeiro discurso sob novo regime, Oscar defendeu as cassações, os “expurgos” e prisões, exaltando o Ato Institucional (I), concitando o governo a usar os amplos poderes que recebeu “em bem do País, sem temores e sem pusilanimidade” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1964cDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XIX, n. 81, p. 2955, 8 maio 1964c. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD08MAI1964.pdf#page= . Acesso em: 7 jun. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 2955).

Na mesma fala, Oscar comparou o Brasil a um doente. Qual seria o tempo para a recuperação? E quem daria alta ao paciente? Possivelmente, ele pensava que os partidos e o Congresso Nacional teriam papel importante nessas decisões. O tempo não lhe deu razão.

A necessidade de uma intervenção excepcional para regenerar o país e a política ecoa o discurso da purificação apregoado por Lacerda nas crises de 1954 e 1955 como argumento para a quebra da ordem constitucional. A diferença é que o jornalista defendia soluções extraconstitucionais sem maiores constrangimentos, enquanto o deputado mineiro tenta harmonizar sua defesa de 1964 com sua prédica legalista. Na visão de Oscar, o comunismo seria a enfermidade que colocaria em risco a vida do país. Seus primeiros sintomas seriam as ações de Goulart e aliados que já teriam quebrado a ordem constitucional.

Para Alfred Stepan, a tomada do poder pelos militares em 1964, configurando o novo padrão de relacionamento entre a caserna e os civis, foi precedida por uma série de transformações sociais e políticas que resultaram numa perda completa de credibilidade do sistema político, sentimento comum entre agentes políticos civis e militares. Diferente de outras crises, a exemplo de 1954, 1955 e 1961, quando os opositores se mobilizaram de forma específica contra o presidente, a articulação contra Goulart é vitoriosa em um contexto de descrença generalizada no sistema, incluindo os setores pró-governo. O regime entrou em colapso antes que o presidente fosse deposto (STEPAN, 1975STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Paulo: Artenova, 1975., p. 110-113).

Embora bem urdida, a tese de Stepan não se aplica a Oscar Dias Correa. Para este, o país estava em grave crise, mas o elemento causador era o presidente, sua política sindicalista e sua aliança ou leniência com os comunistas. As instituições, especialmente o Congresso Nacional, conservavam a vitalidade. A intervenção se justificaria para remover o perigo representado por Goulart e seus aliados.

Para Stepan, em 1964 se rompeu por completo o antigo padrão de relacionamento entre os militares e os civis. Superava-se a visão predominante entre os primeiros de que eles não eram nem aptos nem possuíam legitimidade para assumirem de forma direta e duradoura o poder. Até então, seu papel seria zelar pela “lei e pela ordem”, fazendo intervenções pontuais e temporárias, como se dava desde 1930. João Roberto Martins Filho (2003MARTINS FILHO, João Roberto. Forças armadas e política, 1945-1964: a ante-sala do golpe. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. v. 3, p. 97-126.) critica a leitura de Stepan, especialmente a autoimagem dos militares como incapazes de governarem. No entanto, apesar das diferenças, os autores convergem ao apontarem para o fato de que, nos anos 1960, especialmente após a crise de agosto de 1961, a articulação política dos militares adquire nova forma, nos termos de Martins Filho, a correlação de forças se altera, ampliando-se as bases sociais para uma ação golpista vitoriosa (MARTINS FILHO, 2003MARTINS FILHO, João Roberto. Forças armadas e política, 1945-1964: a ante-sala do golpe. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. v. 3, p. 97-126., p. 121).

Por sua vez, personagem e agente daquele tempo, Oscar dá indicações de fazer outra leitura dos fatos. Seu apoio e avaliação do golpe parece ancorado na antiga forma de ação dos militares, a que Stepan denominou padrão moderador. Nesse ponto se explicaria sua convicta aprovação da intervenção militar, bem como seu posicionamento posterior.

Seu entusiasmo com o novo regime não duraria muito tempo. Embora sua visão sobre a necessidade - ou seja, impedir o comunismo - e a legalidade - o governo Jango já operava fora da lei há muito tempo - da Intervenção Militar tenha permanecido, as démarches do pós-1964 lhe conduziriam para outro caminho.

Conforme já comentado antes, a leitura udenista era de que o país vivia grave crise em virtude dos erros dos grupos dirigentes. Eles haviam falhado no papel de liderar e moderar, ordenar e definir os rumos da nação. Faltavam estadistas (CHALOUB, 2015CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 65).

Oscar era sobremodo udenista. Nesse aspecto, suas memórias, em que isso é enfatizado pelo próprio de forma recorrente, condiz de forma plena com sua experiência histórica. Nas lides políticas em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília, seu udenismo era conhecido. Nas palavras do jornalista Pedro Gomes, ele era um “udenista a toda prova”. Um símbolo disso é que ele trazia sempre na lapela do terno o broche do partido (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1955dTRIBUNA DA IMPRENSA. Coluna “Política em dia”/ Pedro Gomes. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 2, 9 fev. 1955d., p. 2). O jornal continuava a se referir, 10 anos depois, a Oscar como um defensor da tradição udenista (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1965TRIBUNA DA IMPRENSA. Rio de Janeiro, 9 jun. 1965.).

A extinção dos partidos, determinada pelo Ato Institucional nº 2 em novembro de 1965, dividiu a UDN. Se teve o apoio de líderes udenistas como Juraci Magalhães e Magalhães Pinto, houve o protesto de outros como Pedro Aleixo, Adauto Lucio Cardoso, Milton Campos (BENEVIDES, 1981BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 132) e Oscar Dias Corrêa, cuja relação com o Regime Militar foi muito abalada. Materializa-se, para ele, com o “atraso” de quase dois anos, o novo padrão de ação política dos militares.

O desgaste se deu de forma progressiva. Em março de 1966, numa fala rápida, fazendo um aparte a outro deputado, Oscar defende os feitos da “Revolução” de 1964 em favor da “causa democrática” e aponta o governo anterior como “subversivo e corrupto” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966aDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 24, p. 797, 08 mar. 1966a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD08MAR1966.pdf#page= . Acesso em: 7 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 797). Uma semana depois, o parlamentar explicita seu desconforto com a solução bipartidária, refere-se a ARENA e MDB como “desorganizações” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966bDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 2?, p. 1026, 16 mar. 1966b. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD16MAR1966.pdf#page= . Acesso em: 5 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 1026).

O parlamentar mineiro se recusava a integrar a ARENA, onde teria que conviver com antigos desafetos do PSD que, segundo sua versão, passou a controlar a ARENA e perseguir os antigos adversários udenistas. Sem partido, ficava de fora das Comissões da Câmara dos Deputados, o que muito lhe revoltava, como se vê nos diários da casa dos meses de 17 de março e 22 de abril de 1966 (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966cDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 30, 17 mar. 1966c. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD17MAR1966.pdf#page= . Acesso em: 7 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, 1966fDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 50, 22 abr. 1966f. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD22ABR1966.pdf#page= . Acesso em: 2 abr. 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
).

No dia 23 de março, ele denunciou o abandono da Amazônia e os riscos que isso trazia à soberania do país, uma vez que suas riquezas estariam sendo cobiçadas por outros povos. Lembrava não ter vínculos com a região, sendo sua motivação apenas um gesto “patriótico” e “nacionalista”, de alguém que sonha dar “a este País [...] as condições de se tornar aquela potência com que sonhamos” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966dDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 34, p. 1197-1198, 23 mar. 1966d. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAR1966.pdf#page= . Acesso em: 4 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 1197). Todo seu discurso era justificado como defesa do “interesse nacional” e não de facção ideológica, porque “não a tenho” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966d, DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 34, p. 1197-1198, 23 mar. 1966d. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD23MAR1966.pdf#page= . Acesso em: 4 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
p. 1198).

Os embates com a Presidência continuam no dia 13 de abril, quando o Congresso discutiu a criação de uma rádio da casa legislativa. Oscar afirma que os procedimentos do Executivo é que estariam atrasando o processo, defende a autonomia da casa e termina dizendo que a rádio permitiria ao Congresso ter uma voz e assim “evitar que ele continue a ser o bode expiatório dos malfeitos desta República” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966eDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XVIII, n. 44, p. 1665, 13 abr. 1966e. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0019660413000410000.PDF#page= . Acesso em: 8 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 1665).

Seu tom era cada vez mais de oposição, como foi na visita do Ministro da Fazenda Otávio Gouveia de Bulhões ao Congresso em junho de 1966. O mineiro confrontou o ministro, criticando fortemente o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), especialmente sua ineficácia no controle da inflação (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966gDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 76, p. 3376, 2 jun. 1966g. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD02JUN1966.pdf#page= . Acesso em: 29 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 3376).

Segundo o Tribuna da Imprensa, ele era o “único parlamentar federal sem partido”, e estaria satisfeito com essa condição “porque poderá votar, ou deixar de votar, de acordo com seu arbítrio. Em agosto, ele irá à tribuna da Câmara para fazer um violento pronunciamento contra a política econômico-financeira” (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1966TRIBUNA DA IMPRENSA. Coluna “Fatos & rumores - Em primeira mão” - Hélio Fernandes. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, p. 3, 22 jul. 1966., p. 3).

O discurso de agosto de 1966, previsto pelo Jornal, foi a ruptura.8 8 A gota d´água pública do rompimento foi o Ato Complementar nº 20, baixado pela Presidência da República em 9 de agosto de 1966, regulamentando as eleições daquele ano. Oscar trabalhara por longos meses em uma Comissão, convocada pelo próprio Castelo Branco, que estudava a reforma eleitoral. Abruptamente, o presidente desconsiderou todas as discussões (MINAS GERAIS, 2000, v. 2). Oscar dizia-se profundamente arrependido de ter apoiado o governo do “onipotente” Castelo Branco. Quanto à deposição de Goulart, para a qual contribuiu de forma “modesta” e “humilde”, não se arrepende “um instante sequer” e o faria novamente se preciso fosse. Afirma que “não esmoreceu no combate democrático” e “não teme os poderosos de hoje e não temeu os de ontem” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192). Diz, ainda, que muitos que antes pregavam a “pureza do regime democrático” agora se calam, se conformam e se rebaixam, seduzidos pelo poder.

Alegando dever contas somente ao povo que o elegeu, o parlamentar não economiza nas críticas: “Quando vejo frustradas as nossas esperanças, corrompido o regime, abastarda a República, rasgada a Constituição, prostituída a democracia, não posso nem devo me calar” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192). Condena os “atos institucionais, os atos complementares, os decretos-leis, os decretos com o caráter de lei, ainda que não o digam, as restrições ao poder de legislar deste Parlamento, obrigando os Deputados a uma posição de mera fantasia legiferante”. Na sequência, coloca o dedo na ferida, apontando para a diferença fundante entre Executivo e Legislativo:

E diga-se, Sr. Presidente, que nós somos oriundos da vontade popular, e o Sr. Presidente da República não o é. Nós fomos legitimados pelo povo, pelo voto popular, e o Sr. Presidente da República assumiu o poder à crista de uma Revolução, com a legitimação indireta deste Parlamento. Nós temos a fonte direta do poder, porque eleitos pelo povo (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192).

O Judiciário também “não existe se um Governo, pelo seu ominoso Presidente da República, julga os cidadãos, representantes do povo, cassa-lhes os mandatos, suspende direitos, avoca poderes, e é a última instância, a única instância” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192).

A Federação também havia morrido, porque o Presidente “produz todos os governadores, escolhe, nomeia e veta governadores de Estado, prefeitos municipais”. A República perecera: “Que República é esta, em que não há mais res publica [...] mas apenas a vontade exclusiva do omnipresente Sr. Presidente da República.” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192, grifo do autor).

A lei não mais existe: “Falam que o próximo pleito obedecerá à lei. Mas que lei, Sr. Presidente? A lei que fizemos neste Parlamento em vigor, ou a lei que amanhã o Presidente da República fará num ato complementar, num decreto-lei, num decreto?” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192).

E o povo?

Está do outro lado. Do lado dos que não podem, mas padecem e nem clamar podem [...] O povo não serve agora nem de disfarce à farsa [...]. Desfizeram-se os mais mínimos preconceitos morais, inclusive aquele de parecer que serviam o povo. Caiu a máscara, a fantasia, para evidenciar o desapreço do Governo pelo povo (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192).

Na leitura de Oscar, o Executivo atropelara o Judiciário, a lei, a Federação, a República, o povo e principalmente o Legislativo, a fonte de legitimidade do poder, porque sufragado nas urnas. O caráter ditatorial era inequívoco. Em tempos de revisionismo sem fundamentos, quando se nega o caráter ditatorial do Regime ou o restringe para o período de vigência do AI-5, as falas de Oscar, uma voz insuspeita, são elucidativas.

A tese do parlamentar é distinta da tese esposada no Ato Institucional nº 1. Dizia o texto inaugural da Ditadura: “A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma” (BRASIL, 1964BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 09 de abril de 1964. Dispõe sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações introduzidas pelo Poder Constituinte originário da revolução Vitoriosa. Brasília: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm . Acesso: 4 jun. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait...
).

A “filosofia” do AI-5 seria de Francisco Campos, jurista mineiro que tinha no currículo a justificativa do Estado Novo e que reaparece em 1964, traduzindo com precisão o que a cúpula militar pensava e desejava fazer, mas não sabia formular (GASPARI, 2002GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 1 v., p. 123-124). Os militares deixavam a condição de “moderadores” para se tornaram “dirigentes políticos” (STEPAN, 1975STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Paulo: Artenova, 1975., p. 93).

Na visão de Oscar Dias Corrêa, que também era especialista em Direito, as fontes da legitimidade do governo de Castelo Branco eram dadas pelo Congresso. Assim sendo, estava-se diante de uma situação grave porque essa fonte se perdera porque “não existe mais o Poder Legislativo. Temos sim, atos que institucionalizam a conveniência, o interesse do omnivalente Sr. Presidente da República e das forças tímidas e acovardadas que o cercam e se prestam à farsa, já agora desmedida, de que estamos em regime democrático” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966hDIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 115, p. 5192, 20 ago. 1966h. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20AGO1966.pdf#page= . Acesso em: 07 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192).

Por que ele precisou de dois anos para fazer essa crítica? Teria sido esse o tempo suficiente para a “Revolução” fazer seu trabalho de “limpeza” e restaurar a normalidade? Se sim, talvez a diferença entre o pensamento dos dois mineiros, o deputado e o jurista, não fosse exatamente filosófica, mas política, havendo leituras distintas quanta à correlação de forças na sociedade brasileira, o que definiria a duração e intensidade dos atos de força que cada um julgava “necessário” e “saudável” (DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL, 1966DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL. Capital Federal, Diário do Congresso Nacional, ano XXI, n. 24, p. 797, 08 mar. 1966a. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD08MAR1966.pdf#page= . Acesso em: 7 maio 2022.
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf...
, p. 5192).

Há indícios de que, se não acreditou na rápida retirada dos militares para os quartéis, Oscar confiou na preservação das liberdades democráticas que ainda restavam no pós-1964, especialmente as brechas utilizadas pelo próprio Legislativo, utilizadas por deputados da oposição e situação (VASCONCELOS, 2013VASCONCELOS, Claúdio Beserra de. Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, p. 333-358, jan./abr. 2013.). Seu trabalho intenso na formulação de um novo código eleitoral indica isso. A frustração frente a recusa de Castelo Branco também (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 2).

De qualquer modo, há dois pontos cegos na argumentação do parlamentar mineiro: 1) conforme a Constituição então vigente, a de 1946, o presidente seria eleito pelo voto direto, não pelo Congresso Nacional; 2) se, em alguma medida, o ato do Legislativo em referendar a “Revolução” de 1964 lhe confere algum grau de legitimidade - e é possível que sim porque o novo regime se apresentava como democrático e precisava conservar algumas instituições funcionando para que a contradição entre discurso e realidade não fosse muito flagrante (ALVES, 2005ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru: Edusc, 2005., p. 106; VASCONCELOS, 2013VASCONCELOS, Claúdio Beserra de. Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, p. 333-358, jan./abr. 2013.) - é necessário registrar que a eleição indireta em 2 de abril é precedida dos atos de força ilegais perpetrados pelas Forças Armadas desde o dia 31 de março.

As críticas de Oscar Dias Corrêa ao governo Castelo Branco se inscrevem em um contexto de tensões entre o Legislativo e o Executivo. A decisão do novo regime de manter aberto o Congresso Nacional, embora com limitações, respondia a um conjunto de fatores. Não era mero simbolismo ou mera formalidade, observa Cláudio Beserra de Vasconcelos. Era uma demanda política interna e externa. Do ponto de vista interno, para “determinadas parcelas da sociedade brasileira - especificamente, as elites e as camadas médias - era impositivo um respeito às normas da democracia liberal” (VASCONCELOS, 2013VASCONCELOS, Claúdio Beserra de. Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, p. 333-358, jan./abr. 2013., p. 339). Além disso, a conservação da unidade militar não seria possível com o estabelecimento de uma ditadura expressa. Na dimensão internacional, a manutenção de um quantum mínimo de democracia também era necessária para a construção ou aprimoramento da imagem positiva do país no bloco ocidental (VASCONCELOS, 2013VASCONCELOS, Claúdio Beserra de. Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, p. 333-358, jan./abr. 2013., p. 342).

Embora não reste dúvida de que já se tratava de uma Ditadura, como ressalva o autor, tratava-se de um “processo híbrido de dominação política”. A partir dessa especificidade, torna-se melhor explicável porque uma liderança como a de Oscar Dias Corrêa - cuja responsabilidade pelo apoio ao Golpe não pode ser diminuída - tenha demorado mais de dois anos para romper com o novo regime quando esse lhe pareceu incompatível com seus princípios,

O caráter híbrido do regime se dissiparia com o AI-5, em dezembro de 1968, após profunda crise entre Legislativo e Executivo. O recurso final a uso bruto da força, destaca ainda Vasconcelos, não invalida o fato de que, antes disso, por quase quatro anos, o regime pretendeu “legitimar-se junto à sociedade civil por meio da construção de uma imagem democrática sobre si mesmo.” (VASCONCELOS, 2013VASCONCELOS, Claúdio Beserra de. Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, p. 333-358, jan./abr. 2013., p. 357).

Como se vê, nesse esforço para se legitimar, a preservação do Legislativo era fundamental. Nesse aspecto, de alguma forma, Oscar Dias Corrêa não estava falando sozinho quando insistia em atribuir ao Legislativo a função legitimadora do poder. De igual forma, compreende-se seu rompimento com Castelo Branco quando, segundo seu discurso, as ações do Executivo castravam as liberdades do Congresso Nacional.

De sua entrada na política, em 1945, até sua saída, em 1966, Oscar Dias Corrêa alega defender o regime democrático. Quebrou esse princípio em 1964, apesar de seu esforço para justiçar o Golpe sob o argumento da ameaça comunista.

Mas, qual democracia? Os conceitos do campo político são, via de regra, ambíguos, imprecisos, ponto no qual convergem diferentes autores como J. Pocock (2003POCOCK, John Greville Agard. Linguagens do ideário político. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003., p. 32), M. Oakeshott (2018OAKESHOTT, Michael. A política de fé e a política do ceticismo. São Paulo: É Realizações, 2018., p. 44-45) e P. Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004., p. 161). Essa elasticidade semântica se materializa em extensos debates, verdadeiras lutas de classificação e permite que termos como democracia apareçam tanto na fala dos vitoriosos como na dos perdedores em 1964.

Um novo capítulo nesse debate se abriu em 1993 com a publicação de Democracia ou Reformas?, de Argelina Cheibub Figueiredo. Segundo a autora, uma das razões do Golpe foi a visão instrumental da democracia compartilhada pela esquerda e pela direita (FIGUEIREDO, 1993FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993., p. 202).

Essa tese, abraçada e/ou ampliada entre outros por Jorge Ferreira (2003bFERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o governo civil-militar de 1984. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b. v. 3, p. 343-404.) e Elio Gaspari (2002GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 1 v.), gerou grande controvérsia, suscitando críticas diversas, a exemplo dos trabalhos de Toledo (2004TOLEDO, Caio Navaro de. Golpismo e democracia. As falácias do revisionismo. Crítica Marxista, São Paulo, n. 19, p. 27-48, 2004.), Mattos (2008MATTOS, Marcelo Badaró. O governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 28, n. 55, p. 245-263, jan./jun. 2008.), Melo (2014MELO, Damian Bezerra de. O Golpe de 1964 e meio século de controvérsias: o estado atual da. In: MELO, Damian Bezerra de. A miséria da historiografia: uma crítica ao revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014. p. 157-188.) e Joffily (2018JOFFILY, Mariana. Aniversários do golpe de 1964: debates historiográficos, implicações políticas. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 23, p. 204-251, jan./mar. 2018.). Um dos principais erros de Figueiredo teria sido a forma anacrônica com a qual usa o conceito de democracia. Essa não era a palavra de ordem daquele tempo, mas sim a revolução, como pontua Marcelo Ridenti (2003RIDENTI, Marcelo. Cultura e política: os anos 1960/1970 e sua herança. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. v. 4, p. 133-166. ), uma referência importante para os críticos de Figueiredo.

De fato, a revolução movia corações e mentes. Até os vitoriosos em 1964 se referiam ao fato como “revolução”. Porém, para certos grupos, em alguma medida, a defesa das instituições e princípios democráticos era algo também presente. Já se discutiu aqui a necessidade política do novo regime de conservar em funcionamento, entre outras instituições, o Legislativo.

Pesquisa de opinião realizada no pré-Golpe indica elevados percentuais de trabalhadores que defendiam as reformas dentro das regras constitucionais (FERREIRA, 2003bFERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o governo civil-militar de 1984. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b. v. 3, p. 343-404.). Outra pesquisa, realizada nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em maio de 1964, informa que 80% dos cariocas e 77% dos paulistanos defendiam as eleições diretas como a melhor forma de eleger o próximo presidente (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 137).

A própria Argelina Figueiredo dedica um capítulo ao estudo da Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base, iniciativa liderada por San Tiago Dantas, com o intuito criar “condições para a efetivação das reformas por métodos democráticos” (FIGUEIREDO, 1993FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993., p. 145).

Outro integrante do bloco reformista, Celso Furtado, superintendente da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e ex-ministro do Governo Goulart, escrevendo em 1962 e 1964, faz um diagnóstico pessimista da conjuntura política, mas, de forma explícita, recusa qualquer solução autoritária, assumindo uma inequívoca defesa das liberdades democráticas (FURTADO, 1962FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962., 1964FURTADO, Celso. Dialética do desenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.; OLIVEIRA, 1997OLIVEIRA, Francisco de. Viagem ao olho do furacão: C. Furtado e o desafio do pensamento autoritário brasileiro. Seleções CEBRAP. São Paulo: CEBRAP, 1997.).

São indicações de que a identificação com o sistema democrático era algo presente em importantes segmentos da sociedade. É possível que Figueredo não tenha cometido o pecado do anacronismo. Seu deslize, nesse ponto específico, seria adotar uma escrita generalizante ao final do livro, quando se refere ao aspecto comum entre esquerda e direita quanto a visão instrumental da democracia.

Além de identificar e problematizar especificidades no interior de cada um dos grandes blocos que se formaram naquele tempo de polarização, seria preciso destrinchar as formulações concorrentes de democracia então presentes. Novamente, as pesquisas são instrutivas. Como observa Motta, muita gente apoiou o Golpe e os expurgos, mas preferia conservar o direito do voto direto, “o que implicava um limite à aceitação de uma ditadura clássica” (MOTTA, 2021MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 138). O caso específico de Oscar Dias Corrêa indica um compromisso democrático com ressalvas, com salvaguardas.

A virulenta oposição do deputado mineiro revela os limites do seu modelo democrático, sua filiação ao paradigma conservador que aceita mudanças, mas com muitas reservas, sem se expor ao desconhecido e incerto (MANNHEIM, 1982MANNHEIM, Karl. O significado do conservantismo. In: FORACCHI, Marialice Mencarini (org.). Karl Mannheim. São Paulo: Ática, 1982, p. 107-136., p. 108). Como registrado aqui, diversas reformas sociais eram defendidas pelo parlamentar mineiro, mas se efetuadas sob controle, dentro de certos limites, o que impõe nova pergunta: quem define os limites? Os homens ilibados exaltados por Oscar, a exemplo de próceres da UDN como Milton Campos, Pedro Aleixo, Adauto Lúcio Cardoso, e ele próprio, pode-se inferir. Os udenistas, afirma Benevides, reclamavam para si “um sentido de excelência”, de superioridade, algo mais relacionado a honra e tradição e é nessa dimensão que o elitismo da UDN é específico e distinto do pessedista (BENEVIDES, 1981BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981., p. 256-258). Não por acaso, Oscar opunha-se ao voto dos analfabetos sob o argumento de que a medida aumentaria a manipulação de políticos inescrupulosos (CORREIO BRAZILIENSE, 1965CORREIO BRAZILIENSE. Brasília, 9 abr. 1965.).

Nesse ponto, guardadas as muitas outras diferenças, a experiência democrática brasileira de 1945 a 1964 se assemelha ao caso estadunidense estudado por Steven Levitsky e Ziblatt (2018LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.). Nos EUA, a estabilidade e vigor do regime democrático estiveram assegurados enquanto os processos políticos eram controlados pelas cúpulas partidárias e a questão racial esteve fora da pauta. Na visão de Oscar Corrêa e de outros setores que, a sua semelhança, apoiaram o Golpe e depois romperam com a Ditadura, a democracia no Brasil era possível e desejável, desde que não colocasse em risco privilégios sociais e econômicos. O pensamento do udenista mineiro pode ser assim resumido: democracia sempre, mas com limites. Meus limites.

Referências

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  • BENEVIDES, Maria Victoria Mesquita. A UDN e o Udenismo: ambiguidades do liberalismo brasileiro (1945-1965). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
  • BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
  • BOJUNGA, Claudio. JK: o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
  • BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas São Paulo: Brasiliense, 2004.
  • BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (org.). Usos e abusos da história oral Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 183-191.
  • BRASIL. Ato Institucional nº 1, de 09 de abril de 1964 Dispõe sobre a manutenção da Constituição Federal de 1946 e as Constituições Estaduais e respectivas Emendas, com as modificações introduzidas pelo Poder Constituinte originário da revolução Vitoriosa. Brasília: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm Acesso: 4 jun. 2022.
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  • CARDOSO JÚNIOR, Edi de Freitas. “O Brasil que há de ser!” Darcy Ribeiro e cultura política trabalhista no governo João Goulart 2021. 354 f. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021.OK
  • CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. A economia política dos bacharéis udenistas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 32, n. 94, e329406, jun. 2017.
  • CHALOUB, Jorge Gomes de Souza. O liberalismo entre o espírito e a espada: a UDN e a República de 1946. 2015. 285 f. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
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  • *
    Resultado parcial da pesquisa “Pensamento e ação: os intelectuais mineiros e os projetos para o Brasil”, financiada pela FAPEMIG (APQ-00340-18).

NOTAS

  • 1
    Outras correntes internas também são conhecidas: os “realistas”, compostos por lideranças mais pragmáticas, a exemplo de Otávio Mangabeira e Juracy Magalhães, os “chapa-branca”, grupo de parlamentares que emprestavam apoio a governos do PSD em troca de investimentos em suas bases eleitorais, e a “bossa nova”, grupo de deputados que, nos anos 1960, se identificavam com as reformas propostas pelo Governo Goulart.
  • 2
    Foram 9 publicações em dezembro de 1954, 6 em janeiro de 1955, 3 em fevereiro de 1955, 4 em março de 1955, 1 em abril de 1955 e 3 em junho de 1955.
  • 3
    O discurso foi proferido no dia 22 e publicado no dia 26 de novembro.
  • 4
    No mesmo discurso, o deputado aponta suas divergências, bem como de muitos colegas da UDN, com Carlos Lacerda no presente e no passado, nas crises de 1954/1955, quanto soluções excepcionais, fora da Constituição.
  • 5
    Assinam como “testemunhas” no documento os deputados Santiago Dantas (PTB/MG), Ruy Ramos (PTB/RS), Cezar Pricio, Almino Affonso (PSB/SP) e Batista Ramos (PTB/SP).
  • 6
    Além de seu nome não constar nos Anais da Câmara Federal, registre-se que Oscar Dias Corrêa foi Secretário de Educação em Minas Gerais entre 31 de janeiro de 1961 e 17 de maio de 1962. Esse desencontro, no entanto, não necessariamente invalida sua concordância, naquela conjuntura, com a representação apresentada por Adauto Cardoso, de quem, por sinal, era muito próximo, como se vê repetidas vezes em outras passagens de suas memórias.
  • 7
    Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), entidade criada em 1959, teve atuação destacada na mobilização contra as reformas e financiou a campanha de muitos candidatos nas eleições de 1962. ADP-Ação Democrática Popular. Entidade criada em 1961 agregando políticos anticomunistas, mobilizando centenas de parlamentares na oposição a João Goulart, conforme Motta (2000MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000. Tese (Doutorado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000., p. 296-299).
  • 8
    A gota d´água pública do rompimento foi o Ato Complementar nº 20, baixado pela Presidência da República em 9 de agosto de 1966, regulamentando as eleições daquele ano. Oscar trabalhara por longos meses em uma Comissão, convocada pelo próprio Castelo Branco, que estudava a reforma eleitoral. Abruptamente, o presidente desconsiderou todas as discussões (MINAS GERAIS, 2000MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa. Oscar Dias Corrêa. Belo Horizonte: ALMG, 2000. (Coleção Memória Política de Minas, 4, v. 1, 2)., v. 2).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e Eduardo Romero de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2022
  • Aceito
    19 Maio 2023
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