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O emprego da cola de fibrina no tratamento das fístulas anais

Resumos

O emprego de cola de fibrina no tratamento de fístulas anais tem sido relatado em diversos estudos, com a finalidade de obliterar o trajeto fistuloso, criando uma matriz para sua cicatrização definitiva. O método consiste na curetagem e lavagem do trajeto fistuloso, seguidas pela injeção da cola. Esse procedimento pode ser associado ao avanço de retalhos endorretais ou outros métodos para obliteração do orifício interno, o que pode aumentar sua eficácia. Os índices de cicatrização descritos variam de 30 a 50 % em média. A sua utilização não prejudica a realização de outros procedimentos, em caso de insucesso, o que pode torná-lo uma opção para o tratamento inicial das fístulas anais.

Fístula anal; cola de fibrina; tratamento


The use of fibrin glue in the treatment of anal fistulas has been reported. The aim of this method is to close the fistulous tract, creating a matrix able to promote definitive healing. The thecnique is simple, the fistulous tract is curetted and washed before fibrin glue injection. The procedure can be associated with endorectal advancement flap that enhances cicatrization rates. Healing rates from 30 to 50 % are described. Further treatment options are not compromised by this method.

Anal fistula; fibrin glue; treatment


ATUALIZAÇÃO

O emprego da cola de fibrina no tratamento das fístulas anais

Francisco Lopes-Paulo

Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: FRANCISCO LOPES PAULO Rua Ferreira Pontes, 430 / 404 bloco I 20541-280 - Rio de Janeiro (RJ)

RESUMO

O emprego de cola de fibrina no tratamento de fístulas anais tem sido relatado em diversos estudos, com a finalidade de obliterar o trajeto fistuloso, criando uma matriz para sua cicatrização definitiva. O método consiste na curetagem e lavagem do trajeto fistuloso, seguidas pela injeção da cola. Esse procedimento pode ser associado ao avanço de retalhos endorretais ou outros métodos para obliteração do orifício interno, o que pode aumentar sua eficácia. Os índices de cicatrização descritos variam de 30 a 50 % em média. A sua utilização não prejudica a realização de outros procedimentos, em caso de insucesso, o que pode torná-lo uma opção para o tratamento inicial das fístulas anais.

Descritores: Fístula anal, cola de fibrina, tratamento

SUMMARY

The use of fibrin glue in the treatment of anal fistulas has been reported. The aim of this method is to close the fistulous tract, creating a matrix able to promote definitive healing. The thecnique is simple, the fistulous tract is curetted and washed before fibrin glue injection. The procedure can be associated with endorectal advancement flap that enhances cicatrization rates. Healing rates from 30 to 50 % are described. Further treatment options are not compromised by this method.

Key words: Anal fistula, fibrin glue, treatment.

As fístulas anais constituem uma das patologias orificiais mais freqüentes, podendo variar desde casos simples, com trajetos superficiais facilmente palpáveis, que cursam para uma cripta anal facilmente identificável, até casos complexos, com trajetos profundos, atravessando porções consideráveis do aparelho esfincteriano, cuja secção pode levar a graus variáveis de incontinência, durante uma fistulotomia.

Para contornar esses problemas, no caso de fístulas complexas, diversas técnicas têm sido utilizadas como alternativa à fistulotomia, tais como a fistulectomia e avanço de retalho mucoso, todos trabalhosos, possuindo também algum risco de alteração da continência 1.

Recentemente, o uso de cola de fibrina tem sido proposto para obliteração do trajeto fistuloso, promovendo sua cicatrização e fechamento definitivo 2. Os primeiros trabalhos mostravam resultados extremamente variáveis quanto à taxa de cicatrização 3.

Um estudo retrospectivo levantou 19 trabalhos realizados sobre esse tema, no período de 1966 a 2004, através das bases de dados Medline, Cochrane e EMBASE. Desde o início do estudo, a comparação dos dados tornou-se difícil, devido à grande variação da metodologia e seleção dos pacientes, além da inclusão ou não de fístulas complexas e recidivadas nos estudos. Os índices de sucesso variaram de 0 a 100 %. Apesar dessas discrepâncias metodológicas, pode-se concluir que o método é de fácil execução, com mínimas complicações e não afeta as opções de tratamento posteriores, em caso de insucesso do método. Pode ser, portanto, uma opção atrativa como primeiro método de tratamento de fístulas anais 4.

O procedimento básico consiste na curetagem do trajeto fistuloso, que é então lavado, antes da injeção da cola. Na Cleveland Clinic da Flórida, foram revistos retrospectivamente 37 pacientes portadores de fístulas anais complexas tratados por esse método 5. Vinte e quatro pacientes foram submetidos à injeção de cola de fibrina, enquanto 13 receberam essa injeção associada a avanço de retalho endorretal. As taxas de cicatrização foram de 33 % para os pacientes que receberam apenas a cola de fibrina e de 54 % para aqueles que receberam a cola associada a avanço de retalho endorretal. A origem das fístulas era criptoglandular em 42 % dos casos, associada à Doença de Crohn em 19% e trauma em 38 % dos pacientes. Os pacientes com fistulas de origem criptoglandular tiveram taxa de cicatrização maior, embora esse resultado não seja estatisticamente significativo. Concluem que apesar do sucesso moderado com o tratamento, o método envolve um risco mínimo e deve ser considerado no tratamento de fístulas anais complexas.

Recentemente, foi realizado um estudo prospectivo multicêntrico, envolvendo sessenta pacientes portadores de fístulas anais complexas de origem criptogênica 6. Os pacientes recebiam preparo intestinal com fosfato sódico, na véspera do procedimento, assim como antibioticoterapia profilática, com cefonicid (1 g) e metronidazol (500 mg), administrados antes da indução da anestesia. O trajeto fistuloso era lavado com soro fisiológico e em seguida era feita a injeção de cola de fibrina. Essa cola apresentava concentração de 1000 U de trombina por ml, sendo acrescentado um antibiótico (ceftazidima, 25 mg / ml de trombina). Os pacientes foram revistos após duas semanas, um mês, dois meses e seis meses. A cicatrização completa ocorreu em 32 pacientes (53 %). Dentre os 28 pacientes que não apresentaram cicatrização completa, 8 (29 %) apresentaram melhora significativa dos sintomas.

Outra possibilidade de utilização desse método é em pacientes portadores de fístulas associadas à Doença de Crohn, quando a fistulotomia tradicional apresenta riscos adicionais de não cicatrização. Um estudo realizado na França 7, utilizou a cola de fibrina em 14 pacientes portadores de fístulas anais associadas à Doença de Crohn, refratárias ao uso de imunossupressores. A cola de fibrina foi injetada no trajeto fistuloso sob anestesia geral e acompanhamento por ultrassonografia endorretal. Os pacientes foram acompanhados por exame proctológico e ultrassonográfico após três meses do procedimento e posteriormente a intervalos regulares. Após esse período, as fistulas estavam sem secreção em 71 % dos pacientes, houve diminuição da secreção em 7 % e nenhuma melhora em 21 % dos casos. No exame ultrassonográfico, o trajeto fistuloso havia desaparecido completamente em 14 % dos casos, aparecia obliterado em 57 % e nenhuma alteração foi observada em 29 % dos pacientes. Ao término do estudo, com média de 23,4 meses de acompanhamento, 57 % dos pacientes apresentavam-se assintomáticos, sem secreção ou efeitos colaterais do procedimento. Concluiu-se que o método é de grande valia em pacientes com Doença de Crohn, quando os tratamentos convencionais têm altos índices de complicação, obtendo índices de cura superiores a 50 %, sem complicações significativas.

Comentários

A injeção de cola de fibrina em fístulas anais é um método de simples realização e praticamente isento de efeitos colaterais. Seus índices de cicatrização variam de 30 a 50 % na maioria dos trabalhos. Apesar desses índices relativamente baixos, o procedimento pode ser uma opção interessante em casos de fístulas anais complexas ou em fístulas recidivadas, pois não interferem em procedimentos posteriores, no caso de insucesso. É particularmente atrativa a sua utilização em fistulas associadas à Doença de Crohn, em face das dificuldades terapêuticas que esses casos apresentam. Aguardam-se resultados de estudos prospectivos com maior casuística e padronização da técnica, para uma avaliação mais fidedigna dos resultados.

Recebido em 20/01/2006

Aceito para publicação em 23/02/20006

Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ

  • 1- Corman, ML. Colon and rectal surgery. 5 ed., Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia, 2005, p: 295- 332.
  • 2- Person B, Wexner SD. Novel technology and innovations in colorectal surgery: the circular stapler for treatment of hemorrhoids and fibrin glue for treatment of perianal fistulae. Surg Innov 2004, 11(4):241-52.
  • 3- Swinscoe MT, Ventakasubramaniam AK, Jayne DG. Fibrin glue for fistula-in-ano: the evidence reviewed. Tech Coloproctol 2005, 9(2):89-94.
  • 4- Hammond TM, Grahn MF, Lunniss PJ. Fibrin glue in the management of anal fistulae. Colorectal Dis 2005, 7(5):528-9.
  • 5- Zmora O, Mizrahi N, Rotholtz N, Pikarsky AJ, Weiss EG, Nogueras JJ, Wexner SD. Fibrin glue sealing in the treatment of perineal fistulas. Dis Colon Rectum 2003, 46(5):584-9.
  • 6- Zmora O, Neufeld D, Ziv Y, Tulchinsky H, Scott D, Khaikin M, Stepansky A, Rabau M, Koller M. Prospective, multicenter evaluation of highly concentrated fibrin glue in the treatment of complex cryptogenic perianal fistulas. Dis Colon Rectum 2005, 48(12):2167-72.
  • 7- Vitton V, Gasmi M, Barthet M, Desjeux A, Orsoni P, Grimaud JC. Long-term healing of Crohn's anal fistulas with fibrin glue injection. Aliment Pharmacol Ther 2005, 21(12):1453-7.
  • Endereço para correspondência:

    FRANCISCO LOPES PAULO
    Rua Ferreira Pontes, 430 / 404 bloco I
    20541-280 - Rio de Janeiro (RJ)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      23 Fev 2006
    • Recebido
      20 Jan 2006
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