Acessibilidade / Reportar erro

Atividade inflamatória em mucosa de reservatório ileal na polipose adenomatosa familiar e retocolite ulcerativa inespecífica: avaliação da expressão de TNF-alfa e IL-1beta, e da ativação NF- kapaB

Inflammatory activity in pelvic ileal pouches for familial adenomatous polyposis and ulcerative colitis: expression of TNF-alpha, IL-1beta and the activation of NF- kappaB

Resumos

A ileíte do reservatório pós retocolectomia total constitui uma das complicações mais comuns nos doentes com RCUI, apresentando pequena freqüência nos doentes com PAF. OBJETIVO: Avaliar a atividade inflamatória em mucosa de reservatórios ileais endoscopicamente normais, através da expressão de TNF-alfa, NF-kapaB e IL-1beta. CASUÍSTICA E MÉTODOS: Selecionaram-se 20 doentes submetidos à retocolectomia total com reservatório ileal em "J" pelo Grupo de Coloproctologia da UNICAMP, sendo 10 doentes com RCUI e 10 com PAF. O grupo controle foi constituído por íleo terminal de intestino normal. Realizadas biópsias da mucosa do reservatório ileal e do íleo terminal normal, e congeladas em nitrogênio líquido. A expressão de TNF-alfa e IL-1beta foi analisada por extrato total e de NF-kB por meio de imunoprecipitado. A separação protéica foi feita por eletroforese em gel de poliacrilamida. RESULTADOS: Expressão de TNF-alfa e IL-1beta apresentaram níveis maiores nos doentes com RCUI, quando comparados àqueles com PAF (p<0.05). Por outro lado, a expressão de NF-kapaB foi maior nos doentes com RCUI, porém sem diferença estatística em relação aos de PAF. O grupo controle apresentou pequena expressão de TNF-alfa (p<0.01) e expressão de NF-kapaB (p>0.1) e IL-1beta (p > 0.05) sem diferença estatística em relação aos demais grupos. CONCLUSÃO: Os doentes com RCUI apresentaram maiores níveis de expressão das citocinas estudadas, mesmo sem evidência clínica e endoscópica de ileíte do reservatório, podendo justificar maior suscetibilidade dos doentes com RCUI a esta complicação.

retocolite ulcerativa; polipose adenomatosa familiar; reservatório ileal; bolsa ileal; bolsite; citocinas


Pouchitis after total retocolectomy is one of the most common complication of patients with ulcerative colitis (UC), while its frequency is quite rare in familial adenomatous polyposis (FAP). PURPOSE: To evaluate the inflammatory activity in endoscopicaly normal mucosa of the ileal pouch, by determining the expression of TNF-alpha and IL-1beta, and the activation of NF-kappaB. METHODS AND PATIENTS: Twenty patients with "J" pouch after total retocolectomy were studied, being 10 patients with UC and 10 with FAP. The control group was constituted by biopsies from terminal ileum take during normal colonoscopy examination. Biopsies from mucosa of the pouch and from normal ileum were done, and they were snap-frozen in liquid nitrogen. The expression of TNF-alpha and IL-1beta were analyzed by total extract, and NF-kappaB was evaluated by immunoprecipitation and immunoblot. RESULTS: Expression of TNF-alpha and IL-1beta was increased in patients with UC, when it was compared with FAP (p<0.05). Conversely, the expression of NF-kappaB was increased in patients with UC, witch was not different from FAP. The control group had little expression of TNF-alpha (p<0.01). The activation of NF-kappaB (p>0.1) and the expression of IL-1beta (p>0.05) were similar, when comparing UC and FAP with control group. CONCLUSION: The patients with UC presented increased levels of the studied cytokines, even without clinic and endoscope evidence of pouchitis. These findings could be a suggestion of higher susceptibility to this complication among patients with UC.

ulcerative colitis; familial adenomatous polyposis; ileal pouch; pouchitis; cytokines


ARTIGOS ORIGINAIS

Raquel Franco LealI; Cláudio Saddy Rodrigues CoyII; Lício Augusto VellosoV; Maria de Lourdes Setsuko AyrizonoIII; João José FagundesII; Marciane MilanskiV; Andressa CoopeV; Juvenal Ricardo Navarro GóesVI

IPós-graduação em Cirurgia, Residência Médica em Coloproctologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

IIProfessor Doutor, Grupo de Coloproctologia - DMAD -UNICAMP

IIIProfessor Doutor, Departamento de Clínica Médica, FCM-UNICAMP

IVMédica Assistente Doutora, Grupo de Coloproctologia – DMAD -UNICAMP

VPós-graduação em Clínica Médica pela UNICAMP

VIProfessor Titular, Coordenador do Grupo de Coloproctologia, DMAD-UNICAMP. Grupo de Coloproctologia, Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestório, (DMAD), Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: JUVENAL RICARDO NAVARRO GÓES Rua Dr. Antonio Augusto de Almeida, nº 37 Cidade Universitária – 13083-755 - Campinas, São Paulo Tel. -19-32893014 rgoes@mpcnet.com.br raquelleal@mpc.com.br

RESUMO

A ileíte do reservatório pós retocolectomia total constitui uma das complicações mais comuns nos doentes com RCUI, apresentando pequena freqüência nos doentes com PAF. OBJETIVO: Avaliar a atividade inflamatória em mucosa de reservatórios ileais endoscopicamente normais, através da expressão de TNF-a, NF-kB e IL-1b.

CASUÍSTICA E MÉTODOS: Selecionaram-se 20 doentes submetidos à retocolectomia total com reservatório ileal em "J" pelo Grupo de Coloproctologia da UNICAMP, sendo 10 doentes com RCUI e 10 com PAF. O grupo controle foi constituído por íleo terminal de intestino normal. Realizadas biópsias da mucosa do reservatório ileal e do íleo terminal normal, e congeladas em nitrogênio líquido. A expressão de TNF-a e IL-1b foi analisada por extrato total e de NF-kB por meio de imunoprecipitado. A separação protéica foi feita por eletroforese em gel de poliacrilamida.

RESULTADOS: Expressão de TNF-a e IL-1b apresentaram níveis maiores nos doentes com RCUI, quando comparados àqueles com PAF (p<0.05). Por outro lado, a expressão de NF-kB foi maior nos doentes com RCUI, porém sem diferença estatística em relação aos de PAF. O grupo controle apresentou pequena expressão de TNF-a (p<0.01) e expressão de NF-kB (p>0.1) e IL-1b (p > 0.05) sem diferença estatística em relação aos demais grupos.

CONCLUSÃO: Os doentes com RCUI apresentaram maiores níveis de expressão das citocinas estudadas, mesmo sem evidência clínica e endoscópica de ileíte do reservatório, podendo justificar maior suscetibilidade dos doentes com RCUI a esta complicação.

Descritores: retocolite ulcerativa; polipose adenomatosa familiar; reservatório ileal; bolsa ileal; bolsite; citocinas.

ABSTRACT

Pouchitis after total retocolectomy is one of the most common complication of patients with ulcerative colitis (UC), while its frequency is quite rare in familial adenomatous polyposis (FAP).

PURPOSE: To evaluate the inflammatory activity in endoscopicaly normal mucosa of the ileal pouch, by determining the expression of TNF-a and IL-1b, and the activation of NF-kB.

METHODS AND PATIENTS: Twenty patients with "J" pouch after total retocolectomy were studied, being 10 patients with UC and 10 with FAP. The control group was constituted by biopsies from terminal ileum take during normal colonoscopy examination. Biopsies from mucosa of the pouch and from normal ileum were done, and they were snap-frozen in liquid nitrogen. The expression of TNF-a and IL-1b were analyzed by total extract, and NF-kB was evaluated by immunoprecipitation and immunoblot.

RESULTS: Expression of TNF-a and IL-1b was increased in patients with UC, when it was compared with FAP (p<0.05). Conversely, the expression of NF-kB was increased in patients with UC, witch was not different from FAP. The control group had little expression of TNF-a (p<0.01). The activation of NF-kB (p>0.1) and the expression of IL-1b (p>0.05) were similar, when comparing UC and FAP with control group.

CONCLUSION: The patients with UC presented increased levels of the studied cytokines, even without clinic and endoscope evidence of pouchitis. These findings could be a suggestion of higher susceptibility to this complication among patients with UC.

Key words: ulcerative colitis; familial adenomatous polyposis, ileal pouch, pouchitis, cytokines.

INTRODUÇÃO

O tratamento cirúrgico da retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) e da polipose adenomatosa familiar (PAF) baseia-se na retocolectomia total com confecção do reservatório ileal (RI) anastomosado ao canal anal. Esta tem sido a melhor opção, nas últimas duas décadas, para o tratamento destas afecções. No entanto, ainda apresenta aspectos controversos relacionados à ocorrência de íleite do reservatório ("bolsite").1,2,3,4

No Brasil, o RI foi introduzido em 1984, por Góes e col. 1 com apresentação dos três primeiros casos operados. Várias modificações na confecção do RI foram propostas como alternativas aos formatos em "S" 5,6 e em "J"7. Reservatórios em "W" 8, em dupla câmara 9, além de outros, foram descritos, visando ao aprimoramento na função de armazenamento de conteúdo assim como o seu esvaziamento adequado.10

O RI em "J" tem sido o mais utilizado, com relatos de acompanhamento dos mesmos em longo prazo.11,12,13,14 Este tipo de reservatório apresenta como vantagens a facilidade na sua confecção, além de uma maior eficiência de evacuação.

A ileíte primária do reservatório ("pouchitis") é a inflamação inespecífica do RI, sendo a complicação tardia mais comum, principalmente nos portadores de RCUI.15 A incidência varia bastante, com ocorrência de 5 a 60%, dependendo dos critérios diagnósticos, tempo de seguimento e a doença de base envolvida. A freqüência elevada da ileíte do reservatório implica tanto no risco de disfunção do RI, quanto na perda do mesmo.13,14,16,17,18,19

A inflamação do RI pode ser sintomática ou subclínica, aguda ou crônica. O diagnóstico clínico deve ser sempre confirmado endoscópica e histologicamente. 13,14,20,21

A etiologia da íleite do reservatório é ainda desconhecida, mas suscetibilidade genética e estase fecal com supercrescimento bacteriano parecem fatores importantes no desencadeamento do processo inflamatório. Outro fator seria a perfusão sangüínea diminuída na mucosa, mensurada em alguns trabalhos, que poderia ser causa ou conseqüência da ileíte do reservatório.20,22,23,24,25,26 Existem poucos estudos na literatura avaliando o tipo de processo inflamatório imunológico envolvido, bem como as citocinas ativadas na inflamação do RI. 15,27,28

Diversos mediadores inflamatórios são produzidos, a partir de estímulos intra-luminais, levando à liberação de interleucinas, que estimulam a proliferação e ativação de linfócitos. Durante este processo, citocinas pró-inflamatórias, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a), de 25 KDa, desencadeiam a ativação de outras proteínas como o fator de transcrição pró-inflamatório NF-kB (65KDa), que atua dentro do núcleo celular, verificado em doenças inflamatórias intestinais.29,30,31

A interleucina 1-beta (IL-1b), de 17KDa, relacionada à regulação da resposta imunológica ativando linfócitos T e B e células "natural killer" (NK), da mesma forma é verificada em doenças inflamatórias intestinais, também na artrite reumatóide e aterosclerose, sendo importante regulador da resposta inflamatória. 15,32,33

O esperado, quando se transpõe esses conceitos para as condições potencialmente inflamatórias da parede intestinal do RI, é que haja a possibilidade de se antever futuras transformações, dentro desta cascata inflamatória, que estariam na base da evolução para a íleite do reservatório.

Por esta razão há grande interesse clínico no conhecimento dos fatores envolvidos no processo inflamatório do RI nos portadores de RCUI e PAF, bem como os fatores que exacerbariam e perpetuariam este processo.

Desta forma, o objetivo do presente trabalho foi de estudar a presença de atividade inflamatória em mucosa de RI de doentes operados por RCUI e PAF, submetidos à retocolectomia total, com o trânsito íleoanal reconstruído com a utilização de RI, avaliando a expressão das citocinas pró-inflamatórias TNF-a e IL-1b, e a ativação do fator de transcrição NF-kB, comparando esta atividade nas condições de doença acima citadas, e em grupo controle.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Vinte doentes submetidos à retocolectomia total com RI em "J", operados no período de 1992 a 2002 pelo Grupo de Coloproctologia da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestório – UNICAMP foram selecionados, sendo 10 portadores de RCUI e outros 10 portadores de PAF.

Sessenta por cento dos doentes com RCUI são do sexo feminino, com média de idade atualizada de 48,1 (31 - 63) anos, enquanto que cinqüenta por cento dos portadores de PAF são do sexo feminino, com média de idade atualizada de 33,6 (21-59). O tempo médio de acompanhamento dos doentes após a cirurgia do RI, foi de 73,1 (24 - 168) meses, sendo 77,8 meses para os doentes com RCUI e 64,9 meses para aqueles com PAF.

As principais indicações cirúrgicas dos doentes com RCUI foram intratabilidade clínica (40%), megacólon tóxico (40%) e presença de displasia de alto grau nas biópsias de seguimento endoscópico (20%). Nos doentes com PAF, a indicação da retocolectomia total estava ligada à presença de numerosos pólipos no reto, em geral mais do que vinte pólipos adenomatosos.

Em relação à técnica operatória, empregou-se a preservação da arcada do cólon direito 34, em todos os doentes para irrigação sanguínea suplementar do reservatório ileal, além da realização de mucosectomia a partir da linha pectínea numa extensão média de 2 a 3 cm, completando o procedimento com anastomose íleo-anal manual e ileostomia derivativa.

Os doentes foram submetidos à reservato-rioscopia no Serviço de Colonoscopia – Gastrocentro - UNICAMP, como exames de rotina, obtendo-se capturas de imagens e avaliação endoscópica, além de coleta de biópsias de fragmentos de íleo do reservatório para posterior análise da atividade inflamatória. Selecionou-se 10 doentes, que foram submetidos à colonoscopia por outros motivos, coletando-se biópsias de íleo terminal para compor o grupo controle. Excluíram-se os doentes com menos de um ano de fechamento da ileostomia, e aqueles com evidência clínica e ou endoscópica de ileíte do reservatório, de tal maneira que todos os RI e íleo terminal analisados eram endoscopicamente normais.

O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, registrado sob nº 543/2005. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento informado.

Fragmentos de íleo do RI e de íleo terminal foram congelados em nitrogênio líquido, e armazenados a -80ºC, no Laboratório de Sinalização Celular – FCM UNICAMP, para posterior homogeneização em tampão de imunoprecipitado contendo 1% de Triton X 100, 100mM de Tris (ph 7,4), 100mM de pirofosfato de sódio, 100mM de fluoreto de sódio, 10mM de EDTA, 10mM de vanadato de sódio, 2mM de PMSF e 0,1mg/ml de aprotinina a 40C. O homogeneizado foi então centrifugado à 11.000 rpm por 20 minutos. No sobrenadante foi determinada a concentração de proteína utilizando o método de Bradford e posteriormente preparou-se amostra contendo 0,2 mg para separação por SDS-PAGE. As amostras foram diluídas em tampão de Laemmli, contendo 100mmol/L de DTT. Após rápida fervura, aplicadas em gel de poliacrilamida para separação por eletroforese (SDS-PAGE). As proteínas separadas em SDS-PAGE foram transferidas para membrana de nitrocelulose, em aparelho de transferência da BIO-RAD. A membrana de nitrocelulose foi incubada "overnight" com 10µl de anticorpo específico (anti-TNF-a, anti-IL-1b). A ligação do anticorpo a proteínas não-específicas foi minimizada pela pré-incubação da membrana de nitrocelulose com tampão de bloqueio (5% de leite em pó desnatado; 10 mmol/L de Tris; 150 mmol/L de NaCl; 0,02% de Tween 20) por 1,5 hora.

Utilizou-se a técnica de imunoprecipitado (IP) para o NF-kB, na qual a amostra foi incubada "over night" com 10µl de anticorpo contra p65-NF-kB, seguido por separação por SDS-PAGE, e a partir de então a proteína foi transferida para a membrana de nitrocelulose, que foi incubada com anticorpos anti-IKK-b.

O sinal foi detectado através de quimiolu-minescência utilizando Kit da Amersham e seguindo as orientações do fabricante. As bandas identificadas na autoradiografia foram quantificadas por meio de densitometria óptica.

Os resultados foram notificados como média com variação do erro padrão. Foi utilizado análise de variância, seguida de teste de Tukey-Kramer para comparações múltiplas de médias. Nível de significância de P<0.05.

RESULTADOS

A análise das bandas autoradiografadas através de densitometria óptica mostrou os seguintes dados arbitrários em relação à quantidade de TNF-a, NF-kB e IL-1b nos diferentes grupos analisados (RCUI, PAF, grupo controle) conforme as figuras abaixo.

A expressão da citocina pró-inflamatória TNF-a em mucosa de RI foi maior no grupo de doentes com RCUI, quando comparada ao grupo de doentes com PAF, sendo estatisticamente significante (p<0.05). A expressão de TNF-a no grupo controle foi menor que nos demais grupos (p< 0.01).

O fator de transcrição pró-inflamatório NF-kB, apresentou expressão maior na mucosa de RI dos doentes com RCUI quando comparado ao grupo de doentes com PAF, no entanto sem diferença estatística (p>0.05). A expressão de NF-kB no grupo controle não apresentou diferença estatística em relação aos demais grupos (p>0.05).

Também foi verificada maior expressão da interleucina IL-1b em mucosa de RI de doentes com RCUI, sendo a análise estatisticamente significativa, quando comparada ao grupo de doentes com PAF (p< 0.05). O grupo controle não apresentou diferença estatística em relação aos demais grupos (p>0.05).

DISCUSSÃO

A cirurgia do RI foi criada como uma alternativa para os doentes com RCUI e PAF, para restabelecimento do trânsito intestinal após retocolectomia total, sem a utilização de derivação intestinal definitiva.

A forma mais utilizada para confecção do RI atualmente é o "J", e no Grupo de Coloproctologia da UNICAMP, utiliza-se na grande maioria dos doentes a preservação da arcada do cólon direito como irrigação sangüínea suplementar do reservatório ileal. 34

O seguimento destes doentes nas diversas instituições demonstrou que a íleite do reservatório ("pouchits") é a complicação mais comum, evidenciada principalmente nos doentes com RCUI. 13,14,16,20 Mais de 50% dos doentes com RCUI pós retocolectomia total com RI podem desenvolver esta complicação, enquanto que nos doentes com PAF é de apenas 5%. 35

A inflamação inespecífica do RI implica não somente na piora da qualidade de vida dos doentes, como também pode conduzir à perda do reservatório por falência do mesmo. Seus fatores causais, no entanto, estão ainda pouco elucidados.14,20,22,25 Em relação às atividades inflamatória e imunológica envolvidas especificamente no RI, em termos de biologia molecular, existem poucos estudos na literatura.

A expressão de a e b defensinas em RI foi relatada em um estudo 15, no qual se verificou que estes peptídeos estão pouco expressos na condição de ileíte do reservatório nos doentes com RCUI, e estão aumentados nos doentes com PAF. Contrariamente, a expressão das citocinas TNF-a, IL-1b e IL-10 foi maior nos RI de doentes com RCUI no pós-operatório sem ileíte como observado no presente estudo, e também nos casos de ileíte do reservatório.

As defensinas são secretadas pelas células da mucosa intestinal e apresentam importante papel na homeostase microbiológica intestinal e na defesa primária. Sua menor expressão poderia estar associada à ocorrência de ileíte do reservatório, mais comum nos portadores de RCUI.36 A regulação da expressão de algumas defensinas hBD-2, hBD-3 e HD-5 depende das citocinas TNF-a, IL-1a e IL-1b, tendo sido evidenciada através de cultura de células. 37

Da mesma forma, outro estudo, abordando as concentrações das citocinas IL-1b, IL-6, IL-8 e TNF-a, demonstrou níveis elevados das mesmas no RI de doentes com RCUI.27 Verificou-se também, na literatura, que as citocinas presentes no cólon de portadores de RCUI e no RI dos doentes com RCUI são similares, principalmente a IL-8, IL-10 e TNF-a.28 Além disso, a expressão de TNF-a e NF-kB foi verificada em doenças inflamatórias intestinais em atividade por meio do isolamento de células mononucleares da lâmina própria intestinal de doentes com RCUI e doentes com doença de Crohn.38

Existem 29 receptores celulares descritos para o TNF-a, que estão envolvidos em várias funções tais como resposta imune, indução de proliferação e diferenciação celular e apoptose. 30 Como o fator NF-kB constitui apenas uma das vias de ativação do TNF-a, isto poderia explicar o aumento da expressão do primeiro, mas sem diferença estatística, no grupo de doentes com RCUI, comparados ao de PAF visto no presente estudo, pois outras vias podem estar ativadas para a maior expressão de TNF-a no grupo com RCUI, quando comparados ao de PAF.

A IL-1b tem um papel importante na regulação da resposta imune, verificada também em doenças inflamatórias intestinais, ativando linfócitos T, estimulando a produção de IL-2 e inibindo a produção de IL-4. Ativa linfócitos B, produzindo imunoglobulinas, e também células NK, produzindo anti- interferon-g. 32,33

Desta maneira, o estudo da atividade imunológica no RI é importante para demonstrar que os doentes com RI expressam na mucosa os fatores inflamatórios mencionados neste estudo, mesmo quando clínica e endoscopicamente normais, e que os doentes portadores de RCUI apresentam níveis maiores de TNF-a, NF-kB e IL-1b, quando comparados aos doentes com PAF, sendo os primeiros provavelmente mais suscetíveis às complicações inflamatórias do RI.

Isto pode explicar a ocorrência maior de ileíte do reservatório nos doentes com RCUI, já que os mesmos possuem fatores inflamatórios aumentados de base. Estes poderiam exacerbar e perpetuar o processo de inflamação inespecífica do reservatório ileal, desencadeados por processos intrínsecos ligados à doença inflamatória.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados obtidos, concluiu-se que a expressão da citocina pró-inflamatória TNF-a, fator de transcrição NF-kB e a interleucina IL-1b, estão presentes na mucosa de RI de doentes portadores de RCUI e PAF, e que nos primeiros são encontrados com maior expressão, configurando, provavelmente, as bases para explicar a ileíte do RI.

AGRADECIMENTOS

Enfermeira Ana Lúcia Nunes Domingues - Ambulatório de Doenças Inflamatórias Intestinais. Grupo de Coloproctologia DMAD - UNICAMP.

Recebido em 21/07/2006

Aceito para publicação em 10/08/2006

Trabalho realizado no Laboratório de Sinalização Celular, Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo, Brasil.

  • 1. Góes JRN, Medeiros RR, Fagundes JJ. Colectomia Total, Proctomucosectomia e anastomose íleo-anal com reservatório ileal. Rev bras Coloproct 1984;4:138.
  • 2. Góes JRN, Fagundes JJ, Costa AM, Peres MAO, Medeiros RR, Leonardi, LS. Detalhes da técnica operatória e avaliação das complicações. Rev bras Coloproct 1987;7(3):94-98.
  • 3. Nicholls RJ. Restorative proctocolectomy with various types of reservoir. World J Surg 1987;11:751-762.
  • 4. O'Connell R, Pemberton JH, Brown ML, Kelly KA. Determinants of stool frequency after ileal pouch-anal anastomosis. The Am J Surg 1987;153:157-164.
  • 5. Parks AG, Nicholls RJ. Proctocolectomy without ileostomy for ulcerative colitis. Br Med J 1978;2:85-7.
  • 6. Góes JRN, Fagundes JJ, Costa AM, Peres MAO, Medeiros RR, Leonardi LS. Colectomia, proctomucosectomia, reservatório ileal em tripla alça e anastomose íleo-anal. Rev Col Bras Cir 1986;13:173.
  • 7. Utsunomiya J, Iwama T, Imajo M, Matsuo S, Sawai S, Yaegashi K et al. Total colectomy, mucosal proctectomy, and ileoanal anastomosis. Dis Colon Rectum 1980;23(7): 459-466.
  • 8. Nicholls RJ, Moskovitz RL, Shepard NA. Restorative proctocolectomy with ileal reservoir. Br J Surg 1985;72:76-79.
  • 9. Góes JRN, Fagundes JJ, Coy CSR, Amaral CAR, Peres MAO, Medeiros RR. The Two-Chamber Ileal Pelvic Reservoir An Alternative Design. Dis Colon Rectum 1993;36:403-404.
  • 10. Góes JRN, Beart RW. Physiology of Ileal Pouch-Anal Anastomosis. Current Concepts. Dis Colon Rectum 1995;38:996-1005.
  • 11. Nicholls RJ, Pescatori M, Motson RW. Restorative proctocolectomy with a three-loop ileal reservoir for ulcerative colitis and familial adenomatous polyposis: clinical results in 66 patients followed for up to 6 years. Ann Surg 1984;199:383-8.
  • 12. Dozois RR. Ileal J-pouch-anal anastomosis. Br J Surg 1985;72:580-2.
  • 13. Sandborn WJ. Pouchitis following ileal pouch anal anastomosis: definition, pathogenesis, and treatment. Gastroenterology 1994;107:1856-60.
  • 14. Nicholls RJ, Banerjee AK. Pouchitis: risk factores, etiology, and treatment. World J Surg 1998;22:347-56.
  • 15. Kiehne K, Brunke G, Wegner F, Banasiewicz T, Foesch UR, Herzig KH. Defensin expression in chronic pouchitis in patients with ulcerative colitis or familial adenomatous polyposis coli. World J Gastroenterol 2006;12(7):1056-1062.
  • 16. Heuschen UA, Allemeyer EH, Hinz U, Autschbach F, Uehlein T, Herfarth C et al. Diagnosing pouchitis: comparative validation of two scoring system in routine follow-up. Dis Colon Rectum 2002;45(6):776-86.
  • 17. M'Koma AE. Serum biochemical evaluation of patients with functional pouches tem to 20 years after restorative proctocolectomy. Int J Colorectal Dis 2006;26:1-10.
  • 18. Shen B, Fazio VW, Renzi FH, Brzezinski A, Bennett AE, Lopez R et al. Risk factors for disease of ileal pouch-anal anastomosis after restorative proctocolectomy for ulcerative colitis. Clin Gastroenterol Hepatol 2006;4(1):81-9.
  • 19. Moskowitz RL, Shepard NA, Nicholls RJ. An assessment of inflammation in the reservoir after restorative proctocolectomy with ileoanal ileal reservoir. Int J Colorectal Dis 1986;1:167-174.
  • 20. Laake KO, Line PD, Grzyb K, Aamodt G, Aabakken L, Roset A et al. Assessment of mucosal inflammation and blood flow in response to four weeks'intervention with probiotics in patients operated with J-configurated ileal-pouch-anal-anastomosis. Scand J Gastroenterol 2004;12: 1230-1235.
  • 21. Sandborn WJ, Tremaine WJ, Batts KP, Pemberton JH, Phillips SF. Pouchitis after ileal pouch-anal anastomosis: a Pouchitis disease activity Index. Mayo Clin Proc 1994;69:409-415.
  • 22. Armstrong DN, Sillin LF, Chung R. Reduction in tissue blood flow in J-shaped pelvic ileal reservoirs. Dis Colon Rectum 1995;38:526-9.
  • 23. Sagar PM, Pemberton JH. Íleo-anal pouch function and dysfunction. Dig Dis Sci 1997;15:172-88.
  • 24. Laake KO, Bjorneklett A, Aamodt G, Aabakken L, Jacobsen M, Bakka A et al. Outcome of four weeks's intervention with probiotics on symptoms and endoscopic appearance after surgical reconstruction with a J-configurated ileal-pouch-anal-anastomosis in ulcerative colitis. Scandinavian Journal of Gastroenterology 2005;40:43-51.
  • 25. Ohge H, Furne JK, Springfield J, Rothenberger DA, Madoff RD, Levitt MD. Association between fecal hydrogen sulfide production and pouchitis. Dis Colon Rectum 2005;48:469-475.
  • 26. Kuehbacher T, Ott SJ, Helwig U, Mimura T, Rizzello F, Kleessen B et al. Bacterial and fungal microbiota in relation to probiotic therapy in pouchitis. Gut 2006;55(6):833-41.
  • 27. Gionchetti P, Campieri M, Belluzzi A, Bertinelli E, Ferretti M, Brignola C et al. Mucosal concentrations of interleukin-1 beta, interleukin-6, interleukin-8, and tumor necrosis factor-alpha in pelvic ileal pouches. Dig Dis Sci 1994;39:1525-1531.
  • 28. Patel RT, Bain I, Youngs D, Keighley MR. Cytokine production in pouchitis is similar to that in ulcerative colitis. Dis Colon Rectum 1995;38:831-837.
  • 29. O'Shea J, Ma A, Lipsky P. Cytokines and autoimmunity. Nature Reviews 2002;2:37-45.
  • 30. Aggarwal BB. Signalling pathways of the TNF superfamily: a double-edge sword. Nature Reviews 2003;3:745-756.
  • 31. Chen LF, Greene WC. Shaping the nuclear action of NF-B. Nature Reviews 2004;5:392-401.
  • 32. Sadouk MB, Pelletier JP, Tardif G, Kiansa K, Cloutier JM, Martel-Pelletier J. Human synovial fibroblasts coexpress IL-1 receptor type I and type II mRNA. The increased level of the IL-1 receptor in osteoarthritic cells is related to an increased level of the type I receptor. Lab Invest 1995;73:347-355.
  • 33. Sandborg CI, Imfeld KL, Zaldivar F Jr, Wang Z, Buckingham BA, Berman MA. IL-4 expression in human T cells is selectively inhibited by IL-1á and IL-1â. J Immunol 1995;155:5206-5212.
  • 34. Góes JRN, Fagundes JJ, Coy CSR, Amaral CAR, Oliveira C, Ayrizono MLS et al. O emprego da artéria cólica média e da arcada vascular do cólon direito na irrigação de reservatórios ileais. Rev bras Coloproct 1994;14(3):169-171.
  • 35. Kuhbacher T, Schreiber S, Runkel N. Pouchitis: pathophysiology and treatment. Int J Colorectal Dis 1998;13:196-207.
  • 36. Wehkamp J, Harder J, Weichenthal M, Mueller O, Herrlinger KR, Felermann K et al. Inducible and constitutive beta-defensins are differentially expressed in Crohn's disease and ulcerative colitis. Inflamm Bowel Dis 2003;9:215-223.
  • 37. Wehkamp J, Schwind B, Herrlinger KR, Baxmann S, Schmidt K, Duchrow M et al. Innate immunity and colonic inflammation: enhanced expression of epithelial alpha-defensins. Dig Dis Sci 2002;47:1349-1355.
  • 38. Reinecker HC, Steffen M, Witthoeft T, Pflueger I, Schreiber S, MacDermott RP et al. Enhanced secretion of tumor necrosis factor-alpha, IL-6, and IL-1 beta by isolated lamina propria mononuclear cells from patient with ulcerative colitis and Crohn's disease. Clin Exp Immunol 1993;94:174-181.
  • Atividade inflamatória em mucosa de reservatório ileal na polipose adenomatosa familiar e retocolite ulcerativa inespecífica. Avaliação da expressão de TNF-a e IL-1b, e da ativação NF- kB

    Inflammatory activity in pelvic ileal pouches for familial adenomatous polyposis and ulcerative colitis. Expression of TNF-a, IL-1b and the activation of NF- kB
  • Endereço para correspondência:

    JUVENAL RICARDO NAVARRO GÓES
    Rua Dr. Antonio Augusto de Almeida, nº 37
    Cidade Universitária – 13083-755 - Campinas, São Paulo
    Tel. -19-32893014
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      21 Jul 2006
    • Aceito
      10 Ago 2006
    Cidade Editora Científica Ltda Av . Marechal Câmara, 160- sala 916 - Ed Orly - 20020-080 - Rio de Janeiro - Rj , Tel 2240 8927 , Fax 21 22205803 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: sbcp@sbcp.org.br