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O papel do óxido nítrico na pressão anal esfincteriana de ratos submetidos à colite experimental

The role of nitric oxide in sphincteric anal pressure of rats with experimental colitis

Resumos

O óxido nítrico (NO) é um radical livre sintetizado endogenamente por várias células do nosso organismo. Apresenta um amplo espectro de ações fisiológicas, sendo as mais importantes o seu mecanismo de ação parácrino no relaxamento da musculatura lisa, sua atividade neurotransmissora em vários sistemas e seu envolvimento no processo inflamatório. O NO é sintetizado em diferentes tecidos através da conversão da L-arginina em L-citrulina pela ação da enzima óxido nítrico sintase (NOS). OBJETIVOS: Este estudo tem por objetivo demonstrar o envolvimento do óxido nítrico no processo intestinal inflamatório de ratos Wistar submetidos à colite experimental com ácido acético. MATERIAL E MÉTODOS: Foram utilizados 20 ratos machos Wistar, com peso entre 250 e 350 gramas divididos em dois grupos de 10 animais. Os animais do grupo em estudo foram submetidos à administração intracolônica, por enema, de uma solução de ácido acético diluído a 7% e com volume de 3 ml. O grupo controle recebeu apenas enema de solução salina. Foram avaliados os índices histológicos, a expressão da enzima óxido nítrico sintase (iNOS) e a pressão anal esfincteriana. RESULTADOS: Os índices histológicos apresentaram uma significativa elevação no grupo colite quando comparados ao grupo controle, tanto na avaliação macroscópica quanto na microscópica. A expressão da enzima iNOS também foi significativamente maior no grupo colite quando comparada ao grupo controle. A pressão anal esfincteriana foi significativamente mais baixa no grupo colite na comparação ao grupo controle. CONCLUSÃO: Os animais submetidos à colite experimental apresentam um aumento da expressão da enzima óxido nítrico sintase induzível (i-NOS). Este aumento, associado ao conseqüente aumento do nível de óxido nítrico, ocasiona uma diminuição dos níveis de pressão anal esfincteriana.

Óxido nítrico; colite; pressão anal esfincteriana


The nitric oxide (NO) is a free radical synthesized from some cells of our organism. It presents with an ample specter of physiological actions being the most important its mechanism of action in the relaxation of the smooth musculature, its neurotransmissor activity in some systems and its involvement in the inflammatory process. The NO is synthesized in different tissues by the conversion of the L-arginine in L-citruline with the action of the enzyme nitric oxide sintase(NOS). OBJECTIVES: the aim of this study is to demonstrate the involvement of nitric oxide in the inflammatory intestinal process of Wistar rats submitted to experimental colitis with ascetic acid. MATERIAL AND METHODS: 20 male Wistar rats had been used with weight between 250 and 350 g divided in two groups of 10 animals. The animals of the group in study had been submitted to intracolonic administration, by enema, of a solution with acid ascetic diluted to 7% - 3 ml. The control group received only enema with saline solution. The histological scores, the expression of the enzyme nitric oxide sintase (iNOS) and the sphincteric anal pressure had been evaluated. RESULTS: The histological scores had presented a significant rise in the group colitis when compared with the control group in the macroscopic as well as in the microscopical evaluation. The expression of the enzyme iNOS was also significantly higher in the colitis group when compared to the control group. The sphincteric anal pressure was significantly lower in the group colitis when compared to control group. CONCLUSION: The animals submitted to the experimental colitis presented an increase of the iNOS expression. This increase, associated with the consequent increase in nitric oxide level, causes a reduction of the sphincteric anal pressure levels.

Nitric oxide; colitis; anal sphincter pressure


ARTIGOS ORIGINAIS

O papel do óxido nítrico na pressão anal esfincteriana de ratos submetidos à colite experimental

The role of nitric oxide in sphincteric anal pressure of rats with experimental colitis

Henrique Sarubbi FillmannI - TSBCP; Nélson Kretzmann FilhoII; Suzana LlesuyIII; Lúcio Sarubbi FillmannIV - ASBCP; Norma Possa MarroniV

IDepartamento de Fisiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Médico Coloproctologista Hospital São Lucas PUC

IIDepartamento de Fisiologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul

IIIDepartamento de Fisiologia, Universidade Luterana do Brasil e Universidade Federal do Rio Grande do Sul

IVDepartamento de Medicina Interna e Gastroenterologia Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre

VDepartamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal de Santa Maria; Serviço de coloproctologia do Hospital São Lucas da PUC. Faculdade de Medicina da PUC-RS - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: HENRIQUE SARUBBI FILLMANN Avenida Ipiranga, 6690 – conj. 307 90.610-000 - Porto Alegre (RS) Fone: (51) 3336-5254 E-mail: hfillmann@terra.com.br

RESUMO

O óxido nítrico (NO) é um radical livre sintetizado endogenamente por várias células do nosso organismo. Apresenta um amplo espectro de ações fisiológicas, sendo as mais importantes o seu mecanismo de ação parácrino no relaxamento da musculatura lisa, sua atividade neurotransmissora em vários sistemas e seu envolvimento no processo inflamatório. O NO é sintetizado em diferentes tecidos através da conversão da L-arginina em L-citrulina pela ação da enzima óxido nítrico sintase (NOS).

OBJETIVOS: Este estudo tem por objetivo demonstrar o envolvimento do óxido nítrico no processo intestinal inflamatório de ratos Wistar submetidos à colite experimental com ácido acético.

MATERIAL E MÉTODOS: Foram utilizados 20 ratos machos Wistar, com peso entre 250 e 350 gramas divididos em dois grupos de 10 animais. Os animais do grupo em estudo foram submetidos à administração intracolônica, por enema, de uma solução de ácido acético diluído a 7% e com volume de 3 ml. O grupo controle recebeu apenas enema de solução salina. Foram avaliados os índices histológicos, a expressão da enzima óxido nítrico sintase (iNOS) e a pressão anal esfincteriana.

RESULTADOS: Os índices histológicos apresentaram uma significativa elevação no grupo colite quando comparados ao grupo controle, tanto na avaliação macroscópica quanto na microscópica. A expressão da enzima iNOS também foi significativamente maior no grupo colite quando comparada ao grupo controle. A pressão anal esfincteriana foi significativamente mais baixa no grupo colite na comparação ao grupo controle.

CONCLUSÃO: Os animais submetidos à colite experimental apresentam um aumento da expressão da enzima óxido nítrico sintase induzível (i-NOS). Este aumento, associado ao conseqüente aumento do nível de óxido nítrico, ocasiona uma diminuição dos níveis de pressão anal esfincteriana.

Descritores: Óxido nítrico; colite; pressão anal esfincteriana.

ABSTRACT

The nitric oxide (NO) is a free radical synthesized from some cells of our organism. It presents with an ample specter of physiological actions being the most important its mechanism of action in the relaxation of the smooth musculature, its neurotransmissor activity in some systems and its involvement in the inflammatory process. The NO is synthesized in different tissues by the conversion of the L-arginine in L-citruline with the action of the enzyme nitric oxide sintase(NOS).

OBJECTIVES: the aim of this study is to demonstrate the involvement of nitric oxide in the inflammatory intestinal process of Wistar rats submitted to experimental colitis with ascetic acid.

MATERIAL AND METHODS: 20 male Wistar rats had been used with weight between 250 and 350 g divided in two groups of 10 animals. The animals of the group in study had been submitted to intracolonic administration, by enema, of a solution with acid ascetic diluted to 7% - 3 ml. The control group received only enema with saline solution. The histological scores, the expression of the enzyme nitric oxide sintase (iNOS) and the sphincteric anal pressure had been evaluated.

RESULTS: The histological scores had presented a significant rise in the group colitis when compared with the control group in the macroscopic as well as in the microscopical evaluation. The expression of the enzyme iNOS was also significantly higher in the colitis group when compared to the control group. The sphincteric anal pressure was significantly lower in the group colitis when compared to control group.

CONCLUSION: The animals submitted to the experimental colitis presented an increase of the iNOS expression. This increase, associated with the consequent increase in nitric oxide level, causes a reduction of the sphincteric anal pressure levels.

Key words: Nitric oxide; colitis; anal sphincter pressure.

INTRODUÇÃO

O óxido nítrico (NO) é um radical livre sintetizado endogenamente por várias células do nosso organismo e inicialmente conhecido como fator relaxante do endotélio (EDRF). Apresenta um amplo espectro de ações fisiológicas sendo as mais importantes o seu mecanismo de ação parácrino no relaxamento da musculatura lisa, sua atividade neurotransmissora em vários sistemas e seu envolvimento no processo inflamatório 1,2.

O NO é sintetizado em diferentes tecidos através da conversão da L-arginina em L-citrulina pela ação da enzima óxido nítrico sintase (NOS)3. Formas constitutivas (cNOS) assim como induzidas (iNOS) foram descritas. As formas constitutivas da enzima responsável pela produção de óxido nítrico são a nNOS (neuronal) e a eNOS (endotelial). A produção de óxido nítrico através das isoformas constitutivas de NOS são essenciais para a manutenção de tecidos, integridade vascular, neurotransmissão, motilidade intestinal e relaxamento da musculatura anal esfincteriana4. No entanto, é a forma induzível (iNOS) que apresenta expressão aumentada em manifestações da doença intestinal inflamatória e especialmente no foco da inflamação associada com ulceração e depleção de células caliciformes5 . Estudos demonstram que um aumento do NO está relacionado com um aumento na expressão da iNOS6 e isto contribui significativamente na imunopatia gastrintestinal durante eventos crônicos de inflamação7. O papel exato do aumento da concentração de óxido nítrico na fisiopatologia da doença intestinal inflamatória ainda é motivo de muita discussão; entretanto, inúmeros estudos demonstraram um papel benéfico desta molécula nesta situação. É bem conhecida a ação do óxido nítrico diminuindo o recrutamento leucocitário no endotélio através da sua atividade inibitória sobre as moléculas de adesão. A diminuição da produção de IL-12 por macrófagos também foi demonstrada em animais submetidos à colite experimental. Em ambos os casos há uma ação direta do óxido nítrico inibindo o processo inflamatório. Já foi demonstrado que ratos modificados geneticamente para não produzirem iNOS desenvolviam uma colite muito mais severa em resposta ao ácido acético do que os animais controles8,9.

Este estudo tem por objetivo demonstrar o envolvimento do óxido nítrico no processo intestinal inflamatório de ratos Wistar submetidos à colite experimental com ácido acético. As medidas de expressão da iNOS e da manometria ano-retal serão os parâmetros utilizados para avaliar a presença do óxido nítrico neste modelo experimental. A histologia será utilizada para demonstrar a presença de colite.

MATERIAL E MÉTODOS

A realização dos procedimentos com os animais deste trabalho é de acordo com aqueles preconizados pela Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) pela resolução normativa 04/97 10.

1-Animais

Foram utilizados 20 ratos machos Wistar divididos em dois grupos: colite (CL) e controle (CO), com peso entre 250 e 350 gramas, provenientes do Centro de Reprodução e Experimentação de Animais de Laboratório (CREAL) do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os animais foram mantidos no Centro de Experimentação Animal do HCPA durante o experimento, em ciclo de 12 horas claro/escuro e temperatura entre 20 e 25ºC. A água e a ração foram administradas ad libitum. A técnica escolhida para a indução da colite foi uma adaptação daquelas descritas por Yamada et al. (1992) e Tannahill et al. (1995). Os animais foram submetidos à administração intracolônica, por enema, de uma solução de ácido acético diluído a 7% e com volume de 3 ml. Para a administração do enema foi utilizado um cateter plástico de 0,8mm de diâmetro com três orifícios distais para melhor dispersão da substância. O cateter foi introduzido a aproximadamente 8 cm da margem anal, sendo retirado gradualmente com a instilação do ácido acético. A morte dos animais foi realizada após as medidas de pressão, com anestesia do animal mediante a administração de uma mistura de Cloridrato de Xilazina 2% 50mg/Kg e Cloridrato de Cetamina 100mg/Kg de peso corporal intraperitonialmente para retirada do intestino grosso distal (2,5 cm). Após foi realizado o pneumotórax para a morte do animal.

2 - Exame Anátomopatológico e Histopatológico

Após o sacrifício, foi promovida a retirada completa do intestino grosso. Este foi aberto, limpo e encaminhado para a análise histológica que se realizou em duas etapas:

MACROSCÓPICA – Foi realizada análise macroscópica do intestino grosso logo após o sacrifício e abertura do mesmo. Os danos à mucosa foram avaliados através de um escore que varia de 0 a 5, adaptado de Morris et al11.

MICROSCÓPICA – Uma vez fixado em formol a 10%, o material foi enviado ao patologista para análise microscópica em hematoxilina e eosina. O protocolo para avaliação histológica da mucosa baseia-se no Índice Histológico de Atividade Inflamatória descrito por Sandborn12. Todas as lâminas foram lidas por patologistas experientes, sem conhecimento prévio das características de cada animal e com acesso somente aos seus próprios resultados.

3 - Medidas de Pressão Anal Esfincteriana

Antes da morte, os animais foram levemente anestesiados com Isoflurano® para a realização das medidas de pressão anal esfincteriana. Utilizamos um aparelho de manometria anorretal (Proctossystem-Viotti – SP) com cateter de balão e medida em cm de H2O. Foram realizadas três medidas subseqüentes, sendo realizada a média entre os três valores. (Read et al, 1992) 13.

4 - Preparação dos Extratos Citoplasmáticos

Os extratos citoplasmáticos utilizados para a expressão da iNOS foram preparados por um homogeneizado do intestino em um tampão de lise (NaCl 140 mM, EDTA 15 mM, glicerol 10%, Tris 20 mM; pH 8,0), ao qual se adicionaram inibidores de proteases. O homogeneizado foi incubado durante 30 minutos a 4 ºC, sendo centrifugado durante 30 minutos a 13.000 xg a 4 ºC, o sobrenadante retirado em alíquotas e armazenado a -80°C.

5 - Expressão Protéica

A técnica utilizada para detecção da expressão iNOS foi a de Western blot, sendo utilizado o sistema descrito por Laemmli (1970) para a eletroforese e para o blotting a técnica descrita por Towbin e colaboradores (Towbin et al, 1979). Foi selecionada uma quantidade de amostra equivalente a 75 µg de proteína; adicionou-se a solução (H2O, tris/HCl 0,5 M, DTT 1% e azul de bromofenol), incubando durante 5 minutos a 100 ºC. Após realizou-se a eletroforese em gel de poliacrilamida a 10% em tampão de eletroforese (Tris 25 mM, glicina 0,2 M, SDS 3,5 mM; pH 8,8). Depois de separadas, as proteínas foram transferidas para uma membrana de nitrocelulose, a fim de permitir a sua exposição aos anticorpos. Para realizar a transferência, uma vez extraído o gel, este foi equilibrado num tampão de transferência (Tris 25 mM, glicina 0,2 M e metanol 20%). A transferência se realizou a 13 volts durante 25 minutos. Para comprovar que a transferência estava correta, introduziu-se a membrana de nitrocelulose numa solução de vermelho Ponceau para visualizar as proteínas totais. A membrana foi lavada em agitação durante 5 minutos com PBS (0,14 M NaCl, 1,4 mM KH2PO4, 8 mM Na2HPO4, 2,7 mM KCl). Depois foi colocada durante 30 minutos em solução de bloqueio (5% de leite em pó desnatado em PBS-Tween 20 frio) a 37ºC. A membrana de nitrocelulose foi então incubada overnight a 4º C com o anticorpo primário policlonal específico para iNOS (130 kDa, BioMol®). Após este período, a mesma foi lavada 5 vezes com PBS-Tween 20. Posteriormente foi incubada durante uma hora e meia com um anticorpo anti-imunoglobulina de coelho unido a HRP (DAKO A/S, Glostrup, Dinamarca). Transcorrido este tempo novamente foi lavada 5 vezes em PBS-Tween 20. A detecção das proteínas foi realizada por quimiluminescência utilizando um kit comercial ECL (Amersham Pharmacia Biotech, Little Chalfont, Grã-Bretanha), expondo a membrana durante 2 minutos a esta mistura comercial. Posteriormente se introduziu a membrana em um cassete junto com o filme de revelação (Amersham Hyperfilm ECL, UK) durante aproximadamente 2 minutos. Depois de revelado, o filme foi secado e quantificadas as bandas por densitometria, utilizando o programa Scion Image 4.02 para Windows (Scion Corporation, Frederick, USA). Os resultados foram expressos em unidades arbitrárias. A diluição utilizada para o anticorpo da iNOS foi 1/1000 em leite a 1%.

6 - Estudo Estatístico

O teste utilizado para análise de variância dos resultados foi de ANOVA para medidas repetidas dos animais de um mesmo grupo e entre grupos diferentes, a fim de podermos comparar as diferenças observadas em cada parâmetro estudado seguido do teste Student-Newman-Keuls. Os resultados foram expressos como média e desvio padrão para cada um dos grupos do experimento.

RESULTADOS

A avaliação histológica demonstra nas figuras 1 e 2 a preservação da estrutura de todas as camadas da parede do intestino grosso no grupo controle. Nas figuras 3 e 4, observa-se importante destruição da mucosa com edema de submucosa, infiltrado inflamatório e destruição de vasos do grupo submetido à colite experimental. A tabela 1 descreve os índices de avaliação histológica macroscópica e microscópica em ambos os grupos.





A pressão anal esfincteriana está significativamente diminuída no grupo colite quando comparado ao grupo controle. Na tabela 1 observa-se a variação de pressão anal esfincteriana entre os dois grupos, comparando-os aos índices histológicos.

Os valores da expressão da enzima iNOS está significativamente aumentado no grupo colite quando comparado ao grupo controle (Figura 5). A importante relação entre o aumento da expressão desta enzima e a diminuição da pressão anal esfincteriana está demonstrada na tabela 2.


DISCUSSÃO

As limitações no conhecimento da etiologia da doença intestinal inflamatória, bem como a inexistência de marcadores específicos da atividade da doença dificulta as intervenções terapêuticas que, desta maneira, concentram-se principalmente no combate às conseqüências da amplificação das cascatas inflamatórias e às repercussões sistêmicas destas14.

A utilização de modelos experimentais é amplamente aceita, pois a maioria das inflamações intestinais apresenta as mesmas características clínicas, independentemente do seu agente etiológico. Os mecanismos desencadeantes e reguladores do processo inflamatório na colite experimental não parecem diferir daqueles encontrados em humanos. Uma vez que nem sempre tem-se o número de pacientes necessários para um estudo ou os riscos oriundos da pesquisa são muito grandes, vários modelos experimentais de colite têm sido desenvolvidos. Warren e Watkins15 descreveram vários modelos animais de doença intestinal inflamatória, podendo ser classificados de acordo com as suas características de apresentação (aguda ou crônica ), pela maneira de desenvolvimento (induzido ou espontâneo) ou ainda pela forma de indução (tóxica, infecciosa, imunomediada). Os dois modelos mais freqüentemente utilizados são a indução sob a forma de enema com ácido acético e com ácido trinitri benzeno sulfúrico (TNBS)16,17.

A avaliação histológica do cólon dos animais em estudo é um método altamente fidedigno e utilizado para identificação e quantificação da colite 5,18,19,20,21. Infiltrado celular inflamatório, destruição da arquitetura das criptas, depleção de células caliciformes, hemorragia na submucosa, edema de parede e ulcerações são alguns dos parâmetros utilizados para o diagnóstico e quantificação da colite. Morris e Sandborn11,12 desenvolveram um método que permite quantificar e classificar o grau de inflamação no cólon micro e macroscopicamente, respectivamente. Este método vem sendo usado para facilitar a comparação entre diferentes grupos de estudo. Em nosso estudo observou-se um nítido aumento dos escores inflamatórios no grupo colite, quando comparados com o grupo controle tanto nos índices macroscópicos (CL 3,75 X CO zero) quanto nos microscópicos (CL 4 X CO zero), demonstrando, portanto, a evidência histológica de colite.

O óxido nítrico exerce várias importantes funções antinflamatórias, tais como a regulação da expressão de moléculas de adesão, prevenção da agregação plaquetária, estímulo à síntese de GMPc e inibição da lipoperoxidação. O seu potencial efeito na doença intestinal inflamatória, entretanto, ainda suscita discussão. Baseados na literatura atual, é difícil concluir se o óxido nítrico participa na progressão do processo inflamatório na colite ou se apresenta um efeito benéfico, preservando a mucosa e prevenindo o recrutamento de leucócitos para o tecido colônico 22,23,24.

O presente trabalho confirma os achados de trabalhos anteriores que demonstraram um aumento da produção de óxido nítrico na colite, quando comparado ao grupo controle. (CL 0,49U X CO 0,22U). O método que utilizamos neste estudo foi a dosagem da enzima óxido nítrico sintase induzível (iNOS) pela técnica de Western Blot. Como já foi citado anteriormente, em situações de atividade inflamatória o óxido nítrico é sintetizado através da ação da iNOS convertendo a L-arginina em L-citrulina e óxido nítrico. O principal sitio de formação e liberação da isoforma induzível é o macrófago onde a produção é estimulada em resposta a infecção, endotoxina bacteriana e citoquinas como a IL2 e a TNF.

As medidas de pressão esfincteriana através de manometria ano-retal variaram significativamente entre os dois grupos. O grupo de animais com colite apresentou níveis de pressão esfincteriana significativamente inferiores ao grupo controle (CO 68cm H2O X CL 30cm H2O).

Estudos recentes da musculatura lisa dos esfíncteres do trato gastrintestinal de ratos sugerem que o óxido nítrico é um dos mediadores ou neurotransmissores inibitórios25,26. Esta sugestão baseia-se principalmente na ação direta inibitória do óxido nítrico sobre a musculatura lisa. O esfíncter anal interno é um músculo liso que reconhecidamente apresenta-se sob o controle inibitório do óxido nítrico. Estudos demonstram a liberação de óxido nítrico em resposta à estimulação de neurônios não-adrenérgicos e não-colinérgicos (NANC) do esfíncter anal interno. Experimentos realizados em ratos com estimulação dos neurônios NANC e bloqueio adrenérgico e colinérgico demonstraram um relaxamento da musculatura esfincteriana, associado a uma maior liberação de óxido nítrico27.

Atualmente é bem aceito o conceito de que o óxido nítrico é formado e liberado por células endoteliais e que possui um importante efeito relaxante sobre a musculatura lisa dos vasos. Recentemente; porém, um espectro mais amplo de ação do óxido nítrico vem sendo evidenciado no que se refere à musculatura lisa. Observa-se um efeito de segundo mensageiro, mediador e também de neurotransmissor inibitório responsável pelo relaxamento da musculatura lisa intestinal. Estas evidências são suportadas pelo efeito relaxante obtido com a L-arginina, bloqueio do relaxamento pelo uso de inibidores da L-arginina (L-NNA) e pelo efeito direto do óxido nítrico sobre a musculatura lisa vascular e intestinal 28,29.

A origem do óxido nítrico que atua sobre a musculatura anal esfincteriana ainda não é bem clara. Entretanto, parecem existir algumas evidências de que as células musculares lisas do intestino possam ser as responsáveis pela síntese e liberação de óxido nítrico em resposta à neurotransmissão inibitória. De acordo com o que foi investigado, parte do processo de relaxamento da musculatura lisa intestinal em resposta ao neurotransmissor VIP é mediada pela liberação de óxido nítrico pelas próprias células da musculatura lisa. Esta sugestão é fortalecida pelo fato do VIP ocasionar relaxamento do músculo esfíncter anal interno, ao mesmo tempo em que ocorre um aumento de liberação de óxido nítrico. Além disso, este relaxamento do músculo esfíncter anal interno induzido pelo VIP é bloqueado pela presença de inibidores da NOS30,31.

Assim sendo, podemos concluir que, baseados nos resultados deste trabalho, os animais submetidos à colite experimental apresentam um aumento da expressão da enzima óxido nítrico sintase induzível (i-NOS). Este aumento, associado ao conseqüente aumento do nível de óxido nítrico, ocasiona uma diminuição dos níveis de pressão anal esfincteriana.

Recebido em 11/10/2006

Aceito para publicação em 27/10/2006

Trabalho realizado Hospital de Clínicas de Porto Alegre – HCPA / Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Laboratório de Hepatologia Experimental - Fisiologia, Porto Alegre, RS, Brasil. Universidade Luterana do Brasil, ULBRA, Curso de Fisioterapia, Laboratório de Estresse Oxidativo, Canoas, RS.

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  • Endereço para correspondência:

    HENRIQUE SARUBBI FILLMANN
    Avenida Ipiranga, 6690 – conj. 307
    90.610-000 - Porto Alegre (RS)
    Fone: (51) 3336-5254
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      11 Out 2006
    • Aceito
      27 Out 2006
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