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Doença de Crohn metastática para axila

Metastatic Crohn's disease to the axilla

Resumos

Relata-se um caso de doença de Crohn com manifestação cutânea axilar extremamente rara, bem como suas peculiaridades em relação ao diagnóstico e tratamento.

doença de Crohn; manifestações cutâneas


The description of a case of metastatic Crohn's disease, a rare skin manifestation to the axillar region with diagnostic features and treatment schedules.

Crohn's disease; cutaneous manifestations


RELATO DE CASOS

Doença de Crohn metastática para axila

Metastatic Crohn's disease to the axilla

Flávia BalsamoI; João Baptista de Paula FragaII, III; Wladimyr Dias MorenoIII, IV; Galdino José Sitonio FormigaV

IMédica Assistente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - SP

IIEx-residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - SP

IIIMédico Coloproctologista do Hospital Monte Sinai - Juiz de fora - MG

IVMédico Coloproctologista da Clínica Gastro Center de Cuiabá - MT

VChefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - SP - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: FLÁVIA BALSAMO Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis R. Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis São Paulo - S.P. 04231-030 Tel: 274-7600 - (Ramal: 244)

RESUMO

Relata-se um caso de doença de Crohn com manifestação cutânea axilar extremamente rara, bem como suas peculiaridades em relação ao diagnóstico e tratamento.

Descritores: doença de Crohn; manifestações cutâneas.

ABSTRACT

The description of a case of metastatic Crohn's disease, a rare skin manifestation to the axillar region with diagnostic features and treatment schedules.

Key words: Crohn's disease, cutaneous manifestations.

INTRODUÇÃO

A doença de Crohn é uma entidade crônica, multisistêmica e que ocasiona desordens inflamatórias de etiologia obscura, podendo comprometer qualquer parte do trato gastrointestinal da boca até o ânus.1-7

Há manifestações extra-intestinais que acometem cerca de 25 a 30% dos pacientes e que são mais comuns naqueles com doença do cólon, em relação aos que apresentam doença do intestino delgado.3,6,8,9

Estas manifestações podem acometer a pele, as articulações, o trato biliar, os olhos, entre outras menos comuns. É freqüente que vários órgãos sejam afetados simultaneamente. O curso das manifestações extra-intestinais segue geralmente o de sua enfermidade intestinal, tanto nas crises, remissões, como na resposta terapêutica. Em algumas raras ocasiões, as manifestações extra-intestinais da doença de Crohn apresentam-se com maior severidade e precedem o quadro clínico, sendo indispensável considerar diagnósticos diferenciais.3,4,6

O termo "doença de Crohn metastática", descrito inicialmente por Parks, em 1965, é uma rara manifestação da doença de Crohn que se caracteriza por alterações específicas e com substrato histopatológico semelhante ao encontrado na parede intestinal, porém localizada à distância do trato gastrointestinal.4,5,7-14

O objetivo deste relato é demonstrar doença de Crohn em região axilar sem o acometimento intestinal simultâneo.

RELATO DO CASO

S.A.B., 22 anos, feminino, branca, estudante, natural e procedente de São Paulo, S.P.

Desde fevereiro de 1996 com manifestação de fístula anorretal, porém com associação de ulcerações atípicas perianais, principalmente na região anterior. Evoluiu com fístula reto-vaginal e ulcerações de sulco infraglúteo e, em março de 1996, foi submetida à drenagem de abscesso anorretal submucoso e fistulotomia anorretal, cuja análise anátomo-patológica demonstrou processo inflamatório granulomatoso sem caseificação (Figura 1).


O inventário sobre o hábito intestinal revelou regularidade do mesmo com consistência normal das fezes e sem associação de dores abdominais ou febre. Não foi evidenciada atividade da doença no trato gastrointestinal desde o início do tratamento, quer por parâmetros clínicos ou exames subsidiários, como a colonoscopia de junho de 1996 que revelou normalidade da mucosa intestinal até o íleo terminal. Permaneceu em tratamento com metronidazol 1,2g/dia, oligossintomática, até agosto do mesmo ano, quando então iniciou o aparecimento de lesões eritematosas, ulceradas, abscedadas e fistulizadas em região axilar direita (Figura 2)


Foi submetida inicialmente a tratamento cirúrgico com drenagem higiênica das lesões axilares e o resultado das biópsias revelou reação granulomatosa não caseosa de células gigantes.

Em acompanhamento ambulatorial, o controle clínico das lesões foi realizado com infiltração local com corticosteróide (metilprednisolona) mensalmente, associado à terapia sistêmica com ciprofloxacino 1g/dia e corticosteróides tópicos (Dexametasona e Betametasona).

Em julho de 1997, foi submetida a fistulotomia anorretal com boa evolução, mas apresentou abscesso em axila esquerda, sendo drenado cirurgicamente, cujo anátomo-patológico demonstrou etiologia semelhante à apresentada em axila direita (Figuras 3 e 4).


Evoluiu com períodos de remissão e recrudescimento da doença, tanto em região axilar como perianal, vulvar e pubiana, alternando períodos de adesão e abandono ao tratamento. Manteve-se assintomática em relação ao trato gastrointestinal, porém demonstrou grande labilidade emocional e psicológica e relatou prejuízo da esfera social.

As lesões axilares apresentaram aumento de secreção sero-purulenta e odor fétido a partir do início de 2000, quando foi introduzida a azatioprina na dosagem de 100 mg/dia com melhora progressiva e diminuição da dosagem de corticosteróides. A paciente abandonou o tratamento ambulatorial no período compreendido desde o final de 2001 até abril de 2003, quando retornou com as mesmas queixas, tendo sido introduzida a corticoterapia sistêmica com prednisona 40 mg/dia e ciprofloxacino 1g/dia. A azatioprina foi reintroduzida (100 mg/dia) em outubro de 2004 e foi iniciada a redução progressiva da corticoterapia sistêmica com melhora das queixas e manutenção da remissão clínica.

DISCUSSÃO

A doença de Crohn metastática é uma afecção rara e pouco relatada na literatura.11 A maioria dos casos é caracterizada por lesões cutâneas ulceradas que ocorrem em membros e dobras, o que pode dificultar ainda mais a cicatrização.11,13

Freqüentemente as lesões de pele antecedem a manifestação intestinal.11,12 Entretanto, alguns raros relatos descrevem estas manifestações sem a presença de doença ativa no trato gastrointestinal (TGI).6,11 O diagnóstico é confirmado pela biópsia com presença de granulomas não caseosos no exame anátomo-patológico.8,12

As lesões apresentam grande variabilidade clínica, podendo ocorrer na forma de úlceras, pápulas, nódulos, placas ou crostas e podem afetar qualquer território cutâneo, sendo mais encontradas nas extremidades, zonas de pregas e genitais.5,15,16

A etiopatogenia das metástases cutâneas de Crohn ainda não foi elucidada.5 Atualmente considera-se que a patogênese da maior parte das manifestações extra-intestinais está relacionada com a auto-imunidade e produção de citocinas, ou depósitos de imunocomplexos, existindo grande associação com outras doenças auto-imunes.3 A hipótese de um antígeno circulante que seria depositado na pele e que deflaglaria uma reação cruzada de hipersensibilidade de tipo IV mediada por linfócitos T, seria a hipótese mais convincente.5,9,17

Terapias como esteróides, antibióticos (metronidazol, tetraciclinas, ciprofloxacino) e sulfassalazinas têm sido utilizadas com grau de sucesso variável.8 No entanto, alguns estudos têm demonstrado resposta favorável com corticosteróides intralesionais e agentes imunossupressores (azatioprina, ciclosporina, 6-mercaptopurina).2,5,12,18,19 O infliximab (anticorpo monoclonal antifator de necrose tumoral)15 e a oxigenioterapia hiperbárica12 têm sido relatados com bom resultados,11 porém sendo terapias de alto custo e de uso restrito em nosso meio.

A terapia cirúrgica é utilizada de forma cautelosa, realizando-se procedimentos como drenagens de abscessos, fistulotomias e curetagens. No entanto, em casos de resistência ao tratamento clínico, têm sido utilizadas como única opção terapêutica, e há relatos que descrevem resultados favoráveis.5,12

A doença de Crohn metastática principalmente na ausência de manifestações do TGI é entidade de difícil diagnóstico e, em caso de suspeita, deverá ser confirmada através de biópsia seguida de exame anátomo-patológico.

Recebido em 21/06/2006

Aceito para publicação em 11/12/2006

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP - Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    FLÁVIA BALSAMO
    Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis
    R. Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
    São Paulo - S.P.
    04231-030
    Tel: 274-7600 - (Ramal: 244)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      11 Dez 2006
    • Recebido
      21 Jun 2006
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