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Influência da cola Bioglue® na deiscência de anastomose colônica: estudo experimental

Influence of Bioglue® surgical adhesive on colonic anastomosis dehiscence: experimental study

Resumos

A grande parte da morbimortalidade associada com a cirurgia colorretal, é associada com a deiscência anastomótica. Trabalhos experimentais sobre a utilidade de adesivos tissulares nas anastomoses colônicas são controversos, assim como estudos clínicos prospectivos randomizados são ausentes. O adesivo cirúrgico BioGlue®, formado por dois componentes - albumina sérica bovina purificada e glutaraldeído, forma uma ligação co-valente entre esses dois componentes e as proteínas teciduais no local de aplicação. O objetivo do estudo é avaliar a eficácia da BioGlue® na prevenção da deiscência anastomótica colônica em ratos. Foram utilizados 30 ratos machos da raça Wistar albino. A anastomose colocolônica foi confeccionada com sutura em pontos separados com polipropileno 5-0 (grupo 1) e aplicação da cola BioGlue® envolvendo a anastomose (grupo 2). Avaliaram-se a formação e extensão das aderências, a pressão de ruptura nas anastomoses e as alterações histológicas. Apenas um animal do grupo 1 (7%) faleceu, sendo constatada na necropsia, obstrução intestinal com grande distensão de alças. A mortalidade no grupo 2, por outro lado, foi de 10 animais (67%), sendo observado: distensão de alças intestinais, vazamento anastomótico e, em algumas situações, franca peritonite fecal por deiscência quase que total da anastomose. O presente trabalho nos permitiu concluir que, o uso da Bioglue® nas anastomoses colônicas realizadas em ratos, promoveu um aumento na morbimortalidade que foi estatisticamente significante comparado à sutura convencional.

Bioglue®; deiscência; anastomose colônica


The great part of the morbimortality associated with the colorretal surgery, is related with the anastomotic dehiscence. Experimental trials on the utility of tissue adhesives in the colonic anastomosis are controversial, as well as prospective randomized clinical studies are absent. BioGlue® Surgical Adhesive(BSA) is a two-component surgical adhesive composed of purified bovine serum albumin and glutaraldehyde. The glutaraldehyde molecules covalently bond (cross-link) the BSA molecules to each other and, upon application, to the tissue proteins at the repair site. The aim of this study is to evaluate the effectiveness of the BioGlue® in the prevention of the anastomotic colonic dehiscence in rats. Thirty male Wistar rats had been used. The colocolonic anastomosis was confectioned with separate stitches with polypropylene 5-0 (group 1) and the application of the BioGlue® Surgical Adhesive (group 2). The formation and extension of the adhesions, the histological alterations and the rupture pressure had been evaluated. In the group 1, we have only 7% of mortality (01 animal), being evidenced in the autopsy, intestinal obstruction with major bowel distension. The mortality in group 2, on the other hand, was 67% (10 animals), being observed: bowel distension, anastomotic dehiscence and, in some situations, fecal peritonitis because of anastomotic total dehiscence. We concluded in the present study that, the use of BioGlue® Surgical Adhesive in colonic anastomosis in rats, is associated with an increase of the morbimortality in comparison with conventional suture which was statistically significant.

Bioglue®; colonic anastomosis; dehiscence


ARTIGOS ORIGINAIS

Influência da cola Bioglue® na deiscência de anastomose colônica. Estudo experimental

Influence of Bioglue® surgical adhesive on colonic anastomosis dehiscence. Experimental study

Maurilio Toscano de LucenaI – ASBCP; Carlos Augusto MathiasII; Nicodemos Teles de Pontes FilhoIII; Ana Cláudia Luna CândidoIV; Emiliana VasconcelosV

IMédico Coloproctologista do Hospital Barão de Lucena, Recife-PE

IIProfº do Departamento de Cirurgia – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco

IIIProfº do Departamento de Patologia – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco

IVMédica Residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Barão de Lucena, Recife-PE

VAcadêmica de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: MAURILIO TOSCANO DE LUCENA Rua Conselheiro Portela, 130B/201, Graças Recife-PE CEP: 52020-030 Fone: (81) 3242-9747 E-mail: mtlucena@superig.com.br

RESUMO

A grande parte da morbimortalidade associada com a cirurgia colorretal, é associada com a deiscência anastomótica. Trabalhos experimentais sobre a utilidade de adesivos tissulares nas anastomoses colônicas são controversos, assim como estudos clínicos prospectivos randomizados são ausentes. O adesivo cirúrgico BioGlue®, formado por dois componentes – albumina sérica bovina purificada e glutaraldeído, forma uma ligação co-valente entre esses dois componentes e as proteínas teciduais no local de aplicação. O objetivo do estudo é avaliar a eficácia da BioGlue® na prevenção da deiscência anastomótica colônica em ratos. Foram utilizados 30 ratos machos da raça Wistar albino. A anastomose colocolônica foi confeccionada com sutura em pontos separados com polipropileno 5-0 (grupo 1) e aplicação da cola BioGlue® envolvendo a anastomose (grupo 2). Avaliaram-se a formação e extensão das aderências, a pressão de ruptura nas anastomoses e as alterações histológicas. Apenas um animal do grupo 1 (7%) faleceu, sendo constatada na necropsia, obstrução intestinal com grande distensão de alças. A mortalidade no grupo 2, por outro lado, foi de 10 animais (67%), sendo observado: distensão de alças intestinais, vazamento anastomótico e, em algumas situações, franca peritonite fecal por deiscência quase que total da anastomose. O presente trabalho nos permitiu concluir que, o uso da Bioglue® nas anastomoses colônicas realizadas em ratos, promoveu um aumento na morbimortalidade que foi estatisticamente significante comparado à sutura convencional.

Descritores: Bioglue®; deiscência; anastomose colônica.

ABSTRACT

The great part of the morbimortality associated with the colorretal surgery, is related with the anastomotic dehiscence. Experimental trials on the utility of tissue adhesives in the colonic anastomosis are controversial, as well as prospective randomized clinical studies are absent. BioGlue® Surgical Adhesive(BSA) is a two-component surgical adhesive composed of purified bovine serum albumin and glutaraldehyde. The glutaraldehyde molecules covalently bond (cross-link) the BSA molecules to each other and, upon application, to the tissue proteins at the repair site. The aim of this study is to evaluate the effectiveness of the BioGlue® in the prevention of the anastomotic colonic dehiscence in rats. Thirty male Wistar rats had been used. The colocolonic anastomosis was confectioned with separate stitches with polypropylene 5-0 (group 1) and the application of the BioGlue® Surgical Adhesive (group 2). The formation and extension of the adhesions, the histological alterations and the rupture pressure had been evaluated. In the group 1, we have only 7% of mortality (01 animal), being evidenced in the autopsy, intestinal obstruction with major bowel distension. The mortality in group 2, on the other hand, was 67% (10 animals), being observed: bowel distension, anastomotic dehiscence and, in some situations, fecal peritonitis because of anastomotic total dehiscence. We concluded in the present study that, the use of BioGlue® Surgical Adhesive in colonic anastomosis in rats, is associated with an increase of the morbimortality in comparison with conventional suture which was statistically significant.

Key words: Bioglue®, colonic anastomosis, dehiscence.

INTRODUÇÃO

Uma grande parte da morbimortalidade associada com a cirurgia colorretal, é conseqüência da deiscência anastomótica1-5, que pode ser decorrente de uma série de fatores: fornecimento inadequado de oxigênio, tensão mecânica elevada, grande contaminação bacteriana e problemas técnicos (tipo de sutura utilizada etc.)6-8.

Os cirurgiões estão constantemente em busca do aperfeiçoamento nas técnicas de confecção das anastomoses, utilizando, por exemplo, materiais de sutura que provocam menos reações, dispositivos mecânicos tais como os grampeadores, anéis biofragmentáveis e colas adesivas9-12. Embora algumas dessas inovações técnicas tenham reduzido drasticamente as taxas de deiscência anastomótica, este ainda é um importante problema nos procedimentos cirúrgicos sobre o cólon, atingindo cifras de até 5% em cirurgias eletivas e 10-15% em cirurgias de emergência13,14. Trabalhos experimentais sobre a utilidade de adesivos tissulares nas anastomoses colônicas são controversos, assim como estudos clínicos prospectivos randomizados são ausentes12,15-20.

O adesivo cirúrgico BioGlue®, formado por dois componentes – albumina sérica bovina purificada e glutaraldeído, forma uma ligação co-valente entre esses dois componentes e as proteínas teciduais no local de aplicação. Desta maneira, é formado um revestimento mecânico flexível, independentemente dos mecanismos de coagulação do organismo. O adesivo cirúrgico BioGlue® poderia ser útil nas anastomoses digestivas, promovendo uma barreira física em torno das mesmas, diminuindo as taxas de deiscência no período pós-operatório, aumentando a resistência mecânica e a pressão de ruptura21.

A principal indicação do adesivo cirúrgico BioGlue® tem sido na hemostasia adjuvante aos métodos padrões (tais como suturas, grampeadores), nas cirurgias abertas de reparo de grandes vasos (tais como aorta, femoral e carótida) em pacientes adultos21.

Não identificamos na literatura pesquisada, estudos avaliando os efeitos dos adesivos teciduais à base de albumina-glutaraldeido nas anastomoses colônicas.

Os objetivos do presente trabalho foram avaliar clinicamente os efeitos da BioGlue® sobre as anastomoses colônicas - integridade, existência de abscesso perianastomótico, presença de peritonite, formação de aderências e pressão de ruptura anastomótica – assim como proceder à avaliação histológica - infiltrado celular inflamatório, atividade fibroblástica, neoangiogênese e deposição de colágeno.

MATERIAIS E MÉTODOS

O protocolo experimental desenvolvido no presente trabalho foi submetido à aprovação pela comissão de ética em experimentação animal do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco (CCB-UFPE).

1. Animais

Foram utilizados 30 ratos machos da raça Wistar albino, pesando entre 280-410g, com idades variando entre 90 e 120 dias. Os animais foram mantidos em gaiolas individuais em ciclos de 12 horas alternando-se claro/escuro e temperatura ambiente entre 20 e 25º C, com dieta comercial Labina® contendo 23% de proteínas e oferecido alimento e água "ad libitum".

Após uma noite de jejum, os animais foram operados e distribuídos em dois grupos:

Grupo 1 – Ratos submetidos à anastomose colocolônica convencional utilizando-se fios de sutura;

Grupo 2 - Ratos submetidos à anastomose colocolônica convencional utilizando-se fios de sutura e cola BioGlueÒ.

Imediatamente após o sacrifício, realizado 10 dias após a 1ª cirurgia, os animais foram acondicionados em recipientes adequados, congelados e coletados pelo Serviço Municipal de Lixo de Biotério.

2. Procedimentos Cirúrgicos

Todos os procedimentos cirúrgicos fora realizados pelo mesmo cirurgião.

Os animais receberam anestesia por via intramuscular, utilizando-se cloridrato de cetamina (50mg/kg) e cloridrato de xilazina (50mg/kg). Realizou-se a contenção em bandeja própria e procedeu-se a tricotomia da região abdominal.

Após a antissepsia com solução polivinilpirro-lidona iodo, o abdome foi incisado na linha média e realizada transecção do cólon aproximadamente 3cm acima da reflexão peritoneal. A anastomose colocolônica foi confeccionada com sutura em pontos separados extramucosos término-terminais com polipropileno 5-0 (grupo 1). Os animais do grupo 2, foram submetidos à anastomose colocolônica com sutura em pontos separados extramucosos término-terminais com polipropileno 5-0 e aplicação de 0,5ml da cola BioGlue® cobrindo a anastomose, e tomando-se o cuidado para evitar a dispersão da cola na cavidade peritoneal (figura 1). A parede abdominal foi fechada em dois planos com sutura contínua utilizando-se polipropileno 4-0 interessando a aponeurose e a pele.


Dez dias após a cirurgia, os animais foram sacrificados com uma "overdose" de anestésicos e secção da veia cava e aorta para induzir hipovolemia. A parede abdominal foi novamente aberta através da incisão longitudinal mediana prévia.

3. Avaliação Macroscópica e Pressão de Ruptura da Anastomose

A extensão das aderências foi descrita de acordo com a classificação de Mazuji22 e a área da anastomose examinada quanto à presença de vazamento, estenose, peritonite além de infecção da ferida cirúrgica (figura 2). A pressão de ruptura foi determinada através da ressecção de um segmento de ± 5cm do cólon englobando a área da anastomose, ligando-se a extremidade proximal com fio de seda 3-0 e passando-se um cateter conectado a um esfingomanômetro na extremidade distal fixado com ligadura. Por meio deste cateter, era injetado ar numa das aberturas da "torneirinha de tri-way" e, ao evidenciar-se o surgimento das primeiras bolhas na água em que o segmento do cólon encontrava-se submerso, considerou-se a pressão correspondente como a pressão de ruptura anastomótica (figura 3).



4. Avaliação Histológica

Os sítios das anastomoses foram ressecados e colocados em formalina tamponada a 10%, submetidos à rotina histológica e emblocados em parafina. Os cortes histológicos foram realizados através do micrótomo horizontal Yamato Koki® (Japão), em cortes de 4µm de espessura sendo corados pela hematoxilina-eosina (HE)23. As lâminas, assim confeccionadas, foram examinadas em microscópio óptico, por dois patologistas, desconhecedores dos grupos.

Foram avaliadas de maneira semiquantitativa, a intensidade da resposta inflamatória, a necrose tecidual e a deposição de colágeno intersticial; utilizou-se a seguinte escala para graduação das alterações: + - leve; ++ - moderada; +++ - intensa. Determinou-se também a reação granulomatosa, a neovascularização e o tipo de infiltrado celular inflamatório.

5. Análise Estatística

Os dados de mortalidade foram analisados através do Teste de Quiquadrado com correção de Yates por meio de tabelas de contingência 2 x 2, utilizando-se o programa de análise estatística Epi-Info versão 3.3.2 para Windows (Epi-Info, CDC, Atlanta, U.S.A). Considerou-se um erro alfa de 0,05 (P < 0,05) para rejeição da hipótese nula.

RESULTADOS

Na análise da mortalidade, apenas um animal do grupo 1 (7%) faleceu antes do 10º dia de pós-operatório e, na necropsia foi observado obstrução intestinal com grande distensão de alças. A mortalidade no grupo 2, por outro lado, foi de 10 animais (67%) e, nos exames post-mortem realizados, foram evidenciados distensão de alças intestinais, vazamento anastomótico e, em algumas situações, franca peritonite fecal por deiscência quase que total da anastomose. A análise estatística da mortalidade entre os dois grupos, evidenciou uma diferença bastante significativa com P = 0,002.

Dos 15 animais do grupo 2, somente 3 (20%) sobreviveram até o 10º dia de pós-operatório; 2 animais foram sacrificados no 4º dia pós-cirurgia, apresentando-se bastante debilitados, com adinamia, queda dos pêlos e parada na eliminação de fezes. Nestes animais, evidenciaram-se à cirurgia, sinais de obstrução intestinal e deiscência anastomótica com peritonite localizada. Os outros 10 animais deste grupo morreram entre o 2º e o 7º dia de pós-operatório, todos sem apresentar evacuações.

A média da pressão de ruptura no grupo 1 foi de 163 mmHg (para os 14 animais estudados), enquanto que no grupo 2, foi de 203 mmHg (para os 3 ratos avaliados). O segmento que apresentou ruptura após insuflação de ar foi o proximal em relação à anastomose em 11 animais do grupo 1 (79%), enquanto que em 3 (21%), foi demonstrado vazamento no lado distal. Em 2 animais do grupo 2 (66%), observou-se vazamento de ar na região da sutura anastomótica e, em um outro (33%), constatou-se esse mesmo vazamento no segmento proximal.

As tabelas 1 e 2 apresentam os resultados da avaliação clínica e da pressão de ruptura nos dois grupos de animais.

Observamos nos animais em que se utilizou a cola de albumina-glutaraldeido (grupo 2), uma reação inflamatória do tipo agudo com células polimorfonucleares e neutrófilos com necrose coagulativa acentuada dos tecidos adjacentes à mesma (figura 4). Essa necrose era tanto mais intensa quanto mais próxima do local em que se aplicou a cola. No grupo 1, também evidenciamos infiltrados inflamatórios agudos, porém numa intensidade menor que no grupo 2 e mínima necrose tecidual. A neovascularização esteve igualmente presente nos dois grupos de animais, enquanto que a reação granulomatosa só pôde ser vista no grupo controle (figura 5). A deposição de fibras colágenas intersticiais por outro lado, foi mais acentuada no grupo 1.



Na tabela 3, são descritos os achados à microscopia óptica nos dois grupos de animais.

DISCUSSÃO

A deiscência anastomótica, após cirurgias colorretais, se constitui num evento extremamente devastador, não só pelo seu profundo impacto negativo sobre os resultados clínicos demonstrados pelo aumento na morbidade e nas taxas de mortalidade em até 7x6,13,24,25, como também pelo pior prognóstico após cirurgias para câncer, com aumento nas taxas de recorrência local26, diminuição nas sobrevidas global de 5 anos e câncer específica27. Além destes fatores anteriormente considerados, o vazamento de uma anastomose intestinal, requer, na maioria das vezes, uma reintervenção cirúrgica com ressecção do local da anastomose e confecção de estomias, que, quando realizadas sobre o cólon, implica na manutenção permanente da mesma em até 60% dos casos5,28,29.

As causas atribuídas à deiscência de uma anastomose colorretal são, na sua maioria, multifatoriais, como: fatores locais (fornecimento inadequado de oxigênio, tensão mecânica elevada, grande contaminação bacteriana), fatores sistêmicos (choque, coagulopatias, malignidades, obesidade, radioterapia, imunossupressão, senilidade) e fatores de ordem técnica (tipos de fios de sutura, técnicas de sutura, duração da cirurgia)1-30,31. A despeito de todos estes conhecidos fatores de risco, os exatos mecanismos subjacentes ao déficit na cicatrização anastomótica permanecem desconhecidos32.

Os cirurgiões estão constantemente em busca de melhorias das técnicas de confecções das anastomoses, utilizando materiais de sutura que provocam menos reações inflamatórias, dispositivos mecânicos (grampeadores), anéis biofragmentáveis e colas adesivas9-12.

Um dos recursos mais estudados ultimamente na prevenção do vazamento anastomótico, são os adesivos tissulares, que pode ser definido como uma substância capaz de manter os tecidos unidos, através da polimerização e, ao mesmo tempo, fornecer uma barreira mecânica ao vazamento do conteúdo intraluminal33. O adesivo ideal é aquele que mantém os tecidos aproximados por tempo suficiente até a cicatrização das feridas ocorrerem, sendo dissolvido ou reabsorvido em seguida, sem impedir o processo de cicatrização. Podem ser classificados como: adesivos de fibrina, compostos à base de albumina (colas de glutaraldeído), cianoacrilatos (super colas), hidrogéis (polímeros de polietilenoglicóis) e adesivos à base de colágeno (colágeno combinado com fibrina)34.

Apesar desses estudos, o verdadeiro valor da utilização de adesivos tissulares nas anastomoses colônicas, permanece um assunto controverso, com estudos clínicos prospectivos randomizados ausentes12, 15-20.

A cola a base de albumina-glutaraldeído foi recentemente aprovada para uso em humanos nos EUA como adjuvante em suturas e grampos no reparo de dissecção aórtica aguda. É formada por dois componentes: albumina sérica bovina purificada e glutaraldeído. As moléculas de glutaraldeído promovem uma ligação co-valente entre as moléculas de albumina sérica bovina e as moléculas de albumina da superfície celular e da matrix extracelular. Desta forma, cria-se um selante mecânico flexível que independe dos mecanismos de coagulação do organismo. Em vários trabalhos, tem-se avaliado o seu emprego em diversos órgãos e tecidos (pulmões, fígado, traquéia, brônquios, coronárias, vasos periféricos, reto/canal anal [fístula] e dura mater).

O presente estudo é o único na literatura consultada, que analisou os efeitos da BioGlueÒ no tecido intestinal e sua aplicabilidade nas anastomoses colônicas.

Utilizamos como modelo animal, ratos da raça Wistar albino, adultos, com idade variando de 90 a 150 dias, do gênero masculino e com média de peso e desvio padrão de 390±48g. Tentamos desta forma, empregar uma amostra homogênea no sentido de reduzir as variações que porventura possam existir com o uso da cola de albumina-glutaraldeído que, como já foi referido previamente, a reação da mesma com os tecidos, varia em função da localização anatômica, da espécie e da idade35. Todos os animais foram provenientes do biotério do Departamento de Nutrição do CCS-UFPE e transportados para o biotério do LIKA-UFPE, onde ficaram em observação por um período mínimo de uma semana e foram submetidos a exames parasitológicos das fezes antes dos experimentos. Receberam dieta comercial Labina® contendo 23% de proteínas e água "ad libitum". Os procedimentos cirúrgicos foram realizados pelo mesmo pesquisador e no mesmo ambiente cirúrgico, num período de quatro meses, utilizando equipamentos padronizados e adaptados para o tamanho dos animais.

A metodologia utilizada foi fundamentada em relatos na literatura que, de acordo com Hillan et al36, o melhor critério para avaliar a cicatrização colônica é através dos achados macroscópicos postmortem. Avaliamos a integridade da anastomose pela presença de sinais de vazamento contido ou difuso, além da formação de aderências. Realizamos também o estudo biomecânico da anastomose através da medição da pressão de ruptura. Procedemos à medição da pressão de ruptura por ser mais fisiológica, segundo alguns autores, que a medição da resistência de ruptura37.

Decidimos praticar a eutanásia nos animais no 10º dia de pós-operatório para estudar a cicatrização da anastomose porque, sendo este um momento em que termina a fase de maior risco de deiscência das anastomoses colônicas, 5º ao 7º dia, poderíamos avaliar melhor a existência ou não de vazamentos.

Clinicamente foi constatado através do presente estudo, que houve uma mortalidade estatisticamente significante no grupo de animais em que se utilizou a cola de albumina-glutaraldeído (67% x 7%, com P<0,05) decorrente da peritonite causada pela deiscência anastomótica. Poderíamos justificar estes achados pela grande toxicidade causada pelo produto sobre o tecido colônico, levando à necrose da parede com vazamento do conteúdo fecal. Este fato foi corroborado pelas análises histológicas, onde, a necrose do tipo coagulativa foi mais intensa no grupo da cola e, em algumas amostras, se estendia até o epitélio, como pudemos detectar pela necrose de glândulas, denotando uma toxicidade transmural, envolvendo todas as camadas da parede intestinal.

Em concordância com os nossos achados, Fürst e Banerjee38, demonstraram em coelhos submetidos à ressecção pulmonar e abrasão hepática, que a aplicação da BioGlueÒ nesses tecidos, desencadeou uma reação inflamatória exacerbada com formação de edema e necrose local. Os autores atribuíram esses efeitos ao glutaraldeido, como puderam comprovar que, mesmo após a sua polimerização, a BioGlueÒ libera consideráveis quantidades de glutaraldeido no líquido sobrenadante, e, a adição desse líquido a diferentes culturas de células, apresentava efeitos deletérios à viabilidade das mesmas. Da mesma maneira, Herget et al39, utilizando a BioGlueÒ em anastomoses sobre os brônquios de ovelhas, detectaram uma resposta inflamatória consistindo de neutrófilos polimorfonucleares e macrófagos infiltrando o parênquima pulmonar e a área da anastomose em que a cola foi utilizada, além de necrose tecidual localizada. LeMaire et al40,41, demonstraram lesão do nervo frênico quando em contato com a cola, levando a paralisia do diafragma, assim como toxicidade sobre o tecido de condução cardíaca. Os mesmos pesquisadores testaram os efeitos da BioGlueÒ sobre anastomoses aorto-aórticas em leitões, e observaram extensa fibrose além de estenose anastomótica 7 semanas após aplicação da cola.

A utilização da cola em cirurgias de dissecção da aorta, sua principal indicação, também tem ocasionado alguns efeitos adversos, como a maior taxa de formação de pseudoaneurismas; o que tem sido atribuído a uma lesão tecidual local provocada pela toxicidade do produto42,44. Têm-se observado em espécimes cirúrgicos, mesmo após um período de três meses da utilização da BioGlueÒ, um processo inflamatório ativo e severo circundando a cola remanescente com vários granulócitos e histiócitos e uma acentuada reação tipo corpo estranho com numerosas células gigantes multinucleadas, o que não foi observado no nosso trabalho, provavelmente pelo curto período de análise das amostras (10 dias após aplicação da cola).

Além da ação tóxica do glutaraldeido sobre os tecidos, acredita-se também, que a polimerização do composto, possa levar a uma espécie de anel rígido, provocando fibrose e estenose, quando aplicado de maneira circular38, como foi realizado em nosso estudo, embora tal fato não tenha substrato histopatológico já que o depósito de colágeno intersticial foi até mais intenso quando se utilizou apenas o fio de sutura. Mais uma vez, acreditamos que o período de tempo foi insuficiente para observarmos a formação do colágeno maduro e conseqüente fibrose.

Pesquisadores têm sugerido um risco potencial durante a aplicação da cola, de se introduzir na corrente sangüínea, quantidades de glutaraldeído livre, nas cirurgias com circulação extracorpórea e sistemas de reaproveitamento do sangue38. Este é um risco que deve ser levado em consideração nas cirurgias cardíacas, mas não nos procedimentos que envolvam anastomoses intestinais, pois, acreditamos, que o composto não tenha acesso à circulação sangüínea; reforçando esta hipótese, nas amostras analisadas, não detectamos resíduos da cola no interior de vasos.

CONCLUSÃO

O presente trabalho nos permite concluir que, o uso da Bioglue® nas anastomoses colônicas realizadas em ratos, promoveu um aumento na morbimortalidade que foi estatisticamente significante comparado ao grupo em que se realizou apenas anastomoses com fios de sutura.

Recebido em 24/04/2007

Aceito para publicação em 30/05/2007

Trabalho realizado no Biotério e no Setor de Patologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA-UFPE).

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    MAURILIO TOSCANO DE LUCENA
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Recebido
      24 Abr 2007
    • Aceito
      30 Maio 2007
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