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Doença de Crohn em recém-nascido

Crohn's disease in newborn baby: report of case

Resumos

A Doença de Crohn ocorre, principalmente, em adultos jovens. Sua incidência entre membros da mesma família aproxima-se de 10%. Atualmente, os sintomas aparecem cada vez mais precocemente em crianças e adolescentes. No caso que relatamos, um paciente aos três dias de vida iniciou quadro de extensa lesão perianal, desenvolvendo, ulteriormente, outras complicações da Doença de Crohn. Esta criança apresentava, em sua história familiar, dois irmãos com a mesma doença, porém que não sobreviveram às complicações abdominais pós-operatórias. Chamou-nos a atenção a precocidade e a intensidade com que tais manifestações se apresentaram, implicando em sérias conseqüências ao paciente, já na primeira semana de vida.

Doença de Crohn; Recém-nascido; Lesões Perianais; Proctocolectomia Total


Crohn's Disease occurs, mainly, in young adults. The incidence of this disease in other members of the same family is nearly 10%. Nowadays the symptoms start precociously in children and teenagers. In the present case, the perianal disease was detected in three days old baby who developed different complications throughout his life. The child had two siblings with the same problems, but none of them survived after post-operative abdominal complications.

Crohn disease; perianal lesion; proctocolectomy


RELATO DE CASOS

Doença de Crohn em recém-nascido

Crohn's disease in newborn baby: report of case

Rodrigo Cardoso SilveiraI; Renata Setsuko BabaII; Ana Carolina S. PereiraII; Sandra PaimII; Magaly Gemio TeixeiraIII; Angelita Habr-GamaIV

ICirurgião Geral Pós-Graduado em Coloproctologia da Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficiência - SP

IIProfa. Livre Docente do Hosp. das Clínicas da USP - Chefe do Ambl. de Doença Inflamatória Intestinal do Hosp. das Clínicas - SP - Coordenadora da Pós-Graduação em Coloproctologia do Hosp. Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficiência - SP

IIIEx-Professora Livre Docente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo - Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hosp. Benef. Portuguesa - São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rodrigo Cardoso Silveira Av. Princesa D'Oeste, 1211, apto 42 CEP 13026-430 - Campinas / SP (11) 3253-7710 - (19) 9224-5444 E-mail: silveira.rodrigo@ig.com.br

RESUMO

A Doença de Crohn ocorre, principalmente, em adultos jovens. Sua incidência entre membros da mesma família aproxima-se de 10%. Atualmente, os sintomas aparecem cada vez mais precocemente em crianças e adolescentes. No caso que relatamos, um paciente aos três dias de vida iniciou quadro de extensa lesão perianal, desenvolvendo, ulteriormente, outras complicações da Doença de Crohn. Esta criança apresentava, em sua história familiar, dois irmãos com a mesma doença, porém que não sobreviveram às complicações abdominais pós-operatórias. Chamou-nos a atenção a precocidade e a intensidade com que tais manifestações se apresentaram, implicando em sérias conseqüências ao paciente, já na primeira semana de vida.

Descritores: Doença de Crohn, Recém-nascido, Lesões Perianais, Proctocolectomia Total.

ABSTRACT

Crohn's Disease occurs, mainly, in young adults. The incidence of this disease in other members of the same family is nearly 10%. Nowadays the symptoms start precociously in children and teenagers. In the present case, the perianal disease was detected in three days old baby who developed different complications throughout his life. The child had two siblings with the same problems, but none of them survived after post-operative abdominal complications.

Key words: Crohn disease; perianal lesion; proctocolectomy.

INTRODUÇÃO

Até um quarto dos doentes com Doença Inflamatória Intestinal têm o início da sintomatologia e o seu diagnóstico estabelecido antes dos 18 anos de idade (1).

Nesta população, há de 4 a 7 novos casos / 100.000 habitantes/ano (2).

Freqüentemente, os aspectos clínicos e endoscópicos são semelhantes na população adulta e pediátrica. Entretanto, a população pediátrica estará mais sujeita a comprometimento do desenvolvimento neuro-psico-motor, desnutrição e alteração da estatura, principalmente se o paciente se encontrar na primeira infância. Cerca de 44% das crianças com de Doença de Crohn e 11% das com Retocolite Ulcerativa já possuíam algum comprometimento de seu desenvolvimento ao diagnóstico(3).

Sabe-se, também, que nos pacientes jovens o aparecimento das complicações ocorre em um intervalo menor de tempo (4).

No entanto, o início da sintomatologia logo após o nascimento é raro.

A seguir descreveremos o caso de uma criança com início dos sintomas aos três dias de vida, com lesões perianais graves e história familiar positiva, com dois irmãos que não sobreviveram à doença.

RELATO DE CASO

GUDF, 15 anos, masculino. Nasceu de parto normal, em 1991, sem intercorrências.

Aos três dias de vida apresentou dor e abscesso perianal, que evoluiu rapidamente para fístula, quadro que se repetiria outras vezes, até os 06 meses de idade, além de diarréia volumosa, muco sanguinolenta, e com baixo ganho de peso. Aos 08 meses, apresentou novo quadro de abscesso perianal, com drenagem espontânea, associado a êmbolo séptico cerebral, que determinou seqüelas neuromotoras.

A partir desta época evoluiu com atraso do crescimento e desnutrição, tendo recebido tratamento irregular para a Doença de Crohn.

Em 2005, então com 13 anos, pesava 14,5 Kg e apresentava estatura de 105 cm, o que o colocava abaixo do percentil 5, pois para a idade eram esperados 48,1 Kg de peso e 175 cm de estatura.

Seus sintomas eram de diarréia volumosa, com muco e sangue, com extensa lesão perianal e incontinência fecal (Figura 1).


O exame de Trânsito Intestinal revelou-se sem alterações, os demais exames do cólon, entre eles a colonoscopia, mostravam acometimento universal do intestino grosso.

História Familiar

Tanto o pai quanto a mãe não apresentavam sintomas, e tão pouco tinham o diagnóstico de Doença de Crohn ou outra doença inflamatória intestinal. Não havia relato de outros casos na família.

A primeira filha do casal nasceu em 1983. Apresentou sintomas com 02 semanas de vida, com diarréia com muco, cólicas e queda do estado geral. Inicialmente foi submetida à colostomia e, posteriormente a colectomia, falecendo por complicações de peritonite.

O segundo filho do casal, sexo masculino, nasceu dois anos depois, em 1985. Com 03 semanas de vida apresentou diarréia volumosa e desnutrição. Faleceu com um ano de idade, após cirurgia de cólon.

Em 1989 nasceu o terceiro filho do casal, sem Doença Inflamatória ou qualquer outro problema de saúde.

Em vista dos maus resultados do tratamento cirúrgico dos irmãos, houve relutância em aceitar o tratamento proposto para o terceiro filho doente, o que só foi aceito em 2005.

O paciente recebeu nutrição parenteral para melhora das condições clínicas e do estado geral, e foi submetido a proctocolectomia total com ileostomia terminal definitiva, além de correção das fístulas perineais, sem intercorrências (Figura 2).


Atualmente encontra-se com peso de 21Kg e com estatura de 108 cm, (P25-30), com ganho de massa muscular e melhora da qualidade de vida.

DISCUSSÃO

Dentre os diversos aspectos das Doenças Inflamatórias Intestinais, alguns deles são particularmente importantes, considerando a faixa etária pediátrica.

Primeiramente, um dos aspectos relacionados a esta faixa etária é o possível comprometimento do desenvolvimento neuropsicomotor, sobretudo naqueles pacientes com início da doença em idade muito precoce e/ou naqueles em que o diagnóstico não pode ser estabelecido prontamente. Seqüelas diversas, e até mesmo irreversíveis, podem ter origem nesta época.

Outro aspecto a ser considerado é o farmacológico: não há tratamento farmacológico que proporcione a cura definitiva até o momento; as diversas drogas empregadas tem contribuído para a redução dos sintomas e melhoria na qualidade de vida destes pacientes. Entretanto, estas mesmas drogas, que são eficazes e tem seu papel no acompanhamento desses doentes e entre elas, os corticosteróides, também apresentam efeitos-colaterais conhecidos, como má absorção ou desmineralização óssea, antagonismo com hormônio do crescimento, entre outros, e que pioram em muito o desenvolvimento já comprometido pela própria doença (5).

A faixa pediátrica da população tem sua qualidade de vida mais prejudicada, quando comparada à outras doenças que certamente podem acometer estas mesmas crianças: pacientes com diabetes mellitus, por exemplo, apresentam menor índice de depressão, de ansiedade, de isolamento escolar e menor dependência dos pais em relação àquelas portadoras de Doença Inflamatória Intestinal (6).

Outro aspecto a ser considerado é o caráter multidisciplinar do tratamento da Doença Inflamatória Intestinal: além de dispendioso, o tratamento é longo, freqüentemente com diversas drogas, com exames complementares realizados rotineiramente e com auxílio de nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, além de outros. É freqüente um dos pais deixar de trabalhar, o que diminui a renda da família, para se dedicar exclusivamente ao filho doente.

Caberá ao médico assistente, principalmente nos casos de pacientes na primeira infância, fazer o diagnóstico diferencial muitas vezes difícil, incluindo as doenças granulomatosas.

Recentes pesquisas genéticas têm contribuído para esclarecimento da fisiopatologia da Doença Inflamatória Intestinal e algumas de suas características, como CARD 15, que, quando presente, se associa à idade mais precoce do aparecimento da doença e sua maior tendência ao desenvolvimento de estenoses. Outros estudos também demonstraram que a presença de CARD 15, não se associa à maior freqüência de lesões perianais e de manifestações extra-intestinais (7).

O diagnóstico precoce e o tratamento correto são um desafio para os especialistas que lutam para melhorar a qualidade de vida desses pacientes, sobretudo para evitar seqüelas definitivas e irreversíveis.

Recebido em 08/04/2008

Aceito para publicação em 03/06/2008

Trabalho realizado no Hospital Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficiência - São Paulo - SP - Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Rodrigo Cardoso Silveira
    Av. Princesa D'Oeste, 1211, apto 42
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    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2008
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