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A importância da suspeição clínica no diagnóstico e tratamento do câncer colorretal hereditário

The importance of clinical suspicion on the diagnosis and treatment of hereditary colorectal cancer

Resumos

Neste trabalho relatamos o caso de um paciente portador de síndrome de Lynch (HNPCC) que desenvolveu câncer retal metacrônico em curto intervalo de tempo após tratamento do tumor primário (câncer de cólon direito). O objetivo deste relato de caso é salientar a importância da suspeição clínica no diagnóstico de câncer colorretal hereditário e suas implicações terapêuticas.

Câncer colorretal hereditário; diagnóstico; tratamento


In this article we report the case of a patient with Lynch syndrome (HNPCC) who developed metachronic rectal cancer in a short time interval after the primary tumor had been treated (right colon cancer). The objective of this case report is to point out the importance of clinical suspicion in the diagnosis of hereditary colorectal cancer and its therapeutics implications.

Colorectal hereditary cancer; diagnosis; treatment


ARTIGOS ORIGINAIS

A importância da suspeição clínica no diagnóstico e tratamento do câncer colorretal hereditário

The importance of clinical suspicion on the diagnosis and treatment of hereditary colorectal cancer

I Marcus Valadão; IIGuilherme Graziosi; IMarcio Carneiro; IRicardo Ary Leal; IIIAntonio Abílio P. Santa Rosa; II Ricardo Almeida; IVRoberto Jamil Muharre

IStaff da II Clínica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso HGB, Rio de Janeiro,RJ

IIResidente da II Clínica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso, HGB, Rio de Janeiro,RJ

IIIGeneticista Clínico do Hospital Geral de Bonsucesso, HGB, Rio de Janeiro,RJ

IVChefe da II Clínica Cirúrgica do Hospital Geral de Bonsucesso, HGB, Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcus Valadão Rua Paissandu, 385/302 - Flamengo 22210-080 Rio de Janeiro - RJ E-mail: marcusvaladao@terra.com.br

RESUMO

Neste trabalho relatamos o caso de um paciente portador de síndrome de Lynch (HNPCC) que desenvolveu câncer retal metacrônico em curto intervalo de tempo após tratamento do tumor primário (câncer de cólon direito). O objetivo deste relato de caso é salientar a importância da suspeição clínica no diagnóstico de câncer colorretal hereditário e suas implicações terapêuticas.

Descritores: Câncer colorretal hereditário; diagnóstico; tratamento.

ABSTRACT

In this article we report the case of a patient with Lynch syndrome (HNPCC) who developed metachronic rectal cancer in a short time interval after the primary tumor had been treated (right colon cancer). The objective of this case report is to point out the importance of clinical suspicion in the diagnosis of hereditary colorectal cancer and its therapeutics implications.

Key words: Colorectal hereditary cancer; diagnosis; treatment.

INTRODUÇÃO

Neoplasia maligna mais comum do tubo digestivo, o câncer colorretal (CCR) teve sua incidência aumentada nos últimos anos, principalmente em áreas consideradas de baixo risco (países em desenvolvimento). Aproximadamente 80% dos pacientes desenvolvem o câncer colorretal (CCR) de forma esporádica, enquanto que em 20% há uma suscetibilidade hereditária à neoplasia. Estima-se em cerca de meio milhão o número de óbitos por esta doença a cada ano, com tendência a queda na mortalidade nos últimos anos 1. No Brasil, o CCR é a quinta neoplasia maligna mais diagnosticada (ocupando segundo lugar na região Sudeste) e a quarta causa de morte por câncer 2-3. São condições hereditárias freqüentemente associadas a CCR: a polipose adenomatosa familiar (PAF) e o câncer colorretal hereditário não polipose (HNPCC), também denominada síndrome de Lynch 4-5.

Das formas hereditárias, o câncer colo-retal hereditário não polipose (HNPCC) é a mais comum, sendo responsável por 20 - 30% destes, o que equivale a 3% a 5% de todas as neoplasias colorretais1. Classicamente como é conhecida, a síndrome de Lynch I e II é uma doença autossômica dominante sendo cinco vezes mais freqüente que a polipose adenomatosa familiar (PAF)2 e é decorrente de mutações em genes responsáveis pelo reparo do DNA. O envolvimento colônico isolado ocorre na síndrome Lynch I, enquanto no subtipo II ocorre câncer colorretal associado a neoplasias em outros órgãos, como de endométrio, ovário, mama, estômago, intestino delgado,sistema hepatobiliar, pâncreas, ureter e de pelve renal3. A penetrância está em torno de 80% 4,6, ou seja, indivíduos que herdam esta mutação têm uma chance de aproximadamente 80% de desenvolvimento de CCR.

Em HNPCC, as neoplasias tendem a ocorrer preferencialmente no cólon direito (60-70% ocorrem proximalmente à flexura esplênica), mais precocemente (por volta dos 45 anos de idade), têm taxa aumentada de tumores metacrônicos e sincrônicos (20%), ao contrário do que ocorre na forma esporádica, as quais são diagnosticadas em pacientes com média de 65 anos e predominam no cólon esquerdo. Ainda, no HNPCC há uma proporção aumentada de tumores mucinosos e de grau de diferenciação mais alto, bem como infiltração linfática da margem tumoral7-9, entretanto, a sobrevida é comparativamente melhor com relação aos casos esporádicos, em parte devido à apresentação tumoral menos avançada e, mesmo comparações estádio a estádio, demonstraram vantagem de sobrevida em HNPCC sobre pacientes com câncer colo-retal esporádico no estádio III. 10

Em decorrência da ausência de sinais clínicos capazes de predizer a suscetibilidade a HNPCC, a história familiar tem sido o método principal em identificar pacientes de risco. De modo a identificar tais famílias, em 1990, o Grupo Colaborativo Internacional (ICG) em HNPCC criou os critérios de Amsterdam9, objeto de revisão posterior por serem demasiado restritivos ao excluir membros da família que apresentassem tumores extracolônicos. Esses critérios foram expandidos, dando origem aos critérios de Amsterdam II em contraposição aos originais (denominados a partir de então, Amsterdam I), passando a considerar as outras neoplasias como parte integrante do espectro de HNPCC. Ambos os critérios são apresentados abaixo.

Critérios de Amsterdam I (1990) 9

· Pelo menos três parentes afetados;

· Um paciente acometido deve ser parente de primeiro grau dos outros dois;

· Duas ou mais gerações acometidas;

· Pelo menos um dos parentes acometidos com diagnóstico de CCR antes dos 50 anos;

· Exclusão de PAF;

· Tumores examinados histologicamente.

Critérios de Amsterdam II 11

· Identificação clínica do HNPCC requer três ou mais parentes com neoplasia associada a HNPCC (CCR ou câncer de endométrio, intestino delgado, ureter ou pelve renal) mais o seguinte:

· Pelo menos três ou mais familiares com neoplasias associadas à HNPCC (CCR ou câncer de endométrio, intestino delgado, ureter ou pelve renal);

· Um paciente acometido deve ser parente de primeiro grau dos outros dois;

· Duas ou mais gerações acometidas;

· Pelo menos um indivíduo afetado diagnosticado antes de 50 anos;

· Exclusão de PAF em quaisquer casos de CCR;

· Tumores examinados histologicamente.

Apesar do crescente conhecimento das bases genéticas de HNPCC, ainda não está completamente estabelecido um algoritmo para testagem genética em pacientes de risco. Muitos autores advogam que o teste inicial para identificação desta síndrome seria a pesquisa de instabilidade de microssatélites (Microsatellite instabilility - MSI). A análise é realizada em um painel de cinco marcadores já padronizados. A MSI é pesquisada pela comparação de seqüências de microssatélites das células tumorais com as do tecido normal, sendo classificada de acordo com o número de marcadores onde for detectada instabilidade, em MSS (stable) quando nenhum marcador mostra instabilidade, MSI-L (low) quando se observa instabilidade em um marcador, e MSI-H (high) quando houver instabilidade em dois ou mais marcadores. Variabilidade entre estes dois clones celulares indica MSI12. Diante disso, o Instituto Nacional de Câncer americano (NCI) desenvolveu os critérios de Bethesda durante a conferência de consenso realizada em 1997. Esse consenso sugere que pacientes que apresentem estes critérios devam ser submetidos à pesquisa de instabilidade de microssatélites para o diagnostico de HNPCC. Bastante usados atualmente, estes critérios foram submetidos à recente revisão de forma a aprimorar a identificação das famílias em risco. Ambos seguem abaixo:

Critérios de Bethesda (1997) 13

· CCR em famílias que preenchem os critérios de Amsterdam;

· Dois tumores relacionados à HNPCC, incluindo CCR sincrônico ou metacrônico, ou associado com neoplasias extracolônicas (endométrio, ovário, gástrico, hepatobiliar, de intestino delgado ou carcinoma de células transicionais de ureter ou pelve renal);

· CCR e um parente de primeiro grau com CCR e/ou neoplasias extra-colônicas associadas a HNPCC, e/ou adenoma colorretal, sendo pelo menos um dos cânceres diagnosticado antes dos 50 anos e o adenoma diagnosticado antes dos 40 anos;

· CCR ou carcinoma de endométrio em idade inferior a 45 anos;

· CCR localizado em cólon direito com um padrão indiferenciado (sólido, cribiforme) ao exame histopatológico em idade inferior a 45 anos;

· CCR com células em anel de sinete em idade inferior a 45 anos;

· Adenoma colorretal em idade inferior a 40 anos.

Critérios de Bethesda revisados 14

· CCR diagnosticado em idade inferior a 50 anos

· Presença de tumores colorretais sincrônicos, metacrônicos ou outras neoplasias extracolônicas associadas a HNPCC diagnosticadas em qualquer idade;

· CCR com MSI-H diagnosticado antes dos 60 anos;

· CCR em indivíduos com um ou mais parentes de primeiro grau acometidos por neoplasias associadas a HNPCC, sendo uma destas diagnosticada antes dos 50 anos;

· CCR em indivíduos com dois ou mais parentes de primeiro grau acometidos por neoplasias associadas a HNPCC independentemente da idade

Apesar da inexistência de consenso na literatura a respeito do algoritmo mais indicado a ser utilizado no rastreamento do HNPCC, há uma tendência a se seguirem algumas etapas na identificação dos portadores da síndrome. O primeiro passo seria a utilização dos critérios clínicos descritos acima para identificar as famílias suspeitas, sendo os de Bethesda os mais amplamente utilizados. A partir daí, os indivíduos identificados seriam submetidos à pesquisa de instabilidade de microssatélites e imuno-histoquímica no tecido tumoral, de forma a identificar as proteínas ausentes e inferir, desse modo, o gene mutado. O terceiro passo (padrão-ouro) seria a realização do seqüenciamento genético15.

O planejamento do tratamento é baseado na divisão dos pacientes em 3 grupos: 1)Pacientes com diagnóstico de HNPCC confirmado que apresentam câncer colorretal; 2)Pacientes com HNPCC confirmado, mas sem câncer e 3)Pacientes de risco para HNPCC, mas que não têm condições de realizar a testagem genética. O primeiro grupo (pacientes com CCR e diagnóstico confirmado de HNPCC) deve ser tratado por colectomia total com anastomose íleo-retal16 devido à alta incidência de CCR metacrônico (mais de 40% em 10 anos). Estes pacientes devem ser acompanhados com exame endoscópico do coto retal remanescente, devido ao risco aumentado de câncer. Nos casos raros onde houver tumor retal sem associação com tumor colônico pode ser realizado proctocolectomia total com anastomose íleo-anal com bolsa ileal em "J".

No segundo grupo (pacientes sabidamente portadores de mutação em genes de reparo e que ainda não desenvolveram câncer), existe controvérsia quanto à realização de colectomia total profilática com anastomose íleo-retal, haja visto que HNPCC é uma condição de penetrância elevada (80%), mas não completa15-17. Este pormenor abre a possibilidade de que, ao se utilizar tal critério para definir intervenções cirúrgicas, pacientes portadores de mutações nos genes de reparo e que tenham uma chance de 20% de nunca virem a desenvolver CCR sejam submetidos a cirurgias de grande porte desnecessariamente 18-20. Há uma tendência mundial em não se realizar cirurgia profilática, sendo a conduta mais aceita o seguimento rigoroso com colonoscopia anual ou bianual, iniciando-se aos 25 anos, além de endoscopia digestiva alta e exames de imagem abdominal e pélvica. Para pacientes após a menopausa ou com prole completa, a profilaxia cirúrgica através de histerectomia total abdominal com salpingo-ooforectomia bilateral pode ser oferecida, sem haver, no entanto, evidências científicas estabelecidas de sua eficácia. 21,22

Para o terceiro grupo (pacientes sem câncer que desconhecem seu status de portador de mutações em genes de reparo e sem previsão de virem a se submeter à testagem genética em curto prazo), não deve ser indicado cirurgias profiláticas, e sim seguimento rigoroso com exames periódicos, da mesma forma devendo todos eles serem considerados como potenciais portadores de HNPCC até prova em contrário.

Este artigo se propõe a ressaltar a importância da suspeita clínica no diagnóstico de HNPCC e suas implicações no manejo terapêutico desses pacientes, a partir de um relato de caso de um paciente com câncer colorretal tratado no nosso serviço.

RELATO DO CASO

Paciente E.M.S., sexo masculino, branco, 40 anos, natural de São Pedro da Aldeia (RJ), casado. O quadro clínico iniciou-se com dor abdominal em região hipogástrica, inicialmente em dias alternados, que piorava após ingestão de certos alimentos. Nos seis meses seguintes, a dor passou a ser contínua, em pontada, de grande intensidade e estendendo-se também para fossa ilíaca direita. Relatava mudança de hábito intestinal com o surgimento de constipação. Negava melena, náuseas ou vômitos. Houve ainda crescimento de tumoração em topografia de fossa ilíaca direita, anorexia e perda de peso de cerca de 8 kg no período.

Nos antecedentes pessoais, negava passados cirúrgicos ou de internações. Referia história de tabagismo, tendo fumado dois a três maços por dia por 15 anos e parado havia oito. Etilismo social. Sem co-morbidades.

Na história familiar observa-se pai falecido de câncer colônico aos 43 anos de idade, mãe viva sem históricos patológicos. Possui quatorze irmãos, sendo doze vivos e dois falecidos, um deles por CCR e outro de causa indeterminada. Segue abaixo o heredograma (Figura 1).


Ao exame físico, apresentava-se em estado geral regular, emagrecido e hipocorado. Ausculta cardiovascular normal. Ausculta pulmonar normal, com murmúrio vesicular universalmente audível, sem ruídos adventícios. Abdome plano, flácido, normotenso, timpânico, indolor à palpação superficial e doloroso à palpação profunda em fossa ilíaca direita, onde se palpava uma massa.

O exame proctológico revelava inspeção normal e palpação sem anormalidades. Ao toque retal, esfíncter normotônico, sem evidências de lesões. Dentre os exames complementares de imagem realizados, a TC de abdômen demonstrou massa em topografia de cólon ascendente, sem ascite ou sinais de carcinomatose. A colonoscopia revelou lesão vegetante de aspecto neoplásico em cólon ascendente, impedindo a progressão do aparelho, cuja biópsia demonstrou adenocarcinoma moderadamente diferenciado, e demais segmentos do cólon sem alterações.

Em agosto de 2006, foi realizada hemicolectomia direita videolaparoscópica com anastomose por grampeador circular número 28, evidenciando na cirurgia tumor de cólon ascendente e ceco aderido à parede abdominal em goteira parieto-cólica, com linfonodos aumentados em território da artéria cólica direita, porém sem implantes hepáticos ou peritoneais. O exame anatomopatológico revelou tratar-se de adenocarcinoma moderadamente diferenciado localizado no ceco, medindo 3,0 x 6,0 cm, ulcero-infiltrativo, invadindo até a subserosa. Havia ainda metástases para seis linfonodos pericólicos dentre os quinze isolados. A mucosa intestinal adjacente não apresentava alterações histológicas significativas. As margens eram livres de neoplasia. O estadiamento TNM para o tumor de ceco, portanto, foi pT3 N2 M0 G2 (estadio IIIC).

Realizou quimioterapia adjuvante com 5-fluorouracil e leucovorin por seis meses. Após quatro meses do início do tratamento quimioterápico, apresentou quadro de hematoquezia e dor abdominal. Foi reinternado em agosto de 2007 e realizado novos exames. A colonoscopia mostrou lesão ulcerada, circunferencial, situada a 10 cm da margem anal, cuja biópsia evidenciou adenocarcinoma bem diferenciado. A endoscopia digestiva alta demonstrou gastrite enantematosa leve; A TC de abdômen demonstrou lesão circunferencial de reto, sem evidência de doença metastática. O valor do CEA era de 4,0 (VN: 0 - 3,5). O paciente foi submetido à radioquimioterapia neoadjuvante com término em dezembro de 2007.

Em janeiro de 2008, o paciente foi submetido a uma nova intervenção cirúrgica, onde se evidenciou tumoração volumosa em reto médio, com invasão de vesículas seminais e bexiga. Decidiu-se por realizar proctocolectomia total associada à exenteração pélvica total (Figura 2) com reconstrução urinária à Bricker, além de confecção de bolsa ileal em "J" e ileostomia de proteção. O paciente teve boa evolução, tendo alta hospitalar no 10° dia de pós-operatório. O exame anatomopatológico revelou adenocarcinoma de reto moderadamente diferenciado, infiltrando vesículas seminais, além de metástases para dois linfonodos do pólo vascular. O estadiamento TNM para o tumor de reto foi pT4 N2 M0 G2 (estádio IIIC). O paciente encontra-se, atualmente, em vigência de quimioterapia adjuvante utilizando o protocolo Xelox.


DISCUSSÃO

Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), a estimativa de incidência de câncer colorretal no Brasil para 2008 é de 27.000 novos casos23. Considerando-se que 20% desses casos de CCR (5.400) correspondam à sua forma hereditária e que 30% destes sejam de HNPCC, teremos 1.620 portadores diagnosticados este ano. Diante desses dados, fica claro que a presente síndrome é subdiagnosticada no nosso país, pois não é incomum encontrar pacientes apresentando critérios evidentes para o diagnóstico de HNPCC e que tiveram apenas o tratamento para o câncer colorretal, não se investigando a possibilidade da doença nos familiares. As causas desse cenário estão, em grande parte, relacionadas à falta de conhecimento do profissional a respeito dessa entidade, uma vez que o simples questionamento da história familiar é capaz de predizer o diagnóstico de HNPCC com acurácia satisfatória13. A importância do diagnóstico está não só em oferecer o tratamento mais adequado para esses pacientes, mas também na possibilidade de se prevenir ou diagnosticar de forma precoce a presença do câncer nos familiares, propiciando-lhes os melhores resultados oncológicos.

Aqui cabe salientar que os critérios de Amsterdam I e II foram criados para identificar famílias informativas para estudos de ligação. Os de Bethesda, para identificar famílias onde fosse mais provável a identificação de instabilidade de microssatélites. Nenhum desses critérios é perfeito. Foram criados para fins de pesquisa e não para se excluir famílias de aconselhamento genético e de análise de mutações. Por outro lado, há escolas de pensamento que definem HNPCC simplesmente em termos de presença de mutações nos genes de reparo, posição essa um tanto arriscada ao se considerar que a testagem genética ainda não se constitui em recurso diagnóstico amplamente difundido.12

Em decorrência da ausência de sinais clínicos capazes de predizer a suscetibilidade de um dado indivíduo, membro de uma família onde foi diagnosticada HNPCC, em desenvolver câncer, a investigação da história familiar desempenha um papel importante na identificação desses pacientes, bem como das famílias suspeitas. O paciente em questão apresentava critérios clínicos evidentes para o diagnóstico de HNPCC: parente de primeiro grau acometido de câncer colorretal; duas gerações sucessivamente acometidas; pelo menos um dos parentes com diagnóstico de câncer com idade inferior a 50 anos. Ou seja, preenchia os critérios de Amsterdam. Além disso, apresentava alguns dos critérios de Bethesda: Dois tumores relacionados à HNPCC, incluindo câncer colorretal metacrônico; câncer de cólon direito em idade inferior a 45 anos; presença de câncer colorretal associado a parente de primeiro grau com câncer colorretal diagnosticado em idade inferior a 50 anos. A presença de todos esses critérios levava a uma forte suspeita de se tratar de um caso de HNPCC, porém o padrão-ouro para o diagnóstico continua sendo o seqüenciamento genético. Infelizmente, não é acessível a todos os centros, pois é um método de alto custo, o que inviabiliza sua utilização em larga escala. Mesmo que fosse realizado no presente caso, provavelmente não alteraria a conduta empregada, visto que a proposição de cirurgia profilática é problemática (pouca aceitação do paciente jovem em ser submetido à colectomia total profilática, principalmente pelas conseqüências dessa cirurgia na qualidade de vida). Mesmo quando é feita a opção pela cirurgia profilática, existe ainda a discussão quanto à melhor abordagem a se propor, seja colectomia total ou proctocolectomia total, visto que a preservação do reto está relacionada a uma melhor qualidade de vida e menor morbidade operatória.24 No entanto, é possível o desenvolvimento de tumor metacrônico no reto remanescente, como no presente caso. Dessa forma, o papel da cirurgia profilática é discutível, visto que cerca de cerca de 60% dos pacientes não apresentariam tumor metacrônico. Quanto aos familiares que apresentassem mutações em genes de reparo (evidenciadas pelo seqüenciamento ou pela pesquisa de MSI), porém sem neoplasia, estaríamos operando de forma preventiva cerca de 20% dos casos desnecessariamente, visto que a penetrância da mutação está em torno de 80% (nem todos que apresentam a mutação desenvolveriam o câncer colorretal), diferentemente dos casos de polipose adenomatosa familiar (PAF) onde a penetrância é de praticamente 100%, além da expressão fenotípica da polipose que confirma a síndrome clinicamente. Apesar de se saber que o paciente em questão tinha uma chance alta de ser portador de HNPCC, a primeira cirurgia proposta foi de colectomia direita associada a acompanhamento colonoscópico rigoroso, pois tem sido descrito que a chance de desenvolvimento de câncer colorretal metacrônico é de mais de 40% em 10 anos16. Apesar do conhecimento de que o desenvolvimento do câncer na HNPCC se dá de forma bem mais rápida que nos outros tipos, nesse caso em especial, houve uma evolução extremamente rápida do desenvolvimento do câncer de reto metacrônico (um ano), que já se apresentava em estádio avançado (T4). Essa mesma lesão levaria vários anos para atingir esse ponto caso se tratasse de CCR esporádico. Dessa forma, o seguimento rigoroso e a suspeição clínica foram decisivos para que o diagnóstico da lesão retal não tivesse sido mais retardado.

A presença da doença metacrônica de evolução rápida foi decisiva para que optássemos pela proctocolectomia total na segunda intervenção, tendo como base o racional de que toda mucosa colônica seria suscetível ao desenvolvimento de câncer nessa síndrome e que a chance de aparecimento de outros tumores seria extremamente alta.

Quanto à investigação dos familiares de primeiro grau, foram infrutíferas as tentativas de convencê-los da importância da realização de exames para detectar quais dos parentes seriam portadores da síndrome. Apesar de ter sido esclarecido aos familiares os riscos a que eles estavam sujeitos, eles não concordaram com a investigação, o que certamente se deve ao fato de os exames existentes serem bastante incômodos, dificultando sobremaneira sua aceitação por parte dos pacientes, principalmente se forem assintomáticos. A pesquisa de MSI, realizada em sangue periférico, não apresenta tal inconveniente e é capaz de detectar os portadores de instabilidade antes mesmo que desenvolvam quaisquer neoplasias17-18. No entanto, seu maior inconveniente é o custo elevado.

Quaisquer testes preditivos têm um grande potencial de gerar estresse psicológico em níveis capazes de atrapalhar a aderência dos pacientes a programas de tratamento e seguimento visando à sua própria saúde25. Apesar de a percepção de se estar "em risco" poder levar a um maior comportamento preventivo e de vigilância, níveis extremos de ansiedade e estresse podem levar a comportamentos de evitação que terão efeito oposto ao desejado. Além disso, uma grande parcela de indivíduos com história familiar de câncer recusa-se a ser investigada em virtude de haver sido mal informada quanto a seus riscos, freqüentemente, por profissionais de saúde com pouca experiência em testagem genética pré-sintomática26-27, o que fala a favor da importância do aconselhamento genético pré-teste e pós-teste para quaisquer situações onde análise de mutações for realizada com fins de diagnóstico ou avaliação de risco. Por outro lado, a possibilidade de testagem genética para HNPCC abre margem a uma discussão ainda maior, acerca de qual seria a conduta mais apropriada a se tomar com relação aos pacientes assintomáticos assim detectados. Como já mencionado acima, HNPCC têm penetrância incompleta (de 80%). Dito de outra forma, isso significa que um em cada cinco pacientes portadores de mutações em genes de reparo jamais virá a desenvolver câncer algum (ao contrário do que ocorre com a PAF, onde a penetrância é de 100%). Uma vez que não se pode determinar quais desses indivíduos manifestarão CCR, submeter toda essa população a cirurgias profiláticas de grande porte é uma conduta aventada, porém absolutamente contraproducente, até porque o risco de neoplasias extracolônicas ainda permanecerá mesmo assim28-31. O avanço das pesquisas nesse campo poderá revelar quais fatores levam ao surgimento de câncer nesses pacientes, incluindo-se aí alelos modificadores, fatores epigenéticos, agentes ambientais, abrindo novas possibilidades no diagnóstico e manejo de síndromes de predisposição hereditária ao câncer, como HNPCC.

Recebido em 18/06/2008

Aceito para publicação em 29/07/2008

Trabalho realizado no Hospital Geral de Bonsucesso - Rio de Janeiro.

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  • Endereço para correspondência:

    Marcus Valadão
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      18 Jun 2008
    • Aceito
      29 Jul 2008
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