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Hérnia perineal primária: relato de caso

Primary perineal hernia: case report

Resumos

As hérnias perineais primárias resultam de um defeito no assoalho pélvico que permite a passagem de conteúdo abdominal para a região pelve-perineal. É uma enfermidade rara, tendo sido descritos menos de cem casos até hoje. Apresentamos o caso de uma paciente jovem com queixa recente de tumoração glútea dolorosa que, mesmo após o exame físico e tomográfico, não teve sua etiologia esclarecida. Foi então submetida à ressecção cirúrgica da lesão via perineal, quando se confirmou tratar-se de saco herniário isquiorretal esquerdo transpondo defeito no músculo elevador do ânus. Evoluiu sem intercorrências no pósoperatório e sem indícios de recidiva.

Hérnia perineal; hérnia pélvica; hérnia isquiorretal; hérnia congênita; hérnia pudenda


Primary perineal hernias result from a defect in the pelvic floor. It is a rare disease, having been described less than one hundred cases until today. We present a case of a young patient with recent complaint of painful gluteal tumor that even after the physical examination and CT did not clarified its etiology. She was submitted to a perineal resection of the lesion that confirmed being a hernia. She is going well without recurrence.

Perineal hernia; pelvic hernia; ischiorectal hernia; congenital hernia; pudendal hernia


RELATO DE CASO

Hérnia perineal primária: relato de caso

Primary perineal hernia: case report

Hernán Augusto Centurión SobralI; Juliana Suarez WolfII; Rodrigo Britto de CarvalhoII; Juliana Magalhães LopesII; Galdino José Sitonio FormigaIII

IMédico Preceptor do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, FSBCP

IIMédico Residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis

IIIChefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, TSBCP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Hernán Augusto Centurión SOBRAL Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis Rua Cônego Xavier, 276. Vila Heliópolis 04231-030 - São Paulo - SP - Brasil Fone: (11) 2274-7600 (ramal 244) E-mail: hacsobral@uol.com.br

RESUMO

As hérnias perineais primárias resultam de um defeito no assoalho pélvico que permite a passagem de conteúdo abdominal para a região pelve-perineal. É uma enfermidade rara, tendo sido descritos menos de cem casos até hoje. Apresentamos o caso de uma paciente jovem com queixa recente de tumoração glútea dolorosa que, mesmo após o exame físico e tomográfico, não teve sua etiologia esclarecida. Foi então submetida à ressecção cirúrgica da lesão via perineal, quando se confirmou tratar-se de saco herniário isquiorretal esquerdo transpondo defeito no músculo elevador do ânus. Evoluiu sem intercorrências no pósoperatório e sem indícios de recidiva.

Descritores: Hérnia perineal; hérnia pélvica; hérnia isquiorretal; hérnia congênita; hérnia pudenda.

ABSTRACT

Primary perineal hernias result from a defect in the pelvic floor. It is a rare disease, having been described less than one hundred cases until today. We present a case of a young patient with recent complaint of painful gluteal tumor that even after the physical examination and CT did not clarified its etiology. She was submitted to a perineal resection of the lesion that confirmed being a hernia. She is going well without recurrence.

Key words: Perineal hernia; pelvic hernia; ischiorectal hernia; congenital hernia; pudendal hernia.

INTRODUÇÃO

Hérnia perineal primária, também denominada de hérnia pélvica, isquiorretal, pudenda e do fundo de saco de Douglas, foi descrita inicialmente por Garengeot em 1736 e resulta da formação espontânea de um defeito na musculatura do assoalho pélvico com consequente herniação do conteúdo peritoneal1,2.

Devido a sua raridade e às diversas formas de apresentação e tratamento, relatamos um caso desta enfermidade, com uma breve revisão da literatura.

RELATO DO CASO

Mulher de 32 anos, multípara (três partos normais), há três meses com tumoração dolorosa em nádega esquerda, associada a relato de drenagem de abscesso nesta região há dois anos. O exame proctológico revelou abaulamento em reto e canal anal, extendendo-se ao períneo e nádega esquerdos, de aproximadamente 10 cm de diâmetro, consistência cística e sem sinais flogísticos. CT pélvica evidenciou coleção homogênea, contornos regulares, limites bem definidos, comprimindo a parede póstero-lateral esquerda do reto, deslocando anteriormente bexiga e vagina e estendendo-se para fossa isquiorretal homolateral (Figura 1).


Submetida a tratamento cirúrgico via perineal, através de uma incisão longitudinal na região glútea esquerda, abertura da fossa isquiorretal e dissecção da lesão cística com aspecto semelhante a saco herniário cranialmente até o assoalho pélvico, próximo à tuberosidade isquiática (Figura 2). À abertura da peça, observou-se continuidade com a cavidade peritoneal, presença de conteúdo líquido amarelo citrino e sem alças intestinais (Figura 3). O excesso do saco foi ressecado e sua base suturada, realizada aproximação dos planos anatômicos, além de drenagem com Penrose do espaço remanescente (Figuras 4 e 5).





Estudo anátomo-patológico mostrou tratar-se de tecido fibroadiposo correspondente a parede de saco herniário peritoneal, ratificando o diagnóstico (Figuras 6 e 7).



Evoluiu sem intercorrências no pós-operatório imediato, estando em acompanhamento ambulatorial há onze meses sem sinais de recidiva.

DISCUSSÃO

As hérnias perineais são raras, sendo relatados menos de cem casos na literatura mundial consultada1-3. Acometem pacientes entre a quinta e sétima décadas de vida, sobretudo mulheres numa proporção de 5:11-4,6.

Os distúrbios associados são, principalmente, fraqueza do assoalho pélvico relacionada a trauma obstétrico (provavelmente o que acontecera com nossa paciente), tosse crônica, obesidade, ascite ou outras formas de aumento da pressão intra-abdominal, como também pelve larga tipo ginecóide, fundo de saco de Douglas profundo e defeitos congênitos da musculatura pélvica1-7.

Podem ser classificadas em primárias ou secundárias, estando estas últimas relacionadas a ressecções cirúrgicas pelve-perineais prévias como amputação abdomino-perineal do reto e exenterações pélvicas. Já as formas primárias podem ser subdivididas em medianas, quando relacionadas à profundidade anormal do fundo de saco, provocando abaulamento na parede posterior da vagina ou anterior do reto (enteroceles); e laterais, tanto anteriores, devido a defeito no diafragma urogenital, como posteriores, em virtude de falha nos músculos elevadores do ânus, a depender da relação topográfica do saco herniário com o músculo transverso profundo do períneo1-5,7. Em se tratando do caso em questão, foi classificado como hérnia primária lateral e posterior, por ser espontânea e encontrar-se posteriormente ao músculo transverso profundo do períneo.

O quadro clínico caracteriza-se por tumoração amolecida, dolorosa e eventualmente redutível em grandes lábios, períneo ou glúteos, podendo associar-se a distúrbios miccionais e evacuatórios, sendo pouco freqüentes os quadros obstrutivos agudos por estrangulamento do conteúdo herniário1-6. Entretanto, muitas outras condições mais comuns mimetizam massas perineais e glúteas, como hamartomas, lipomas, cistos, sobretudo os de Bartholin, retoceles e cistoceles, prolapso retal e, principalmente, abscessos anorretais1,2,6.

Em virtude do exame físico geralmente não acrescentar dados significantes ao diagnóstico clínico, deve-se lançar mão de exames de imagem, inicialmente através de radiografias simples ou contrastadas (enema opaco) da pelve e períneo, com intuito de identificar presença de alças intestinais nestas regiões1-6. A confirmação é feita pela ecografia, tomografia computadorizada1-6 ou ressonância nuclear magnética5, as quais evidenciarão parede e conteúdo do saco herniário, como alças, bexiga, omento ou ascite.

Como qualquer outra forma de hérnia, o tratamento é cirúrgico1-7. Nas hérnias perineais podem-se efetuar tanto abordagens perineais, na presença de hérnias laterais pequenas, como abdominais, na suspeita de encarceramento, ou procedimentos mistos, indicados nas hérnias mediais e laterais volumosas, sendo estes últimos os mais realizados, associados ou não à interposição de telas ou fáscias ao defeito anatômico1-6. Optamos por abordagem perineal exclusiva devido à dúvida diagnóstica e por tratar-se de saco herniário lateral de tamanho médio e sem conteúdo visceral, efetuando a correção do defeito sem necessidade do uso de próteses.

Recebido em 08/10/2008

Aceito para publicação em 20/11/2008

Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP - Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Hernán Augusto Centurión SOBRAL
    Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Recebido
      08 Out 2008
    • Aceito
      20 Nov 2008
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