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Cordoma Sacrococcígeo gigante: relato de caso

Giant Sacrococcygeal chordoma: case report

Resumos

Cordoma sacrococcígeo é uma neoplasia maligna rara que se origina de remanescentes da notocorda. A localização crítica, comportamento localmente agressivo, reconhecida resistência à radioterapia, significativa morbimortalidade cirúrgica e elevada taxa de recidiva tornam seu tratamento um desafio. Descrevemos um caso de cordoma sacrococcígeo gigante.

Cordoma; Região sacrococcígea; Radioterapia; Neoplasias; Diagnóstico


Sacrococcygeal chordoma is a rare malignant neoplasm arised from the remmants of the notochord. The critical localization, locally aggressive behavior, well-known resistance to radiation therapy, meaningful surgical morbimortality and increased recurrence rate become its treatment a challenge. We describe a case of a giant unresectable sacrococcygeal chordoma.

Chordoma; Sacrococcygeal region; Radiotherapy; Neoplasms; Diagnosis


RELATO DE CASOS

Cordoma Sacrococcígeo gigante - relato de caso

Giant Sacrococcygeal chordoma - case report

Tiago Leal GhezziI; Gustavo Pereira FilhoII; Giuliano Chemale CigerzaII; Oly Campos CorletaIII

IColoproctologista. Mestrando em Medicina: Ciências Cirúrgicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

IIResidente de Cirurgia Geral do Hospital Clínicas de Porto Alegre

IIIMédico Residente de Anatomia Patológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

IVMédica Patologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

VProfessor Substituto Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: TIAGO LEAL GHEZZI Rua Ramiro Barcelos 910 / 601 - Floresta CEP 90035-001 - Porto Alegre - RS Telefone: (51) 3311-8915 / Fax: (51) 3311-8151 E-mail: tlghezzi@terra.com.br

RESUMO

Cordoma sacrococcígeo é uma neoplasia maligna rara que se origina de remanescentes da notocorda. A localização crítica, comportamento localmente agressivo, reconhecida resistência à radioterapia, significativa morbimortalidade cirúrgica e elevada taxa de recidiva tornam seu tratamento um desafio. Descrevemos um caso de cordoma sacrococcígeo gigante.

Descritores: Cordoma; Região sacrococcígea; Radioterapia; Neoplasias; Diagnóstico.

ABSTRACT

Sacrococcygeal chordoma is a rare malignant neoplasm arised from the remmants of the notochord. The critical localization, locally aggressive behavior, well-known resistance to radiation therapy, meaningful surgical morbimortality and increased recurrence rate become its treatment a challenge. We describe a case of a giant unresectable sacrococcygeal chordoma.

Key words: Chordoma; Sacrococcygeal region; Radiotherapy; Neoplasms; Diagnosis.

INTRODUÇÃO

Cordoma é uma neoplasia epitelial maligna rara que se origina de remanescentes embriológicos da notocorda primitiva(1). Aproximadamente 50% se originam na região sacrococcígea(1-8). Apesar do crescimento lento e baixo potencial de disseminação, caracterizam-se pela localização crítica, comportamento localmente agressivo e elevada taxa de recidiva cirúrgica(5,6). Há, portanto, consenso quanto à dificuldade no tratamento(6). Relatamos um caso de cordoma sacrococcígeo gigante com invasão coxo-femoral.

RELATO DO CASO

C.M.S., 65 anos, masculino, solteiro, natural e procedente de São Gabriel (RS), consultou-se no ambulatório de cirurgia oncológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) dia 22/09/2008. Relatava história de tumoração lombossacra dolorosa com crescimento progressivo nos últimos 2 anos. Atribuía seu surgimento a um traumatismo prévio no local. Queixava-se de irradiação da dor para o joelho esquerdo e claudicação com necessidade de uso de órtese. Relatava exacerbação da dor em posição supina ou sentada, e alívio em ortostatismo. Negava comorbidades, uso de medicamentos ou histórico cirúrgico prévio. Desconhecia histórico médico familiar para neoplasias malignas. Negava vícios.

Ao exame físico apresentava-se em regular estado geral, corado e emagrecido. Na região lombossacra identificava-se tumoração endurecida, de limites imprecisos, com cerca de 15 cm de diâmetro, estendendo-se ao glúteo esquerdo (Figura 1). O membro inferior esquerdo apresentava atrofia muscular significativa e paresia com força grau 4+/5. Exames abdominal e inguinal eram normais. O exame proctológico demonstrava abaulamento da parede retal posterior, com preservação da mucosa, e indefinição do ângulo anorretal.


Imagens de tomografia computadorizada sem contraste endovenoso demonstraram lesão heterogênea de contornos irregulares, medindo 20 X 17 cm, com deslocamento anterior do reto e bexiga, comprometimento bilateral da musculatura glútea e extensa destruição das últimas peças sacrais, ramo ísquio-púbico, acetábulo e ilíaco esquerdo. A ressonância nuclear magnética (figura 2) antes e após uso de gadolínio endovenoso demonstrou extensa lesão infiltrativa com invasão e destruição do sacro, cóccix e parte do ilíaco esquerdo, em especial da articulação coxo-femoral. Nas partes moles observaram-se lesões nodulares confluentes, medindo 20 X 19 X 18 cm, e comprometimento extenso dos glúteos bilateralmente, bem como dos músculos adutores, obturador, quadrado femoral e piriforme esquerdos. A lesão determinava acometimento do nervo ciático esquerdo, contato com as paredes pélvica e retal, e invasão do forame sacral de S2 e canal sacral distal a S2.


Diante da suspeita clínica - imaginológica de cordoma sacral foi optado pela realização de biópsia incisional por via percutânea sacral. Exame anatomopatológico pela coloração de hematoxilinaeosina (Figura 3) demonstrou-se tratar de neoplasia epitelióide lobulada com áreas extensas de necrose, compatível com cordoma. Confirmação através de estudo imunoistoquímico (Figura 4) pela técnica da imunoperoxidase (sistema ABC) apresentou positividade para AE1+AE3, EMA, vimentina, S100, HMBE1 e Ki67 (cerca de 5%) e negatividade para GFAP. O perfil imunoistoquímico confirmou o diagnóstico de cordoma.



Devido à irressecabilidade da lesão, o paciente foi encaminhado para radioterapia paliativa (48 Gy) com intuito de alívio da dor e controle do crescimento da lesão.

DISCUSSÃO

Neoplasias malignas primárias do sacro apresentam incidência de 0,5 para cada 1 milhão de indivíduos(9). Cordomas são o tipo mais frequente destes tumores (54%) e representam de 1 a 4% de todas as neoplasias ósseas primárias (3,10-12). Cerca de 25 a 35% dos cordomas originam-se na base do crânio, 50 a 60% na região sacrococcígea e 15% nos corpos vertebrais (1-8). Observa-se predominância no sexo masculino (2 homens: 1 mulher) e pico de incidência entre a quinta e sexta décadas de vida(1,5,7,8,13). Trata-se de neoplasia de baixo-grau que se caracteriza pelo crescimento lento, invasão dos forames sacrais, destruição óssea, comprometimentos dos tecidos moles adjacentes e deslocamento anterior do reto. Disseminação metastática ocorre em 10 a 40% dos casos, geralmente para pulmões, fígado e ossos(2,5,8,14). A maioria dos cordomas apresenta-se como tumoração associada à dor lombossacra e perineal persistentes. Cerca de 30% dos pacientes associam o seu surgimento com algum evento traumático prévio. Alguns pacientes referem também sintomas neurológicos como radiculopatia e disfunção vesical ou intestinal(10,15). Radiografia simples caracteriza-se usualmente pela visualização imprecisa do sacro(3). Tomografia computadorizada e, principalmente, ressonância nuclear magnética demonstram tumoração sacral com destruição óssea, comprometimento dos tecidos moles adjacentes, deslocamento anterior do reto e ocasionais calcificações intratumorais(11,15,16). Macroscopicamente, o cordoma se apresenta como uma massa bem delimitada, de tamanho variável (3 a 20 cm), consistência macia e aspecto mucóide e hemorrágico. Microscopicamente, caracteriza-se pela mescla de células epitelióides e filasíferas (células com citoplasma vacuolado)(7,15). Cordomas tipicamente apresentam positividade imunoistoquímica para citoqueratinas, EMA, vimentina e, em grau variável, para proteína S100(15). Tendo em vista que são pouco sensíveis à radio e quimioterapia, o tratamento de escolha consiste na ressecção radical complementada ou não com radioterapia adjuvante(7). Cordomas com limite cranial acima e abaixo de S3 são abordados respectivamente por acesso posterior (sacral) ou antero-posterior (abdomino-sacral)(17). A cirurgia compreende a ressecção em bloco do sacro (parcial ou total) com outras estruturas envolvidas. A violação da cápsula tumoral acompanha-se de taxa de recidiva local de 64% e sobrevida de 8 meses. Mesmo em pacientes submetidos à ressecção em bloco a recorrência local não é incomum(3,17). Não obstante à dificuldade técnica, tempo cirúrgico prolongado (média de 9 horas), elevada taxa de recorrência local (17 a 81%), considerável sangramento trans-operatório (média de 5 litros), significativa mortalidade perioperatória (média de 10%), a cirurgia, dependendo do nível de secção do sacro, pode se acompanhar de sequelas neurológicas e ortopédicas definitivas como retenção urinária, incontinência fecal, impotência sexual, anestesia em sela, claudicação e instabilidade lombar(3,10,13,15,16,18). Ressecção incompleta, ruptura da cápsula tumoral, extensão acima de S3 e comprometimento glúteo e/ou piriforme são preditores de recorrência local(7,17).

Recebido em 28/01/2009

Aceito para publicação em 02/03/2009

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Recebido
      28 Jan 2009
    • Aceito
      02 Mar 2009
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