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Paniculite mesentérica (PM) e fibromatose mesentérica (FM): relato de casos

Mesenteric panniculitis (MP) and mesenteric fibromatosis (MF): report of cases

Resumos

A paniculite mesentérica (PM) e a fibromatose mesentérica (FM) são doenças fibróticas de etiologia incerta. São mais frequentes no mesentério do intestino delgado, no grande omento e nos mesocólons. Clinicamente a FM pode apresentar-se de forma aguda na qual uma complicação da doença é sua primeira expressão. Na forma crônica é caracterizada por sintomas abdominais vagos e/ou massa abdominal palpável. A comprovação diagnóstica, assim como na PM, é feita através de laparotomia exploradora ou videolaparoscopia diagnóstica e biopsia. Os autores relatam dois casos sendo um de PM e outro de FM, apresentam um paralelo dos aspectos clínicos, tomográficos, diagnóstico, histopatológico e terapêutico destacando as semelhanças e as diferenças entre essas duas patologias.

Paniculite mesentérica; Fibrose mesentérica; Cirurgia


Mesenteric panniculitis (MP) and mesenteric fibromatosis (MF) are fibrotic diseases of uncertain aetiology. Both occur most frequently in the mesentery of the small intestine, the greater omentum and the mesocolons. In its acute form, the first clinical symptoms of MF are complications of the disease. Chronic MF is characterized by vague abdominal symptoms and/or a palpable abdominal mass. Like mesenteric panniculitis, mesenteric fibromatosis can be diagnostically verified by exploratory laparotomy, or diagnostic video-laparoscopy and biopsy. Here, we present two cases, one of MP and the other of MF, with resembling clinical and tomographic aspects, as well as similarities in diagnosis, histopathology and therapy. With our case report, we want to emphasise both similarities and differences between these two pathologies.

Mesenteric panniculitis; mesenteric fibromatosis; surgery


RELATO DE CASOS

Paniculite mesentérica (PM) e fibromatose mesentérica (FM) - relato de casos

Mesenteric panniculitis (MP) and mesenteric fibromatosis (MF) - report of cases

Antônio Balestrim FilhoI; Roberta Lages das MercêsII; Paulo Henrique PisiI; Thiago Antonio BragaIII; Ana Luiza Normanha R. AlmeidaIV; Rogério Serafim ParraIV; Omar FeresV; José Joaquim Ribeiro da RochaV

IMédico Contratado da Fundação de Apoio, Ensino e Pesquisa – FAEPA, junto ao Hospital Estadual de Ribeirão Preto

IIEx-Residente da Divisão de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP

IIIMédico Residente da Divisão de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP

IVMédico Assistente da Divisão de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP

VProfessor Doutor da Divisão de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: OMAR FERES Divisão de Coloproctologia do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP Hospital das Clínicas da FMRP-USP – Campus Universitário Ribeirão Preto, SP CEP: 14048-900 E-mail: sbcp@sbcp.org.br

RESUMO

A paniculite mesentérica (PM) e a fibromatose mesentérica (FM) são doenças fibróticas de etiologia incerta. São mais frequentes no mesentério do intestino delgado, no grande omento e nos mesocólons. Clinicamente a FM pode apresentar-se de forma aguda na qual uma complicação da doença é sua primeira expressão. Na forma crônica é caracterizada por sintomas abdominais vagos e/ou massa abdominal palpável. A comprovação diagnóstica, assim como na PM, é feita através de laparotomia exploradora ou videolaparoscopia diagnóstica e biopsia. Os autores relatam dois casos sendo um de PM e outro de FM, apresentam um paralelo dos aspectos clínicos, tomográficos, diagnóstico, histopatológico e terapêutico destacando as semelhanças e as diferenças entre essas duas patologias.

Descritores: Paniculite mesentérica; Fibrose mesentérica; Cirurgia.

ABSTRACT

Mesenteric panniculitis (MP) and mesenteric fibromatosis (MF) are fibrotic diseases of uncertain aetiology. Both occur most frequently in the mesentery of the small intestine, the greater omentum and the mesocolons. In its acute form, the first clinical symptoms of MF are complications of the disease. Chronic MF is characterized by vague abdominal symptoms and/or a palpable abdominal mass. Like mesenteric panniculitis, mesenteric fibromatosis can be diagnostically verified by exploratory laparotomy, or diagnostic video-laparoscopy and biopsy. Here, we present two cases, one of MP and the other of MF, with resembling clinical and tomographic aspects, as well as similarities in diagnosis, histopathology and therapy. With our case report, we want to emphasise both similarities and differences between these two pathologies.

Key words: Mesenteric panniculitis; mesenteric fibromatosis; surgery.

INTRODUÇÃO

A paniculite mesentérica (PM) é uma doença fibrótica caracterizada por processo inflamatório crônico do tecido adiposo do mesentério1-7. Clinicamente os achados estão relacionados à inflamação e ao efeito de massa. A fibromatose mesentérica (FM) também é uma doença fibrótica de etiologia desconhecida13 e caracteriza-se por achado histopatológico de proliferação fibroblástica com deposição de colágeno no tecido mesentérico8-14, porém sem evidências de processo inflamatório9-11 ou atipias celulares que sugiram neoplasia8-14. A FM tem caráter localmente infiltrativo invadindo as alças adjacentes8-11, 13,14.

OBJETIVO

Relatar de 2 casos, sendo um de PM e outro de FM e apresentar um paralelo dos aspectos clínicos, tomográficos, diagnóstico, histopatológico e terapêutico, destacando as semelhanças e as diferenças entre essas duas patologias.

RELATO DE CASOS

1º caso - HRD, 37 anos, masculino, comerciante com queixa há 3 anos dor abdominal tipo ardor em hipocôndrio esquerdo e irradiação para mesogástrio de caráter intermitente associado à sensação de distensão abdominal. Não relaciona com alimentação ou hábito intestinal que é normal. Nega emagrecimento. Fez uso de várias medicações para síndrome do cólon irritável sem resposta. Antecedentes: colecistectomia e apendicectomia videolaparoscópica há 2,5 anos em razão da dor, porém sem melhora. Durante esse período fez tratamento psiquiátrico com uso de várias medicações também sem melhora. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, nutrido, corado, anictérico, sem alterações cardiorrespiratórias, abdome simétrico, flácido, com dor a palpação profunda hipocôndrio esquerdo e mesogástrio, sem massas palpáveis. Exames subsidiários: enema opaco com divertículos no cólon direito, trânsito intestinal e tomografia de abdome, normais. Indicado laparotomia exploradora devido a dor abdominal a esclarecer.1ª operação em jan./06: achado múltiplos nódulos firmes variando de 3-6 cm de diâmetro na gordura do mesentério junto ao jejuno e ângulo de Treitz. Foram excisados alguns para análise histopatológica que revelou PM (Figura 1).


O paciente evoluiu com obstrução intestinal, sendo necessárias três novas abordagens abdominais. Internação longa necessitando de nutrição parenteral e antibióticos. Foram utilizados corticoterapia prolongada e colchicina com melhora gradativa. Após 115 dias de internação obteve alta e no seguimento ambulatorial apresenta ganho de peso, menos dor, hábito intestinal regular e em retirada de corticoides. 2º caso - CFG, 43 anos, masculino, agricultor, com queixa de dor abdominal difusa inespecífica mais intensa em fossa ilíaca direita há vários meses. Hábito intestinal sem alterações. Há 10 dias com piora dos sintomas e dor persistente. Indicado laparotomia exploradora com hipótese diagnóstica de abdome agudo inflamatório (apendicite?). Achado cirúrgico de espessamento do mesentério do íleo terminal. Realizado biópsia cujo anatomo-patológico sugeria FM (Figura 2).


Evoluiu com obstrução intestinal e foi reoperado no 10º dia após a 1ª. cirurgia. Achado: bloco de alças firmemente aderidas com fibrose do meso envolvendo íleo terminal apêndice e ceco, espessamento do meso desde a alça até retroperitônio. Feito ressecção do íleo (60 cm) e ceco em bloco com a fibrose do mesentério, ileostomia terminal e sepultamento do cólon ascendente. Anatomo-patológico: FM. Boa evolução pós-operatória, reconstituído trânsito intestinal. Em seguimento ambulatorial sem queixas, sem medicações.

DISCUSSÃO

PM e FM são duas doenças fibróticas distintas de etiologia desconhecida e características histológicas próprias, porém com expressões clínicas muito parecidas. Do ponto de vista histopatológico, há 3 estágios na progressão da doença1,3,4,6,7: o 1º estágio é marcado por degeneração gordurosa (lipodistrofia mesentérica), o 2º por reação inflamatória (paniculite mesentérica) e o 3º é caracterizado por fibrose (mesenterite retrátil)1,2,4,6,7. A etiologia é incerta1-7 mas sugere-se que componente auto-imune, coexistência com neoplasias malignas (como linfomas) e presença de trauma e cirurgia abdominais prévias estão associados1-3,6,7. Os homens são duas vezes mais afetados que as mulheres2,4 e a faixa etária de pico da doença é entre 40 e 60 anos2,4. O diagnóstico é confirmado através da histologia das lesões1-7 mas pode ser presumido por exames de imagem como tomografia1-4,6,7 e ressonância2. Na tomografia computadorizada existem detalhes que sugerem o diagnóstico de PM1-4,6,7. No entanto, o diagnóstico é estabelecido por laparotomia exploradora (LE) ou videolaparoscopia diagnóstica e biópsia1-7. A fibrose mesentérica pode estar associada à síndrome de Gardner (polipose familiar, osteomas e cistos desmóides)8-14 e também a cirurgias ou traumas abdominais prévios9-11,13. A localização das lesões é mais frequente no mesentério, seguindo-se o grande omento e o mesocólon9-11. Clinicamente a FM pode apresentar-se de forma aguda na qual a obstrução é sua primeira expressão11,12. A forma crônica é caracterizada por sintomas abdominais vagos e/ou massa abdominal palpável8,11-13. Na investigação diagnóstica a tomografia é inespecífica9-11,13,14. A comprovação diagnóstica, assim como na PM, é feita através de laparotomia exploradora ou videolaparoscopia diagnóstica e biópsia9-11,14.

A terapêutica da PM utiliza corticosteroides, imunossupressores e colchicina nos casos sintomáticos sem complicações 1-4,6,7. O tratamento cirúrgico está indicado nas complicações como obstrução e/ou isquemia intestinal1-4,6,7. Na FM a ressecção cirúrgica completa das lesões é consenso, quando possível 8,10,11,13,14. Entretanto, nos casos irresecáveis, a derivação intestinal pode ser a única alternativa 8,10,11,13,14. Tamoxifeno e anti-inflamatórios não esteroidais têm sido empregados como adjuvantes 12,14 com resultados insatisfatórios 10,11,13.

Recebido em 01/02/2009

Aceito para publicação em 13/04/2009

Trabalho realizado na Divisão de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto– Universidade de São Paulo.

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  • Endereço para correspondência:
    OMAR FERES
    Divisão de Coloproctologia do Depto. de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP
    Hospital das Clínicas da FMRP-USP – Campus Universitário
    Ribeirão Preto, SP
    CEP: 14048-900
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      13 Abr 2009
    • Recebido
      01 Fev 2009
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