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Hidradenite supurativa crônica perianal e glútea: tratamento cirúrgico com ressecção ampla e rotação de retalho dermogorduroso

Perianal and gluteal hidradenitis suppurative chronic: surgical treatment with a great resection and rotation of skin flaps

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a utilização de retalho dermogorduroso de vizinhança, numa única etapa, na reparação da área resultante da ressecção de lesões de hidradenite supurativa. PACIENTE E MÉTODOS: Estudo epidemiológico transversal e retrospectivo de prontuários de pacientes com hidradenite supurativa crônica extensa em regiões perianal e glútea submetidos à ressecção ampla e rotação de retalho cutâneo de vizinhança, no período de janeiro de 2000 a novembro de 2008. RESULTADOS: O retalho dermogorduroso permitiu, em única etapa, a cobertura total da área ressecada em oito pacientes. Não houve necrose ou infecção em nenhum dos casos. No seguimento, seis pacientes compareceram a todas as consultas ambulatoriais agendadas. Todos se mostraram satisfeitos com o resultado. CONCLUSÃO: O tratamento da hidroadenite supurtiva perianal e/ou glútea deve ser individualizado segundo a extensão, gravidade e grau de interferência na qualidade de vida. A ressecção cirúrgica com procedimentos plásticos como a rotação de retalho de vizinhança em única etapa é segura e traz resultados satisfatórios e deve ser sempre considerada nos casos crônicos, extensos e refratários ao tratamento clínico e com grandes áreas ressecadas.

Hidradenite supurativa; retalhos cirúrgicos; nádegas; recidiva


OBJECTIVE: To evaluate the use of skin flaps neighborhood in a single step in the repair of the area from the resection of lesions of Suppurative Hidradenitis. METHODS: Retrospective cross-sectional epidemiological study of patients with chronic extensive Suppurative Hidradenitis in perianal and gluteal regions underwent extensive resection and skin flap rotation of the neighborhood, from January 2000 to November 2008. RESULTS: The skin flaps allowed in single step, the total coverage of the area resected in eight patients. There was no necrosis or infection in any cases. Following, six patients attended all scheduled outpatient consultations. All were satisfied with the result. CONCLUSIONS: The treatment of suppurative perianal hidradenitis and / or gluteal should be individualized according to the extent, severity and degree of interference in the quality of life. Surgical resection with plastic procedures such as rotation of retail in the neighborhood in one step is safe and has satisfactory results and should be considered for chronic cases, extensive and refractory to medical treatment and with large areas resected.

Suppurative Hidradenitis; surgical flaps; buttocks; recurrence


ARTIGOS ORIGINAIS

Hidradenite supurativa crônica perianal e glútea: tratamento cirúrgico com ressecção ampla e rotação de retalho dermogorduroso

Perianal and gluteal hidradenitis suppurative chronic: surgical treatment with a great resection and rotation of skin flaps

Pedro Roberto de PaulaI; Sueli Terezinha FreireII; Lívia Alkmin UemuraIII; Ana Glenda Santarosa ZanlochiIII

IProfessor Assistente Doutor do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté, Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário de Taubaté, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia

IIAuxiliar Docente do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté e M édica Assistente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário de Taubaté

IIIMédica e ex-interna de cirurgia do Serviço de Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário de Taubaté – Taubaté – SP – Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Roberto de Paula Rua Santo Antonio45 – Centro- Taubaté 12080-440 - São Paulo Fone: (12) 3622-3121 E-mail: boccaradepaula@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a utilização de retalho dermogorduroso de vizinhança, numa única etapa, na reparação da área resultante da ressecção de lesões de hidradenite supurativa.

PACIENTE E MÉTODOS: Estudo epidemiológico transversal e retrospectivo de prontuários de pacientes com hidradenite supurativa crônica extensa em regiões perianal e glútea submetidos à ressecção ampla e rotação de retalho cutâneo de vizinhança, no período de janeiro de 2000 a novembro de 2008.

RESULTADOS: O retalho dermogorduroso permitiu, em única etapa, a cobertura total da área ressecada em oito pacientes. Não houve necrose ou infecção em nenhum dos casos. No seguimento, seis pacientes compareceram a todas as consultas ambulatoriais agendadas. Todos se mostraram satisfeitos com o resultado.

CONCLUSÃO: O tratamento da hidroadenite supurtiva perianal e/ou glútea deve ser individualizado segundo a extensão, gravidade e grau de interferência na qualidade de vida. A ressecção cirúrgica com procedimentos plásticos como a rotação de retalho de vizinhança em única etapa é segura e traz resultados satisfatórios e deve ser sempre considerada nos casos crônicos, extensos e refratários ao tratamento clínico e com grandes áreas ressecadas.

Descritores: Hidradenite supurativa, retalhos cirúrgicos, nádegas, recidiva.

ABSTRCT

OBJECTIVE: To evaluate the use of skin flaps neighborhood in a single step in the repair of the area from the resection of lesions of Suppurative Hidradenitis.

METHODS: Retrospective cross-sectional epidemiological study of patients with chronic extensive Suppurative Hidradenitis in perianal and gluteal regions underwent extensive resection and skin flap rotation of the neighborhood, from January 2000 to November 2008.

RESULTS: The skin flaps allowed in single step, the total coverage of the area resected in eight patients. There was no necrosis or infection in any cases. Following, six patients attended all scheduled outpatient consultations. All were satisfied with the result.

CONCLUSIONS: The treatment of suppurative perianal hidradenitis and / or gluteal should be individualized according to the extent, severity and degree of interference in the quality of life. Surgical resection with plastic procedures such as rotation of retail in the neighborhood in one step is safe and has satisfactory results and should be considered for chronic cases, extensive and refractory to medical treatment and with large areas resected.

Key words: Suppurative Hidradenitis, surgical flaps, buttocks, recurrence.

INTRODUÇÃO

A hidradenite supurativa é uma doença crônica, decorrente da infecção de glândulas sudoríparas apócrinas(1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8). Sua etiopatogenia ainda não é bem conhecida, sendo por vezes associada a distúrbios endócrinos, anormalidades imunológicas, hereditariedade e higiene precária(1, 3, 7, 9,10,11,12). Há fatores desencadeantes exógenos físicos, como vestes muito justa e depilações; e químicos, como desodorantes, antitranspirantes e líquidos depilatórios (1,10).

O processo geralmente é desencadeado pela obstrução do canal glandular por um tampão de queratina, criando no interior um ambiente propício à proliferação bacteriana (1, 8, 10). A presença de edema nas glândulas apócrinas já deve ser considerada como provável hidradenite supurativa. As lesões caracterizam-se geralmente pela presença de nódulos dolorosos, margeados por reação inflamatória local, inicialmente duros, que amolecem no decorrer do processo (1, 8). Como a doença é recorrente, a cronificação forma cordões e placas fibrosas, trajetos fistulosos e seios que drenam material purulento e fétido, ocasionalmente com sangue (1, 7, 8, 10).

No local afetado pode-se observar concomitância de ardor ou sensação de calor, prurido e hiperidrose. A evolução do processo inflamatório leva à dor, eritema e descoloração cianótica (4).

O tratamento conservador é ineficaz nas formas mais exuberantes com lesões crônicas extensas, sendo necessária a realização de tratamento cirúrgico, que possibilita a cura da doença (3, 4). É indicada a ressecção radical, e a cicatrização se processa por fechamento primário, segunda intenção, por enxerto ou rotação de retalho (2, 6). A utilização de retalhos é um procedimento básico da cirurgia reconstrutora e tem como função reparar a perda de substância cutânea em decorrência da ressecção da doença, além de permitir um adequado aspecto funcional e estético (13).

O objetivo deste trabalho é avaliar a utilização de retalho dermogorduroso de vizinhança, numa única etapa na reparação da área resultante da ressecção extensa de hidradenite supurativa.

PACIENTES E METODOS

Foi realizado um estudo epidemiológico transversal e retrospectivo a partir do levantamento de prontuários de pacientes portadores de hidradenite supurativa, com acometimento da região perianal e glútea, submetidos a tratamento cirúrgico com ressecção ampla e rotação de retalho cutâneo da vizinhança no Serviço de Coloproctologia e de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário de Taubaté, no período de janeiro de 2000 a novembro de 2008.

Um protocolo foi elaborado com informações gerais, como idade, sexo e etnia, e direcionado à hidradenite supurativa, como o quadro clinico específico e comorbidades associadas (diabetes mellitus, acne, obesidade, hiperidrose, doença imunológica, dermatite seborréica, medicação imunossupressora, tabagismo e consumo de bebida alcoólica). Os dados foram coletados após aprovação pelo Comitê de ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté.

Todos os pacientes incluídos foram submetidos a tratamento cirúrgico sob a forma de ressecção em bloco da área comprometida com rotação de retalho de proximidade. O cólon foi preparado na véspera com solução de Manitol a 10%; foi realizado antibioticoterapia profilática com duas doses de ceftriaxone 1g endovenoso a cada 12 horas e anti-sepsia local com polivinilpirrolidona iodo tópico (PVPI). A anestesia utilizada foi a raquianestesia. Os pacientes foram colocados em decúbito ventral com posicionamento torácico confortável antes da marcação do retalho. Os retalhos foram traçados respeitando-se a proporção da largura versus comprimento, uma vez que nenhum deles continha eixo axial vascular próprio (Figura 1).


As áreas dissecadas e ressecadas contendo as lesões de hidradenite supurativa variaram de 10 x 10 cm a áreas que abrangiam todo o glúteo. Já as medidas dos retalhos variaram de 10 a 14 cm de largura por 15 a 21 cm de comprimento, sendo a vascularização promovida pelo tecido celular subcutâneo com pedículo distal único. A dissecção da área comprometida e dos retalhos, e o descolamento entre o retalho e a fáscia muscular subjacente foram efetuadas com bisturi lâmina 22; o suficiente para o avançamento dos bordos e fechamento primário sem tensão. A hemostasia foi efetuada com bisturi de pinça monopolar.

Os retalhos foram suturados na derme dos leitos receptores com fio mononylon incolor 5.0, pontos invertidos e separados; e na pele com fio mononylon preto 4.0, pontos simples intercalados com Donatti (Figura 2). Foi colocado um dreno de Penrose, que foi retirado no primeiro dia de pós-operatório. Todos os pacientes foram orientados quando deitados a se manter em decúbito ventral ou lateral durante os primeiros 30 dias após a cirurgia.


RESULTADOS

Dos oito pacientes estudados, sete eram do sexo masculino e um feminino. A idade variou de 32 a 52 anos com média de 41 anos. Cinco (62,5%) eram da raça branca e três (37,5%) eram pardos.

Dentre as comorbidades encontradas, um (12,5%) paciente era diabético, um (12,5%) relatava hiperhidrose e um (12,5%) era portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA). Nenhum referia história de depressão, obesidade, dermatite seborréica ou acne. Em nenhum prontuário foi mencionado qualquer tratamento com drogas imunossupressoras. Os oito pacientes relatavam tabagismo com média de 24,3 anos, sendo 12 a 41 anos o intervalo de consumo. Nenhum referiu etilismo crônico.

Os sintomas referidos pelos pacientes consistiam em dor local (6/8) de forte intensidade, principalmente quando inflamados; calor e vermelhidão local (6/8), supuração (8/8) com secreção purulenta, fétida e por vezes hemorrágica; ardência local (2/8); e prurido (3/8). Nenhum relatou alteração de cor da pele comprometida, como descoloração cianótica; e desconforto evacuatório. Ao exame físico 75% (6/8) exibiam fistulização e 50% (4/8) abscesso. Um paciente relatava recidiva das lesões após 22 anos de intervenção cirúrgica, que foi realizada em outro serviço.

Seis (75%) pacientes relataram, durante as crises agudas, o uso de antimicrobianos, quimioterápicos (cefalexina, trimetropim e sulfametoxazol, ciprofloxacina ou tetraciclina) e antiinflamatórios; e banhos de assento ou compressas com água morna.

Todos os pacientes foram cuidadosamente acompanhados diariamente até o terceiro dia de pós-operatório e, após a alta hospitalar, retornaram no oitavo e vigésimo primeiro dia após a cirurgia, quando os pontos da sutura foram retirados. Eram observadas a circulação e coloração do retalho, bem como o surgimento de sinais flogísticos (dor, calor, rubor e edema), deiscência ou infecção.

O retalho dermogorduroso permitiu, em todos os casos, em única etapa, a cobertura total da extensa área ressecada contendo a lesão de hidradenite supurativa. Não houve necrose total ou parcial em nenhum dos retalhos; e também não houve infecção. Quatro pacientes apresentaram num segmento cuja extensão variou entre 3,0 cm e 6,0 cm, deiscência parcial do retalho, com saída de secreção sero-hemática. Foram realizados curativos diários com pomadas a base de colagenase até a completa cicatrização. Nos demais pacientes a cicatrização ocorreu sem intercorrências (Figura 3).


No seguimento dos pacientes, seis compareceram às consultas ambulatoriais, com média de 26,8 meses de acompanhamento, e os outros dois acompanharam somente até a retirada dos pontos no 21º dia pós-operatório. Dos cinco que retornavam, um apresentou novos focos de lesão em área vizinha e foi submetido à ressecção local seis meses após o diagnóstico. Os demais não referiam queixas ou recidiva das lesões; e se mostraram satisfeitos com o resultado. Não houve associação com carcinoma espinocelular e nenhum óbito.

DISCUSSÃO

A hidradenite supurativa é uma doença altamente debilitante que causa sofrimento aos pacientes, podendo levar ao isolamento social e à depressão. É considerada uma afecção subdiagnosticada, pois muitas vezes o paciente tem vergonha de procurar auxilio médico (9). A evolução da doença e o tratamento inadequado aumentam a morbidade, não controlam a dor, e perpetuam um quadro de supuração crônica, por vezes com cicatrização atrófica e discrômica(2). Essa gera grandes problemas sociais, estéticos e sexuais(1, 4, 5) além de econômicos, pois afetam indivíduos no período de vida de maior produtividade(4).

Estima-se que a prevalência na população seja de um em cada 300 adultos (12). Atinge ambos os sexos, na segunda e terceira décadas de vida(7), embora no presente estudo a média de idade foi de 39,16 anos. Quando a doença compromete a região anogenital, os homens são os mais afetados (1, 3, 5, 10, 14, 15), como ocorreu em nosso serviço. A doença é mais comum na raça negra provavelmente pela maior concentração de glândulas apócrinas(1,3, 10), o que não foi observado nesse estudo, talvez porque só foram avaliados os pacientes com lesões perianais e glúteas submetidos a tratamento cirúrgico. Geralmente acomete indivíduos sadios, com pele oleosa e propensa à acne (8). É, freqüentemente, relacionada ao diabetes mellitus e obesidade (9); e observa-se a associação à hiperhidrose, à pele do tipo seborreica, e a história pregressa de acne (1), seja a sua forma mais simples ou a mais grave, que é o acne gonglobata (16). Tem se chamado a atenção para um possível caráter hereditário (3, 7, 10) da doença e de anormalidades imunológicas(9), entre elas uma sensível redução de linfócitos T, e uma freqüência aumentada de HLA A1 e B8(3). Em nosso estudo os oito paciente eram tabagistas, um (12,5%) relatou diabetes mellitus, um (12,5%) SIDA e outro (12,5%) hiperidrose. Nenhum era obeso, apresentava acne ou outro fator de risco associado(17).

As glândulas sudoríparas apócrinas envolvidas no processo são tubulares, de aproximadamente 50 mm de comprimento por 2 mm de diâmetro e 3 a 5 mm de profundidade, restritas às regiões: axilar, inguinal, ano-perineal, mamária e inframamária, nádegas, púbis, face anterior do tórax, couro cabeludo, retro-auricular e próxima aos cílios(5, 7,9). Iniciam sua atividade secretora após a puberdade, sob a influência de hormônios sexuais pós-puberais, de maneira que a doença constitui uma afecção da vida adulta (2), é rara antes da puberdade e após a menopausa (10). Além da puberdade, a gestação, o uso de anticoncepcionais hormonais orais e a segunda metade do ciclo menstrual tendem a tornar a doença mais ativa (18).

Nos casos de hidroadenite com discreto processo infamatório a resolução clínica pode ocorrer, como pode observar em alguns casos após drenagem purulenta ou seropurulenta. Novas lesões podem surgir de forma incontrolável na pele adjacente, que associadas a um tratamento inadqueado(9), podem levar a uma inflamação crônica, com formação de cavidades sinuosas, cicatrizes e comedões(1,9). Todos os nossos pacientes referiam presença de supuração com drenagem de secreção purulenta e fétida.

A palpação da área afetada revela nódulos subcutâneos firmes quando no inicio do processo inflamatório, ou menos coalescentes ao longo da evolução (1). A aspiração transcutânea por agulha pode demonstrar a presença de coleções purulentas (7). Os abscessos formados são profundos, arredondados e sem ponto central de necrose. Geralmente há ruptura e drenagem espontânea destes com saída de secreção (1). Apesar da natureza supurativa, não há comprovação que a doença seja iniciada por um processo infeccioso primário (9). Um paciente em nossa casuística associou o desencadeamento do quadro a um trauma sobre a região glútea por queda da própria altura.

Quanto à bacteriologia qualitativa, as culturas de material colhido na fase inicial da doença mostram estafilococos, estreptococos ou germes Gram-negativos, dentre eles Streptococcus milleri, Staphycococcus aureus, Streptococcus anaeróbios e Bacterióides sp(4). No período crônico, as culturas de rotina geralmente evidenciam flora mista(1).

O diagnóstico definitivo é realizado com a biópsia da lesão (1), cujo exame anatomopatológico exibe glândulas apócrinas com ductos distendidos, com linfócitos, bactérias e infiltrado celular no tecido conjuntivo periglandular(4, 5, 10). Há remanescentes do epitélio glandular englobados por células gigantes (1, 6), cicatrização com perda das unidades glandulares e formação de trajetos fistulosos(8).

O diagnóstico diferencial faz-se com tuberculose, actinomicoses, nocardiose, tularemia1 e trauma7; na região perianal com furunculose, fístula ou abscesso anorretais, doença de Crohn6, cisto pilonidal e cistos sebáceos(4, 8); e na região inguinal, com granuloma inguinal e linfogranuloma venéreo(1, 16).

A doença apresenta risco de transformação maligna, principalmente em lesões unilaterais e persistentes (7). A degeneração para carcinoma espinocelular(6) é condição rara, que não foi encontrada em nosso estudo, mas que quando presente, tem como principal localização a região perianal(1, 5, 19, 20). Acredita-se que esta relacionada com longa evolução da doença, acima de dez anos e, geralmente, à uma área negligenciada por alguns profissionais durante o exame físico(4, 5). Outras complicações descritas são anemia, hipoproteinemia(18), artropatia, amiloidose e até o óbito(6). Não houve mortalidade em nossa casuística.

O tratamento clínico inicial inclui a utilização de antibióticos de largo espectro, corticosteróide, curativos com anti-sépticos locais, compressas mornas, drogas anti-androgênicas, agentes imunossupressores e radioterapia (3, 6, 10, 21,22). É reservado para os casos recentes e com manifestações clínicas brandas; mas geralmente é ineficaz (3,21). Quando não se obtém resposta satisfatória com o tratamento medicamentoso ou quando a arquitetura normal da pele é muito afetada, impedindo a resolução completa do processo, indica-se a terapêutica cirúrgica, com desbridamentos, drenagens, fistulotomias e ressecções (3, 6, 9,23). Os desbridamentos e drenagens aliviam os sintomas, mas não erradicam a lesão, mantendo altos índices de recidiva(3). O tratamento cirúrgico não deve ser adiado na presença de infecção e drenagem de secreção purulenta, uma vez que estas fazem parte do processo crônico da hidradenite(1).

A ressecção ampla, de toda a área comprometida, é a cirurgia indicada, com adequada margem de segurança e profundidade suficiente até atingir tecidos normais; e a ferida cirúrgica pode ser tratada por fechamento primário, cicatrização por segunda intenção ou uso de enxerto ou rotação de retalho, em função da extensão da área ressecada (2, 6). Contudo, quando a doença ocorre nas regiões perianal e glútea, a ressecção é por vezes prejudicada devido à contaminação local pela passagem fecal, retenção de detritos e secreção; além da dificuldade de higiene local e da necessidade de preservar sempre que possível, a faixa cutânea perianal e a morfologia da região (8,13). Em nossa casuística a localização das lesões não foi fator de impedimento para ressecção ampla e rotação imediata de retalho de vizinhança.

A cicatrização por segunda intenção tem sido a mais preconizada nas regiões com maior concentração bacteriana (glútea e perianal) (2). Em relação aos enxertos, os mais indicados são os de pele parcial, pois apesar da retração e redução da sensibilidade, eles sobrevivem ao transplante com maior facilidade (5). Os retalhos são indicados em áreas mais extensas, pois seus ricos suprimentos vasculares oferecem melhores resultados (5).

Os retalhos são procedimentos cirúrgicos alternativos, de execução simples, rápida e não espoliativa; e além de permitirem o fechamento total do defeito original e da área doadora, geralmente não necessitam de intervenções complementares (24). Seu planejamento, demarcação e manuseio requerem compreensão de sua dinâmica circulatória e do efeito dos vários traumas, sendo sua sobrevivência a base para o sucesso técnico (13). No presente estudo, o planejamento cirúrgico foi realizado singularmente para cada paciente, tendo em vista a extensão da lesão, sua forma e localização. As áreas doadoras foram às regiões lombar distal, lateral da coxa e glútea inferior, próximas às lesões ressecadas. Os retalhos foram transferidos por meio de rotação ou avançamento e, em alguns casos, foi necessário mais de um para a cobertura total da área ressecada. Os procedimentos foram realizados em única etapa, evitando-se ressecções econômicas e seriados.

Nos casos em que ocorreu separação cutânea de pequeno segmento do retalho, os pacientes relataram que não seguiram as orientações, e movimentaram-se demasiadamente na primeira semana. Apesar do quadro supurativo crônico e da proximidade com o canal anal, onde a contaminação é inevitável, em nenhum dos casos ocorreu infecção.

O uso de antibióticos e colostomia temporária, em casos selecionados, podem favorecer a cura e evitar complicações na cicatrização da ferida (2,7). A colostomia, no entanto, é obrigatória quando houver comprometimento supurativo do aparelho esfincteriano (4), devendo sempre ser discutido com o paciente os riscos de incontinência fecal e possível recidiva antes de qualquer intervenção (7). No presente estudo não houve necessidade de estoma derivativo em nenhum dos oito casos.

Em nossa casuística percebemos que os retalhos cutâneos representaram uma opção eficaz e funcional com bons resultados estéticos, apesar da cicatrização por segunda intenção e da enxertia ser táticas muito indicadas para fechamento da área ressecada. Não ocorreu com o uso de retalhos aumento do tempo de internação e este permitiu um pós-operatório confortável e um rápido restabelecimento físico e psicológico de um paciente sofrido por uma doença crônica e recidivante.

A ressecção total e completa, embora tenha levado a uma extensa área de defeito, não aumentou o risco cirúrgico, pois foram utilizados os princípios rotineiros de rotação de retalho para corrigi-la.

O índice de recidiva após uma ressecção da área afetada com cicatrização por segunda intenção é variável na dependência da localização da doença (5). Fica em aberto para futuros estudos a ampliação da casuística para poder avaliar a recidiva de lesões após tratamento com uso de retalhos cutâneos de vizinhança.

CONCLUSÕES

O tratamento da lesão de hidradenite supurativa perianal e glútea deve ser individualizado segundo a extensão, gravidade e o grau de interferência na qualidade de vida de cada paciente. A ressecção cirúrgica com procedimentos plásticos associados, como a rotação de retalhos em uma única etapa, é segura, traz resultados satisfatórios e deve ser sempre considerada nos casos crônicos, extensos, refratários ao tratamento clínico e com possibilidade de ressecção.

Recebido em 01/06/2009

Aceito para publicação em 07/07/2009

Trabalho realizado no Hospital Universitário de Taubaté - SP - Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Pedro Roberto de Paula
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    12080-440 - São Paulo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2009
    • Aceito
      07 Jul 2009
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