Acessibilidade / Reportar erro

Papilomavírus humano e sua associação com o carcinoma colorretal

Human papillomavirus and its association with colorectal carcinoma

Resumos

Atualmente, sabe-se que 15% dos tumores malignos humanos têm associação com infecções virais. Destes, 80% correspondem aos carcinomas da cérvix uterina, associados ao papilomavírus humano (HPV), e aos hepatocarcinomas. Nos últimos anos, entretanto, artigos da literatura especializada vêm mostrando a presença do DNA do HPV em amostras de tecido de carcinomas do esôfago, estômago, pulmão, da mama e do cólon e reto, o que foi negado por outros autores. O HPV vem sendo encontrado entre 41,7 e 82,1% dos adenocarcinomas e entre 28 e 56% dos adenomas do cólon. Embora o DNA viral esteja integrado ao tumoral, a maneira de contaminação não é evidente. As vias linfáticas e hematogênicas não são reconhecidas. Fica a dúvida quanto à especificidade dos exames de detecção viral e quanto às formas de disseminação viral para os segmentos mais proximais do cólon. De qualquer forma, a literatura não é categórica em afirmar se esse vírus pode ser agente causal da doença, sendo necessários mais estudos para definir esse assunto.

Infecções por papilomavírus; Cancer colorretal


Nowadays, we know that 15% of all malignancies have association with viral infections; 80% of them are cervical carcinomas, provoked by human papillomavirus (HPV), and liver carcinomas. However, in the last years, many articles are revealing HPV types occurrence in specimens of carcinomas from esophagus, stomach, lung, breast and colon and rectum, which was denied by other authors. HPV DNA was found in 41.7 to 82.1% of colon carcinomas and in 28 to 56% of colon adenomas. Although viral DNA is integrated with tumoral DNA, the way of contamination is not evident. Hematogenic and lymphatic routes are not well defined. There is doubt concerning the specificity of the exams of viral detection and the ways of viral dissemination in proximal colonic segments. Anyway, literature is not sure to affirm if this virus could be causal agent of this kind of cancer, and more studies are necessary.

Papillomavirus infections; Colorectal carcinoma


DOENÇAS SEXULAMENTE TRANSMISSÍVEIS

Papilomavírus humano e sua associação com o carcinoma colorretal

Human papillomavirus and its association with colorectal carcinoma

Carmen Ruth Manzione; Sidney Roberto Nadal

Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Mateus Grou, 130 Cep: 05415-040 - SÃO PAULO

RESUMO

Atualmente, sabe-se que 15% dos tumores malignos humanos têm associação com infecções virais. Destes, 80% correspondem aos carcinomas da cérvix uterina, associados ao papilomavírus humano (HPV), e aos hepatocarcinomas. Nos últimos anos, entretanto, artigos da literatura especializada vêm mostrando a presença do DNA do HPV em amostras de tecido de carcinomas do esôfago, estômago, pulmão, da mama e do cólon e reto, o que foi negado por outros autores. O HPV vem sendo encontrado entre 41,7 e 82,1% dos adenocarcinomas e entre 28 e 56% dos adenomas do cólon. Embora o DNA viral esteja integrado ao tumoral, a maneira de contaminação não é evidente. As vias linfáticas e hematogênicas não são reconhecidas. Fica a dúvida quanto à especificidade dos exames de detecção viral e quanto às formas de disseminação viral para os segmentos mais proximais do cólon. De qualquer forma, a literatura não é categórica em afirmar se esse vírus pode ser agente causal da doença, sendo necessários mais estudos para definir esse assunto.

Descritores: Infecções por papilomavírus; Cancer colorretal.

ABSTRACT

Nowadays, we know that 15% of all malignancies have association with viral infections; 80% of them are cervical carcinomas, provoked by human papillomavirus (HPV), and liver carcinomas. However, in the last years, many articles are revealing HPV types occurrence in specimens of carcinomas from esophagus, stomach, lung, breast and colon and rectum, which was denied by other authors. HPV DNA was found in 41.7 to 82.1% of colon carcinomas and in 28 to 56% of colon adenomas. Although viral DNA is integrated with tumoral DNA, the way of contamination is not evident. Hematogenic and lymphatic routes are not well defined. There is doubt concerning the specificity of the exams of viral detection and the ways of viral dissemination in proximal colonic segments. Anyway, literature is not sure to affirm if this virus could be causal agent of this kind of cancer, and more studies are necessary.

Key words: Papillomavirus infections; Colorectal carcinoma.

Atualmente, sabe-se que 15% dos tumores malignos humanos têm associação com infecções virais. Destes, 80% correspondem aos carcinomas da cérvix uterina e aos hepatocarcinomas. São por demais conhecidas as associações entre o papilomavírus humano (HPV) e o carcinoma cervical; o vírus da hepatite B e o hepatocarcinoma; o vírus do linfoma de células T humano (HTLV) e a doença correspondente; e o vírus de Epstein Barr (EBV) e o linfoma não Hodgkin. Especificamente, na área de Coloproctologia, temos o carcinoma espinocelular (CEC) associado ao HPV, o sarcoma de Kaposi, associado ao herpes vírus tipo 8 (HHV-8/SK) e o linfoma não Hodgkin associado ao EBV, com maior incidência nos portadores da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)1.

Desses últimos citados, o CEC é o mais comum na região anal. É conhecida sua associação como HPV em até 93% dos doentes2-5, o que desencadeou vários estudos no sentido de elaborar métodos de detecção e tratamento da lesão precursora, a neoplasia intraepitelial anal (NIA), incluindo a citologia oncótica, os métodos de detecção do DNA viral e o uso do colposcópio5-12, com intuito de reduzir a incidência dessa doença.

Nos últimos anos, entretanto, artigos da literatura especializada vêm mostrando a presença do DNA do HPV em amostras de tecido de carcinomas do esôfago13, estômago14,15, pulmão14, mama16 e colorretal17-19. O HPV foi detectado em até 37,5% dos adenocarcinomas gástricos15, e em 27,8% dos CEC esofágicos20, havendo diferença em áreas de alta e de baixa prevalência para esse tumor maligno (65 e 6%, respectivamente)21. O HPV associado ao carcinoma da mama tem sido descrito em 24,5% dos casos, ocorrendo em 32,4% das asiáticas e em 12,9% das mulheres na Europa22, geralmente, naquelas com neoplasias intraepiteliais cervicais de alto grau16. O HPV foi detectado em 51,4% dos CEC e em 16,2% dos adenocarcinomas do pulmão, sendo que o risco de CEC pulmonar é 3,5 vezes maior em doentes contaminados pelo HPV23, embora, outros neguem essa associação24. O HPV foi encontrado entre 41,7 e 82,1% dos adenocarcinomas do cólon17,25-27, o que não foi observado por outros autores28. Outro estudo revelou os tipos 16 e 18 do HPV em 67% dos carcinomas e em 56% dos adenomas do cólon e em 28% das vezes na mucosa normal25. Outros descreveram que o DNA do HPV estava presente em 28% dos adenomas, sendo mais incidente naqueles com componente viloso. Além disso, relataram que os tipos virais não oncogênicos eram mais frequentes nos adenomas tubulares e os oncogênicos naqueles com componente viloso29.

Encontrar o DNA do HPV na lesão não significa, todavia, relação de causa e efeito. É necessária a sua integração no genoma do hospedeiro, bem como que haja expressão das oncoproteínas virais. Nesse aspecto, a correlação entre a infecção pelo HPV, a amplificação do c-myc11, a mutação k-ras11,12 e a mutação ou polimorfismo da p5330 foram investigados e, embora sejam eventos frequentes, a possível função viral na carcinogênese colorretal não foi definida17.

Sabe-se que o HPV tem tropismo pelos epitélios e necessita de lesão de continuidade para penetrá-los e se alojar na camada basal, onde se localiza e, no momento propício, inicia sua proliferação. Torna-se mais fácil aceitar que esse vírus possa atingir o trato digestório alto, por deglutição, e os pulmões, por aspiração, a partir da contaminação da orofaringe. Sua presença nos tumores retais pode ocorrer pela proximidade com o ânus e o canal anal. Mas, como o vírus atingiria a mucosa cólica mais proximal? As rotas de contaminação linfática e hematogênica não são conhecidas, exceto nas metástases dos neoplasmas malignos. Poderia o vírus deglutido alcançar o local? O hábito de algumas pessoas de lavar o reto levaria os vírus até os segmentos mais proximais? Ou o vetor seria a instrumentação diagnóstica com o retossigmoidoscópio e o colonoscópio?

A literatura médica tem revelado o encontro do HPV em sítios extragenitais que não a região anorretal e a orofaringe. O DNA viral tem sido observado, integrado às células de diversos tumores, incluindo alguns em que a maneira de contaminação não é evidente. Considerando esses fatos, questionamos: será que os métodos utilizados para a detecção do HPV são de fato sensíveis e específicos? Ou estamos detectando fragmentos de DNA humano, dos tecidos normais ou tumorais, similares aos virais? São dúvidas que devem ser respondidas.

Em resumo, a literatura especializada, embora demonstre a presença do HPV nos adenomas e carcinomas colorretais, não é categórica em afirmar que esse vírus possa ser agente causal da doença. Serão necessários mais estudos para definir esse assunto. Acreditamos que a introdução dos aparelhos endoscópicos pela via retal é via possível de contaminação. Assim, sugerimos evitar a instrumentação colorretal dos doentes com doença anal pelo HPV para evitar a propagação viral pela luz visceral, exceto em casos bem selecionados em que a necessidade do diagnóstico seja mais importante que os riscos proporcionados por esse vírus. O tratamento prévio das afecções clínicas e subclínicas possibilitará a realização dos exames, impedindo a disseminação viral intraluminal.

Referências

Recebido em 01/11/10

Aceito para publicação em 03/11/10

Trabalho realizado pela Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, São Paulo.

  • 1. Nadal SR, Manzione CR. Os agentes sexualmente transmissíveis e o câncer anorretal. Rev bras Coloproct. 2004;24(3):274-7.
  • 2. Hoots BE, Palefsky JM, Pimenta JM, Smith JS. Human papillomavirus type distribution in anal cancer and anal intraepithelial lesions. Int J Cancer. 2009;124(10):2375-83.
  • 3. Joseph DA, Miller JW, Wu X, Chen VW, Morris CR, Goodman MT, et al. Understanding the burden of human papillomavirus-associated anal cancers in the US. Cancer. 2008;113(10 Suppl):2892-900.
  • 4. Ramamoorthy S, Liu YT, Luo L, Miyai K, Lu Q, Carethers JM. Detection of multiple human papillomavirus genotypes in anal carcinoma. Infect Agent Cancer. 2010;5:17.
  • 5. Wong AK, Chan RC, Aggarwal N, Singh MK, Nichols WS, Bose S. Human papillomavirus genotypes in anal intraepithelial neoplasia and anal carcinoma as detected in tissue biopsies. Mod Pathol. 2010;23(1):144-50.
  • 6. Nadal SR, Manzione CR. Uso do colposcópio para avaliar a região perianal e o canal anal. Padronização técnica da nomenclatura e indicações. Rev bras Coloproct, 2004; 24(4):379-81.
  • 7. Nadal SR, Manzione CR. A citologia como método para detecção de lesões precursoras do carcinoma anal. Rev bras Coloproct. 2005;25(1):72-4.
  • 8. Nadal SR, Calore EE, Nadal LRM, Horta, SHC, Manzione CR. Citologia anal para rastreamento de lesões pré-neoplásicas. Rev Assoc Med Bras 2007;53(2):147-51.
  • 9. Calore EE, Nadal SR, Manzione CR, Horta SHC, Santos RR, Nadal LRM. Anal citology in patients with AIDS. Diagnostic Cytopathol, 2010;38(4):260-3.
  • 10. Mavrogianni P, Alexandrakis G, Stefanaki C, Hadzivassiliou M, Karameris A, Mela A, et al. The Role of Cytology and HPV Typing as a Screening Tool in Patients With Intraanal Warts. J Clin Gastroenterol. 2010 Oct 19. [Epub ahead of print]
  • 11. Conley L, Bush T, Darragh TM, Palefsky JM, Unger ER, Patel P et al. Factors associated with prevalent abnormal anal cytology in a large cohort of HIV-infected adults in the United States. J Infect Dis. 2010;202(10):1567-76.
  • 12. Kojic EM, Cu-Uvin S, Conley L, Bush T, Onyekwuluje J, Swan DC, et al. Human Papillomavirus Infection and Cytologic Abnormalities of the Anus and Cervix Among HIV-Infected Women in the Study to Understand the Natural History of HIV/AIDS in the Era of Effective Therapy (The SUN Study). Sex Transm Dis. 2010 Oct 14. [Epub ahead of print]
  • 13. Tonna J, Palefsky JM, Rabban J, Campos GM, Theodore P, Ladabaum U. Esophageal verrucous carcinoma arising from hyperkeratotic plaques associated with human papilloma virus type 51. Dis Esophagus. 2010;23(5):E17-20.
  • 14. Shukla S, Bharti AC, Mahata S, Hussain S, Kumar R, Hedau S, et al. Infection of human papillomaviruses in cancers of different human organ sites. Indian J Med Res. 2009;130(3):222-33.
  • 15. Ma TY, Liu WK, Chu YL, Jiang XY, An Y, Zhang MP, et al. Detection of human papillomavirus type 16 DNA in formalin-fixed, paraffin-embedded tissue specimens of gastric carcinoma. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2007;19(12):1090-6.
  • 16. Liu Y, Klimberg VS, Andrews NR, Hicks CR, Peng H, Chiriva-Internati M, et al. Human papillomavirus DNA is present in a subset of unselected breast cancers. J Hum Virol. 2001;4(6):329-34.
  • 17. Lorenzon L, Ferri M, Pilozzi E, Torrisi MR, Ziparo V, French D. Human papillomavirus and colorectal cancer: evidences and pitfalls of published literature. Int J Colorectal Dis. 2010 Sep 1. [Epub ahead of print]
  • 18. Pérez LO, Abba MC, Dulout FN, Golijow CD. Evaluation of p53 codon 72 polymorphism in adenocarcinomas of the colon and rectum in La Plata, Argentina. World J Gastroenterol. 2006;12(9):1426-9.
  • 19. Buyru N, Tezol A, Dalay N. Coexistence of K-ras mutations and HPV infection in colon cancer. BMC Cancer. 2006;6:115.
  • 20. Tornesello ML, Monaco R, Nappi O, Buonaguro L, Buonaguro FM. Detection of mucosal and cutaneous human papillomaviruses in oesophagitis, squamous cell carcinoma and adenocarcinoma of the oesophagus. J Clin Virol. 2009;45(1):28-33.
  • 21. Shuyama K, Castillo A, Aguayo F, Sun Q, Khan N, Koriyama C et al. Human papillomavirus in high- and low-risk areas of oesophageal squamous cell carcinoma in China. Br J Cancer. 2007;96(10):1554-9.
  • 22. Li N, Bi X, Zhang Y, Zhao P, Zheng T, Dai M. Human papillomavirus infection and sporadic breast carcinoma risk: a meta-analysis. Breast Cancer Res Treat. 2010 Aug 26. [Epub ahead of print]
  • 23. Yu Y, Yang A, Hu S, Yan H. Correlation of HPV-16/18 infection of human papillomavirus with lung squamous cell carcinomas in Western China. Oncol Rep. 2009;21(6):1627-32.
  • 24. Iwakawa R, Kohno T, Enari M, Kiyono T, Yokota J. Prevalence of human papillomavirus 16/18/33 infection and p53 mutation in lung adenocarcinoma. Cancer Sci. 2010;101(8):1891-6.
  • 25. Mlynarczyk B, Malejczyk M, Muszyński J, Majewski S.The occurrence of human papillomavirus--HPV in the biopsies from colon polyps and cancer. Med Dosw Mikrobiol. 2009;61(2):191-6.
  • 26. Damin DC, Caetano MB, Rosito MA, Schwartsmann G, Damin AS, Frazzon AP, et al. Evidence for an association of human papillomavirus infection and colorectal cancer. Eur J Surg Oncol. 2007;33(5):569-74.
  • 27. Salepci T, Yazici H, Dane F, Topuz E, Dalay N, Onat H, et al. Detection of human papillomavirus DNA by polymerase chain reaction and southern blot hybridization in colorectal cancer patients. J BUON. 2009;14(3):495-9.
  • 28. Yavuzer D, Karadayi N, Salepci T, Baloglu H, Dabak R, Bayramicli OU. Investigation of human papillomavirus DNA in colorectal carcinomas and adenomas. Med Oncol. 2010 Jan 16. [Epub ahead of print]
  • 29. Cheng JY, Sheu LF, Lin JC, Meng CL. Detection of human papillomavirus DNA in colorectal adenomas. Arch Surg. 1995;130(1):73-6.
  • 30. Pérez LO, Barbisan G, Ottino A, Pianzola H, Golijow CD. Human papillomavirus DNA and oncogene alterations in colorectal tumors. Pathol Oncol Res. 2010;16(3): 461-8.
  • Endereço para correspondência:
    Rua Mateus Grou, 130
    Cep: 05415-040 - SÃO PAULO
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Nov 2010
    • Aceito
      03 Nov 2010
    Cidade Editora Científica Ltda Av . Marechal Câmara, 160- sala 916 - Ed Orly - 20020-080 - Rio de Janeiro - Rj , Tel 2240 8927 , Fax 21 22205803 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: sbcp@sbcp.org.br