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Cirurgia no câncer colorretal: abordagem cirúrgica de 74 pacientes do SUS portadores de câncer colorretal em programa de pós-graduação lato sensu em coloproctologia

Surgery in colorectal cancer: surgical approach of 74 patients from the Brazilian National Health System with colorectal cancer in a postgraduate program (residency) in coloproctology

Resumos

A análise retrospectiva de 74 prontuários de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), operados de câncer colorretal pelo Residente R2 supervisionado e auxiliado por preceptores, permitiu as seguintes conclusões: a média etária dos pacientes foi 57,2, sendo as sexta e sétima décadas responsáveis por 51,4% dos pacientes. O câncer retal foi preponderante nas mulheres (54,1%). As localizações mais comuns dos tumores foram no sigmoide (31,1%), reto alto (24,3%) e ceco (17,6%). As cirurgias mais realizadas foram a retossigmoidectomia com anastomose colorretal (36,6%), e hemicolectomia direita com anastomose íleo-transverso (21,7%). As características anatômicas dos tumores, baseadas na classificação TNM, mais comuns foram: T3 (62,1%), N0 (59,5%) e M0 (77,0%) (p<0,05). O número médio de gânglios encontrados nas peças cirúrgicas foi de 10,4. Foram feitas 63 anastomoses (85,1%), das quais 38 (60,3%) foram mecânicas e 25, manuais (39,7%). Houve 14 comorbidades (18,9%), destacando-se a caquexia (oito casos). O índice de complicações cirúrgicas foi de 12,2% (nove casos), sendo as cirurgias que mais causaram complicações as colectomias totais com anastomose íleo-retal (40,0%) e as retossigmoidectomias abdominais, com duplo grampeamento (20%), sendo as complicações mais comuns as fístulas anastomóticas (cinco casos). As complicações (nove) decorreram mais das comorbidades (sete) que do ato cirúrgico (duas). As cirurgias que demandaram menos tempo foram: as laparotomias com ileostomia (média de 75 minutos) e as com colostomia (média de 95 minutos), sendo os maiores tempos ocupados pela proctocolectomia total com ileostomia definitiva (240 minutos) e as hemicolectomias esquerdas com anastomose transverso-retal (240 minutos), sendo o tempo médio equivalente a 160 minutos. As menores peças cirúrgicas foram as decorrentes da cirurgia de Hartmann (29 cm) e de retossigmoidectomia abdominal (32 cm); e as mais extensas, as peças de colectomia total com anastomose íleo-retal (120 cm) e proctocolectomia total com ileostomia definitiva (150 cm), ficando a média em 34,5. Houve 12 óbitos (16,2%), dois dos quais diretamente relacionados à cirurgia (um caso de deiscência de anastomose e um de evisceração); três relacionados à complicações de ordem clínica (dois casos de TEP e um de broncopneumonia); e sete comorbidades

câncer colorretal; cirurgia colorretal; câncer; SUS


In the framework of postgraduate Coloproctology for 2009, two graduate students conducted the second year as principal surgeons, 129 major surgeries, always assisted effectively by one or two tutors. All surgeries were performed on public patients in Santa Casa de Belo Horizonte, with absolute presence of members of the Grupo de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (GCP-CBHS-FCMMG). A retrospective analysis of 74 medical records of patients from the Brazilian National Health System, resected of colorectal cancer by Resident R2, supervised and assisted by mentors, could get into the following conclusions: the average age of patients was 57.2, and the sixth and seventh decades accounted for 51.4% of the patients. The rectal cancer was predominant in women (54.1%). The most common sites of tumors were in the sigmoid (31.1%), rectum (24.3%), and cecum (17.6%). The most commonly performed procedures were retossigmoidectomy with colorectal anastomosis (36.6%) and right hemicolectomy with ileo-transverse anastomosis (21.7%). The anatomical characteristics of the tumors based on TNM classification findings were: T3 (62.1%), N0 (59.5%), and M0 (77.0%) (p<0.05). The average number of lymph nodes found in surgical specimens was 10.4. Sixty-three anastomoses (85.1%) were carried out, being 38 (60.3%) mechanical and 25, manual (39.7%). There were 14 comorbidities (18.9%), the cachexia having more prominence (eight cases). The rate of surgical complications was 12.2% (nine cases), and the surgeries that have caused more complications were total colectomy with ileo-rectal anastomosis (40.0%), and double stapled abdominal retossigmoidectomy (20%). The most common complications were anastomotic fistula (five cases). Complications (nine) were more caused by comorbidities (seven) than by the surgical procedure (two). The surgeries that required less time were: laparotomy with ileostomy (average of 75 minutes) and with colostomy (average of 95 minutes), and the longest times were occupied by total proctocolectomy with definite ileostomy (240 minutes) and left hemicolectomy with transverse-rectal anastomosis (240 minutes), with an average length of 160 minutes. The smaller specimens were those resulting from Hartmann's procedure (29 cm) and retossigmoidectomy (32 cm); and the most extensive specimens were of total colectomy with ileorectal anastomosis (120 cm) and total proctocolectomy with terminal ileostomy (150 cm), with the mean at 34.5. There were 12 deaths (16.2%), two of which directly related to surgery and the other related to clinical complications and comorbities

colorectal cancer; colorectal surgery; cancer; Unified Health System


ARTIGOS ORIGINAIS

Cirurgia no câncer colorretal - abordagem cirúrgica de 74 pacientes do SUS portadores de câncer colorretal em programa de pós-graduação lato sensu em coloproctologia

Surgery in colorectal cancer - surgical approach of 74 patients from the Brazilian National Health System with colorectal cancer in a postgraduate program (residency) in coloproctology

Rodrigo Guimarães OliveiraI; Flavia Fontes FariaI; Antonio Carlos Barros Lima JuniorI; Fabio Gontijo RodriguesI; Mônica Mourthé de Alvim AndradeII; Daniel Martins Barbosa Medeiros GomesII; Peterson Martins NevesIII; José Roberto Monteiro ConstantinoIII; Áurea Cássia Gualbeto BragaIII; Renata Magali Silluzio FerreiraIII; Isabella Mendonça AlvarengaIII; David de LannaIII; Ricardo Guimarães TeixeiraIII; Heraldo Neves Valle JuniorIII; Sinara Mônica Oliveira LeiteIII; Luciana Maria Pyramo CostaIII; Ilson Geraldo da SilvaIV; Geraldo Magela Gomes da CruzV

IResidentes

IIAssistentes voluntários

IIIAssistentes efetivos

IVChefe interino do Serviço de Coloproctologia de Homens da Santa Casa de Belo Horizonte

VChefe do Serviço de Coloproctologia de Mulheres e do Ambulatório de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte; Coordenador do Grupo de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Geraldo Magela Gomes da Cruz Rua Rio de Janeiro, 2.017, 1p. 1401 - Lourdes CEP: 30160-042 - Belo Horizonte (MG), Brasil E-mail: magelacruz@terra.com.br

RESUMO

A análise retrospectiva de 74 prontuários de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), operados de câncer colorretal pelo Residente R2 supervisionado e auxiliado por preceptores, permitiu as seguintes conclusões: a média etária dos pacientes foi 57,2, sendo as sexta e sétima décadas responsáveis por 51,4% dos pacientes. O câncer retal foi preponderante nas mulheres (54,1%). As localizações mais comuns dos tumores foram no sigmoide (31,1%), reto alto (24,3%) e ceco (17,6%). As cirurgias mais realizadas foram a retossigmoidectomia com anastomose colorretal (36,6%), e hemicolectomia direita com anastomose íleo-transverso (21,7%). As características anatômicas dos tumores, baseadas na classificação TNM, mais comuns foram: T3 (62,1%), N0 (59,5%) e M0 (77,0%) (p<0,05). O número médio de gânglios encontrados nas peças cirúrgicas foi de 10,4. Foram feitas 63 anastomoses (85,1%), das quais 38 (60,3%) foram mecânicas e 25, manuais (39,7%). Houve 14 comorbidades (18,9%), destacando-se a caquexia (oito casos). O índice de complicações cirúrgicas foi de 12,2% (nove casos), sendo as cirurgias que mais causaram complicações as colectomias totais com anastomose íleo-retal (40,0%) e as retossigmoidectomias abdominais, com duplo grampeamento (20%), sendo as complicações mais comuns as fístulas anastomóticas (cinco casos). As complicações (nove) decorreram mais das comorbidades (sete) que do ato cirúrgico (duas). As cirurgias que demandaram menos tempo foram: as laparotomias com ileostomia (média de 75 minutos) e as com colostomia (média de 95 minutos), sendo os maiores tempos ocupados pela proctocolectomia total com ileostomia definitiva (240 minutos) e as hemicolectomias esquerdas com anastomose transverso-retal (240 minutos), sendo o tempo médio equivalente a 160 minutos. As menores peças cirúrgicas foram as decorrentes da cirurgia de Hartmann (29 cm) e de retossigmoidectomia abdominal (32 cm); e as mais extensas, as peças de colectomia total com anastomose íleo-retal (120 cm) e proctocolectomia total com ileostomia definitiva (150 cm), ficando a média em 34,5. Houve 12 óbitos (16,2%), dois dos quais diretamente relacionados à cirurgia (um caso de deiscência de anastomose e um de evisceração); três relacionados à complicações de ordem clínica (dois casos de TEP e um de broncopneumonia); e sete comorbidades.

Palavras-chave: câncer colorretal; cirurgia colorretal; câncer; SUS.

ABSTRACT

In the framework of postgraduate Coloproctology for 2009, two graduate students conducted the second year as principal surgeons, 129 major surgeries, always assisted effectively by one or two tutors. All surgeries were performed on public patients in Santa Casa de Belo Horizonte, with absolute presence of members of the Grupo de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (GCP-CBHS-FCMMG). A retrospective analysis of 74 medical records of patients from the Brazilian National Health System, resected of colorectal cancer by Resident R2, supervised and assisted by mentors, could get into the following conclusions: the average age of patients was 57.2, and the sixth and seventh decades accounted for 51.4% of the patients. The rectal cancer was predominant in women (54.1%). The most common sites of tumors were in the sigmoid (31.1%), rectum (24.3%), and cecum (17.6%). The most commonly performed procedures were retossigmoidectomy with colorectal anastomosis (36.6%) and right hemicolectomy with ileo-transverse anastomosis (21.7%). The anatomical characteristics of the tumors based on TNM classification findings were: T3 (62.1%), N0 (59.5%), and M0 (77.0%) (p<0.05). The average number of lymph nodes found in surgical specimens was 10.4. Sixty-three anastomoses (85.1%) were carried out, being 38 (60.3%) mechanical and 25, manual (39.7%). There were 14 comorbidities (18.9%), the cachexia having more prominence (eight cases). The rate of surgical complications was 12.2% (nine cases), and the surgeries that have caused more complications were total colectomy with ileo-rectal anastomosis (40.0%), and double stapled abdominal retossigmoidectomy (20%). The most common complications were anastomotic fistula (five cases). Complications (nine) were more caused by comorbidities (seven) than by the surgical procedure (two). The surgeries that required less time were: laparotomy with ileostomy (average of 75 minutes) and with colostomy (average of 95 minutes), and the longest times were occupied by total proctocolectomy with definite ileostomy (240 minutes) and left hemicolectomy with transverse-rectal anastomosis (240 minutes), with an average length of 160 minutes. The smaller specimens were those resulting from Hartmann's procedure (29 cm) and retossigmoidectomy (32 cm); and the most extensive specimens were of total colectomy with ileorectal anastomosis (120 cm) and total proctocolectomy with terminal ileostomy (150 cm), with the mean at 34.5. There were 12 deaths (16.2%), two of which directly related to surgery and the other related to clinical complications and comorbities.

Keywords: colorectal cancer; colorectal surgery; cancer; Unified Health System.

INTRODUÇÃO

Dentro do Programa de Pós-graduação em Coloproctologia, durante 2009, dois pós-graduandos do segundo ano realizaram, como cirurgiões principais, 129 cirurgias de grande porte, 74 das quais objetivando o câncer colorretal (57,5%) (Tabela 1 e Figura 1), sempre assistidos, efetivamente, por um ou dois preceptores, conforme o grau de dificuldade da cirurgia. As cirurgias foram realizadas em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), na Santa Casa de Belo Horizonte, com a presença dos membros do Grupo de Coloproctologia da Santa Casa e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (GCP-SCBH-FCMMG).


OBJETIVO

Proceder a uma revisão criteriosa de uma casuística de 11 meses (2009), de 74 pacientes operados do câncer colorretal, sendo todos os pacientes do SUS e operados pelo Residente R2, sempre auxiliado por um ou dois preceptores.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os prontuários dos pacientes foram minuciosamente revisados, dando-se absoluta atenção aos seguintes dados: idade; gênero; nome do cirurgião principal (residente R2); auxiliares (preceptores que ajudaram a cirurgia); diagnóstico; resultado da colonoscopia (e biópsia, quando houve); resultado do exame histopatológico das biópsias; preparo intestinal do paciente para a cirurgia (se houve e com qual substância); o tempo de cirurgia; a técnica cirúrgica usada; a forma de anastomose executada (em que lugar anatômico do cólon e/ou reto e com que artefato, se manual ou mecânica); o bisturi e os grampeadores usados na cirurgia; o tipo e a extensão da incisão abdominal; as intercorrências perioperatórias; as dimensões da peça cirúrgica; as complicações pós-operatórias de naturezas cirúrgica e sistêmica; a abordagem das complicações pós-operatórias; o período de internamento hospitalar; o período de permanência no Centro de Terapia Intensiva (CTI); o dia de liberação da dieta; o exame histopatológico da peça cirúrgica; a caracterização dos tumores dentro da classificação TNM (tumor, nodo, metástase); o número de gânglios encontrados na peça cirúrgica; o número de gânglios comprometidos pela doença; a margem livre de tumor e as comorbidades apresentadas pelos pacientes. Da mesma forma, realizou-se uma correlação entre morbimortalidade e comorbidade, uma vez que os pacientes, em marcante número de vezes, apresentavam estado geral precário, acumulando outras doenças além do tumor colorretal.

RESULTADOS

Incidência de câncer colorretal e outras doenças colorretais

Dos 129 pacientes operados por várias doenças colorretais, 74 eram portadores de câncer colorretal (57,4%), seguindo outros diagnósticos nosológicos, tais como: ileostomias (16 casos; 12,4%); complicações de cirurgias anteriores (11 casos; 8,5%); pólipos colorretais (6 casos; 4,6%) e outras condições mórbidas colorretais (22 casos; 17,1%).

Faixa etária e gêneros

A média etária dos pacientes foi 57,2 anos, com extremos de 27 e 85 anos, sendo as sexta e sétima décadas responsáveis por 51,4% dos pacientes (Tabela 2 e Figura 2). Houve mais cirurgias em mulheres (54,1%) do que em homens (45,9%) (Tabela 3 e Figura 3).



Localizações dos tumores no intestino grosso

As localizações dos tumores foram mais comuns no sigmoide (23 casos; 31,1%), reto alto (18 casos; 24,3%) e ceco (13 casos; 17,6%), seguidos pelo reto baixo (oito casos; 10,8%), cólon transverso (três casos; 4,0%), cólon ascendente (dois casos; 2,7%), cólon descendente (dois casos; 2,7%), recidiva pélvica de câncer retal (quatro casos; 5,4%) e carcinomatose com abdome agudo obstrutivo (um caso; 1,4%) (Tabela 4 e Figura 4).


Cirurgias realizadas

As cirurgias realizadas nos 74 pacientes foram as seguintes: retossigmoidectomia com anastomose colorretal (27 casos; 36,6%); hemicolectomia direita com anastomose íleo-transverso (16 casos; 21,7%); colectomia total com anastomose íleo-retal (5 casos; 6,7%); retossigmoidectomia abdominal com duplo grampeamento (5 casos; 6,7%); cirurgia de Hartmann (5 casos; 6,7%); laparotomia e colostomia (5 casos; 6,7%); laparotomia e ileostomia (2 casos; 2,7%); hemicolectomia esquerda com anastomose transverso-retal (2 casos; 2,7%); proctocolectomia total com ileostomia definitiva (2 casos; 2,7%); amputação abdominoperineal com colostomia definitiva (2 casos; 2,7%); pan-histerectomia com enterectomia e ressecção de metástases (2 casos; 2,7%) e enterectomia com liberação de aderências (1 caso; 1,4%) (Tabela 5 e Figura 5).


Classificação TNM dos tumores

As características anatômicas dos tumores, baseadas na classificação TNM, foi a seguinte (Tabela 6 e Figura 6): T0 (1 caso; 1,3%), T1 (1 caso; 1,3%), T2 (13 casos; 17,7%), T3 (46 casos; 62,1%) e T4 (13 casos; 17,6%); N0 (44 casos; 59,5%), N1 (23 casos; 31,1%) e NX (7 casos; 9,4%); M0 57 casos; 77,0%, M1 (13 casos; 17,6%) e MX (4 casos; 5,4%). Verifica-se, assim, que 46 tumores (62,1%) eram T3 (p<0,05), 44 (59,5%) não apresentavam metástases ganglionares (p<0,05) e 57 (77,0%) não apresentaram metástases à distância (p<0,05), caracterizando o estádio T3N0M0 como o mais encontrado entre os 74 pacientes. O número médio de gânglios encontrados nas peças cirúrgicas, no exame anatomopatológico, foi de 10,4, com extremos em 5 gânglios e em 26 destes (Figura 7).



Comorbidades e morbimortalidade

A Tabela 6 e a Figura 8 mostram a distribuição pelo tipo de cirurgia executada com vários parâmetros, destacando-se as anastomoses, as comorbidades, as complicações cirúrgicas e a mortalidade. Foram feitas 63 anastomoses (85,1%), das quais 38 foram mecânicas (%) e 25, manuais (%). Houve 14 comorbidades (18,9%): caquexia (oito), hipertensão arterial sistêmica e diabete (duas), caquexia e abdome agudo obstrutivo (uma), caquexia com abdome agudo perfurativo (uma), obesidade (uma) e hipertensão arterial sistêmica (uma). Houve nove complicações cirúrgicas (12,2%), sendo três em 27 retossigmoidectomias com anastomose colorretal (11,1%), 2 em 16 hemicolectomia direita com anastomose íleo-transverso (12,5%), 2 em 5 colectomias totais com anastomose íleo-retal (40,0%) e 1 em 5 retossigmoidectomias abdominais com duplo grampeamento (20%) (Tabela 6 e Figuras 8 e 9). As complicações foram as seguintes: fístulas anastomóticas (cinco), abscessos perianastomóticos (duas), trombose mesentérica (uma) e evisceração (uma). Das nove complicações, sete ocorreram em pacientes com comorbidades e duas em pacientes sem outra doença em curso.



Relação entre cirurgia realizada e algumas características do ato cirúrgico e da peça cirúrgica

A Tabela 7 caracteriza os vários tipos de cirurgias a que os pacientes foram submetidos, relacionando-os com o tempo cirúrgico, a permanência no CTI e hospitalar, os dias de liberação da dieta, as dimensões das peças cirúrgicas e a extensão da laparotomia (tabela 8 e figura 11 ). As cirurgias que demandaram menos tempo foram as laparotomia com ileostomia (média de 75 minutos) e as com colostomia (média de 95 minutos), sendo os maiores tempos ocupados pela proctocolectomia total com ileostomia definitiva (240 minutos) e as hemicolectomias esquerdas, com anastomose transverso-retal (240 minutos), sendo o tempo médio de todas elas 160 minutos (Tabela 6 e Figura 10). Os menores períodos de internamento ocorreram nas laparotomias com ileostomia (média de dois dias), e os mais longos com as pan-histerectomias (13,5 dias), sendo a média da permanência de 6,7 dias. Quanto às extensões das peças cirúrgicas, as menores, excluindo-se uma enterectomia de 15 cm, foram as peças de Hartmann (29 cm), de retossigmoidectomia abdominal (32 cm) e as mais extensas as peças de colectomia total com anastomose íleo-retal (120 cm) e proctocolectomia total com ileostomia definitiva (150 cm), ficando a média em 34,5 cm (Tabela 7, Figuras 12 e 13). Quanto às extensões das incisões abdominais, houve muita semelhança independente da técnica cirúrgica usada, variando de 25 a 35 cm, com média de 30,5 cm.




Mortalidade

Houve 12 óbitos (16,2%), dois dos quais diretamente relacionados à cirurgia (um caso de deiscência de anastomose e um de evisceração); três relacionados a complicações de ordem clínica (dois casos de tromboembolismo pulmonar - TEP e um de broncopneumonia); e sete a comorbidades, cinco das quais crônicas (um caso de obesidade com hipertensão e quatro casos de caquexia e desnutrição) e duas agudas (um paciente com abdome agudo perfurativo e outro com abdome agudo obstrutivo).

Sumário dos resultados

A análise retrospectiva de 74 prontuários de pacientes do SUS, operados de câncer colorretal pelo Residente R2, supervisionado e auxiliado por preceptores, permitiu as seguintes Conclusões:

• A média etária dos pacientes foi 57,2, sendo os tumores mais comuns em mulheres (54,1%), localizando-se, sobretudo, no sigmoide (31,1%), no reto alto (24,3%) e no ceco (17,6%).

• A incidência do câncer colorretal entre os 129 pacientes operados por várias doenças colorretais foi 57,4% (74 casos).

• As cirurgias mais realizadas foram a retossigmoidectomia com anastomose colorretal (36,6%) e hemicolectomia direita com anastomose íleo-transverso (21,7%).

• As características anatômicas (TNM) mais comuns dos tumores foram T3 (62,1%), N0 (59,5%) e M0 (77,0%) (p<0,05), sendo o número médio de gânglios encontrados nas peças cirúrgicas equivalente a 10,4.

• Foram feitas 63 anastomoses (85,1%), das quais 38 (60,3%) foram mecânicas e 25, manuais (39,7%).

• A incidência das comorbidades foi de 18,9%.

• A incidência de complicações cirúrgicas foi de 12,2% (nove casos), e decorreram mais das comorbidades (sete) que do ato cirúrgico (duas).

• As cirurgias menos demoradas foram as laparotomias com ileostomia (média de 75 minutos) e as com colostomia (média de 95 minutos); e as mais demoradas foram a proctocolectomia total com ileostomia definitiva (240 minutos) e as hemicolectomias esquerdas com anastomose transverso-retal (240 minutos), sendo o tempo médio delas 160 minutos.

• As menores peças cirúrgicas foram as decorrentes da cirurgia de Hartmann (29 cm); e as mais extensas, as peças de proctocolectomia total com ileostomia definitiva (150 cm), ficando a média em 34,5.

• Houve 12 óbitos (16,2%), dois dos quais diretamente relacionados à cirurgia.

DISCUSSÃO

O câncer colorretal é o terceiro câncer mais diagnosticado, tanto em homens, quanto em mulheres. Com relação à mortalidade, o câncer colorretal fica também com a terceira colocação entre as causas mais comuns de morte, por câncer, nos Estados Unidos1. Estatísticas americanas mostram que 26.801 homens e 26.395 mulheres faleceram por câncer colorretal nos Estados Unidos, em 20062.

Na presente casuística, a média de idade e os picos de incidência do diagnóstico foram comparáveis àqueles descritos na literatura3. Com relação à localização dos tumores, a maioria (66,2%) se localizava no reto e sigmoide. O exame proctológico completo realizado no Brasil, que inclui a realização de retossigmoidoscopia rígida até 25 cm acima do ânus, pode ser útil na identificação de lesões nessas localizações. Tumores proximais têm sido responsáveis por uma parcela maior dos casos na literatura. Rim et al. (2009) encontraram tumores de cólon proximais, responsáveis por 42,3% dos casos de câncer colorretal, ficando à frente dos tumores do cólon distal (25,3%) e do reto (27,4%)4.

Dados sugerem que o emprego dos métodos de rastreamento para o câncer colorretal tem impacto positivo na redução da incidência e mortalidade5. Nos Estados Unidos, houve redução na incidência e mortalidade por câncer colorretal nos últimos anos. Porém, outras partes do mundo mostraram aumento da incidência dos cânceres colorretais, especialmente nos países asiáticos e no Leste Europeu1. Países desenvolvidos são os que geralmente mostram estabilização ou declínio na incidência de câncer, pois é onde geralmente são adotados programas de rastreamento da população, como na Europa, nos Estados Unidos, em Israel e na Austrália.

No presente estudo, os pacientes estudados foram atendidos pelo SUS. Mesmo com a existência dos exames de rastreamento disponíveis, nem todos conseguem a realização de exames mais complexos como colonoscopia ou consulta com especialista, devido à demanda reprimida. Este atraso ou mesmo a eventual falta de acesso aos exames podem ser responsáveis pelo diagnóstico da maioria dos tumores já com estadiamento T avançado. A soma dos tumores T3 e T4 totalizou 79,7% dos casos. Em outras partes do mundo, também verificou-se pouco acesso aos programas de rastreamento por populações menos favorecidas, como confirma relatório americano de 20066.

A maioria dos pacientes (59,5%) não apresentava sinais de metástases para linfonodos, porém o número médio de linfonodos examinados foi de 10,4. Na literatura, é descrita a melhora do prognóstico de tumores T3 quando se consegue avaliação de maior número de gânglios na peça cirúrgica. Swanson et al. (2003) sugerem que o número mínimo de linfonodos avaliados seja de 13, antes de se classificar um tumor T3 como N07. No presente estudo, o número médio de linfonodos examinados foi inferior ao recomendado. Porém, ainda não há tempo decorrido o suficiente para avaliação de sobrevida após longo prazo.

A presença de comorbidades associadas à doença de base pode ser esperada na faixa etária mais acometida pelos tumores colorretais. Dentre as complicações decorrentes das operações colorretais, a deiscência e fístula anastomóticas costumam ser consideradas as mais graves8-10. A incidência das fístulas anastomóticas em 63 cirurgias colorretais envolvendo anastomoses foi de cinco casos (7,9%). A incidência deste tipo de complicação varia muito na literatura, sendo descritas desde 1 a 39%. Porém, com percentual menor, tendo significado clínico. Estudos mostram incidência de fístulas em torno de 6% após os procedimentos colônicos e 19%, após procedimentos retais11,12. Komen et al.(2009) encontraram 8,7% de fístulas em 739 anastomoses colorretais, identificando o tempo cirúrgico prolongado e o índice de massa corporal (IMC) maior que 30 kg/m² como fatores de risco independentes para a ocorrência de fístulas10. Outros fatores de risco identificados são: presença de doença inflamatória intestinal, operações retais, risco cirúrgico aumentado (classificação da ASA), hipoalbuminemia, perda sanguínea intraoperatória aumentada e hemotransfusão8,9.

Quanto à mortalidade após operações colorretais, houve duas mortes relacionadas diretamente ao procedimento operatório e dez mortes relacionadas à presença de comorbidades apresentadas pelos pacientes. Taxas de mortalidade de pacientes no pós-operatório de cirurgia colorretal por câncer costumam ser estimadas em cerca de até 3%13,14. Fatores que poderiam influenciar nesta mortalidade aumentada seriam a inclusão de casos operados em caráter de urgência, as condições de saúde da população atendida, a presença de cirurgiões em formação e a própria estrutura da instituição. Uma análise mais adequada dos resultados ainda poderá ser obtida com o acompanhamento dos pacientes incluídos no presente estudo, após obtenção dos dados de seguimento mais longo, como, por exemplo, a sobrevida em cinco anos.

A análise retrospectiva de 74 prontuários dos pacientes do SUS, operados de câncer colorretal pelo Residente R2 supervisionado e auxiliado por preceptores, permitiu verificar que os tumores foram mais comuns entre mulheres e na sexta década de vida, as cirurgias mais realizadas foram as retossigmoidectomias abdominais com anastomose colorretal; as características anatomopatológicas dos tumores foram tumores invasores de musculatura própria sem gânglios comprometidos e sem metástases; e a elevada incidência de complicações cirúrgicas decorreu, principalmente, do mau estado geral dos pacientes e das elevadas taxas de comorbidades dos portadores.

CONCLUSÃO

A análise retrospectiva de 74 prontuários de pacientes do SUS, operados de câncer colorretal pelo Residente R2 supervisionado e auxiliado por preceptores, permitiu afirmar que a maioria dos pacientes era do sexo feminino, na sexta década de vida, sendo o câncer colorretal prevalente entre os vários diagnósticos, tendo sido a retossigmoidectomia abdominal com anastomose colorretal a cirurgia mais realizada, com prevalência de tumores T3N0M0, decorrendo a elevada taxa de morbimortalidade ao mau estado de saúde e elevado índice de comorbidades dos pacientes.

Recebido em: 09/06/2010

Aprovado em: 14/04/2011

Trabalho realizado pelo Grupo de Coloproctologia da Santa Casa de Belo Horizonte e Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

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  • Endereço para correspondência:

    Geraldo Magela Gomes da Cruz
    Rua Rio de Janeiro, 2.017, 1p. 1401 - Lourdes
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      09 Jun 2010
    • Aceito
      14 Abr 2011
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