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Infecções anais pelo papilomavírus humano, crioterapia e crioimunologia

Anal infections by human papillomavirus, criotherapy, and cryoimunology

Resumos

As verrugas genitais causadas pelo papilomavírus humano (HPV) são problemas comuns na prática clínica do coloproctologista. As opções terapêuticas são numerosas, não havendo padrão-ouro para o tratamento dos condilomas. Dentre elas, é possível destacar a crioterapia, que é eficaz, apesar de pouco utilizada. O efeito destrutivo da crioterapia ocorre por lesão celular direta, causada pelo frio, e por anóxia tecidual, consequente às alterações microcirculatórias. Dentre as vantagens do método, cita-se a segurança; a simplicidade de aplicação; o uso dentro e fora do canal anal, inclusive durante a gestação; e o desconforto local leve, dispensando anestesia. Os agentes criogênicos mais utilizados são o nitrogênio líquido e, mais recentemente, o dimetiléter-propano. Uma vantagem adicional é observada no tratamento das lesões neoplásicas e seus precursores. Postula-se que seu congelamento induziria à resposta imune antitumoral, consequente ao mecanismo de lesão tecidual, que expõe grande quantidade de antígenos intracelulares aos macrófagos e às células dendríticas. Entretanto, a literatura médica ainda carece de estudos abordando especificamente o tema, sobretudo na área da coloproctologia. De qualquer forma, podemos afirmar que a crioterapia é método eficaz, seguro, confortável e prático para o tratamento das verrugas anogenitais induzidas pelo HPV.

Infecções por papilomavírus; Condiloma acuminado; Crioterapia


Genital warts caused by human papillomavirus (HPV) are a common problem in clinical practice of colorectal surgeons. There are several therapeutic options, although, there is not a gold standard for the treatment of condilomas. Among them, we could mention cryotherapy, which is an effective method, despite having little use. The destructive effect of cryotherapy is through direct cellular injury, which is provoked by cold, and tissue anoxia, due microcirculatory changes. Among the method advantages, we could relate safety; simplicity of application; use inside and outside the anal canal, and during pregnancy; and mild local discomfort, not requiring anesthesia for its application. The most commonly used cryogenic agents are liquid nitrogen and more recently dimethylether-propane. An additional advantage is observed in the treatment of neoplasias and its precursors. It is postulated that freezing would induce an anti-tumor immune response, consequent to the mechanism of tissue injury, exposing a large amount of intracellular antigens to macrophages and dendritic cells. However, the literature still lacks studies specifically addressing this issue, especially in coloproctology. Anyway, we could say that cryotherapy is an effective, safe, comfortable, and practical method to treat anogenital warts induced by the HPV.

papillomavirus infections; condylomata acuminata; cryotherapy


DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

Infecções anais pelo papilomavírus humano, crioterapia e crioimunologia

Anal infections by human papillomavirus, criotherapy, and cryoimunology

Raphael MarianelliI; Sidney Roberto NadalII

IASBCP; Especialista em Coloproctologia; Pós-graduando em nível de Mestrado do Curso de Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - São Paulo (SP), Brasil

IITSBCP; Professor voluntário; Livre-Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Supervisor de Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emilio Ribas - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sidney Roberto Nadal Rua Mateus Grou, 130 CEP: 05415-040 - São Paulo (SP), Brasil E-mail: srnadal@terra.com.br

RESUMO

As verrugas genitais causadas pelo papilomavírus humano (HPV) são problemas comuns na prática clínica do coloproctologista. As opções terapêuticas são numerosas, não havendo padrão-ouro para o tratamento dos condilomas. Dentre elas, é possível destacar a crioterapia, que é eficaz, apesar de pouco utilizada. O efeito destrutivo da crioterapia ocorre por lesão celular direta, causada pelo frio, e por anóxia tecidual, consequente às alterações microcirculatórias. Dentre as vantagens do método, cita-se a segurança; a simplicidade de aplicação; o uso dentro e fora do canal anal, inclusive durante a gestação; e o desconforto local leve, dispensando anestesia. Os agentes criogênicos mais utilizados são o nitrogênio líquido e, mais recentemente, o dimetiléter-propano. Uma vantagem adicional é observada no tratamento das lesões neoplásicas e seus precursores. Postula-se que seu congelamento induziria à resposta imune antitumoral, consequente ao mecanismo de lesão tecidual, que expõe grande quantidade de antígenos intracelulares aos macrófagos e às células dendríticas. Entretanto, a literatura médica ainda carece de estudos abordando especificamente o tema, sobretudo na área da coloproctologia. De qualquer forma, podemos afirmar que a crioterapia é método eficaz, seguro, confortável e prático para o tratamento das verrugas anogenitais induzidas pelo HPV.

Descritores: Infecções por papilomavírus. Condiloma acuminado. Crioterapia.

ABSTRACT

Genital warts caused by human papillomavirus (HPV) are a common problem in clinical practice of colorectal surgeons. There are several therapeutic options, although, there is not a gold standard for the treatment of condilomas. Among them, we could mention cryotherapy, which is an effective method, despite having little use. The destructive effect of cryotherapy is through direct cellular injury, which is provoked by cold, and tissue anoxia, due microcirculatory changes. Among the method advantages, we could relate safety; simplicity of application; use inside and outside the anal canal, and during pregnancy; and mild local discomfort, not requiring anesthesia for its application. The most commonly used cryogenic agents are liquid nitrogen and more recently dimethylether-propane. An additional advantage is observed in the treatment of neoplasias and its precursors. It is postulated that freezing would induce an anti-tumor immune response, consequent to the mechanism of tissue injury, exposing a large amount of intracellular antigens to macrophages and dendritic cells. However, the literature still lacks studies specifically addressing this issue, especially in coloproctology. Anyway, we could say that cryotherapy is an effective, safe, comfortable, and practical method to treat anogenital warts induced by the HPV.

Keywords: papillomavirus infections; condylomata acuminata; cryotherapy.

Segundo estatísticas americanas, estima-se que um milhão de novos casos de verrugas anogenitais causadas pelo papilomavírus humano (HPV) são diagnosticados a cada ano, sendo doença comum na prática clínica do coloproctologista1.

Na literatura médica, não existem grandes estudos multicêntricos comparando as diferentes modalidades terapêuticas disponíveis, sendo que as recomendações dos diferentes guidelines são baseadas na opinião de especialistas e pequenos estudos que compararam algumas opções de tratamento2. As opções terapêuticas são numerosas e bem estabelecidas, não havendo padrão-ouro para o tratamento dos condilomas, que pode ser oneroso e com taxas de recidiva elevadas1,3. De modo geral, a eficácia do tratamento varia de 60 a 90%, com índices de recidiva entre 25 e 67%, dependendo do tamanho e número das lesões, da imunidade do portador e da terapia aplicada1,2,4,5.

O tratamento das verrugas anogenitais pode ser classificado, de modo geral, em químico ou ablativo. Dentro do grupo dos agentes químicos, tem-se a podofilina 20-25%, podofilotoxina 0,5%, imiquimode 5% e ácido tricloro-acético (ATA) 60-90%. Cremes à base de 5-fluorouracil não são mais recomendados devido aos efeitos colaterais e ao potencial teratogênico1,2. O uso do interferon injetável pode ser considerado em alguns casos, mas seu uso rotineiro não é recomendado devido aos efeitos colaterais e ao elevado custo. No grupo dos agentes ablativos, podemos citar a ressecção cirúrgica, eletrocauterização, o tratamento com LASER e a crioterapia1,2,4,5.

A escolha do tratamento deve ser pautada no número, no tamanho, na morfologia e na localização das lesões, no custo do tratamento, na conveniência para o doente, nos efeitos adversos, e deve-se levar em conta a gestação, o estado imune do paciente e a experiência clínica do profissional1,2. Nesta revisão, focaremos a crioterapia e suas aplicações no tratamento das lesões anais induzidas pelo HPV, por acreditarmos na eficácia do método, apesar de pouco utilizado e discutido.

A utilização do frio, com intuito de obter efeitos medicinais, tem seus primeiros registros nos papiros cirúrgicos do Egito Antigo e na Medicina Grega da Antiguidade Clássica, quando foi utilizado para controlar sangramentos e reduzir a dor e o edema das articulações dolorosas6. No entanto, foi a partir do final do século 19 e início do 20, com o desenvolvimento de novos agentes criogênicos, como a neve carbônica e o nitrogênio líquido, que a crioterapia teve avanço significativo. Sua aplicação inicial ocorreu na Dermatologia e na Ginecologia como terapia ablativa para lesões superficiais. Desde então, vem sendo utilizada por especialidades diversas como Ortopedia, Urologia, Neurocirurgia, Oncologia e Proctologia, nas lesões pré-neoplásicas e nos tumores sólidos6.

A maneira pela qual exerce seus efeitos destrutivos sobre os sobre os tecidos ocorre por dois mecanismos principais, um direto e outro indireto. O primeiro é imediato, resultado da lesão celular direta pela ação do frio, e o segundo é retardado, pela anóxia tecidual que ocorre devido às alterações microcirculatórias7,8. A lesão celular direta acontece tanto durante a fase de congelamento quanto naquela do degelo tecidual. Durante o congelamento, há cristalização da água extracelular criando ambiente hiperosmolar com consequente saída de líquido do intracelular e lesão da membrana celular. À medida que a temperatura cai para valores abaixo de 40 ºC negativos, provoca a cristalização da água intracelular, aumentando a lesão celular. Durante o degelo, o meio extracelular se torna hiposmolar, com retorno da água para dentro da célula, provocando ruptura das membranas e morte celular. Esse ciclo de congelamento e degelo acontece em poucos segundos7,8.

Quanto às alterações microvasculares, primeiramente, há vasoconstrição e parada do fluxo em resposta ao congelamento. À medida que ocorre o degelo, o fluxo se restabelece e a fase hiperêmica é iniciada, devido à vasodilatação, que se manifesta clinicamente pela congestão local. A lesão endotelial gera aumento da permeabilidade vascular, agregação plaquetária e formação de microtrombos com oclusão vascular e necrose, num período que varia de um a quatro horas. Para que esse mecanismo de lesão ocorra, a temperatura no tecido deve atingir valores críticos, abaixo de 40ºC negativos. Para tanto, recomenda-se realizar dois ciclos de congelação e degelo com intervalo médio de 60 segundos para potencializar o grau de lesão7,8.

O emprego da crioterapia no tratamento das lesões anogenitais induzidas pelo HPV já está bem documentado1-3. Estudos mostraram a eficácia variando entre 79 a 88% na erradicação das lesões e taxas de recidiva entre 25 a 39%, necessitando em média duas a três aplicações1,3,9,10. Não há grandes estudos multicêntricos comparando crioterapia com outros métodos, mas foram descritas respostas semelhantes comparando-a com podofilina, imiquimode, ATA e eletrocauterização2,4,9,10.

Dentre as vantagens do método, cita-se a segurança, a simplicidade de aplicação, o uso tanto dentro quanto fora do canal anal, inclusive durante a gestação1,8. O desconforto provocado é leve, dispensando anestesia e permitindo utilização ambulatorial sem maiores dificuldades1,7. A cicatrização geralmente se faz em uma a duas semanas, com mínima formação de tecido cicatricial. Entretanto, máculas hipocrômicas podem ocorrer devido à sensibilidade dos melanócitos ao frio e à maior resistência do tecido conjuntivo1,7,8.

O agente criogênico mais utilizado é o nitrogênio líquido (182 ºC negativos), que é aplicado com sondas metálicas ou com dispositivos de crio-spray1,6,8,11. Infelizmente, requer estrutura relativamente cara para acondicionamento e aplicação1,8. Mais recentemente, vem sendo comercializada mistura refrigerante de dimetil-éter propano (DIMEP, 58ºC negativos), na forma de aerossol, mais barato e portátil, que dispensa dispositivos auxiliares para seu acondicionamento e administração8,11. Apesar da temperatura de congelamento relativamente mais elevada, alguns estudos mostraram eficácia semelhante entre os dois agentes8,11.

Vantagem adicional ainda é observada no tratamento das lesões neoplásicas e seus precursores. Postula-se que seu congelamento gera resposta imune antitumoral, desencadeada pela absorção natural do tecido neoplásico12-14. Essa resposta crioimunológica resultaria no reconhecimento de antígenos tumorais específicos, possibilitando a erradicação das metástases à distância. Revisão da literatura sobre o assunto12 demonstrou haver uma série de artigos, desde a observação de casos isolados até estudos em modelos animais e da resposta imune em pacientes submetidos à crioterapia, dando suporte a essa teoria12,14-16. A razão pela qual a crioterapia induziria à resposta imunológica é creditada ao mecanismo de lesão tecidual, que expõe grande quantidade de antígenos intracelulares aos macrófagos e às células dendríticas12,15. Acredita-se, ainda, que a presença de ambiente pró-inflamatório pode amplificar e tornar mais eficaz a resposta imunológica. Há evidências que a associação de imunoterapias, com imiquimode ou injeção intralesional de células dendríticas imaturas, contribuiriam para a formação desse ambiente, funcionando como adjuvantes. O efeito final é que pode ser chamado de "vacinação in situ"12-16.

O potencial da crioimunologia como terapia local e sistêmica a torna uma opção atraente para o tratamento das lesões induzidas pelo HPV. Entretanto, a literatura médica ainda carece de estudos abordando especificamente o tema, sobretudo na área da coloproctologia. De qualquer forma, podemos afirmar que a crioterapia é método eficaz, seguro, confortável e prático para o tratamento das verrugas anogenitais induzidas pelo HPV.

Recebido em: 14/02/2011

Aprovado em: 14/04/2011

Trabalho realizado pela Equipe Técnica de Proctologia no Instituto de Infectologia Emilio Ribas - São Paulo.

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  • Endereço para correspondência:

    Sidney Roberto Nadal
    Rua Mateus Grou, 130
    CEP: 05415-040 - São Paulo (SP), Brasil
    E-mail: srnadal@terra.com.br
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      14 Fev 2011
    • Aceito
      14 Abr 2011
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