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A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração

Resumos

O artigo trata do discurso que justificou a constituição do programa de proteção materno-infantil lançado durante o Estado Novo, em 1940, a partir da criação do Departamento Nacional da Criança. Sustenta-se aqui a idéia de que ele correspondeu a uma leitura conservadora da metáfora dualista, formalizada no século XVIII, que resultou em demonização do adulto e endeusamento da criança. Para tanto, o discurso é remontado em seus elementos fundamentais e comparado com duas interpretações diferentes sobre o mesmo tema, com as quais se defrontou: a proposta de política social do movimento feminista (dos anos 30) e uma análise crítica do sociólogo Guerreiro Ramos. Ao fim, procura-se demonstrar que elementos inscritos na mentalidade coletiva podem ser lidos de maneiras diversas.

Proteção Materno-Infantil; Ideologia; Estado Novo


This article analizes the discourse that justified the launching of a chilcare programe by the Estado Novo regime, in 1940, with the foundatiton of the Departamento Nacional da Criança. I argue that this discourse belonged to a conservative view of the dualist metaphor concerning adults and children behavior as a struggle between Evel and Goodness, started in the XVIII century. Here, the discourse is depicted into its fundamental elements and compared to two differentes interpretations on the same issue: the feminist moviment project of social care and a critical study by the sociologist Guerreiro Ramos. I argue that simbolic elements of a collective mentality can be read in different ways.

Childcare; Ideology; Estado Novo


A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração

André Ricardo Pereira

Universidade Federal do Espírito Santo

RESUMO

O artigo trata do discurso que justificou a constituição do programa de proteção materno-infantil lançado durante o Estado Novo, em 1940, a partir da criação do Departamento Nacional da Criança. Sustenta-se aqui a idéia de que ele correspondeu a uma leitura conservadora da metáfora dualista, formalizada no século XVIII, que resultou em demonização do adulto e endeusamento da criança. Para tanto, o discurso é remontado em seus elementos fundamentais e comparado com duas interpretações diferentes sobre o mesmo tema, com as quais se defrontou: a proposta de política social do movimento feminista (dos anos 30) e uma análise crítica do sociólogo Guerreiro Ramos. Ao fim, procura-se demonstrar que elementos inscritos na mentalidade coletiva podem ser lidos de maneiras diversas.

Palavras-chave: Proteção Materno-Infantil; Ideologia; Estado Novo.

ABSTRACT

This article analizes the discourse that justified the launching of a chilcare programe by the Estado Novo regime, in 1940, with the foundatiton of the Departamento Nacional da Criança. I argue that this discourse belonged to a conservative view of the dualist metaphor concerning adults and children behavior as a struggle between Evel and Goodness, started in the XVIII century. Here, the discourse is depicted into its fundamental elements and compared to two differentes interpretations on the same issue: the feminist moviment project of social care and a critical study by the sociologist Guerreiro Ramos. I argue that simbolic elements of a collective mentality can be read in different ways.

Keywords: Childcare; Ideology; Estado Novo.

Durante o Estado Novo foi instituído o primeiro programa estatal de proteção à maternidade, à infância e à adolescência no Brasil. Seu executor era um órgão do Ministério da Educação e Saúde (MES), o Departamento Nacional da Criança (DNCr). Este artigo remonta ao discurso que sustentava tal iniciativa. Curiosamente, apesar de ser produto de uma ditadura, a proposta do DNCr implicava em uma participação ativa da sociedade, ou de certos atores em especial (médicos, professoras, autoridades públicas e as mulheres em geral), para que seu fim fosse atingido. Mais ainda, atribuía-se a estes atores uma afetividade natural para com a criança, de forma que bastava boa vontade e articulação nacional (por parte do governo) para que os problemas fossem superados. Pouco antes, o movimento feminista havia oferecido uma outra proposta, enquanto um estudo técnico financiado pelo próprio DNCr apontava um diagnóstico diferente. Havia, portanto, leituras diferenciadas, mas uma delas foi imposta. Isto se explica, em parte, pelo aspecto conservador do regime, mas também pela longa tradição que associa a infância com a pureza e uma atitude carinhosa. Ao longo do texto, serão apresentados o discurso do Departamento e suas alternativas. Pela comparação, espero demonstrar, que esta instituição, além de sua posição privilegiada no poder, soube articular um antigo conjunto de recursos simbólicos, imprimindo sobre eles a sua interpretação. Esta "engenharia discursiva" também explica sua vitória1 1 Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de História, que destacou a relevância do processo concreto que levou à formação da citada política. Neste artigo, porém, optei por abordar as suas bases ideológicas, na medida em que já analisei a implementação do programa em PEREIRA, André R. "Criança x Menor: a origem de dois mitos da política social brasileira". In ROLLEMBERG, Denise (org.). Que história é essa? Novos temas e novos problemas em história. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pp. 91-109. .

CRIANÇA E AFETO

O estudo das sociedades consideradas "primitivas" chama atenção, repetidas vezes, para o fenômeno dos rituais de passagem, quando as pessoas deixam a infância e ingressam no mundo adulto. No caso dos homens, é constante o relato da imposição de provas que exigem grande resistência física e coragem. A sensibilidade ocidental se choca com tais práticas, revelando a associação que, historicamente, conforme demonstra Phillipe Ariès2 1 Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de História, que destacou a relevância do processo concreto que levou à formação da citada política. Neste artigo, porém, optei por abordar as suas bases ideológicas, na medida em que já analisei a implementação do programa em PEREIRA, André R. "Criança x Menor: a origem de dois mitos da política social brasileira". In ROLLEMBERG, Denise (org.). Que história é essa? Novos temas e novos problemas em história. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pp. 91-109. , e estabelecida entre o afeto e a infância. Trata-se, é claro, de uma construção, como tantas outras que caracterizam a "mentalidade coletiva"3 1 Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de História, que destacou a relevância do processo concreto que levou à formação da citada política. Neste artigo, porém, optei por abordar as suas bases ideológicas, na medida em que já analisei a implementação do programa em PEREIRA, André R. "Criança x Menor: a origem de dois mitos da política social brasileira". In ROLLEMBERG, Denise (org.). Que história é essa? Novos temas e novos problemas em história. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pp. 91-109. e que só podem existir na "longa duração". São invenções vividas com tanta intensidade emocional que se torna difícil analisá-las friamente. O mito da pureza na infância é um deles. Mesmo que a realidade desafie suas bases, com exemplos concretos de pequenos seres capazes de crimes hediondos, como os meninos assassinos em escolas americanas, como as histórias seguidas de assaltos nas esquinas das grandes cidades brasileiras etc, permanece a crença de que tais atitudes vão contra a natureza das crianças. Por outro lado, não se estranha a perversidade vinda de um adulto.

Jean-Jacques Rousseau4 4 O que se segue é baseado em três livros de ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Brasília/São Paulo, Edund/Ática, 1989; Emílio ou Da educação. 3ª ed., São Paulo, Difel, 1979; O contrato social. São Paulo, Martins Fontes, 1977. foi um dos principais articuladores do mito da pureza infantil no interior da cultura erudita. Não é por acaso que ele tenha sido, ao mesmo tempo, um dos três grandes pensadores da tradição contratualista. O recurso simbólico básico desta ideologia estava centrado na dualidade Estado de Natureza x Estado de Sociedade. No exato momento em que as antigas relações sociais de dependência advindas da Idade Média eram abandonadas e substituídas pela noção de igualdade e responsabilidade pessoal5 5 Ver BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, Edusp, 1996. , gerando, a nível popular, reinvenções idealizadas do passado, como fizeram os trabalhadores ingleses estudados por Thompson6 5 Ver BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, Edusp, 1996. , Rousseau enxergava o processo com os mesmos olhos de desconfiança. Se "os de cima" e "os de baixo" estavam de acordo com a idéia de que o presente era uma mundo de iniqüidades, o seu contraponto inevitável seria, no espaço, o outro, a figura do selvagem do Novo Mundo; e no tempo, o passado ideal. Se a afetividade havia se perdido no presente, ela existira no passado. Se morrera na Europa, subsistia na América. O passo seguinte seria: se o homem é mau, a criança é boa. Na mesma época, uma chave dualista de leitura da realidade reforçou visões acerca do espaço, do tempo e da natureza humana.

Com o passar do tempo, as transformações sócio-econômicas sepultaram a visão mítica sobre o passado. Na medida em que as forças sociais aprenderam a lidar com os "interesses", abandonaram a nostalgia pelas "paixões". Ao mesmo tempo, com o desaparecimento de grande parte dos índios, não sobrou muito espaço para a associação desta figura com a "pureza original"7 5 Ver BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, Edusp, 1996. . O mesmo não se deu com a infância. Quando o individualismo se impôs como padrão social, a responsabilidade pelos atos foi transferida para cada pessoa. Como, desde então, o mal não desapareceu da face da terra, foi fácil demonizar a figura do adulto, transformado naquele que pode ser pessoalmente responsabilizado pelos "caprichos" da humanidade - tais como a fome, a miséria, o crime - ao invés de revelar os nexos sócio-econômicos que movem o mundo. É, portanto, a persistência do individualismo que explica a continuidade daquela chave dualista, formalizada literariamente no século XVIII, segundo a qual a criança é pura e o adulto é mau. São faces de uma mesma moeda que modela o pensamento sobre o tema. O curioso é que, do ponto de vista de Rousseau, por exemplo, o endeusamento da criança servia ao propósito de melhorar a humanidade. Este argumento original se manteve, mas a custo de muito cinismo, pois, mais uma vez, a realidade veio bater à porta. Quando o espetáculo da pobreza tomou conta dos centros urbanos, crianças e adolescentes pobres começaram a ameaçar a propriedade privada, tornando-se difícil percebê-los como portadores daquela pureza imaculada. É quando surge a figura do "menor". Trata-se de um infrator, de um adulto em miniatura, tão demonizado quanto este8 5 Ver BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, Edusp, 1996. . Para manter o dualismo, foi preciso afastar a criança do menor. Este processo não foi racionalmente conduzido. Autoridades policiais e judiciárias, aquelas institucionalmente encarregadas de proteger a propriedade, geraram a figura do menor a partir do papel que lhes foi atribuído e de seus recursos simbólicos. Outros foram os atores encarregados de sustentar o endeusamento da criança, principalmente educadores e médicos (só para citar categorias profissionais). As diferentes posições ocupadas pelos atores permitiram a construção de dois discursos sobre a mesma fase da existência humana. Isto só foi possível porque houve uma divisão da realidade em diferentes instâncias e especialidades. Rousseau, ao contrário, tinha clareza da fonte de nossa tragédia, que indicou claramente como sendo a propriedade. Quando ela surgiu, o afeto pelo outro se perdeu. Para ele, o "selvagem" e a criança correspondiam a recordações daquele passado ideal que chamou de "Estado de Natureza". O filósofo, porém, acreditava em uma solução para toda humanidade, que resolveu chamar de vontade geral, aquela que não é produto do voto, mas que todos conhecemos. É neste ponto que a sua pedagogia fazia sentido, pois a educação cientificamente correta dos filhos, acompanhada de carinho e afeto, deveria tornar os indivíduos mais capazes de reconhecer esta Vontade Geral, de forma a suplantar os problemas do mundo.

O projeto utópico de Rousseau guardava um pouco da ingenuidade que atribuía a esta face pura dos seres humanos. O discurso atual sobre a criança, por sua vez, é tão mítico quanto o anterior, só que perdeu os recursos simbólicos de uma afetividade desinteressada em troca de um viés mais cínico, calcado na mercantilização da infância. O programa assistencialista do Departamento Nacional da Criança, lançado durante o Estado Novo, guardava muito do dualismo original. Isto se deu, em boa parte, pela natureza ditatorial do regime, que impediu a emergência de projetos alternativos e permitiu o reforço de uma leitura conservadora da realidade. Estudar a sua construção, como proponho aqui, significa, no fundo, compará-lo com a atualidade. Se o conservadorismo daquela época foi, felizmente, superado, seu sucedâneo não é melhor. Enquanto os médicos do Estado Novo achavam que poderiam salvar a infância do Brasil com alguma dose de boa vontade de certos atores sociais, que deveriam se envolver ativamente em seu programa, satisfazemos com a idéia de que podemos comprar a felicidade de nossos filhos com os últimos brinquedos anunciados nos intervalos dos programas de TV e que, com uma contribuição monetária anual ao "Criança Esperança", faremos o mesmo com os filhos dos outros. Durante a ditadura varguista, o discurso ainda era capaz de, supostamente, resgatar nosso carinho pelo outro. Na nossa bela democracia, dispomo-nos apenas a pagar para ter a consciência tranqüila. É justamente por isso que o que será apresentado a seguir tem um sabor de ingenuidade. O que interessa não é saber se aquela proposta poderia ter dado certo, mas sim o fato de que o desconforto que nos causa revela uma mudança entre aquele momento e este, revelando talvez uma alteração do nosso modo de sentir que se inscreve no que Vovelle chamou de "duração medianamente longa"9 5 Ver BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, Edusp, 1996. . Este autor se sentia incomodado com a ausência de análises sobre o confronto social nos estudos dirigidos pela concepção de "longa duração". Assim, sem ignorar as permanências, dispôs-se a acentuar suas formas de leitura conforme os padrões determinados pela luta de classes. Como Rousseau e os médicos do DNCr, também acreditamos na pureza da infância, mas, ao contrário deles, não estamos dispostos a nos envolver afetivamente com o seu desenvolvimento. Pelo jeito, não queremos fazer isto com relação a nada.

O DISCURSO

O modelo assistencialista do DNCr era baseado na criação de certos equipamentos públicos, principalmente os chamados Postos de Puericultura, onde todas as mães (e não só as pobres) deveriam receber orientação médica desde o início da gravidez, seguindo-se o acompanhamento da criança até a fase escolar, quando entraria em cena a Casa da Criança, que correspondia a um tipo de escola com orientação médica. Tais estabelecimentos seriam supostamente construídos e mantidos por iniciativa local. Ao Departamento cabia dar apenas a orientação técnica e, eventualmente, algum subsídio em dinheiro. O programa, portanto, dependia da boa vontade de certas figuras sociais que podem ser divididas em três categorias: a) os profissionais: médicos e professoras; b) as autoridades públicas: prefeitos e juízes; c) a "elite moral": os ricos e "especialmente as brasileiras". Outros grupos, como o clero católico, as assistentes sociais, os dentistas etc eram lembrados, mas sem tanta insistência como os anteriores. Quanto aos últimos, tal esquecimento se deve ao fato de serem "técnicos", que ainda precisavam ser formados e não possuíam grande tradição no campo assistencialista. O clero, por sua vez, era de incorporação mais difícil. Das figuras sociais em destaque sempre se esperava iniciativa, independência e disposição para aceitar as diretrizes vindas da sede do DNCr. O mesmo não se poderia esperar da Igreja. Segue-se um detalhamento da imagem construída para os diferentes atores10 10 Daqui em diante reproduzo, com algumas modificações, partes da minha dissertação de mestrado em história. Para não sobrecarregar o texto, não farei referências às fontes primárias. Qualquer dúvida, ver PEREIRA, André R. V. V. Políticas sociais e corporativismo no Brasil: o Departamento Nacional da Criança no Estado Novo. Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1992. .

AS FIGURAS

A preocupação do Departamento para com o preparo técnico do médico, no discurso que vinha a público, era muito pequena. Com isso, a principal característica do médico seria o seu interesse altruísta pelos outros. A sua presença, mesmo quando não dispusesse de recursos sofisticados de diagnóstico, seria suficiente para garantir a prevenção da doença e da má formação corpórea e intelectual. Quando se tratasse da criança, a coisa seria mais simples ainda.

Partia-se do princípio de que a criança teria uma tendência natural para a cura. Por isso, dever-se-ia evitar o excesso de "drogas", recorrendo-se, muitas vezes, a terapias "naturais" - uma dieta adequada, ar fresco, sol etc - e a perfeita orientação da mãe. Sua ignorância seria o maior obstáculo no caminho natural do corpo infantil para a sanidade.

O médico era definido como um benfeitor, que acompanhava crianças ricas ou pobres, cumprindo sua missão principalmente no interior. Esta era uma constante no discurso do DNCr, a figura do "médico da roça". Acompanhando o discurso de ocupação do interior, o médico da roça era comparado a um desbravador. Não podendo ser especialista, deveria cuidar de tudo, mas em especial da obstetrícia e da pediatria. Tal capacidade de iniciativa, porém, deveria ser acompanhada da devida organização, daí a idéia dos Postos de Puericultura. Concebidos como meios para a ação preventiva, o médico seria sua figura chave. Trabalhando de graça, ele daria sua cota para o funcionamento do Posto, cuja principal vantagem seria manter a mãe com a criança, evitando a lotação de hospitais, que eram vistos como meios mais caros e impróprios à infância, pelo uso excessivo de remédios e afastamento da família.

Cabe aqui destacar que a insistência na prevenção, na educação, e em meios informais de tratamento, não devem ser encarados como uma tentativa de enganar a população, fugindo-se ao compromisso de montagem de uma rede física de atendimento no país sob controle estatal. Os médicos puericultores11 11 Puericultura é o estudo do desenvolvimento físico, mental e moral da criança. Tecnicamente falando, estes médicos deveriam ser pediatras, mas sua identificação com a puericultura demonstra a amplitude de seu interesse. seguiam uma tendência dominante em boa parte da elite intelectual de então, segundo a qual a ignorância e o atraso econômico e social se complementavam. "Elevar o nível de vida" da maioria significava, antes de tudo, impedir que concepções erradas circulassem entre as pessoas, ricas ou pobres. Neste sentido, a figura do médico era tida como essencial. Bastava a sua presença para que se desencadeasse a "profilaxia do mal".

Ao erradicar concepções advindas da ignorância, o médico permitiria o retorno àquele idealizado "estado de natureza", no qual os caminhos da saúde e do perfeito desenvolvimento físico e moral seriam dados. Propondo a criação e dirigindo o Posto de Puericultura equipado com um Lactário (unidade para extração e redistribuição de leite materno), o médico estaria estimulando a amamentação ao peito - considerado o mais perfeito alimento para o indivíduo na primeira infância. Trabalhando em estreita colaboração com o Prefeito, poderia sugerir medidas de saneamento local, evitando a propagação de doenças, tidas como outros elementos desviantes do caminho natural.

O mais importante, enfim, seria colocar o médico no lugar certo: o Posto de Puericultura mantido por uma associação privada ou por um órgão oficial, a Junta Municipal da Infância12 11 Puericultura é o estudo do desenvolvimento físico, mental e moral da criança. Tecnicamente falando, estes médicos deveriam ser pediatras, mas sua identificação com a puericultura demonstra a amplitude de seu interesse. . Em contato direto com a orientação do Departamento, o médico não encontraria dificuldades em ver sua palavra acatada por todos, "porque todas as suas ações visam apenas o bem do próximo, de quem se torna o amigo dedicado e solícito de todas as horas".

Passemos à segunda figura de destaque, a professora. Esta era vista, a priori, a partir de sua condição feminina. Moldada para a dedicação ao outro, de forma semelhante ao médico, o mais importante não seria o seu preparo pedagógico, mas o esforço de sua presença e o uso de sua autoridade. A sua atividade não deveria se dirigir diretamente para as mães, mas para as crianças, no ambiente estrito da sala de aula ou no espaço circundante maior da escola e de suas ligações com o resto da comunidade. Mais uma vez, o esforço individual se encadeava com o movimento da organização. Bastava, portanto, boa vontade e iniciativa.

A professora deveria, antes de tudo, estudar puericultura nos tratados ou mesmo nas publicações do DNCr. Os conhecimentos adquiridos deveriam ser repassados aos alunos de forma conveniente, com especial destaque à divisão entre o que se dirigia aos educandos como um todo - noções de higiene, de comportamento, recreação etc - e o que era específico para meninos e meninas: o preparo do futuro chefe de família e da mãe.

A professora deveria tomar parte nas Juntas e nas associações privadas de assistência, onde, no entanto, seria apenas mais uma peça. Era no ambiente institucional de escola que sua ação se multiplicaria. Aí, deveria promover várias iniciativas: a caixa escolar, a cooperativa de alunos, a merenda escolar, o centro cívico, o conjunto teatral, o clube de pais e mestres, o clube agrícola e uma organização proposta pelo Departamento: a Bandeira de Saúde.

Todas essas coletividades teriam o objetivo de promover a assistência, mas principalmente "modelar as tendências dos alunos, estimulando as boas e protegendo-os das más", que derivariam da ignorância, o "desvio" histórico do homem brasileiro. Mas aqui entrava um elemento complicador: a relação conflituosa entre comportamento moral e condição física. O princípio do mens sana in corpore sano era entendido dentro de certos limites, já que o ser humano, uma vez afastado dos efeitos maléficos da ignorância, se transformaria num produto bruto, um diamante a ser lapidado. Bem de acordo com o modelo do estado de natureza, reduzido às paixões naturais, o ser humano tenderia a se afastar da harmonia e da coesão social. Daí a necessidade de uma "profilaxia moral" que acompanhasse a intervenção médica.

Assim, a professora, atuando também de preferência no meio rural, poderia cumprir sua parte no grande projeto de organização social. Para ela eram dirigidas publicações especiais e o DNCr propôs a constituição de uma estrutura escolar, constante de um estabelecimento conhecido como Casa da Criança, onde ela se incluiria, achando seu espaço e razão de ser.

A terceira figura era a do prefeito, sempre visto como autoridade pública estratégica nas preocupações dos médicos puericultores do MES. Em contrapartida, jamais se fazia referência à atuação de interventores ou mesmo presidentes de Estados. Isto se devia a um antigo conflito com as autoridades sanitárias estaduais, que não reproduzirei aqui. Basta que se saiba que, durante o processo de ascensão burocrática dos médicos puericultores na estrutura do MES, as autoridades de saúde nos Estados negaram-se a aceitar a orientação proposta a partir da capital do país. Preferiam manter a assistência à infância dentro das antigas normas de tratamento ambulatorial, sem criar unidades específicas para tal fim. Assim, o Departamento resolveu ignorar as instâncias estaduais e apelar diretamente aos municípios, porém, mais uma vez, seguindo a lógica da iniciativa pessoal. O DNCr não esperava que os prefeitos criassem repartições municipais específicas para a infância, com o que as prefeituras acabariam oneradas e se abriria uma brecha para o vício do "burocratismo".

Seguindo o raciocínio aplicado à rede pública de hospitais, não seria necessário criar um aparelho estatal que, por si só, nada faria. Os prefeitos deveriam lançar mão de outro recurso: o envolvimento direto das elites locais no dever social da proteção materno-infantil. Isto se faria pelo estabelecimento da Junta Municipal da Infância.

A Junta era proposta pelo Departamento como um pequeno grupo de "pessoas importantes" do lugar, nomeadas pelo prefeito a título honorário. Elas deveriam se reunir para estudar a melhor maneira de se organizar a proteção materno-infantil no município. Ele seria presidida pelo prefeito ou pelo juiz (de menores, se houvesse).

A Junta obteria recursos financeiros, da prefeitura ou de particulares, distribuindo-os entre as instituições oficiais e privadas. Cada Junta deveria ter uma ou mais vigilantes remuneradas, encarregadas de investigar casos de crianças ou mães desamparadas moral ou materialmente. Da intervenção desta vigilante - uma assistente social na maior parte das vezes - seria possível resolver problemas de abandono, principalmente quando redundassem de desajustes familiares, ou seja, fatores que eram encarados como de ordem comportamental, sem demandar, portanto, custos materiais mais significativos.

Nos municípios maiores, a Junta poderia ter um diretor remunerado, indicado pelo seu presidente. Este diretor seria responsável pelas atividades executivas: a) prestar assistência a órfãos, abandonados, ilegítimos etc; b) prestar assistência às mães miseráveis; c) fundar e fiscalizar obras de assistência materno-infantil, principalmente Postos de Puericultura; d) organizar caixas de socorro para atender a casos de urgência.

A Junta, portanto, tornava-se o órgão corporativo por excelência. Criada a partir de uma lógica de cooperação social, ela deveria penetrar no aparelho estatal, ganhando recursos públicos, livrando a prefeitura de despesas desnecessárias, e jamais existindo sem a presença da autoridade pública como seu "animador". O prefeito, como braço do DNCr, garantiria a participação da elite local.

A quarta figura em destaque era a do juiz; um personagem de assimilação mais difícil, justamente por causa da citada divisão entre crianças e menores. Durante o Estado Novo, porém, o aparecimento do Departamento produziu uma situação nova de legitimidade para incursões da puericultura nos problemas dos menores. A lenta expansão dos juizados privativos de menores pelo país, juntamente com a pequena e tardia coordenação das obras assistenciais para "abandonados", que só adquiriu vulto com o estabelecimento do Serviço de Assistência a Menores (SAM), em novembro de 1941, deu espaço para que o DNCr tentasse trazer os juízes para sua área de influência. Daí que as Juntas também pudessem ser presididas por eles. Todavia, os interesses já estavam por demais estabelecidos, seja na prática seja no campo discursivo, para que houvesse incorporação pura e simples. Os médicos puericultores teriam que investir mais no campo da assistência a menores, transformando-o num problema de "higiene social", para que viessem a ter alguma influência neste campo13 11 Puericultura é o estudo do desenvolvimento físico, mental e moral da criança. Tecnicamente falando, estes médicos deveriam ser pediatras, mas sua identificação com a puericultura demonstra a amplitude de seu interesse. .

A grande novidade da interpretação dada pelo DNCr à natureza da assistência social, maturada durante os anos 30 e lançada com grande esforço propagandístico durante o Estado Novo, foi a idéia de que os desvios e as carências não atingiam apenas a pobres, mas a todas as pessoas. A correção das deficiências morais e materiais contribuiriam para estabelecer a tão propalada "democracia social", que o regime propunha como sua tarefa mais importante.

A democracia social referia-se a uma situação ideal em que todos poderiam desenvolver suas capacidades sem que isto implicasse em desequilíbrio, ou seja, transferência, por meios considerados injustos, do produto do trabalho - riqueza material "espiritual" e intelectual - para outros grupos. A constituição deste projeto político partiu da constatação de que tais desequilíbrios existiam e apenas o Estado poderia promover a redistribuição entre todos os setores de forma pacífica e coordenada. Somente assim os padrões comunitários de uma sociedade coesa poderiam ser alcançados na dimensão maior da nação.

Do ponto de vista do programa do Departamento, implementar a democracia social significava restituir a posição de segurança das crianças e de suas famílias. Portanto, quem dispunha de recursos materiais e morais deveria dispendê-los nesta tarefa. Neste ponto da argumentação encaixavam-se os ricos e as mulheres. Antes de seguir, faz-se necessário afirmar que a questão não era tratada a partir de uma lógica de redistribuição de renda, quer dizer, situação resultante da exploração do trabalho, mas sim de normalização das relações entre todos. Daí que não se defendesse a proposta de taxação pelo Estado para investimento em políticas compensatórias. No discurso, o Estado deveria estimular os mais afortunados para que auxiliassem os demais a assumirem sua parte no todo do que estava disponível.

No que se refere aos ricos, o Estado deveria dirigir-lhes uma campanha propagandística específica, com o objetivo de modificar sua atitude de indiferença. Supunha-se que tal indiferença derivaria não de sua natureza, mas do desenvolvimento do "industrialismo", de uma sociedade urbana e liberal, onde cada um seria estimulado a ter um comportamento individualista. Com a cruzada cívica iniciada pelo regime, porém, uma atitude de maior solidariedade poderia suplantar as atitudes "artificiais".

A figura da mulher, por sua vez, era elaborada de uma maneira mais difusa. No que se relacionava com o seu papel no projeto da democracia social, a identidade era construída em torno da "senhora" e não da mãe. Esta era objeto, aquela era instrumento da política. Isto seria possível pela sua natureza humana e por sua disponibilidade, ou seja, o que tinham a mais e poderiam oferecer.

A disponibilidade da "senhora" teria uma função especial no andamento dos trabalhos do Posto de Puericultura. Em primeiro lugar, as senhoras trabalhariam na organização de uma associação de proteção materno-infantil, que, com o apoio da Junta, construiria e manteria o Posto. Em segundo lugar, elas atuariam nos seu serviços. Antes mesmo da inauguração, deveriam fazer propaganda do Posto, visitando as casas com muitos filhos, de forma a convencer as mães sobre a importância da assistência e da prevenção. Nos dias de visita, as senhoras receberiam as mães com seus filhos logo na entrada do Posto, acolhendo-as "alegremente" e mostrando interesse pelas crianças. Na falta de um funcionário, deveriam preencher a ficha de atendimento, tomando nota de todas as recomendações do médico, para reforçá-las depois, na hora da saída, quando a mãe seria exortada a retornar em prazos fixos - quinzenalmente quando com bebês, e mensalmente para as crianças maiores.

Mas a incorporação das "senhoras" ganharia um competidor, com o advento da Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942. Desde o início, sua atuação junto ao DNCr foi bastante intensa, a ponto de realizarem projetos em conjunto. Todavia, o projeto da LBA seguia um caminho próprio, devido à sua vinculação política com a primeira-dama e uma noção mais tradicional de assistencialismo dirigido aos pobres. De qualquer forma, entretanto, não resultava em perigo para o discurso do Departamento, que, neste nível, só poderia ter sido ameaçado pelas propostas da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que teve sua voz calada pela ditadura.

Em resumo, preservar a saúde da criança pela manutenção da estabilidade de sua família implicava na constituição de meios que executassem esta dupla tarefa, promovendo, ao mesmo tempo, a integração social. Para tanto, os meios físicos deveriam propiciar a assistência material - atendimento médico, distribuição de alimentos etc - e moral - educação das mães e das crianças -, orientadas pelo Estado e contando com a participação de quem já tinha tais problemas resolvidos. Esta dupla tarefa conduziria à constituição de dois tipos de organismos: aqueles mais diretamente ligados à assistência material e outros à assistência moral, sem desconsiderar que os dois deveriam caminhar juntos. Ou seja, uns estabelecimentos seriam médicos e outros, educacionais. Entre os primeiros, destacavam-se os postos de puericultura, os lactários, as gotas de leite e as missões da infância feliz. Entre os segundos, eram previstas: as escolas maternais, as escolas primárias, os jardins de infância, os parques infantis e as casas da criança.

OS MEIOS DE ATUAÇÃO

Mesmo no campo da ação mais "técnica" o discurso produziu opções que eram claramente baseadas nos pressupostos gerais que vêm sendo delineados. O primeiro exemplo é o do planejado serviço de Assistência Obstétrica Familiar. Por seu intermédio, seriam realizados partos nas residências. Já que havia poucas vagas nas maternidades mantidas pelo Estado e pelas instituições particulares, sempre que possível, o parto deveria ser feito no lar. E mais importante, considerava-se inconveniente que a mãe se ausentasse de casa, com os filhos sendo distribuídos entre os parentes e o marido abandonado, sem refeições, roupa lavada e passada etc. Mantendo-se a mãe em casa, o ambiente familiar não seria abalado, mesmo no seu período de "resguardo".

Tal serviço deveria funcionar em todos os Postos de Puericultura, na medida em que haveria ali parteiras habilitadas, prontas a se dirigirem às casas quando solicitadas. Todavia, só há notícia de serviço semelhante efetivamente funcionando em um órgão do DNCr, o Instituto Nacional de Puericultura, localizado no Rio de Janeiro.

O segundo exemplo é o das Gotas de Leite. Sua função seria a de distribuir leite entre as mães necessitadas. Isto deveria ser feito, a rigor, pelo Lactário, independente ou como parte do Posto de Puericultura, mas este era pensado com um sentido didático mais amplo: entregar leite e ministrar ensinamentos sobre amamentação para todas as mães, independente de classe social. A "Gota" era mais claramente ligada ao assistencialismo para com mães pobres, cuja origem se encontrava na República Velha. O Departamento tentou dar-lhe um sentido novo, mas a realidade da pobreza e do status social falaram mais alto e a "Gota", concretamente, manteve seu sentido original. Veja-se:

O Instituto Nacional de Puericultura mantinha uma "Gota". Sua existência era justificada em função da necessidade de se substituir o serviço de amamentação "mercenária" - uso de amas de leite - por um método mais seguro e higiênico. Além de corresponder a um alimento cientificamente balanceado, quando a mãe não podia amamentar, o leite esterilizado evitava que o emprego da ama resultasse em prejuízo para seu próprio filho. As doadoras recebiam uma certa quantia em dinheiro por litro de leite extraído, mas o filho não deveria ter menos de dois meses e também seria acompanhado, de forma que a venda do leite não atrapalhasse a alimentação da criança. O leite doado era pasteurizado, para que se pudesse evitar a adição de leite de vaca a este, com o que o produto ficaria talhado. Isto, provavelmente, era prática comum das mulheres pobres que recolhiam o leite ali, tentando alimentar os demais filhos.

Segundo o DNCr, qualquer um poderia estabelecer uma "Gota", bastando para isto apenas o capital inicial. Quando estivesse em pleno funcionamento, poderia vender 2/3 do leite para particulares pelo dobro do que pagava às doadoras. As doadoras e o pessoal técnico receberiam pagamento, mas o médico poderia abdicar dele em favor do bem público. Resta saber se as mães de classe média, na prática, não prefeririam contratar diretamente as amas, como vinham fazendo desde tempos coloniais, enquanto as pobres recorriam ao serviço pela impossibilidade de fazer o mesmo.

Ainda na questão da pobreza, as chamadas Missões da Infância Feliz foram pensadas como iniciativas, mais uma vez mantidas localmente, que visassem a distribuição de alimentos balanceados às crianças pobres. Tais refeições seriam complementares e acompanhadas, como sempre, de orientação às mães sobre o que preparar para os filhos.

Passando para os projetados estabelecimentos educacionais, os componentes conservadores do discurso tornam-se mais evidentes. Supunha-se que manter a estabilidade da família significava suprir suas deficiências e estimular sentimentos e hábitos que valorizassem o grupo como referência básica da identidade social. Neste caso, o indivíduo deveria ser educado para ver na família, nos amigos, na vizinhança, na pátria, que seria a família estendida, a sua razão de ser. Para tanto, o Posto de Puericultura não estaria capacitado. Seria necessário criar estabelecimentos que recebessem a criança enquanto a mãe fosse trabalhar, de forma que, pelo menos assim, a estabilidade econômica pudesse ser garantida, e, ao mesmo tempo, a educação da criança "física e moralmente sadia" fosse realizada.

O programa educacional do Departamento baseava-se na expansão de objetivos pela qual passara a puericultura desde o período da República Velha, quando a ciência se preocupava com a concepção, gestação, primeira e segunda infâncias. Agora, a terceira infância fora incorporada, surgindo também uma puericultura "social", quer dizer, a mobilização em favor do projeto de bem criar os "filhos da Nação". Isto derivava, sem dúvida, do avanço ideológico de concepções políticas autoritárias, tanto no Brasil quanto na Europa, de onde a puericultura provinha. Esta origem também explica uma preocupação nova: a educação não só no ambiente familiar e na escola como também nos momentos de lazer. A recreação infantil deveria ser orientada, o que refletia problemas específicos de crescimento urbano e do alargamento da classe média, o que não era tão premente no Brasil. Mesmo assim, este aspecto foi incorporado, com grande entusiasmo, no programa do DNCr, talvez porque se encaixasse bem no objetivo de generalização da política para todas as classes, com o que o discurso tocava a invejada classe média urbana brasileira.

É nas iniciativas educacionais, portanto, que o Departamento demonstrava mais claramente o tipo de família que esperava, com o auxílio de sua intervenção, generalizar: a de classe média. Neste modelo ideal, o marido trabalhava, era o "chefe". A mãe ficava em casa, cuidando do lar e da educação dos filhos. Estes permaneciam na escola até que estivessem prontos para trabalhar pelo país, ocupando seu interior e produzindo as riquezas mal exploradas.

O trabalho feminino era visto como o maior do obstáculo para a realização do objetivo. Mas a imagem da mulher que trabalhava era cuidadosamente construída, de forma a transformar a questão em um problema pessoal. Isto implicava numa certa leitura da realidade do campo - onde se encontrava a maior parte da população - e da cidade.

A perspectiva que se tinha da vida familiar no campo era a de equilíbrio e imutabilidade. Na pequena propriedade ou na fazenda dirigida por um proprietário "generoso", o trabalho, tanto do marido quanto da esposa, seria realizado nas imediações da casa. Supunha-se que o seu produto revertia, pelo menos parcialmente, para a família, numa espécie de economia fechada, onde o Estado deveria interferir apenas para resolver os problemas sanitários e prover educação básica. Logo, o trabalho da mulher no campo era visto como complemento das tarefas domiciliares.

Na cidade, a visão se dividia entre três grupos: o operariado, os "pobres" e a classe média e alta. No primeiro caso, partia-se do princípio de que a mulher operária, ou seja, aquela que trabalhava em estabelecimentos industriais, era protegida pela legislação a cargo do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC).

O Departamento via os problemas maternais da operária como de responsabilidade do MTIC. No máximo, fazia sugestões, como a de que se estabelecessem o seguro-maternidade, nos moldes, aliás, do que havia defendido o movimento feminista, como responsabilidade das Caixas e Institutos de Aposentadorias e Pensões. Curiosamente, o Departamento não se apercebeu sequer do campo aberto, desde 1940, pela atuação dos Sindicatos, que poderiam utilizar parte de suas verbas para serviços de assistência materno-infantil, possivelmente devido à importância secundária que a operária tinha no seu discurso.

A mulher pobre fazia parte daquele grupo indefinido entre a marginalidade e a ocupação de tarefas "humildes". A mulher pobre era, de forma estereotipada, a empregada doméstica, eternamente à mercê dos perigos de se tornar, devido à sua suposta ingenuidade, mãe solteira. O seu lar era tido como inevitavelmente instável e o seu filho um abandonado, material e/ou moralmente. Aqui, o problema transmutava-se para a figura do menor abandonado. Não tendo família, o Estado iria provê-la por meio de instituições específicas.

O olhar sobre a família de classe média era suficientemente amplo para incluir tanto a classe trabalhadora - o marido podia ser operário, mas a esposa ficava em casa - quanto os funcionários públicos e os profissionais liberais. Neste caso, o único tipo de ocupação feminina lícita era a de professora primária. Esta família deveria viver numa casa própria, localizada num bairro de tipo habitacional. Era para ela que os estabelecimentos educacionais do DNCr se dirigiam, em cidades grandes ou pequenas. Este modelo de família estaria espalhado por todo país e abrigaria a maior parte das pessoas. O que não se adequasse a ele, seria exceção, minoria ou desvio.

A mulher de classe média, por questões puramente individualistas, como a busca por maior "conforto", ou por um desequilíbrio momentâneo do orçamento familiar, poderia resolver trabalhar. A solução mais efetiva para tal empecilho à boa educação dos filhos seria proibir o trabalho feminino, o que, "infelizmente", mostrava-se impossível (principalmente diante da orientação maior do regime de valorização do trabalho em geral). Daí a necessidade de intervenção do Estado, criando estabelecimentos para os quais as crianças seriam dirigidas enquanto as mães não estivessem em casa, reproduzindo um verdadeiro "ambiente familiar".

No que se refere à mulher de classe alta, o Estado deveria realizar uma campanha no sentido de sensibilizá-la para que abandonasse a vida social intensa, as festas, as viagens etc. Sem problemas econômicos, bastava que permanecesse em casa nos momentos necessários e, nos demais, se engajasse nas obras assistenciais. Assim, contribuiria para a formação da futura elite dirigente e para o crescimento populacional do país.

Os estabelecimentos educacionais imaginados para a classe média eram: a creche, a escola maternal, o jardim de infância, o parque infantil, a escola primária e a casa da criança. Segue-se a forma como eram concebidos.

A creche seria o lugar destinado para receber crianças até dois anos. Devido ao papel da amamentação e a crítica ao trabalho feminino, este tipo de recurso só era considerado correto para as operárias, o que, a propósito, era garantido pelas leis trabalhistas. Daí o fato de mal se falar em creche no programa do Departamento. A sociedade não era estimulada a criá-las e não havia textos sobre seu funcionamento. Apenas se destinavam alguns recursos para as que já existiam, geralmente por intermédio da LBA.

A escola maternal deveria receber crianças de 02 a 04 anos. Sua existência era justificada pelo fato de que a "vida moderna" privaria um bom número de crianças de elementos indispensáveis para o estímulo do desenvolvimento físico e formação de uma personalidade equilibrada. Para que tais objetivos fossem alcançados, justamente nesta faixa etária, a criança deveria ter espaço, "ar livre", onde pudesse exercitar suas atividades motoras, junto de companheiros para brincar, de forma que pudesse ter acesso aos "rudimentos da noção de comunidade".

No entanto, nas grandes cidades, a vida moderna teria assentado as pessoas em pequenos apartamentos ou em casas sem jardim/quintal, privando a liberdade da criança, e, mais ainda, diminuindo o tamanho da família para um ou dois filhos, o que teria agravado a falta de companheiros. A mãe, precisando trabalhar, teria entregue a educação dos filhos a empregados incompetentes ou parentes. Neste caso, o sentido original da família nuclear se perderia. Em qualquer circunstância, a criança se tornaria "nervosa" e teria seu desenvolvimento atrapalhado.

A escola maternal deveria resolver tal dificuldade. Imaginada como uma casa no centro de um grande terreno, a criança deveria passar ali entre 06 ou 07 horas por dia, almoçando, dormindo por duas horas e tendo atividades físicas orientadas por professoras especializadas, as suas "mães modelos".

Além da socialização e do trabalho físico, a escola maternal propiciaria uma ambiente de carinho, no qual a professora substituiria a mãe, mas seria auxiliada por outros profissionais, como o médico, que examinaria todas as crianças na entrada, separando as doentes das sãs. Aquelas seriam dirigidas a uma dependência especial, para receber tratamento adequado. As outras deveriam trocar de roupa e ir para a sala de brinquedos ou jardim, onde teriam acesso brinquedos adequados para sua idade e desfrutariam de jogos em conjunto com os companheiros.

A escola maternal estaria equipada, portanto, com sala de brinquedos, sala de repouso, cozinha dietética, banheiros, rouparia, jardim, solário, sala do médico e isolamento. Sua direção seria entregue a uma mulher com conhecimentos de higiene infantil, psicologia e educação. Haveria também "dietista", atendentes e serventes.

Crianças de 04 a 07 anos seriam levadas para o jardim de infância, onde continuariam a brincar, mas já com a introdução de rudimentos de educação formal, como o reconhecimento do alfabeto, dos números e a silabação. A grande diferença estaria no fato do jardim de infância não ser destinado apenas aos filhos de mulheres que trabalhassem fora de casa. Todas as crianças deveriam freqüentá-lo, pois o processo educativo se iniciaria ali, com o emprego de professoras especializadas, classes ao ar livre e trabalhos manuais.

Já o parque infantil se destinaria a crianças em idade escolar, devendo ser ocupado nos momentos de folga das aulas. Ele poderia ser isolado ou estar em conexão com os anteriores. Quando isolado, além da recreação, deveria assumir também funções educativas e higiênicas. Para tanto, estaria localizado, de preferência, nos bairros de população concentrada. O modelo padrão contaria com 4000m² de terreno plano, de terra batida, cercado com pequenos arbustos e com uma parte coberta - uma miniatura de ambiente natural, em contraposição ao "artificialismo" da cidade - sendo isto suficiente para atender a 300 crianças. Propiciaria também exames médicos e assistência alimentar. Para sua direção, dever-se-ia dar preferência a professoras de educação física. Todos os aparelhos seriam cuidadosamente distribuídos.

Ainda no campo das instituições educativas, nota-se que, para os médicos puericultores, a escola primária deveria deixar de ser um aparelho meramente instrutivo e se transformar num "sistema plasmador de personalidades ajustadas e produtivas". Isto significava que a escola deveria abandonar a atitude de formar uma criança sadia, honesta e conhecedora, mas incapacitada para encarar o mundo real quando chegasse à maturidade. Para preparar cidadãos adaptados a um mundo em mudanças, a escola deveria desenvolver as seguintes atividades:

I) Promover a melhoria social dos alunos: por meio de caixas escolares, por exemplo;

II) Providenciar assistência física: com tratamento médico, merenda etc;

III) Garantir assistência educacional, com os seguintes aspectos;

IV) Físico: ginástica, jogos etc;

V) Emotivo: com jogos educacionais que produziriam auto-controle;

VI) Sanitário: ensinar higiene;

VII) Intelectual: a educação tradicional;

VIII) Moral e cívico: a integração na comunidade representada pela Nação, o que poderia ser feito pelo escotismo;

IX) Religioso: na qual o estado não deveria intervir, mas que deveria existir;

X) Recreativo: dança, canto, literatura etc;

XI) Administrativo: ao participar na organização de clubes, grêmios etc;

XII) Econômico: pelo estímulo à posse de uma caderneta na Caixa Econômica em nome da criança, pela exposição de trabalhos das crianças para venda etc;

XIII) Agrícola: ensinando a criança a ter canteiros de legumes e verduras para a merenda escolar ou como fonte de renda para a Caixa Escolar.

Quer dizer, qualquer espécie de atividade que implicasse em trabalho em grupo, divisão de tarefas, cooperação com fins objetivos, resultando na obtenção de algum produto material deveria ser a tônica da escola. Isto prepararia um cidadão voltado para o grupo e produtor de riquezas, consciente de sua posição social e de seu papel, fosse ele profissional ou sexual, no que se incluía a preparação do marido e da esposa.

Essas preocupações afastavam aspectos ligados ao conteúdo pedagógico e à formação técnica em si, em parte pelo sentido que se procurava dar e em parte porque se esperava que tais problemas fossem resolvidos em outros níveis escolares. Como não havia intervenção do governo federal no ensino primário - só definida na Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional, de 1961 - os médicos encontraram espaço suficiente para especular sobre estabelecimentos educacionais apropriados às regras da puericultura, pois as definições sobre currículos não estavam fechadas.

Por fim, o Departamento projetou uma instituição que reuniria todos os estabelecimentos em um só: a Casa da Criança. Em um grande prédio seriam agrupadas a creche, a escola maternal, o jardim de infância, a escola primária, o parque infantil, o posto de puericultura e, possivelmente, um abrigo provisório para menores, além de um clube agrícola, para o ensino do uso da terra.

Mais uma vez, como no caso de todas as outras instituições do programa do DNCr, o financiamento partiria dos particulares e do Estado em conjunto. Daí tantos projetos serem apresentados. Conforme as possibilidades, cada um seria executado em seqüência. Mas até neste aspecto dever-se-ia desenvolver uma ação educativa, reforçando a idéia de doação e o compromisso que isto implicava.

O nosso sentimentalismo e o hábito de fazer caridade às cegas induz a maior parte destas instituições a prestar os seus serviços gratuitamente a todos os que a elas recorrem. Essa prática deve ser modificada. É indispensável cobrar uma pequena mensalidade, ou talvez melhor uma quota semanal a todas as mães que depositam os filhos para poderem trabalhar. A tarefa de cuidar dos filhos é para elas uma estrita obrigação. Declinando dela para ir ganhar dinheiro, ficam no dever de pagar a quem as substitui. É muito comum entregarem elas os filhos a pretensas criadeiras, que lhes cobram altas mensalidades, e, ignorantes ou sem consciência, sacrificam às vezes irremediavelmente as pobres crianças. "(...) é sabido que prezamos mais aquilo que nos custa trabalho e dinheiro, do que tudo quanto obtemos de graça. (...) O dever de pagar serviços prestados é um princípio moral social que deve ser praticado sempre que possível, no próprio interesse da dignidade pessoal do beneficiado".

Tal pagamento, porém, não seria suficiente para reaver o investimento em prédios, materiais nem para a remuneração do médico, que, como sempre, trabalharia por consciência do dever social. O pagamento, então, cancelaria a idéia de caridade e a suposta prática do "abuso" da caridade, introduzindo a noção de custo e a impossibilidade de seu efetivo ressarcimento. Daí o compromisso moral da elite para com o povo, que deveria retribuir cumprindo sua parte na tarefa de crescimento populacional, de ocupação do interior e de desenvolvimento da Nação.

UM QUADRO GERAL

O discurso dos médicos puericultores nunca foi de todo sistematizado. Havia, entretanto, alguns elementos simbólicos comuns, implicitamente presentes em cada proposta que o DNCr formalizava em suas publicações. Do ponto de vista mais geral, trabalhava-se com aquele dualismo que opunha Cidade x Campo, equivalente ao confronto entre Artificial x Natural e Indivíduo x Coletivo. O primeiro pólo era sempre mal visto, enquanto o segundo correspondia a uma condição a ser restaurada. Apesar dos enunciadores do discurso terem sido quase todos médicos, portanto, profissionais formados na tradição do avanço e da evolução do saber, pelo menos em seus aspectos técnicos, afastando-se desse passado idealizado, o dualismo estava tão arraigado nas suas idéias que chegava a haver mesmo um menosprezo da prática instrumental da medicina. A criança era o passado do adulto, este pólo mais antigo, ingênuo, natural. Ela teria uma tendência natural à cura. Bastava que recebesse a alimentação adequada e vivesse em um ambiente que fugisse a todo artificialismo, o que significava, no fim, estimular seu envolvimento com outras pessoas. Para garantir este tipo de coisa, havia dois tipos de intervenção a serem realizadas: uma mais científica e outra ética, mas não de todo separadas. Quem cuidasse da criança deveria estar habilitado e, ao mesmo tempo, carregar o afeto e a dedicação necessários para que todo universo natural pudesse ser reestabelecido. Daí a idéia de que a intervenção do Estado deveria ser mínima. Em primeiro lugar, por razões práticas, já que a constituição de um aparelho burocrático grande era tida como custosa e ineficiente. Mais importante, porém, é o fato de que, no discurso, o Estado teria como sua contrapartida a Sociedade, aquele campo de "artificialismo" do qual se pretendia fugir. O Departamento queria que as pessoas cuidassem das crianças. A coletividade coesa, fundada na família, seria o melhor contraponto para a natureza. Mas o mundo não possuía tal face. A solução estaria no laço corporativo entre Estado e aquelas figuras sociais que, por sua natureza, seriam capazes de lidar com as crianças. Assim, o lema era: o Estado orienta e as pessoas fazem.

O naturalismo era um elemento estruturante do discurso. Tudo deveria ser feito no sentido de redirigir as atenções para o grupo humano básico, a família. Partos deveriam ser feitos em casa, para que a família não se desagregasse. A mãe deveria amamentar a criança, para evitar a introdução de uma figura externa, a ama de leite. A mãe não deveria trabalhar, para ter tempo e se dedicar aos filhos. Havia, implicitamente, um ideal de estabilidade de família que, refletia uma imagem idealizada da família européia de classe média; nada mais urbano do que isto. Por vias tortuosas, o discurso, que começou com um ideal de natureza, retornou à sociedade. Nada estranho, já que uma das características de toda ideologia é, por intermédio de silêncios, inversões e mudanças de ênfase, incorporar contradições sem se perceber.

O projeto de uma educação total, que incluía higiene, comportamento, recreação e ensino formal tinha o objetivo de fazer o que a família não vinha conseguindo: formar pessoas capazes de trabalhar em grupo, unificadas por ideais de coletividade que incluíam todos, apesar de suas diferenças sociais, em favor de um objetivo maior: a construção da Nação. Assim, cada um cumpriria o seu papel, tendo por base aquela infância bem formada, tanto física como "moralmente".

Havia complicadores diante do discurso do Departamento. O maior deles talvez fosse a pobreza. Seus médicos acreditavam que uma educação correta das mães resolveria boa parte dos problemas de nutrição das crianças, mas nunca incorporaram uma preocupação sistemática sobre como as mães conseguiriam os alimentos. Este problema, no entanto, existia e não podia ser ignorado. Daí algumas iniciativas sempre incluírem mecanismos assistencialistas mais tradicionais, como a doação de leite ou alimentos. De qualquer forma, isto era sempre visto como suplemento do programa. Se houvesse pobreza, que fosse auxiliada, mas a tarefa principal não era concebida como sendo esta.

O DNCr organizou, durante o Estado Novo, várias comemorações na semana em que caía o dia da criança, época em que vinha a público, de maneira organizada e com grande investimento propagandístico para apresentar suas idéias. Não havia interlocutores em condições de fazer críticas e apresentar alternativas. Mesmo assim, o programa permaneceria, em linhas gerais, o mesmo nos anos que se seguiriam à queda de Vargas, perdendo seus aspectos ideológicos mais salientes e se reduzindo à prática da assistência nos Postos de Puericultura. O que interessa aqui é que seus componentes ideológicos básicos pertenciam a uma tradição também reconhecida no Brasil. Ocorre que o Departamento fez uma leitura conservadora deles, aproveitando-se da situação privilegiada de atuar em um instante de fechamento político. Sem fugir a uma característica geral do Estado Novo, porém, os médicos puericultores souberam construir uma mensagem positiva para que ela ocupasse o lugar de outra. O regime fez isto com relação ao mundo do trabalho14 11 Puericultura é o estudo do desenvolvimento físico, mental e moral da criança. Tecnicamente falando, estes médicos deveriam ser pediatras, mas sua identificação com a puericultura demonstra a amplitude de seu interesse. e conseguiu o mesmo no campo da assistência materno-infantil. O modelo dominante na República Velha fora o de instituições particulares, subsidiadas pelo Estado, voltadas para o apoio a mães e crianças pobres. O DNCr mudou o objeto da política para todas as mães e crianças. Para tanto, utilizou-se daquele antigo dualismo que endeusava a criança, só que com uma chave conservadora de leitura. Por outro lado, durante os anos 30, o movimento feminista chegou a questionar esta construção, apresentando uma leitura complemente diferente do tema. A comparação entre os dois é importante para que sejam demarcadas as esferas de possibilidades existentes. Com esta intenção, apresento, em seguida, a proposta feminista.

O DISCURSO FEMINISTA SOBRE A INFÂNCIA

O Estado Novo foi responsável pelo silenciamento de forças políticas como o PCB, como o movimento negro15 11 Puericultura é o estudo do desenvolvimento físico, mental e moral da criança. Tecnicamente falando, estes médicos deveriam ser pediatras, mas sua identificação com a puericultura demonstra a amplitude de seu interesse. e o feminista16 16 Ver SOIHET, Rachel. Bertha Lutz e a ascensão social da mulher. 1919-1937. Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1974. , atingidos pela repressão, pelo fechamento do Congresso e pela propaganda oficial. Assim, é interessante abordar um projeto de lei, apresentado à Câmara dos Deputados pouco antes do golpe de 1937, o que selou seu destino, que pretendia criar o Departamento Nacional e o Conselho Geral do Lar, Trabalho Feminino, Previdência e Seguro Social. O projeto fora longamente discutido na Comissão de Estatuto da Mulher, que era presidida pela deputada Bertha Lutz. Seguindo determinações do III Congresso Feminino Nacional, realizado em 1936, ela expôs à Comissão um primeiro texto, que criava o Departamento Nacional da Mulher. Ele foi criticado pelos deputados Prado Kelly e Carlota Pereira de Queiroz, com a conseqüente modificação de seu conteúdo.

Para Bertha Lutz, o Departamento da Mulher tinha como função principal a fiscalização do trabalho das mulheres e das menores e a administração do Seguro Maternal. Este era definido como um fundo, mantido pelo Estado, pelo empregador e pela empregada, que deveria prover o sustento da mulher na época da gravidez e do parto, de forma que ela pudesse se ausentar do trabalho sem preocupação com o salário.

O Departamento da Mulher também cuidaria da educação feminina, da preparação de pessoal técnico para as atividades de fiscalização e de "orientar e dirigir o amparo à maternidade, coordenando, fiscalizando e criando as instituições necessárias para esse fim". Haveria, a seu lado, um Conselho Nacional da Mulher, com o qual a repartição do MES dedicada à "assistência sanitária à mulher" (ou seja, o núcleo que viria formar o DNCr) deveria se articular. O órgão, contudo, não era definido como uma pasta ministerial, nem como submetido diretamente à Presidência.

O projeto de Bertha Lutz, portanto, interferia diretamente nos projetos dos médicos puericultores do MES, que já vinham sendo gestados. A simples existência de um órgão voltado para a mulher como trabalhadora, estando calcado numa relação corporativa com as associações de mulheres - e não de "senhoras" - representava competição e questionamento suficientes para o modelo do futuro DNCr.

No seu parecer, Prado Kelly defendeu a posição do MES, observando que os atos da administração geral relativos ao amparo à maternidade e à infância lhes eram relativos, de forma que o Departamento da Mulher deveria se resumir a atribuições fiscalizadoras e orientadoras. Carlota de Queiroz, em seguida, observou que a regulamentação do trabalho não seria o maior problema da mulher. A educação e a saúde seriam mais importantes, o que justificaria a subordinação do Departamento da Mulher ao MES, onde as questões relativas à educação feminina seriam inclusas no plano geral de educação do país. Ela também sugeriu uma mudança de nome, para Departamento de Amparo à Mulher e à Criança, que seria o núcleo de um futuro Departamento de Assistência Social, responsável por todas as iniciativas assistenciais.

Lutz defendeu suas propostas, fazendo referências aos compromissos assumidos pelo Brasil perante a Organização Internacional do Trabalho. Insistiu na necessidade do ensino feminino doméstico, que poderia incluir até o ensino superior de economia do lar como capacitador da cidadania feminina, e criticou o modelo assistencialista e a situação de exploração da mão-de-obra feminina urbana:

Pouco adianta a consulta gratuita em ambulatórios a pacientes que se acham desprovidas de meios de se locomoverem da casa ao hospital e de adquirirem os medicamentos receitados.

(...)

os problemas das mães pobres não tem solução adequada nem sequer na Capital do País. Diariamente batem elas Às portas da Câmara para exporem às Deputadas as condições de miséria e de sofrimento em que renovam as gerações de brasileiros.

Após alguma negociação, decidiu-se submeter o Departamento da Mulher ao controle do MTIC e não do MES e dividir seus poderes com um Conselho Geral, composto por Conselhos Técnicos, alguns anexos ao MTIC (do Lar, do Trabalho Feminino e do Seguro Maternal e Previdência), e outros ao MES (da Educação Feminina Doméstica e Vocacional e o do Amparo Sanitário à Mãe e à Criança). O Departamento e seu Seguro Maternal seriam sustentados pela cota constitucional de 1% das receitas gerais, introduzida no texto de 1934, a ser dividida com o núcleo do MES (Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância) que geraria o DNCr.

Não é possível saber se o projeto seria aprovado pelo Congresso Nacional, considerando as prováveis objeções do MES e o MTIC. Mesmo assim, um outro discurso foi engendrado e, sustentado por uma organização coletiva, apresentou-se para a sociedade. Mesmo que não vencesse o embate, tratava-se de uma outra visão. As feministas encaravam um público diferente: não mais as mães e crianças, mas as mulheres trabalhadoras. O seu princípio unificador era uma noção de cidadania conquistada pela participação igualitária no mercado de trabalho, não no sentido de que as mulheres desenvolvessem exatamente as mesmas atividades que os homens, mas que, em sua especificidade, tivessem a oportunidade de desempenho profissional. Isto significa, por exemplo, que as feministas reconheciam o trabalho doméstico como uma atividade feminina, o que não significa que ele não pudesse ser realizado por pessoas preparadas para isto, através de um processo educativo específico. Fica implícita a concepção de uma política social fundada no direito civil e não na caridade (conforme a visão mais antiga) ou no projeto conservador de unidade da família (na visão dos médicos puericultores).

Concluiu-se que no Estado Novo, constituiu-se em um programa de assistência à infância que produziu uma leitura conservadora de uma simbologia dualista sobre as crianças. Esta era, porém, apenas uma das possibilidades. Um discurso completamente novo foi capaz de emergir e se mobilizar para disputar o mesmo espaço. Não é possível medir até que ponto ele tinha apoio da Sociedade, mas tratava-se de um competidor. Ao ser silenciado, facilitou a ascensão da interpretação dos puericultores.

UMA ALTERNATIVA DOMÉSTICA

Calado o movimento feminista, os médicos do DNCr viram-se, pelo menos uma vez, questionados em seu modelo. Trata-se de um relatório feito pelo sociólogo Alberto Guerreiro Ramos, que trabalhava nos quadros docentes dos cursos preparatórios do próprio Departamento. Ele não só dava aulas de sociologia aos médicos, como interpretava dados levantados pelos técnicos. Nestas circunstâncias, teve acesso a pesquisas, por exemplo, sobre a população favelada do Rio de Janeiro, onde se verificava a alta incidência de emprego, mas com pequeno ganho salarial, o que desmentia a visão tradicional sobre estes contingentes como "desocupados". Assim, ele propôs novas interpretações aos médicos do Departamento.

Para Guerreiro Ramos, havia, no estudo das anomalias, três tipos de ambientes: o primitivo, o rural e o urbano. O que os diferenciava era o processo de socialização e de integração dos indivíduos no grupo maior. Dessa maneira, nas sociedades primitivas, a socialização seria total, já que não haveria diferenças sócio-econômicas entre as pessoas. Nas sociedades rurais, todavia, introduzia-se alguma diferenciação, mas como a agricultura seria responsável por um alto grau de estabilidade familiar (pela posse da terra, divisão do trabalho, alianças etc) a socialização seria abrangente. Nas sociedades urbanas, por outro lado, as pessoas passariam a viver num "meio artificial", onde os laços de solidariedade seriam substituídos pela impessoalidade e o individualismo. Aí, portanto, as anomalias seriam maiores, devido à interrupção de uma certa tendência para o equilíbrio social.

Veja-se que, num sentido geral, a argumentação deslocava o problema do campo para a cidade, dando pouca importância a fatores "genéticos" e desconsiderando a questão da "falta de educação". Nas palavras de Guerreiro Ramos:

A mortalidade infantil, a mortalidade materna, a delinqüência juvenil e o menor abandonado são os problemas capitais que concernem à política do Departamento Nacional da Criança. Acreditamos ser da maior importância que os médicos puericultores se familiarizem com os estudos sociológicos sobre a cidade porque aqueles problemas estão intimamente relacionados com as condições ambientais. A sociologia da cidade irá mostrar que não se deve dar excessiva ênfase ao aspecto biológico daqueles problemas. Eles são problemas sociais.

Logo, a atenção deveria se dirigir para os grandes centros urbanos. Por isso, os médicos precisariam conhecer os problemas das cidades, de forma a intervir onde fosse necessário. Este saber, segundo Guerreiro Ramos, baseava-se na metáfora biológica do organismo. A cidade seria como uma planta em crescimento. Tal qual um ser vivo, a cidade teria um metabolismo, onde predominariam os movimentos de eliminação (catabolismo) e de incorporação (anabolismo) de pessoas e valores. Na cidade, portanto, ocorreriam os seguintes processos: concentração, centralização, segregação, invasão, sucessão, descentralização e rotinização.

Tais fenômenos teriam uma expressão geográfica. Cada cidade possuiria quatro grandes áreas universais. Na Zona I, o distrito central de negócios, onde se dariam os processos de centralização e de concentração. Na Zona II, considerada de "transição provisória", predominariam as regiões decadentes, invadidas pelas atividades da Zona I. Seria o lugar de residência das pessoas mais atingidas pela desorganização e falta de solidariedade. A Zona III seria mais estável, constituída pelos bairros habitacionais de classe média. A Zona IV seria a suburbana, onde a influência do meio rural seria maior.

Os problemas mais significativos se localizariam, portanto, na Zona II, a dos bairros pobres e favelas, onde conviviriam a prostituição, a delinqüência juvenil, a vadiagem, a mortalidade infantil e materna. Assim, os médicos deveriam identificar tais áreas e agir nelas:

As causas da mortalidade infantil, da mortalidade materna, da delinqüência juvenil e do abandono do menor não são apenas biológicas. O Posto de Puericultura, a Maternidade, a visita domiciliar do médico e da enfermeira são, certamente, poderosos instrumentos de luta contra aqueles males, mas há outras faces do problema que devem ser consideradas. Existem na cidade focos de mortalidade infantil e materna, focos de delinqüência juvenil. A resolução do problema requer não só o tratamento dos indivíduos como a modificação dos ambientes. A mortalidade infantil e a materna são máximas nas classes de baixo nível econômico. A desnutrição materna, o trabalho materno, a falta de assistência médica, a habitação em comum em ambientes anti-higiênicos, decorrentes do baixo padrão de vida são causa importantíssimas daqueles males.

A ação, diante disso, deveria se dar da seguinte maneira: 1) localização, em cada foco, de Postos de Puericultura e Maternidades; 2) construção, em cada foco, de habitações higiênicas; 3) localização, em cada foco, de restaurantes populares. Com isso, Guerreiro Ramos não discordava dos meios propostos no programa do DNCr, mas os dirigia especificamente para a população pobre. Ele não fazia qualquer menção a um projeto mobilizador. Pelo contrário, a ação estatal direta seria essencial:

(...) o maior obstáculo à realização de um plano pluridimensional dos serviços de puericultura não é devido à ausência de pessoal habilitado e de dirigentes capazes, mas à extensão do campo do DNCr e à falta de verbas suficientes.

Dessa forma, a burocracia do Departamento teve em suas mãos não só dados como também uma interpretação "cientificamente orientada" em favor de uma política de fundo estatal e diretamente voltada para a população trabalhadora urbana. Mesmo assim, não incorporou tais elementos ou sequer tentou criticá-los. As sugestões de Guerreiro Ramos foram simplesmente ignoradas. Trata-se de um silêncio revelador. Afinal, a abordagem descrita, seguindo uma antiga tradição na sociologia, estava baseada em uma questão que também era candente para a abordagem do DNCr: a solidariedade grupal. Ocorre que, para Guerreiro Ramos, o retorno puro e simples a um estágio "comunal" seria impossível. Ele estava se referindo à sociedade, cujo contraponto só poderia ser o Estado, daí a necessidade de sua intervenção para, por meio de políticas compensatórias, eliminar os riscos da desgregação e das anomalias produzidas pelo individualismo. Os médicos puericultores também desejavam o reforço da solidariedade, mas por um processo eminentemente conservador, no sentido original desta palavra, ou seja, voltado para o passado, quando a comunidade ideal, dirigida por uma elite responsável, estaria pronta para assumir suas responsabilidades perante "os de baixo". Daí o diagnóstico recuperar elementos simbólicos do século XVIII, o que nos leva à conclusão.

O DISCURSO NO TEMPO

Em sua abordagem sobre a sociologia do conhecimento, Michael Löwy17 16 Ver SOIHET, Rachel. Bertha Lutz e a ascensão social da mulher. 1919-1937. Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1974. analisa o processo pela qual o positivismo surgiu como uma ideologia radical e questionadora da ordem estabelecida, no fim do século XVIII, até adquirir um perfil plenamente conservador na metade do XIX, sob a batuta de Comte. Não é estranho que discursos mudem de sentido ao longo do tempo. No caso citado, o autor relaciona a mudança com o processo de ascensão da burguesia. O objeto desse artigo não apresenta uma evolução tão sensacional, mas revela um jogo emblemático de interações. Em primeiro lugar, há um conjunto de elementos simbólicos que, de maneira resumida, produziram um endeusamento da figura da criança. Trata-se de um longo processo histórico, que inseriu no nível das mentalidades coletivas, mesmo que de maneira dispersa, ideais e representações sobre a infância que implicam em uma chave de leitura mediada pelo afeto. Uma criança não pode ou não deve ser encarada objetivamente, sem paixões. Rousseau foi, provavelmente, o intelectual que melhor captou tais sentimentos, oferecendo-lhes uma leitura específica. Num momento histórico de profundo trauma causado pelo advento da sociedade burguesa e de seus padrões típicos de relações sociais, quando surgiram tantos exemplos de retorno a um passado idealizado, o filósofo soube combinar as duas visões, voltada para o passado, portanto, conservadora, baseada na metáfora dualista do Estado de Sociedade x Estado de Natureza, com outra muito mais moderna e radical, que identificava a propriedade privada, quer dizer, o nexo fundamental do capitalismo, como a fonte de toda crise que se passava. A solução de Rousseau, portanto, associava afeto com liberdade. Em que pese seu conteúdo utópico, ela era progressista.

No Brasil do Estado Novo, a proteção materno-infantil foi pensada com recurso à mesma metáfora dualista, só que com um viés claramente conservador. Conseguiu, tantos anos depois, ocupar o lado oposto do espectro político. Uma primeira conclusão importante é que sentimentos e concepções de mundo arraigadas na longa duração podem ser manipulados e lidos de maneiras diversas, o que revela a existência daquele "tempo medianamente longo" de Vovelle, baseado no confronto de propostas. No caso específico aqui abordado, o DNCr, refletindo o projeto político do regime varguista, colocou-se contra o antigo discurso assistencialista, guiado pela caridade para com mães pobres, em favor de uma abordagem que incluísse todas as mães e crianças. Esta expansão dos campos de ação da política social tinha raízes na longa evolução do pensamento autoritário, que oferecia justificativas ideológicas para a intervenção do Estado na tarefa de "construção da Nação". Mesmo com esta conexão, os médicos do DNCr construíram uma abordagem que chegava até a entrar em contradição com outros aspectos importantes da ação governamental, como a valorização do trabalho em geral, inclusive o feminino. Eu não tratei aqui das razões eminentemente políticas que levaram a este resultado. O que importa é que o discurso produzido reelaborou toda uma simbologia inscrita na mentalidade coletiva. Seu mecanismo fundamental foi o de, retomando o dualismo, transformar a criança em objeto do afeto da mãe, que teria naturalmente esta capacidade, só interrompida pelo exercício do trabalho. Desta forma, ao tornar a criança o centro da política, culpabilizou, de uma maneira eminentemente personalista, a mãe, apagando a imagem da trabalhadora, além de excluir a figura do pai e, portanto, do trabalhador.

O movimento feminista chegou a sustentar uma abordagem progressista do problema, quando inverteu os pólos e se concentrou na figura da trabalhadora, relegando a questão do afeto a um nível privado, e enfatizando os aspectos públicos da assistência materno-infantil. Na sua leitura, a mulher trabalhadora, imbuída de direitos de cidadania, deveria ter acesso a meios compensatórios geridos pelo Estado para garantir, ao mesmo tempo, sua condição de mãe e profissional inserida no mercado de trabalho.

O afeto, portanto, não é, necessariamente, elemento para um viés conservador sobre as dificuldades atinentes ao universo infantil. Mais ainda, a ingenuidade contida nas idéias dos médicos do Departamento, pelo menos, guarda uma utopia participativa que se perdeu. Ainda hoje o dualismo é uma marca das reflexões sobre a criança e seu antípoda demonizado, o menor, porém a leitura é eminentemente burguesa, no sentido da mercantilização das relações sociais. O passado mostra que é possível inverter sentidos, mesmo quando se trata de sentimentos arraigados na mentalidade coletiva.

NOTAS

2Ver ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2ª ed., Rio de Janeiro, LTC, 1981.

3Ver, por exemplo, BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. 8ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.

6Ver THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

7É algo que ainda existe, sem dúvida, mas perdeu muito do seu impacto.

8Para maiores detalhes, ver o meu artigo citado acima.

9Ver VOVELLE, Michel. "A história e a longa duração" In LE GOFF, Jacques (org.). A nova história. 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1993, pp. 68-96.

12Ver adiante.

13Por uma questão de espaço, não abordarei este assunto aqui.

14Ver GOMES, Angela C. A invenção do trabalhismo. São Paulo/Rio de Janeiro, Vértice/IUPERJ, 1988.

15Ver MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo, Ática, 1988.

17Ver LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 5ª ed., São Paulo, Cortez, 1994.

Artigo recebido em jun./99, aprovado em out./99

  • 1Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de História, que destacou a relevância do processo concreto que levou ŕ formaçăo da citada política. Neste artigo, porém, optei por abordar as suas bases ideológicas, na medida em que já analisei a implementaçăo do programa em PEREIRA, André R. "Criança x Menor: a origem de dois mitos da política social brasileira". In ROLLEMBERG, Denise (org.). Que história é essa? Novos temas e novos problemas em história Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pp. 91-109.
  • 2Ver ARIČS, Philippe. História social da criança e da família 2Ş ed., Rio de Janeiro, LTC, 1981.
  • 3Ver, por exemplo, BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno 8Ş ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
  • 4O que se segue é baseado em tręs livros de ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Brasília/Săo Paulo, Edund/Ática, 1989;
  • Emílio ou Da educaçăo. 3Ş ed., Săo Paulo, Difel, 1979; O contrato social Săo Paulo, Martins Fontes, 1977.
  • 5Ver BENDIX, Reinhard. Construçăo nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança Săo Paulo, Edusp, 1996.
  • 6Ver THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional Săo Paulo, Companhia das Letras, 1998.
  • 9Ver VOVELLE, Michel. "A história e a longa duraçăo" In LE GOFF, Jacques (org.). A nova história 2Ş ed., Săo Paulo, Martins Fontes, 1993, pp. 68-96.
  • 10Daqui em diante reproduzo, com algumas modificaçőes, partes da minha dissertaçăo de mestrado em história. Para năo sobrecarregar o texto, năo farei referęncias ŕs fontes primárias. Qualquer dúvida, ver PEREIRA, André R. V. V. Políticas sociais e corporativismo no Brasil: o Departamento Nacional da Criança no Estado Novo Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1992.
  • 14Ver GOMES, Angela C. A invençăo do trabalhismo Săo Paulo/Rio de Janeiro, Vértice/IUPERJ, 1988.
  • 15Ver MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro Săo Paulo, Ática, 1988.
  • 16Ver SOIHET, Rachel. Bertha Lutz e a ascensăo social da mulher. 1919-1937 Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1974.
  • 17Ver LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o Barăo de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento 5Ş ed., Săo Paulo, Cortez, 1994.
  • 1
    Agradeço ao parecerista anônimo da Revista Brasileira de História, que destacou a relevância do processo concreto que levou à formação da citada política. Neste artigo, porém, optei por abordar as suas bases ideológicas, na medida em que já analisei a implementação do programa em PEREIRA, André R. "Criança x Menor: a origem de dois mitos da política social brasileira". In ROLLEMBERG, Denise (org.).
    Que história é essa? Novos temas e novos problemas em história. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pp. 91-109.
  • 4
    O que se segue é baseado em três livros de ROUSSEAU, Jean-Jacques.
    Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Brasília/São Paulo, Edund/Ática, 1989;
    Emílio ou Da educação. 3ª ed., São Paulo, Difel, 1979;
    O contrato social. São Paulo, Martins Fontes, 1977.
  • 5
    Ver BENDIX, Reinhard.
    Construção nacional e cidadania: estudos de nossa ordem social em mudança. São Paulo, Edusp, 1996.
  • 10
    Daqui em diante reproduzo, com algumas modificações, partes da minha dissertação de mestrado em história. Para não sobrecarregar o texto, não farei referências às fontes primárias. Qualquer dúvida, ver PEREIRA, André R. V. V.
    Políticas sociais e corporativismo no Brasil: o Departamento Nacional da Criança no Estado Novo. Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1992.
  • 11
    Puericultura é o estudo do desenvolvimento físico, mental e moral da criança. Tecnicamente falando, estes médicos deveriam ser pediatras, mas sua identificação com a puericultura demonstra a amplitude de seu interesse.
  • 16
    Ver SOIHET, Rachel.
    Bertha Lutz e a ascensão social da mulher. 1919-1937. Mestrado em História. Niterói, ICHF/UFF, 1974.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2000
    • Data do Fascículo
      1999

    Histórico

    • Recebido
      Jun 1999
    • Aceito
      Out 1999
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