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Educação, memória e patrimônio: ações educativas em museu e o ensino de história

Resumos

Neste artigo, apresentamos como as categorias próprias da produção historiográfica e do campo da educação deram suporte teórico e metodológico ao desenvolvimento do projeto de pesquisa e extensão que norteou a ação desenvolvida no Memorial da UFRPE, museu mantido pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Com base nessas referências, produzimos um discurso museográfico e um conjunto de ações educativas sobre o passado que - sendo passível de diferentes leituras por parte do público - pretende dar espaço para a construção de novos significados ao passado da comunidade retratada.

patrimônio histórico; ações educativas; memória


In this article we show how categories from historiographic production and the field of education provided theoretical and methodological support for a research and further education project that guided the actions carried out at the UFRPE Memorial, a museum belonging to the Rural Federal University of Pernambuco. Based on these references we produce a museographic discourse and a set of educational actions about the past - which are subject to different interpretations by the public - with which it is intended to allow space for the construction of new meanings of the past to the community being portrayed.

historical heritage; educational actions; memory


DOSSIÊ: HISTÓRIA, EDUCAÇÃO E INTERDISCIPLINARIDADE

Educação, memória e patrimônio: ações educativas em museu e o ensino de história1 1 O projeto contou com o apoio do Programa de Bolsas de Extensão da Prae/UFRPE e do Programa de Bolsas de Incentivo Acadêmico – BIA/Facepe/UFRPE.

Ricardo de Aguiar Pacheco

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Av. Dom Manuel de Medeiros, s/n, Bairro Dois Irmãos. 52171-900 Recife – PE – Brasil. pacheco_aguiar@yahoo.com.br

RESUMO

Neste artigo, apresentamos como as categorias próprias da produção historiográfica e do campo da educação deram suporte teórico e metodológico ao desenvolvimento do projeto de pesquisa e extensão que norteou a ação desenvolvida no Memorial da UFRPE, museu mantido pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Com base nessas referências, produzimos um discurso museográfico e um conjunto de ações educativas sobre o passado que – sendo passível de diferentes leituras por parte do público – pretende dar espaço para a construção de novos significados ao passado da comunidade retratada.

Palavras-chave: patrimônio histórico; ações educativas; memória.

Ao longo do primeiro semestre de 2009 coordenamos a equipe de trabalho do Memorial da UFRPE (museu institucional mantido pela Universidade Federal Rural de Pernambuco) na concepção e montagem da exposição permanente "UFRPE: ensino, pesquisa e extensão". Como desdobramento dessa ação, no segundo semestre foram concebidas e preparadas as ações educativas (voltadas a públicos de diferentes faixas etárias) que potencializavam os discursos e os sentidos sobre o passado dessa instituição de ensino superior. Neste artigo, apresentamos as reflexões teóricas oriundas do projeto de pesquisa e extensão que norteou a utilização do museu como espaço de aplicação das referências teóricas de produção do discurso historiográfico e de difusão de determinada narrativa sobre o passado, com vistas a produzir uma memória coletiva positiva para a comunidade. O que apresentamos a seguir é o registro das reflexões teóricas produzidas na execução dessa operação e o que ela nos ensinou sobre o trabalho do historiador no campo da educação em museus.

HISTÓRIA E MEMÓRIA

A formalização de práticas de preservação e difusão da memória institucional é cada vez mais comum nas sociedades contemporâneas. Essas ações vêm atender a um movimento que historiadores como Jacques Le Goff descrevem como uma tecnificação, uma profissionalização dos processos de guarda e difusão dos elementos simbólicos que unificam grupos sociais. A memória coletiva transmitida pela tradição oral típica das comunidades primitivas cede lugar à memória oficial, registrada e documentada, produzida por especialistas detentores das técnicas e da autoridade de articular os enunciados sobre o passado.

A memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção.

A memória individual, entendida como a capacidade cognitiva de evocar elementos materiais ou simbólicos ausentes, é enriquecida, segundo Maurice Halbwachs, pela memória coletiva. Esta é produzida e difundida pelos depoimentos que os sujeitos autorizados enunciam através de diferentes lugares sociais.

Haveria, portanto motivos para distinguir duas memórias, que chamaríamos, por exemplo, uma interior ou interna, a outra exterior – ou então uma memória pessoal e a outra, memória social. À primeira caberia ajuda da segunda, já que, afinal de contas, a história de nossa vida faz parte da história em geral. A segunda, naturalmente, seria bem mais extensa do que a primeira. Por outro lado, ela só representaria para nós o passado sob uma forma resumida e esquemática, ao passo que a memória da nossa vida nos apresenta dele um panorama bem mais contínuo e mais denso.

Ao ser reconhecida como narrativa legítima do passado de um grupo social, a memória coletiva atua como elemento constituinte de uma identidade social. Nesse momento, a memória para além de lembrança de um passado que já se foi aponta para as potencialidades de um futuro que se deseja construir. Foi justamente em razão desse elemento identitário que os Estados nacionais, os grupos étnicos e diferentes instituições passaram a desenvolver políticas de registro e difusão de sua memória coletiva. Para autores como Pedro Paulo Funari,

O conjunto de objetos culturais, materiais e imateriais herdados pelos contemporâneos somente passa a constituir o patrimônio histórico das comunidades quando é reconhecido como tal pelo sujeito que o incorpora à sua experiência. Para Maria Cecília Londres Fonseca, esse processo implica atribuir aos objetos um valor simbólico que originalmente não lhes pertencia: "No caso dos patrimônios históricos e artísticos, o valor que permeia o conjunto de bens, independente de seu valor histórico, artístico, etnográfico etc., é o valor nacional, no caso a nação".

De outra parte, a crescente luta de diferentes grupos sociais pelo reconhecimento de sua identidade tem relativizado os discursos oficiais e oficiosos sobre o passado exigindo, como aponta Stuart Hall, a inclusão de novos discursos identitários.

Alguns teóricos argumentam que o efeito geral desses processos globais tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural. Eles argumentam que existem evidências de um afrouxamento de fortes identificações com a cultura nacional, e um reforçamento de outros laços e lealdades culturais, "acima" e "abaixo" do Estado-nação.

E, como aponta Dominique Poulot, as políticas públicas de valorização dos bens culturais das sociedades contemporâneas se ligam ao reconhecimento desses objetos, primeiramente, por parte das comunidades locais que se relacionam diretamente com eles.

Neste aspecto, o patrimônio não deixa de ser – como havia sido sempre – o resultado de um processo consciente de seleção; mas, nesta perspectiva, é baseado em apreciações particulares. Para sua inclusão no patrimônio, monumentos ou sítios culturais devem ser marcados, em primeiro lugar, com um sinal positivo por indivíduos ou grupo.

É nesse movimento que diferentes grupos sociais passam a materializar suas memórias através da construção de "lugares de memória como os monumentos, os museus e memoriais. Os objetos que eles guardam são alegorias do passado que se deseja lembrar. Isso significa que eles não são o próprio passado, mas objetos culturais selecionados e ordenados para produzir um discurso sobre o passado que atenda às demandas da comunidade de evocar o seu passado. Como aponta Lucia Lippi Oliveira, "nos dias de hoje os museus estão em pleno renascimento, mas sua valorização está menos atrelada à sua contribuição à ciência, pois são vistos como espaços privilegiados da construção da memória e da identidade".

A ação do historiador no campo do patrimônio e no espaço do museu, portanto, não se limita a articular um discurso teórica e tecnicamente coerente sobre o passado. Faz-se necessário que essa versão também esteja articulada com as versões e demandas que as comunidades desejam legitimar sobre o seu passado, sobre a memória que desejam para si. Assim, para o historiador que trabalha com a memória institucional (ou de grupos sociais) surge uma dupla responsabilidade: falar do passado, explicitando os conflitos e as disputas que nele se encontram, ao mesmo tempo em que se forma uma identidade positiva para a comunidade retratada.

MUSEU E EDUCAÇÃO

O Memorial da UFRPE é uma unidade administrativa da universidade que tem como função guardar, pesquisar e divulgar a história dessa universidade, contribuindo, assim, para a formação da identidade de sua comunidade inter na – docentes, discentes e técnicos administrativos – mas também das comunidades que estão no seu entorno. Esse órgão foi instituído na Universidade Federal Rural de Pernambuco pela resolução número 19/90 do Cepe e regulamentado pela resolução 83/90. Podemos dizer que essa estrutura surgiu e se estabeleceu a partir de uma percepção da instituição – de seus professores, técnicos e discentes – de que a trajetória da universidade, suas conquistas e seu papel junto à comunidade não poderiam ser relegados ao esquecimento. Antes, devem ser lembrados não apenas como motivos de orgulho, mas também como estímulo para o enfrentamento dos novos desafios a que as instituições de ensino superior do país são postas. A edificação de "lugares de memória", como sustenta Pierre Nora, nasce de uma necessidade objetiva dos grupos sociais:

Os lugares de Memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais. É por isso que a defesa, pelas minorias, de uma memória refugiada sobre focos privilegiados e enciumadamente guardados nada mais faz do que levantar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória.

Em 2006, a casa onde residiu o professor Ivan Tavares, professor emérito da UFRPE, foi restaurada e adequada para abrigar o Memorial da UFRPE. Atualmente, a Casa Ivan Tavares conta com salas de exposição, sala climatizada para a guarda dos documentos significativos da memória institucional, espaço para reserva técnica, espaços para a pesquisa e administração do memorial. Em março de 2009 esse espaço e o acervo se encontravam em desuso. Foi quando elaboramos o projeto de ensino, pesquisa e extensão que apontou as diretrizes para sua reabertura. Desejávamos nesse momento atualizar as ações do memorial e dar utilização ao acervo e aos recursos materiais já disponíveis na sua sede, bem como buscar parcerias para novas iniciativas, para fazer desse espaço de memória um espaço educativo. Uma vez montado o projeto de ensino, pesquisa e extensão foi constituída uma equipe de trabalho. Ela foi composta basicamente pelo professor coordenador e quatro bolsistas de extensão,10 10 Foram bolsistas de extensão: Edson Bezerra Leite, Diego Gomes dos Santos, Felipe Anil ton Gomes Barbosa e Luan José dos Santos. responsáveis pela organização do acervo, e duas bolsistas BIA/Facepe/UFRPE11 11 Foram Bolsistas de Incentivo Acadêmico: Carla Christina Soares Guedes da Silva e Anna Letícia da Silva. responsáveis pelo desenvolvimento das ações educativas. Outros alunos voluntários deram contribuições importantes à realização das atividades.12 12 Foram alunos voluntários: Bruna Pereira das Neves, Hecton Torres da Silva e Larissa Carla Oliveira da Silva.

Com as referências antes expressas, esse grupo de trabalho desenvolveu uma metodologia que sobrepôs três movimentos que, embora executados ordenadamente, foram pensados simultaneamente, impondo que as demandas de uma etapa fossem respeitadas pelas demais:

1º) pesquisa inicial: os pesquisadores da equipe se utilizaram das referências teóricas e metodológicas de diferentes áreas do conhecimento (História, Sociologia, Antropologia e Educação) para construir subprojetos utilizando os objetos do acervo do Memorial da UFRPE para abordar as relações entre educação, memória e patrimônio.

2º) comunicação museal: as conclusões das pesquisas iniciais foram transformadas em sínteses capazes de serem incorporadas à exposição museológica. Assim, não interessaram extensos relatórios, mas seleções de objetos, cartazes, etiquetas que comunicassem as conclusões para, desse modo, informarem a memória da comunidade acadêmica sobre a importância histórica do objeto exposto.

3º) programa educativo: tanto no momento da pesquisa como no da montagem da exposição, teve-se em mente que o material exposto seria objeto de uma ação educativa. O planejamento e a execução dessa ação visavam potencializar os significados da exposição e potencializar o valor histórico do patrimônio e da memória coletiva. Assim, o planejamento das ações educativas do Memorial da UFRPE foi iniciado juntamente com a montagem da exposição permanente.

Ao problematizar as características dos processos educativos, Carlos Rodrigues Brandão nos lembra que eles tomam muitas formas e formalizações. Cada sujeito recebe, cotidianamente, informações oriundas de diferentes fontes de informação e formação, o que permite que se apropriem dos saberes e dos valores culturais da sua comunidade.

Nessa exposição, objetos e documentos do acervo foram utilizados como elementos para ativar a memória sobre as práticas associada às três dimensões da ação universitária: ensino, pesquisa e extensão. Uma vez selecionados os objetos e informações que iriam fazer parte da exposição, foram pensadas ações educativas que possibilitassem aos visitantes uma melhor apropriação dos significados das peças e dados expostos. Entendendo as exposições como estratégias pedagógicas é que propomos, com base no pensamento de Paulo Freire, que o discurso da exposição museológica não está pronto, mas é algo em construção.

Saber ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, às suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a de ensinar e não de transferir conhecimento.

A proposta de uma exposição museológica que rompa com a ideia de transmissão do conhecimento acabado e recepção passiva da mensagem por parte do visitante nos lançou o desafio de nos aventurarmos pelas incertezas da construção do conhecimento por parte de seu público. Desafio este que demandou uma rigorosidade metódica, uma ação pensada para além do diretivismo, para a dialogicidade. Como nos lembra Bittencourt:

A potencialidade de um trabalho com objetos transformados em documentos reside na inversão de um "olhar de curiosidade" a respeito de "peças de museu" – que na maioria das vezes, são expostas pelo seu valor estético e despertam o imaginário de crianças, jovens e adultos sobre um "passado ultrapassado" ou "mais atrasado" – em "um olhar de indagação", de informação que pode aumentar o conhecimento sobre os homens e sobre sua história.

As ações educativas da exposição foram planejadas tomando por base as etapas metodológicas propostas por Maria Cristina Horta (observação, registro, exploração e apropriação), que ganharam ainda maior vigor no momento em que os educadores envolvidos na construção da exposição museológica reconheceram nas categorias freirianas de criticidade, autonomia e leitura do mundo uma ferramenta para o trabalho pedagógico. A educação patrimonial é uma metodologia de ensino pensada para o espaço do museu e que orienta o uso do objeto cultural para reconstruir os significados dos bens patrimoniais junto às suas comunidades. Ela foi inicialmente proposta por Maria Cristina Horta na década de 1980 já tendo por base o pensamento freiriano. Contudo, entendemos que, quando as categorias próprias desse pensamento educativo se explicitam no planejamento e na execução das ações, elas se qualificam.

A Educação Patrimonial é um instrumento de "alfabetização cultural" que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e comunidades e à valorização de sua cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural.

Com base nessas referências teóricas, surgiram na equipe diversas ideias para as ações educativas. Elas foram debatidas coletivamente e, assim, qualificadas pelo emprego de conceitos de apropriação e significação do patrimônio. Em seguida, passou-se ao planejamento e à estruturação dessas atividades com base na premissa freiriana da "leitura de mundo", ou seja, possibilitar situações nas quais o objeto fosse problematizado para que, a partir dessa reflexão, o educando produzisse uma nova síntese da experiência vivida.

Como resultado dessa metodologia, os bolsistas envolvidos na construção da exposição foram orientados na elaboração das ações educativas voltadas ao público do memorial. Foram criados um roteiro de visitação e um conjunto de três jogos didáticos que utilizam as peças e informações da exposição. Para isso seguimos uma metodologia – uma "disciplina" – freiriana com vistas a possibilitar que cada bolsista envolvido no projeto manifestasse sua posição sobre o trabalho desenvolvido e entendesse que ele se tornava não apenas agente do seu ato formativo que se estruturava, mas também do ato educativo que o qualificava para trabalhar com o patrimônio:

Na construção desta necessária disciplina não há lugar para a identificação do ato de educar, de aprender, de conhecer, de ensinar, com um puro entretenimento, uma espécie de brinquedo com regras frouxas ou sem elas, nem tão pouco com um que fazer insosso, desgostoso, enfadonho. O ato de estudar, de ensinar, de aprender, de conhecer é difícil, sobretudo exigente, mas prazeroso ... É preciso, pois, que os educandos descubram e sintam a alegria nele embutida, que dele faz parte e que está sempre disposta a tomar todos quantos a ele se entreguem.

Para a construção do roteiro de visitação, foi realizada uma oficina coletiva na qual cada bolsista participante da montagem da exposição apresentou sua versão, sua leitura sobre os objetos expostos. Uma vez que cada bolsista havia ficado responsável pela seleção de um conjunto de objetos e pela montagem de um expositor temático, era natural que ele tivesse maior reflexão sobre sua parte do trabalho. Desse modo, fizemos um roteiro inicial em que cada bolsista informava aos demais o que se contava em cada parte da exposição. Assim, montou-se um roteiro de visitação que, formado das múltiplas escritas e leituras dos diferentes membros do grupo, poderia ser orientado pelos bolsistas de forma individual. Nesse roteiro de visitação pelos objetos da universidade, privilegiava-se que os visitantes se sentissem estimulados a observar as peças expostas e relacioná-las com seu cotidiano estudantil, posto que todos os objetos estão diretamente relacionados ao ensino, à pesquisa e à extensão universitária.

Também foram produzidos três jogos pedagógicos que exploram peças e informações da exposição. A primeira estratégia para a confecção das ações educativas para a exposição foi buscar as regras de jogos e brincadeiras já conhecidas e adaptá-las às demandas didáticas da exposição. Com esse intuito, solicitou-se aos bolsistas uma explosão de ideias de onde partiram diversas possibilidades. Desse conjunto foram selecionados três jogos que poderiam ser aplicados a grupos de visitantes ao fim da visitação: o Caça-Palavras da Preservação (inspirado no jogo caça-palavras), o Jogos dos Sete Danos (com baseno jogo dos sete erros) e o Álbum de Figurinhas do Memorial (que reproduz um álbum de figurinhas colecionáveis). Cada um desses jogos foi pensado para uma faixa etária específica e busca produzir uma reflexão sobre os objetos expostos, mas todos trabalham com habilidades e conhecimentos importantes para o campo de preservação patrimonial.

O Caça-Palavras da Preservação é um jogo voltado para o público de 7 a 10 anos. Ele consiste em um conjunto de letras aparentemente aleatórias. O objetivo do jogo é encontrar e circundar as palavras UFRPE, ensino, pesquisa, extensão, patrimônio e preservação. Após encontrar as palavras, discute-se com o grupo o que se aprendeu sobre cada uma delas na visitação à exposição. O objetivo dessa ação educativa é incentivar os visitantes a relacionar as palavras do universo da exposição com a prática de preservação dos objetos de memória.

O Jogo dos Danos é uma versão adaptada do jogo dos erros. Partindo da habilidade de discriminação visual, são oferecidas aos visitantes fotos de dois objetos idênticos – no caso, um microscópio óptico – um dos quais em perfeito estado, o outro com partes danificadas. Após a identificação dos danos – não há um número estabelecido de "erros" a serem encontrados – debate-se com o grupo por que alguns dos objetos são danificados e qual a implicação disso para a memória da sociedade. Essa ação educativa tem por objetivo evidenciar a importância da preservação do patrimônio sócio-histórico-cultural da comunidade.

O Álbum de Figurinhas do Museu é um jogo composto de uma folha formato ofício onde em uma metade se encontram quatro retângulos e na outra, linhas para um texto. Oferece-se ao participante uma caixa com fotos de vinte peças que compõem a exposição, ou seja, as figurinhas para serem coladas nos retângulos. A partir daí, cada participante deve selecionar quais figurinhas, dentre as vinte oferecidas, deseja colocar no seu álbum. Após essa escolha, solicita-se que ele escreva o significado que atribuiu às figurinhas escolhidas. Essa atividade tem como objetivo fazer que o visitante entenda que uma exposição museológica é uma seleção de objetos que pretende narrar uma história.

A aplicação desses jogos tem em sua gênese a concepção freiriana de que é possível ler não apenas a palavra escrita que consta das etiquetas da exposição, mas o mundo social do museu e das peças que ele expõe. O entendimento e a leitura de uma exposição muselógica não se restringem àquilo que é dito pelo monitor ou ao que está escrito nas plaquetas informativas. Essas informações expõem a leitura do objeto construída pela curadoria, mas esta deve ser significada pelo visitante. As ações educativas construídas coletivamente pela equipe do Memorial propõem que cada visitante possa ler os objetos ali expostos com base nas suas experiências pessoais e nas relações sensoriais e afetivas que ele mantém com a exposição. Assim sendo, um telefone que, para a curadoria, representa o trabalho administrativo da universidade, para um visitante pode remeter ao aparelho utilizado na casa de sua avó. A sequência de carteiras está exposta para mostrar que as transformações desse objeto têm servido para refletir sobre o (des)conforto que é o aprender nas salas da universidade.

NARRAR A HISTÓRIA OU RECONHECER O PASSADO

Julgamos que a ação do bacharel em história não se restringe à pesquisa, tampouco o licenciado em história deve limitar sua ação formativa ao espaço da sala de aula. Ao contrário, o profissional que estuda o passado deve ter presentes estes dois campos de atuação do profissional historiador: produzir o discurso sobre o passado e criar situações de difusão desse discurso. Com esse objetivo, deve procurar estratégias não para provocar no seu público a aceitação passiva de uma fala sobre o passado, mas para promover a reflexão sobre a experiência humana no tempo, utilizando-se, portanto, das diferentes linguagens que o mundo contemporâneo nos coloca à disposição. Aqui tratamos de refletir pontualmente sobre uma ação de construção e difusão de uma narrativa histórica em um museu institucional específico. Mas nossa intenção foi tensionar a comunidade acadêmica a reconhecer a legitimidade da produção historiográfica em diferentes locais – como os museus as escolas – e sobre diferentes suportes – como a cultura material, o audiovisual, o hipertexto. Entendemos que a qualidade do discurso do historiador não se mede pelo tropo linguístico utilizado, mas pelo rigor teórico e metodológico utilizado tanto para conduzir a investigação empírica como para produzir o discurso formativo do sujeito.

O que destacamos em nossa ação junto ao Memorial da UFRPE não é o acerto da versão produzida sobre o passado ou a qualidade das suas referências teóricas utilizadas – muito embora as defendamos –, mas o fato de termos assumido o desafio de produzir um discurso histórico passível de ser reinterpretado pelo público, ao mesmo tempo em que se pensava nas condições para a sua difusão e nos resultados da sua apropriação por parte da comunidade alvo da pesquisa. Houve, assim, o compromisso de mediar a produção de uma reflexão crítica sobre o passado e a demanda por um discurso identitário afirmativo.

Para desenvolver nossa ação junto ao Memorial da UFRPE, foi preciso articular referenciais teóricos que orientam a produção do discurso histórico a referenciais teóricos sobre a construção do conhecimento nos processos educativos. Esse foi o grande desafio desta ação. Foi preciso articular uma metodologia de trabalho teórico e prático que orientasse e ordenasse as atividades de pesquisa, além de formalizar um planejamento educativo rigoroso voltado ao espaço de ensino informal que é o Memorial. Isso tudo ao mesmo tempo em que se articulavam as demandas técnicas e as responsabilidades sociais destas suas tarefas – estudar o homem no tempo e formar o sujeito no presente.

Concluímos com a convicção de que é possível, sim, reativar aos espaços de memória sua função de espaços de produção de conhecimento científico ao mesmo tempo em que se reforça sua missão de instituições de ensino. No caso dos museus de história, é possível construir discursos sobre o passado das comunidades ali retratadas, passíveis de serem reelaborados e ressignificados pelos visitantes. Os espaços de memória podem e devem planejar e desenvolver ações educativas que explorem os significados dos objetos expostos como forma de qualificar sua função social de guarda, pesquisa e divulgação da memória social.

Apontamos ainda que as atividades de significação dos objetos expostos ganham maior impacto quando teórica e metodologicamente fundamentados. Nessa direção, a metodologia da educação patrimonial e os referenciais teóricos do pensamento freiriano, em particular o conceito de leitura do mundo, se mostraram bases sólidas para o planejamento educativo que foi executado pela equipe do Memorial da UFRPE. Entendemos que foi graças a esses referenciais teóricos adotados – memória coletiva, identidades sociais, leitura do mundo – que a ação educativa construída não se tornou apenas a narrativa do passado fechado para um público passivo. Ao contrário, supôs-se a possibilidade de o público da exposição interpretar os objetos e se reconhecer neles e nas situações apresentadas na exposição. O trabalho constituiu-se, assim, numa aposta na competência intelectual desse público para significar os objetos expostos tendo por base a sua experiência pessoal.

NOTAS

Artigo recebido em outubro de 2010.

Aprovado em dezembro de 2010

  • 2 LE GOFF, Jacques. História e memória Campinas (SP): Ed. Unicamp, 2003, p.475.
  • 3 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva São Paulo: Centauro, 2004, p.73.
  • 4 FUNARI, Pedro Paulo. Patrimônio histórico e cultural Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
  • 5 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo Trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; Iphan, 1997, p.36.
  • 6 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade 11.ed. Rio de Janeiro: PD&A, 2006, p.73.
  • 7 POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente São Paulo: Estação Liberdade, 2009, p.230.
  • 8 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio: um guia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2008, p.34.
  • 9 NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História (Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História/Departamento de História, PUC-SP), São Paulo, v.10, p.7-28, 1993.
  • 13 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação São Paulo: Brasiliense, 1981.
  • 14 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p.47.
  • 15 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2008, p.355.
  • 16 HORTA, Maria de Lourdes Parreira; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico de Educação Patrimonial Brasília: Iphan; Museu Imperial, 1999, p.6.
  • 17 FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.83.
  • 2
  • 3
  • 4
    as políticas culturais da memória partem da definição dos objetos culturais significativos para aquela comunidade de sentidos. Uma vez selecionados, esses objetos se tornam metáforas que dizem aos membros da comunidade quem somos "nós" em relação ao "outro".
  • 5
    Ou seja, ao escolhermos um objeto para o acervo de um memorial, estamos retirando-o de seu contexto original para lhe atribuir outra funcionalidade, a de evocar o passado e articular um discurso para esse fim.
  • 6
  • 7
  • 8
    Ou seja, infelizmente os museus são em grande medida pensados como locais de exposição e não de produção do conhecimento por parte da comunidade de pesquisadores. Esses lugares acabam por ser vistos como locais para uma visitação passiva e não para uma interação ativa por parte do público.
  • 9
  • 13
    Assim, entendemos que as instituições de memória – sejam os museus, seja o patrimônio histórico – também atuam como espaços formativos do sujeito.
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    O projeto contou com o apoio do Programa de Bolsas de Extensão da Prae/UFRPE e do Programa de Bolsas de Incentivo Acadêmico – BIA/Facepe/UFRPE.
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    Foram bolsistas de extensão: Edson Bezerra Leite, Diego Gomes dos Santos, Felipe Anil ton Gomes Barbosa e Luan José dos Santos.
  • 11
    Foram Bolsistas de Incentivo Acadêmico: Carla Christina Soares Guedes da Silva e Anna Letícia da Silva.
  • 12
    Foram alunos voluntários: Bruna Pereira das Neves, Hecton Torres da Silva e Larissa Carla Oliveira da Silva.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      Out 2010
    • Aceito
      Dez 2010
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