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"Você me prende vivo, eu escapo morto": a comemoração da morte de estudantes na resistência contra o regime militar

Resumos

O artigo apresenta uma análise dos 'usos políticos do passado' feitos pelos militantes do movimento estudantil na década de 1970 no intuito de reforçar a identidade associativa e legitimar a resistência contra a ditadura militar. A instrumentalização do passado se fez a partir da ênfase no martírio de estudantes vítimas da repressão: a morte de Alexandre Vannucchi Leme (aluno da Geologia da USP e militante da ALN) pelos agentes do Exército em 1973, e o 'desaparecimento' de Honestino Guimarães (último presidente da UNE na clandestinidade). Nesse culto às vítimas da ditadura, também se relembra a morte do estudante secundarista Edson Luís, baleado por policiais durante uma manifestação de rua, em 1968.

uso político do passado; movimento estudantil; ditadura militar


This paper presents an analysis of 'political uses of the past' made by activists from the student movement in the 1970s in order to strengthen associative identity and legitimate resistance to the military dictatorship. The instrumentalization of the past was made through an emphasis on the martyrdom of student victims of repression: the death of Alexandre Vannucchi Leme (a geology student in USP and ALN militant) by army agents in 1973 and the 'disappearance' of Honestino Guimarães (last underground president of UNE). In the cult of victims of the dictatorship also remembered is the death of Edson Luis, a secondary school student shot by the police during a street demonstration in 1968.

political uses of the past; student movement; military dictatorship


DOSSIÊ: COMEMORAÇÕES

"Você me prende vivo, eu escapo morto": a comemoração da morte de estudantes na resistência contra o regime militar

"You catch me alive, I escape dead:" the commemoration of the death of students in the resistance against the military regime

Angélica Müller

Doutora em História Social USP/Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Pesquisadora-associada do Centre d'Histoire Sociale du XXème Siècle Paris 1. Av. Prof. Lineu Prestes, 338. Prédio de História e Geografia, 2º andar. 05508- 000 São Paulo - SP - Brasil. angelicamuller76@yahoo.com.br

RESUMO

O artigo apresenta uma análise dos 'usos políticos do passado' feitos pelos militantes do movimento estudantil na década de 1970 no intuito de reforçar a identidade associativa e legitimar a resistência contra a ditadura militar. A instrumentalização do passado se fez a partir da ênfase no martírio de estudantes vítimas da repressão: a morte de Alexandre Vannucchi Leme (aluno da Geologia da USP e militante da ALN) pelos agentes do Exército em 1973, e o 'desaparecimento' de Honestino Guimarães (último presidente da UNE na clandestinidade). Nesse culto às vítimas da ditadura, também se relembra a morte do estudante secundarista Edson Luís, baleado por policiais durante uma manifestação de rua, em 1968.

Palavras-chave: uso político do passado; movimento estudantil; ditadura militar.

ABSTRACT

This paper presents an analysis of 'political uses of the past' made by activists from the student movement in the 1970s in order to strengthen associative identity and legitimate resistance to the military dictatorship. The instrumentalization of the past was made through an emphasis on the martyrdom of student victims of repression: the death of Alexandre Vannucchi Leme (a geology student in USP and ALN militant) by army agents in 1973 and the 'disappearance' of Honestino Guimarães (last underground president of UNE). In the cult of victims of the dictatorship also remembered is the death of Edson Luis, a secondary school student shot by the police during a street demonstration in 1968.

Keywords: political uses of the past; student movement; military dictatorship.

Dentre os momentos marcantes da resistência contra o regime militar praticada pelo movimento estudantil (ME) durante a década de 1970 podem ser destacados alguns que se serviram das diferentes 'ordens do tempo' para realizar propostas de resistências simbólicas. Entendo como 'ordens do tempo' ou 'regime de historicidade', referência empregada por François Hartog, a 'costura' de diferentes regimes de temporalidade que traduz e ordena as experiências do tempo articulando passado, presente e futuro e dando sentido à relação entre as diferentes temporalidades. Hartog refere-se a um regime de historicidade entendido como a maneira pela qual uma sociedade trata seu passado e como se propõe a utilizá-lo.1 1 HARTOG, François. Regimes d'historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Seuil, 2003, p.19.

Neste artigo, parte integrante de uma tese de doutorado sobre a resistência do ME contra o regime militar durante a década de 1970, destaco como a morte de estudantes foi instrumentalizada politicamente pelos representantes do ME. Pretendo analisar como a morte do estudante da Universidade de São Paulo (USP), Alexandre Vannucchi Leme, em 1973, foi utilizada, ao longo da década, como instrumento político pelos estudantes, como forma de combate contra o regime. Além da morte de Alexandre, outras duas foram instrumentalizadas pelos estudantes: a do então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) Honestino Guimarães, preso em 1973 e 'desaparecido político', e a do estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto, em 1968. Reflito sobre as diferenças no plano histórico e as semelhanças no plano memorial que as três mortes acabaram por espelhar, observando ainda por que a morte do estudante (que não era necessariamente um militante) Edson Luís se tornou um importante 'ponto de memória', quando comparado às outras duas.

Cabe ressaltar que todo e qualquer uso da memória pressupõe um trabalho sobre o passado, e Paul Ricoeur se refere a esse trabalho como 'instrumentalização da memória'.2 2 RICOEUR, Paul. La mémoire, l'histoire, l'oubli. Paris: Seuil, 2000, p.97. Esse uso pragmático da memória não significa maquiavelismo ou oportunismo, mas está relacionado a um cenário de luta entre diferentes atores que atribuem diferentes sentidos ao passado. No caso do ME, a luta pela memória estava relacionada ao combate à ditadura. Maria Helena Capelato, apoiada nos estudos de Elizabeth Jelín em seu trabalho sobre a memória da ditadura militar na Argentina, afirma que não existe uma interpretação única do passado, havendo oposições entre memórias rivais: uma "luta da memória contra memória". A historiadora brasileira mostra que as memórias "são objetos de disputas e conflitos nos quais os participantes desempenham papel ativo como produtores de sentidos nessas lutas". Nesse caso, segundo Capelato, "o debate sobre o passado é colocado na esfera pública e a intenção é estabelecer, convencer, transmitir uma narrativa que possa ser aceita".3 3 CAPELATO, Maria Helena, Memória da ditadura militar argentina: um desafio para a história. Revista Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife: Ed. Universitária da UFPE, n.24, 2006, p.64.

Procuro mostrar, ainda, como o ME, na década de 1970, valeu-se de certa dimensão temporal (com projeções tanto para o passado como para o futuro), criando, nesse caso, um regime de historicidade com vistas a forjar uma identidade de grupo, através do qual foram construídos 'mitos', 'mártires' e 'heróis' que alimentavam e sustentavam a resistência contra o regime vigente. Cabe ressaltar, de início, que a morte ligada à violência e ao sacrifício patriótico4 4 Como ressalta Christian Amalvi em Les héros de l'histoire de France: recherche iconographique sur le panthéon scolaire de la troisième République. Paris: Phot'oeil, 1979, p.246. constitui elemento privilegiado para sua instrumentalização política, que a transforma em evento carregado de forte conotação simbólica por parte dos que dela se apropriam, chegando mesmo a transcendê-la5 5 Mariana Martins Villaça reconhece essa questão nas canções que são compostas em memória de Che Guevara. VILLAÇA, Mariana M. "El nombre del hombre es el pueblo": as representações de Che Guevara na canção latino-americana. CONGRESSO LATINO-AMERICANO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL PARA O ESTUDO DA MÚSICA POPULAR, 5. Anais... Rio de Janeiro: UniRio/IASPM-LA, 2004, p.3. Disponível em: www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html ; Acesso em: 10 jan. 2010. mediante a reelaboração das características dos personagens por parte daqueles que delas se utilizam.

A morte de Alexandre Vannucchi Leme pelo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna; subordinado ao Exército), em 16 de março de 1973, já foi tema de alguns trabalhos, como é o caso do livro Cale-se, do jornalista Caio Túlio Costa, que relata, com base em depoimentos da época, as atividades do movimento estudantil na USP durante o período compreendido entre a morte de Alexandre e o show de Gilberto Gil na Escola Politécnica, em maio de 1973. Alexandre, também conhecido como Minhoca, à época tinha 22 anos, era aluno do quarto ano do curso de Geologia da USP (o primeiro colocado no vestibular, como frisam vários documentos). Militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), como explica Victória Langland, era o coordenador político da organização dentro da USP, fazendo a ligação com os grupos que se encontravam na clandestinidade.6 6 LANGLAND, Victória. "Neste luto começa a luta": la muerte de estudiantes y la memória. In: JELIN, Elizabeth; SEMPOL, Diego (Comp.). El passado en el futuro: los movimientos juveniles. Buenos Aires: Siglo XXI, 2006, p.49. (Colección Memórias de la Represión). Estava aí o motivo para justificar a morte do 'terrorista' pelas autoridades responsáveis.

A morte do estudante já surgiu cercada de ambiguidades por parte dos relatos do DOI-Codi. O brasilianista Kenneth Serbin7 7 SERBIN, Kenneth. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.382-407. aponta duas informações diferentes que foram distribuídas pelos agentes de segurança: a primeira, para 'consumo público', foi enviada à imprensa em 22 de março e afirmava que o estudante tinha sido atropelado por um caminhão ao tentar fugir da polícia. O jornal O Globo repetiu essa versão, nestes termos:

Os órgãos de segurança revelaram que o terrorista Alexandre Vannucchi Leme, conhecido como 'Minhoca', morreu atropelado por um caminhão quando tentava fugir ao ser levado por agentes a um encontro com outro terrorista, no cruzamento das ruas Bresser e Celso Garcia ... Três testemunhas contaram que presenciaram o acidente em que morreu o terrorista. [Uma delas] Alcino Nogueira de Souza, empregado de balcão da Confeitaria Santa Cruz ... chegou a servir uma cerveja ao terrorista. Viu quando ele olhou para um lado e para o outro, atravessou correndo a rua e foi colhido pelo caminhão.8 8 Subversivo tenta fugir mas morre atropelado. O Globo. Ver GONZALEZ, Marina. Assassinato de Alexandre Vannucchi Leme gerou protestos da sociedade. Revista Adusp, maio 2005, p.73.

Os testemunhos que fizeram parte do inquérito sobre a organização ALN (AEL/BNM 670) - motivo pelo qual Alexandre foi preso - e, consequentemente, sobre a morte do estudante, seguem na mesma linha: o de Alcino Nogueira de Souza, o de André Corte (o engraxate) e o de Josué Sales Bitencourt (que trabalhava no bar "Videira") apresentaram a mesma versão, com alguns detalhes precisos sobre o 'acontecimento' e outros completamente descabidos. Por exemplo, o engraxate André relata que estava de costas para a via pública e, por ter 'problema de audição', não escutou o choque do caminhão contra Alexandre e só se deu conta do ocorrido quando o estudante cambaleou por cima dele.9 9 Secretaria de Segurança Pública/Deops. Segunda Testemunha. Idem. Folha 82 (AEL/BNM 670). Segundo Kenneth Serbin, outra versão foi dada aos detidos que se encontravam no local: Alexandre cometera suicídio. Adriano Diogo, preso dois dias depois de Alexandre, lembra que em meio a uma sessão de tortura, soube, por um agente da repressão, que o estudante acabara de morrer. Então perguntou: "Como assim? Ele foi cobrir um ponto e se atirou debaixo de um caminhão? [o agente disse] Estava preso aqui desde ontem e acabou de morrer. Aquela cela que você viu, toda molhada, era a dele, nós lavamos a cela e você entrou" (Depoimento de Adriano Diogo ao Projeto Memória do Movimento Estudantil, São Paulo em 11.nov.2004.) Aos pais de Alexandre foram ditas também as duas versões por delegados diferentes: o delegado Fleury referiu-se a suicídio, e Edsel Magnotti afirmou ter sido atropelamento.10 10 ROMAGNOLI, Luiz Henrique; GONÇALVES, Tânia. A volta da UNE: de Ibiúna a Salvador. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979. (História Imediata, 5), p.19. Para ajudar a encobrir as versões conflitantes, negou-se aos pais o direito de verem o corpo do filho, que fora enterrado como indigente, aumentando, assim, as suspeitas de assassinato do jovem pela repressão. Os pais só tiveram acesso aos restos mortais de Alexandre dez anos depois do ocorrido.

É importante lembrar que a morte de Vannucchi Leme ocorreu em 1973, ano da comemoração dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que serviu de 'mote' para a incriminação da ditadura no assassinato do estudante. Durante o ano, inúmeros jornais estudantis por todo o país apresentaram matérias relacionadas ao tema. E foi também nesse ano que a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) encampou a campanha contra a violação dos direitos humanos. Outro ponto merece destaque: no início do ano letivo de 1973, através do "Bichusp" (programação de recepção aos calouros), os estudantes procuraram dar continuidade às ações que tinham ganhado fôlego no final do ano anterior com a realização de um plebiscito sobre o ensino pago, em que mais de 90% de dez mil estudantes votaram contra. Esse episódio teve repercussão até mesmo na grande imprensa, o que não era comum durante os 'anos de chumbo'. No caso da morte de Alexandre, a imprensa se restringiu a reproduzir a nota oficial distribuída pelo DOI-Codi, evidenciando a censura praticada.

Pelo exposto, constata-se que as ações desencadeadas a partir da morte do estudante uspiano não foram eventos 'isolados' na história, como já demonstraram alguns trabalhos,11 11 COSTA, Caio Túlio, Cale-se. São Paulo: A Girafa, 2003. Izabel Priscila Pimentel da Silva diz: "A morte e o funeral de Alexandre ... marcaram o início do processo de recuperação política do movimento estudantil universitário brasileiro" (SILVA, Izabel P. P. da. Jovens, estudantes e rebeldes: a construção das memórias estudantis. In: ENCONTRO REGIONAL SUDESTE DE HISTÓRIA ORAL, 7., 2007, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2007. pois fizeram parte de um processo de abertura de canais de resistência contra o regime. Tendo em mente esses aspectos, torna-se compreensível a rápida e forte movimentação feita pelos estudantes da USP, quando chegou à Universidade a notícia da morte de Alexandre. Geraldo Siqueira Filho relembra:

[alguém] apareceu branco no centrinho da Geografia, dizendo: "Mataram o Minhoca! Amanhã a escola vai explodir!". Falei: "Segura, porque nós precisamos sair juntos. Quem sair sozinho vai ser massacrado". Aí, houve um levante na USP: assembleias isoladas, pano preto no lugar da bandeira brasileira... (Depoimento de Geraldo Siqueira Filho ao Projeto Memória do Movimento Estudantil. Brasília, 1º dez. 2004.)

Ponto importante, já salientado por Caio Túlio Costa, é que as diferentes forças políticas que existiam dentro da USP, com suas múltiplas visões da realidade brasileira, e principalmente diversas formas de ação, uniram-se para denunciar a morte do colega, numa ação conjunta. Tanto que a primeira atuação dos estudantes foi o manifesto sobre a morte de Alexandre elaborado pelo Conselho de Centros Acadêmicos da USP (CCA), no qual se informava que "todos os colegas da USP e de algumas escolas da PUC-SP estão em luto".12 12 Comunicado sobre a morte do colega Alexandre Vannucchi Leme. PoliCampus. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 25º aniversário. Março de 1973 (Arquivo dos DAs da FFCH/UFBA). O manifesto se refere à questão dos direitos humanos, vista como principal pauta reivindicativa do momento. O documento cita a prisão de Alexandre de forma clandestina, como era de hábito naquele período, mas designando que ela feria a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual o Brasil era signatário. O manifesto ressaltava as qualidades do colega:

Alexandre gozava de excelente reputação entre os alunos e professores da sua escola. Estudante exemplar, aprovado em primeiro lugar nos vestibulares, era ativo participante em todos os níveis da vida universitária. Sua dedicação ao curso e o profundo respeito e estima que seus colegas lhe devotavam, levaram-no a ser eleito representante oficial dos alunos na Congregação do Instituto de Geo­ciências.13 13 Ibidem.

O regime procurava legitimar seus atos com a justificativa de combater o terrorismo. Para impedir que Alexandre fosse taxado de 'terrorista', os estudantes ressaltaram sua imagem positiva (pessoa correta, bom amigo, estudioso, 'justo').14 14 Sarah Gensburger descreve como a figura do resistente passa a ser referenciada como a figura do justo na memória histórica francesa da ocupação. Aborda que a figura do justo é associada aos valores morais, cristãos, que eram precisamente evocações iniciais do resistente. Apesar do diferente contexto exposto pela autora, o conceito nos ajuda a entender como a figura de Alexandre foi retratada pelo movimento. Para aprofundamento da questão, ver dois artigos da autora: GENSBURGER, Sarah. Les figures du juste et du résistant et l'évolution de la mémoire historique française de l'occupation. Revue Française de Science Politique, v.52, n.2-3, p.291-322, avril-juin 2002; _______. Usages politiques de la figure du Juste: entre mémoire historique et mémoires individuelles. In: ANDRIEU, Claire; LAVABRE, Marie-Claire; TARTAKOWSKY, Danielle. Politique du passé: usages politiques du passé dans la France contemporaine. Aix-en-Provence: Publications de l'Université de Provence, 2006. p.47-57. (Collection Le Temps de l'Histoire). A história de Alexandre, reconstruída com base em sua falta, serviu como discurso do presente. A imagem do estudante de geologia 'vítima da repressão' passou a ser utilizada pelos estudantes para legitimar a luta contra a ditadura, o que representou um 'tiro no pé do próprio regime'.

Os eventos que se seguiram permitiram a contestação da ditadura por parte do movimento. Mostraram que o discurso oficial, propagado pelos militares, muitas vezes considerado como uma verdade 'una e definitiva' por boa parte da sociedade, poderia ser utilizado como forma de mostrar as ambiguidades do regime, colaborando para o desgaste de sua imagem. Ainda é preciso levar em conta, como afirmou o historiador Marcelo Santos de Abreu, o sentido de coesão que o luto desperta, para compreender sua integração à cultura 'cívica' que então se forjava.15 15 ABREU, Marcelo Santos de. Os mártires da causa paulista: culto aos mortos e usos políticos da Revolução Constitucionalista de 1932 (1932-1957). Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010. p.154. Nesse contexto fica clara a estratégia deliberada do uso da morte do colega, desde as primeiras manifestações. O próprio comunicado sobre a morte, assinado pelos CAs da USP, frisa a questão: "luto que não traduz apenas o nosso imenso pesar pela irreparável perda do colega Alexandre, como também nossa união para repudiar este ignominioso estado de coisas a que nos vemos submetidos e assumir conscientemente a posição de dizer-lhe um basta".16 16 Comunicado sobre a morte do colega Alexandre Vannucchi Leme. PoliCampus. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 25º aniversário. Março de 1973 (Arquivo dos DAs da FFCH/UFBA). Nota-se a reação diante da perda, característica do luto segundo Freud:17 17 FREUD, Sigmund. Duelo y melancolía. In: _______. Obras completas de Sigmund Freud. v.XVII (1917-1919). De la historia de una neurosis infantil y otras obras. Trad. del alemán José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrotu, 1986. p.237-258. neste caso a ação dá lugar à falta.

Os estudantes da Geologia tiveram a ideia de celebrar uma missa em homenagem a Alexandre, logo aprovada pelo CCA. Mas por que celebrar uma missa? Algumas hipóteses podem ser levantadas. Primeiro, para tentar atenuar uma dupla ausência: a da presença física de Alexandre, que não pôde estar mais entre seus entes queridos, e também a causada pela falta do evento do sepultamento, que não pode ser realizado. O ato de enterrar, segundo Ricoeur (2000), não se limita ao próprio momento, pois seu gesto permanece e, assim como o luto, transforma em presença interior a ausência física perdida. Segundo, uma missa é um ritual, tem função simbólica e se utiliza de metáforas para externar um discurso ontológico. Sem dúvida, a realização de uma missa carregada de toda a sua representação foi um modo encontrado para externar uma realidade que poderia ser exposta através de um sentido religioso. Em meio à fragilidade da situação, o campo religioso poderia ser o local para o encontro de proteção, consolo e ação.

O propósito era realizá-la dentro da USP pelo então recém-nomeado cardeal d. Paulo Evaristo Arns. Mas foi o próprio d. Paulo quem sugeriu realizar o evento na Catedral da Sé, o que traria ainda mais holofotes para a ação. Os estudantes trataram de se cercar de apoios, não só como maneira de conseguir 'proteção', mas também como forma de mostrar força: OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ABI (Associação Brasileira de Imprensa), MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e Arquidiocese apoiaram o evento proposto pelo CCA. A realização de uma missa em memória do estudante assassinado pela ditadura acabou por se constituir em arma de denúncia do regime e dos seus atos criminosos, uma maneira encontrada de passar pela censura, fazendo que a denúncia da ditadura extrapolasse o campus da universidade, ao qual estivera restrita nos últimos anos. O ato em si mostra o planejamento politicamente engajado de um grupo de estudantes na luta contra o regime. Além de buscarem o apoio das entidades que já estavam se posicionando contra o regime, os estudantes trataram de divulgar o evento. O convite para a missa, em seu verso, continha um poema escrito para Alexandre:

A liberdade voa

Cortaram as tuas asas

A vida é um correr

Quebraram as tuas pernas

Mãos, umas pedindo

Outras, negando

As tuas, ofereciam

Os algozes as algemaram

Corpos que se movimentavam

E agonizavam na seleção natural

Do cotidiano

O teu, fizeram-no adormecer

Nada disso traz medo

O teu sangue corre nas veias

De teus irmãos

Eles não morreram

A verdade ainda sobrevive. 18 18 Póstumas a Alexandre. Extraído do convite para missa de 7º dia de Alexandre Vannucchi Leme (COSTA, 2003, p.90).

A simbologia utilizada para tratar as questões referentes ao regime, expressa em jornais e murais universitários, ganhou contornos mais nítidos nesse evento solene e sacramentado contra a ditadura. Nos versos, palavras de ordem do momento transformaram-se em poesia que tinha também o sentido de denunciar o presente vivido e acalentar a esperança de mudar o futuro. Chamo atenção para o fato de que, nesse episódio, estava presente a tensão entre as duas categorias históricas construídas por Koselleck para explicar a relação entre passado e futuro: o campo da experiência e o horizonte de expectativa.19 19 "Experiência e expectativa são duas categorias que, entrecruzando passado e futuro, estão perfeitamente aptas a tematizar o tempo histórico. Essas categorias podem detectá-lo (o tempo histórico) até o domínio da pesquisa empírica, pois, concentradas em seu conteúdo, guiam as ações concretas na realização do movimento social ou político" (KOSELLECK, Renhart. Le futur passé. Contribution à la sémantique des temps historiques. Paris: EHESS, 1990, p.310, minha tradução).

A realização da missa na Catedral da Sé, em 30 de março, contou com a participação de 25 sacerdotes e em torno de 5 mil pessoas, em sua grande maioria estudantes. Era a primeira grande manifestação pública dos tempos sombrios do regime. O aparato militar, enorme, contava com uma metralhadora de frente para a Catedral e câmaras da TV Gazeta que filmavam, rosto a rosto, aqueles que se faziam presentes, com o 'pretexto de transmitir a missa'. A celebração foi carregada da solenidade que lhe era apropriada e permitida. As palavras davam conteúdo a ela. Em seu sermão, d. Paulo Evaristo Arns proclamou:

Só Deus é dono da vida. D'Ele a origem, e só Ele pode decidir seu fim ... O próprio Cristo quis sentir a ternura da mãe e o calor da família ao nascer. E mesmo depois de morto, o cadáver foi devolvido à mãe e aos amigos e familiares. Esta justiça lhe fez o representante do poder romano, embora totalmente alheio à Sua missão de Messias ... 'Onde está teu irmão? A voz de sangue de teu irmão clama da terra por mim!' ... Quem fez justiça - pergunta o juiz supremo -, quem cuidou que a verdade fosse dita e o amor tivesse vez? (Serbin, 2001, p.395)

Inserida nos rituais da Igreja, a recordação da vida de Jesus - este evento fundador (Hartog, 2003, p.167) - expressava o presente que estava sendo vivido. Foi a maneira encontrada para trabalhar com as categorias da presença e da ausência, do visível e do invisível: foi momento de denunciar o que não podia ser denunciado através de um discurso ancorado na história, almejando um futuro diferente do presente vivido. Marcos Napolitano, em outro contexto, analisou a cerimônia de Vladimir Herzog realizada em 1975, evidenciando a apropriação das representações religiosas cristãs utilizadas numa perspectiva de protesto político.20 20 NAPOLITANO, Marcos. Cultura e poder no Brasil contemporâneo (1977-1984). Curitiba: Juruá, 2002, p.64. A evocação da figura de Cristo para caracterizar o mártir21 21 Tomamos o conceito de mártir na sua acepção mais simples: surgindo da terminologia cristã, 'testemunho de Deus' segundo a etimologia, significa aquele que sofre os piores tormentos por causa de sua fé, chegando à morte. Seu comportamento exemplar é ressaltado em detrimento de sua 'falha', que o leva ao sacrifício. Enfim, pessoa que morre, que sofre em nome de uma causa (ROBERT, Paul. Le nouveau petit Robert: dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française. Texte remanié et amplifié sous la direction de Josette Rey-Debove et Alain Rey. Paris: Dictionnaires Le Robert, 2002. p.1.580, minha tradução). (no caso, Vladimir Herzog) tinha antecedentes: o ato religioso em homenagem a uma vítima da ditadura já havia ocorrido em 1973 com personagem distinto, no caso Alexandre Vannucchi. Ou seja, nos dois episódios, o sagrado e o profano ou, noutros termos, o religioso e o político, se mesclaram totalmente.

Para finalizar a missa em homenagem a Alexandre, o cantor Sérgio Ricardo teve participação especial, cantando sua nova música, Calabouço, composta em homenagem a outro estudante morto pela ditadura: Edson Luís, em 1968. A letra de Calabouço, como ressalta Roberto Bozzetti, instaura uma tensão entre o dizer e sua impossibilidade, entre o dito e o interdito: "A urgência do 'dizer a verdade' está referida como obstáculo no próprio texto da canção: 'do canto da boca escorre/metade do meu cantar'". O autor ainda mostra que as imagens de incompletude, por força da ação repressiva externa, complementavam-se com as de mutilação e morte: "Seu meio corpo apoiado/na muleta da canção/.../ a outra se gangrenando/na chaga do meu refrão/.../meia cama meio caixão". 22 22 BOZZETTI, Roberto. Uma tipologia da canção no imediato pós-tropicalismo. In: VIEIRA, André Soares (Org.). Literatura, outras artes & cultura das mídias. Letras, Santa Maria (RS), Programa de Pós Graduação em Letras (PPGL), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), n.34, p.133-146, jan.-jun. 2007. Disponível em: www.ufsm.br/mletras/arquivos/LETRAS/LETRAS_34/revista34.pdf ; Acesso em: 2 jul. 2010. A letra de Sérgio Ricardo era uma metáfora da realidade brasileira, marcada pelo cerceamento da palavra. O ato da Sé foi a possibilidade encontrada para explicitar, não o dito, mas o interdito. Também se pode dizer que, nos casos mencionados, o uso estratégico e calculado do conceito de 'vítima' permitia reforçar a resistência contra o regime. A missa terminou com outra canção cantada por Sérgio Ricardo, mas dessa vez a de Geraldo Vandré, Pra não dizer que não falei de flores, ícone das músicas de protesto e vice-campeã do Festival Internacional da Canção, também de 1968. A multidão que lotou a Sé saiu cantando os versos de Vandré, como relembra Geraldo Siqueira: "Vem, vamos embora, que esperar não é saber...". "Todo mundo começou a cantar, mais para espantar o medo, porque cantar ajuda, né?" (Depoimento de Geraldo Siqueira Filho ao Projeto Memória do Movimento Estudantil. Brasília, 1º dez. 2004).

A repercussão do ato da Sé foi significativa para o movimento. A mídia estava censurada e não podia noticiar eventos dessa natureza (diferentemente do que ocorreu no período anterior, quando a morte de Edson Luís foi noticiada em âmbito nacional). Mas, se a notícia da celebração da Sé não foi conhecida pela grande massa da população, o mesmo não ocorreu no que se refere à sua circulação pelas universidades em todo país. O jornal PoliCampus, numa edição inteiramente dedicada à Declaração Universal dos Direitos Humanos, veiculou o primeiro comunicado do CCA sobre a morte de Alexandre.23 23 PoliCampus. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 25º aniversário. Março de 1973 (Arquivo dos DAs da FFCH/UFBA). Houve repercussão dentro do próprio meio militar, como recorda Adriano Diogo, que estava preso naquele momento: "No dia da missa do Alexandre, o que eles xingavam o cardeal dom Paulo Evaristo Arns... Eles não perguntavam nada. Abriam as celas e começavam a bater dentro, não levavam nem pra sala de tortura, era porrada com uns paus!" (Depoimento de Adriano Diogo ao Projeto Memória do Movimento Estudantil, São Paulo, 11 nov. 2004).

Destarte, é possível afirmar que a morte de um estudante foi motivo para a organização de um evento que enfrentou a ditadura no momento em que esta ainda se encontrava em seu período mais duro. Toda a simbologia utilizada mostra a preparação e, por que não dizer, a maturação de um grupo de estudantes que, da maneira que lhes era possível, enfrentava a ditadura. Enfrentar a ditadura era continuar resistindo, resistência essa que se revestia de uma dimensão mítica, segundo Laurent Douzou.24 24 DOUZOU, Laurent. La constitution du mythe de la résistance. In: FRANCK, Christiane (Dir.). La France de 1945: résistances, retours, renaissances. Actes du colloque de Caen. Caen: Presses Universitaires de Caen, 1996, p.77.

Caio Túlio, ao refletir sobre o sentido da manifestação de 1973, afirma que as músicas cantadas na missa serviram de ligação entre as manifestações dessa época e as da década de 1960, que foram interrompidas à força. Segundo o autor, depois de anos, esse teria sido, em termos de ação de massas, "o primeiro ato de uma retomada da presença política dos jovens", com uma diferença em relação às formas de luta: os jovens vinham em paz" (Costa, 2003, p.103). No entanto, esse 'primeiro ato' público só foi possível porque existia uma militância engajada que continuou a realizar pequenas ações dentro das universidades, mesmo depois que as ações de massa foram interrompidas. Sem dúvida, esse foi o momento em que estudantes e parte do clero encontraram uma 'brecha' para realizar um protesto nos 'anos de chumbo' da ditadura. E souberam aproveitar a ocasião. Mas o que mais chama atenção na análise de Costa - e concordo com a observação do autor - é quando aponta para uma nova forma de luta - a pacífica -, fruto também da autocrítica dos que haviam defendido a luta armada. Nesse sentido, a manifestação de 1973 não significou um retorno às manifestações de 1968. Portanto, é possível concluir que a conexão de datas se dá no plano da 'memória' genérica de lutas contra a ditadura, o que não deixa de ser uma forma de utilização política do passado, com vistas a legitimar a resistência contra o regime no presente.

Com relação ainda à rememoração do passado com fins políticos, cabe lembrar que as mortes de Alexandre e de Edson Luís aconteceram em datas próximas à das comemorações cívicas ocorridas por ocasião dos aniversários da 'revolução'. Diante dessa proximidade de datas, o ME, que naquele momento ainda era um dos poucos canais com possibilidade de manifestar oposição moderada, traçou seu próprio calendário de comemorações, com vistas a transformá-las em ato político. As datas das mortes dos dois estudantes passaram a representar uma luta 'do bem sobre o mal' e serviram de referencial para a militância nos anos subsequentes. Ao longo da década de 1970 esse calendário foi constante, como marca Victória Langland, que ainda demonstra o 'desuso' regular em que ele caiu após esse período (Langland, 2006, p.61), apontando a necessidade de sua instrumentalização no período anterior. Sem dúvida, a memória histórica sobre a morte dos estudantes foi construída a partir de seu 'peso', e a escolha e a maneira de utilizar esse passado oscilaram entre momentos de maior ou menor visibilidade (Capelato, 2006, p.76), de acordo com a situação vivida.

Victória Langland evidencia que essas comemorações serviram para 'unir' as sucessivas gerações de estudantes (Langland, 2006, p.23), apontando a inocência dos estudantes como ponto comum. Apesar de concordar com a historiadora, este trabalho permite acrescentar que a 'união', realizada no plano memorial, serviu como forma de resistência no plano histórico. Apesar de estarem unidos por um mesmo tempo histórico - o da ditadura -, é preciso levar em conta a grande diferença de conjuntura entre os dois momentos - 1968 e 1973 -, e também as circunstâncias específicas das mortes dos dois estudantes.

Edson Luís tem uma trajetória diferente: não era um militante engajado na luta contra o regime.25 25 Interessante mostrar um depoimento realizado em 1968 pelo Dops: "Prestando declarações disse Jaime Pereira dos Santos: que conheceu o estudante Edson Luiz Lima Souto desde que o mesmo começou a frequentar o Instituto Cooperativo de Ensino, que funciona anexo ao Restaurante Central dos Estudantes; que isso ocorreu tem 6 meses; que a princípio Edson Luiz não dormia no local; que em fins de dezembro passou a dormir no local; que assistiu várias vezes os líderes dos estudantes frequentadores do restaurante expulsarem Edson Luiz do local, sob alegação que ele ali não poderia permanecer; que Edson alegava a sua condição de estudante e não tinha onde dormir, passando então a ser tolerada a sua presença no local..." (DOPS SI n. Sp/12 em 23 abr. 1968. Informação - APERJ. Fundo Polícia Política setor estudantil. Notação 37. p.133). Ele encarnava os ideais de um jovem pobre nortista que vinha para o Rio de Janeiro estudar em busca de 'um lugar' dentro da sociedade, como afirma Langland (2006, p.27). Por isso, a imagem de inocência levantada pela brasilianista exprime esse caso. Além disso, a morte de um estudante foi um fator 'novo' naquele momento histórico, em 1968, que passou a ser muito bem utilizado pelos estudantes que se encontravam organizados nacionalmente naquele momento e nos posteriores. Langland ainda ressalta a importante cobertura jornalística da morte do estudante paraense, esquecendo-se de mostrar que naquele momento as elites liberais começavam a se colocar contra o regime instaurado quatro anos antes, abrindo margem para a ampla divulgação da morte. A mobilização nacional dos estudantes encontrou eco nas páginas dos jornais e revistas da grande imprensa (bem como da oposicionista), o que levou o evento a ter uma grande repercussão, tornando-o um 'ponto de memória', não somente na história do ME, como também lembrado pela sociedade em geral. Ligando um curto período a outro, pode-se comparar sua repercussão à da morte de Vladimir Herzog, que também transcendeu os limites impostos pelo momento graças ao papel atuante da imprensa, mesmo que este tenha sido em menor escala. Ainda sobre Edson Luís, a morte teve seu significado reapropriado pelo próprio movimento, que forjou um mito26 26 Segundo Raoul Girardet, o mito político pode ser encarado como uma fabulação, deformação ou ainda uma interpretação objetivamente recusável do real. Como narração de fatos legendários, o mito político exerce uma função explicativa, fornecendo certo número de chaves para a compreensão do presente. Um sistema de explicação e mensagem mobilizadora. Para aprofundamento da questão, ver: GIRARDET, Raoul. Mythes et mythologies politiques. Paris: Seuil, 1986. em torno dela: o estudante 'ressurge' como ícone da resistência estudantil.

Já Alexandre Vannucchi Leme era um militante que foi preso, torturado e morto propositadamente pela ditadura, por lutar por ideias contrárias do regime. Sua morte foi explorada com vistas a exaltar seu sacrifício em nome da causa comum e, nesse sentido, ele tornou-se um mártir. Compartilho das reflexões de Langland, quando afirma que o ME utilizou (também) a imagem de 'inocência' e de vítima, deixando de lado a militância de esquerda de Alexandre naquele contexto. A morte do estudante de geologia foi o motivo encontrado pelos estudantes, com ajuda da Igreja, para extrapolar as manifestações contra o regime dos muros da universidade, num tempo em que ainda toda forma de protesto era censurada. Serviu ainda para referenciar a luta dos estudantes, para mostrar a resistência que eles mesmos vinham praticando contra a ditadura, afirmando, assim, uma política simbólica que apoiou à luta política stricto sensu, luta esta que continuaria a ser desenvolvida nos anos seguintes.

Assim, com trajetórias históricas diferentes, as mortes dos estudantes passaram a ser ressignificadas no plano da memória evocada pelo movimento. Se levarmos em conta que o ato da memória encontra seu sentido graças ao contexto em que ele se enuncia,27 27 LAVABRE, Marie-Claire. Du poids et du choix du passe: lecture critique du "syndrome de Vichy". In: PESCHANSKI, Denis; POLLAK, Michael; ROUSSO, Henry (Dir.). Histoire politique et sciences sociales. Paris: Institut d'Histoire du Temps Present, 1991, p.181. (Cahiers de l'Institut du temps Présent, n.18). fica mais claro entender como e por que essas 'trocas de significação' acontecem. Além disso, como reforça Jean Duvignaud, a história não é uma construção cristalizada por um grupo estabelecido para se defender contra a erosão permanente da mudança.28 28 DUVIGNAUD, Jean. Préface. In: HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective. 2.ed. Paris: PUF, 1968, p.XIII. Ela se encontra em permanente construção, em constante adaptação. Portanto, é possível inferir que, de fato, as ligações da imagem de Edson Luís e Alexandre se estendem muito mais no campo da memória,29 29 Compreendemos aqui que a memória se utiliza de imagens e construções simbólicas do passado, que se encontram gravadas na nossa sensibilidade (GENSBURGER, 2003, p.293). Marie-Claire Lavabre sugere como uma 'norma memorial' a tendência de uma 'homogeneização das representações' com um significado para a sociedade presente e fundado nos usos sociais do passado (LAVABRE, Marie-Claire. Le fil rouge: sociologie de la mémoire communiste. Paris: Presses de Sciences Po, 1994.) apontando para uma estratégia deliberada dos contemporâneos de Alexandre em utilizar o passado, com vistas a corroborar a prática de resistência contra o regime.

A partir da construção da resistência mítica, as figuras de Alexandre Vannucchi Leme e Honestino Guimarães, que possuem semelhanças nas suas trajetórias, são ligadas a Edson Luís através da 'lembrança', tornando-se ambos 'mártires' do movimento estudantil. As representações construídas pelas lideranças do movimento justificavam a necessidade de resistência e fortaleciam o ME, através da construção de um imaginário no qual esses personagens ganhavam um sentido, ao mesmo tempo heroico (épico) e religioso. Concordo com Marie Claire Lavabre, quando afirma que o imaginário coletivo serve para organizar a 'memória coletiva' e é construído em razão da vontade de interpretar o passado, com vistas a projetar o futuro (Lavabre, 1991, p.182). Considero que o imaginário construído pela resistência estudantil organizada se orientou por esses propósitos: neles se inseriram os usos políticos do passado, mediante a rememoração dos momentos mais importantes da luta de resistência do ME e as homenagens comemorativas de nomes e de datas relacionadas aos seus 'mártires'.

Esse foi o caso da atribuição do nome de Alexandre Vannucchi Leme ao primeiro DCE-Livre do Brasil, em 1976, da USP. A criação de uma entidade livre das 'amarras ditatoriais' era resultado das ações e discussões ocorridas nos anos anteriores. O ato e sua simbologia tinham como meta desafiar o sistema vigente: nesse caso, o cruzamento entre o uso funcional e simbólico dessas representações evocava um 'lugar de memória' proporcionado pelo próprio regime, instrumentalizado pelos estudantes.

Por ocasião da realização do III Encontro Nacional de Estudantes (ENE), em 1977, os estudantes aprovaram nas suas resoluções a realização de um dia nacional de protesto, a ser comemorado a partir de 28 de março de 1978, quando se completariam dez anos da morte de Edson Luís e cinco anos da morte de Alexandre. O panfleto distribuído para o ato na Faculdade de Medicina da USP, convidando os estudantes paulistas para a manifestação em memória dos dois estudantes, apresentava este chamado: "você me prende vivo, eu escapo morto/ de repente, olha eu de novo..." (Arquivo Cedem/Unesp, fundo Cemap cx. 036). Nesse sentido, cabe lembrar que é sempre em razão do presente e do futuro que os mortos são ressuscitados. Na data marcada, a mãe de Alexandre Vannucchi Leme, Eglê Maria, esteve presente no evento, lendo uma carta que enviara ao papa Paulo VI, relatando a morte de seu filho. Já no Rio de Janeiro, o cardeal Eugênio Sales proibiu as igrejas cariocas de realizarem cerimônias em memória dos estudantes, alegando que elas só teriam motivação política. No entanto, as opiniões do cardeal sobre as ações do ME não impediram que, em assembleias e reuniões realizadas nas Faculdades da UFRJ, UFF, Uerj, FGV, Fefierj (Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro, que em 1979 passou a ser UniRio) e Universidade Rural fossem feitos preparativos para o ato que aconteceria na PUC-Rio. A UFMG celebrava também a morte do mineiro José Carlos da Mata Machado, ocorrida no mesmo ano que a de Alexandre. A realização de um ato público na Faculdade de Direito foi impedida com bombas de gás lacrimogêneo, e as passeatas que tentaram se formar foram dissolvidas com violência. Manifestações como essa ocorreram ainda na UFBA, na UnB, em várias universidades de Porto Alegre e no interior do Rio Grande do Sul.

Victória Langland faz uma observação importante sobre o momento: as comemorações em torno dos estudantes passaram a ressaltar outras características que, na sua origem, não estavam ligadas às suas imagens. Vannucchi Leme, que em 1973 fora associado a uma imagem de 'inocência', passou, cinco anos depois, a ser recordado como o "viril guerreiro na luta pela liberdade de expressão política" (Langland, 2006, p.59). Vê-se aqui um deslocamento de sentido significativo: as imagens de Alexandre e também de Honestino Guimarães, que refletiam a figura do 'justo', em boa medida passaram a encarnar parte dos ideais preconizados por Che Guevara em seu texto sobre o homem novo, como ressalta a historiadora Mariana Villaça. Segundo a autora, o ideal de homem voluntarioso, solidário, militante disposto a qualquer sacrifício, consciente politicamente de seu papel de cidadão, bem como ciente da importância da conscientização política do povo (Villaça, 2004, p.2). Nessa realocação de sentidos, Langland observa que Edson Luís também passa a ser visto como o "defensor da democracia" (Langland, 2006, p.59).

Os mortos aos quais o ME prestou homenagens públicas ganham uma significação política, ao inserir o destino individual num contexto histórico carregado de sentido, como afirma Jörg Echternkamp. A comemoração conjunta do passado deve, então, ser entendida como um processo político dirigido para o presente e o futuro.30 30 ECHTERNKAMP, Jörg. Guerre totale, conflits de memoire et culte des morts en RFA pendant la guerre froide. Vingtième Siècle: Revue d'Histoire, n.104, p.101, oct.-dec. 2009. Os mártires do ME foram convertidos em símbolos nas disputas que ocorreram no campo político, voltadas para a luta pela redemocratização do país. Nesse caso, os 'mártires' passaram a ser lembrados como figuras que deram suas vidas em nome de uma causa, o que nessas condições serviria de componente na construção da identidade e reorganização do movimento, além de sua importância para a resistência contra o regime. As características identificadas nos estudantes transcendem suas mortes, graças ao 'exemplo a ser seguido'. O fato mostra, enfim, o quanto o uso político do passado é maleável e a comemoração do 'culto aos mortos' constituiu uma representação do passado que foi repetida ano após ano, cada vez com significado diferente.

A instrumentalização e a cristalização da figura de Honestino Guimarães como 'presidente eterno' da UNE teve como momento 'chave' o congresso no qual a entidade foi reconstruída (1979). Na mesa de abertura, a cadeira central da 'presidência' foi deixada vazia, e uma grande foto de Honestino era colocada no centro dos trabalhos.

O próprio estatuto de Honestino como presidente da UNE reflete as ambiguidades entre história e memória. Vice-presidente eleito em 1969, passou a coordenar os trabalhos da UNE quando o então presidente Jean Marc von der Weid foi preso. A disputa entre as forças políticas sobre a efetivação ou não do congresso que elegeu Honestino, em 1971, como presidente da UNE, esmorece diante da memória que passou a ser utilizada pelos estudantes do último presidente da UNE antes de a entidade ser reconstruída (imagem utilizada até hoje).

Os discursos que se seguiram na abertura do congresso enfatizavam o 'louvor aos mártires' da militância estudantil e sua ligação com a questão democrática. Mostravam o peso do passado da entidade e como foi realizada a 'escolha' desse passado, passada aos militantes daquele momento. A fala do ex-presidente da UNE de 1963-1964, José Serra, carregada dos simbolismos que permeiam a história da entidade, enfatizou "que a memória dos que caíram seguirá presente. Desaparecido ou morto, Honestino Guimarães continuará sendo o nosso companheiro de cada dia, a recordar-nos a necessidade da restauração e do aprofundamento da democracia" (Romagnoli; Gonçalves, 1979, p.47). Referenciar Honestino como o 'companheiro de cada dia' não deixava de ser uma ligação da 'dimensão épica da resistência' à realidade vivenciada, com vistas a projetar um futuro. Como afirma Laurent Douzou, a resistência, antes de tudo, é uma 'aventura' individual, mas também coletiva, e suas características, como a vida clandestina, com todos os riscos implicados nesse tipo de opção, forjam a dimensão épica para o ato (Douzou, 1996, p.74). Nesse caso, a projeção da imagem de Honestino pelos próprios militantes servia de referência, de 'norte' aos novos militantes. Servia, ainda, aos intentos daquele momento no qual as figuras de Honestino e da UNE se misturavam e apresentavam-se como espectro aglutinador do movimento.

Victória Langland conclui que a criação e a observância de um calendário político do próprio movimento em torno dos seus colegas assassinados serviram para sustentar, se não para regenerar sua identidade política durante o período da repressão (Langland, 2006, p.62). Trazer a 'presença invisível' dos mortos a cada ano foi um modo, ainda, de acentuar a continuidade do movimento, movimento este que percebeu no passado, um campo de disputas por um futuro possível e desejado. O que não só evidencia uma das características do ato de comemorar, mas também exprime certa 'ordem do tempo': maneira de usar um 'patrimônio' - o passado vivido e reapropriado - na continuidade pela resistência contra o regime militar. Lembrar os mortos para que eles não sejam esquecidos, para não esquecermos que se vivia numa ditadura. E, assim, aqueles estudantes transformaram o sacrifício num símbolo da luta pela vitória da democracia.

NOTAS

  • 1 HARTOG, François. Regimes d'historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Seuil, 2003, p.19.
  • 2 RICOEUR, Paul. La mémoire, l'histoire, l'oubli Paris: Seuil, 2000, p.97.
  • 3 CAPELATO, Maria Helena, Memória da ditadura militar argentina: um desafio para a história. Revista Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife: Ed. Universitária da UFPE, n.24, 2006, p.64.
  • 5 Mariana Martins Villaça reconhece essa questão nas canções que são compostas em memória de Che Guevara. VILLAÇA, Mariana M. "El nombre del hombre es el pueblo": as representações de Che Guevara na canção latino-americana. CONGRESSO LATINO-AMERICANO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL PARA O ESTUDO DA MÚSICA POPULAR, 5. Anais... Rio de Janeiro: UniRio/IASPM-LA, 2004, p.3. Disponível em: www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html ; Acesso em: 10 jan. 2010.
  • 6 LANGLAND, Victória. "Neste luto começa a luta": la muerte de estudiantes y la memória. In: JELIN, Elizabeth; SEMPOL, Diego (Comp.). El passado en el futuro: los movimientos juveniles. Buenos Aires: Siglo XXI, 2006, p.49. (Colección Memórias de la Represión).
  • 7 SERBIN, Kenneth. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.382-407.
  • 8 Subversivo tenta fugir mas morre atropelado. O Globo Ver GONZALEZ, Marina. Assassinato de Alexandre Vannucchi Leme gerou protestos da sociedade. Revista Adusp, maio 2005, p.73.
  • 10 ROMAGNOLI, Luiz Henrique; GONÇALVES, Tânia. A volta da UNE: de Ibiúna a Salvador. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979. (História Imediata, 5), p.19.
  • 11 COSTA, Caio Túlio, Cale-se São Paulo: A Girafa, 2003.
  • 14 Sarah Gensburger descreve como a figura do resistente passa a ser referenciada como a figura do justo na memória histórica francesa da ocupação. Aborda que a figura do justo é associada aos valores morais, cristãos, que eram precisamente evocações iniciais do resistente. Apesar do diferente contexto exposto pela autora, o conceito nos ajuda a entender como a figura de Alexandre foi retratada pelo movimento. Para aprofundamento da questão, ver dois artigos da autora: GENSBURGER, Sarah. Les figures du juste et du résistant et l'évolution de la mémoire historique française de l'occupation. Revue Française de Science Politique, v.52, n.2-3, p.291-322, avril-juin 2002;
  • _______. Usages politiques de la figure du Juste: entre mémoire historique et mémoires individuelles. In: ANDRIEU, Claire; LAVABRE, Marie-Claire; TARTAKOWSKY, Danielle. Politique du passé: usages politiques du passé dans la France contemporaine. Aix-en-Provence: Publications de l'Université de Provence, 2006. p.47-57. (Collection Le Temps de l'Histoire).
  • 17 FREUD, Sigmund. Duelo y melancolía. In: _______. Obras completas de Sigmund Freud. v.XVII (1917-1919). De la historia de una neurosis infantil y otras obras. Trad. del alemán José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrotu, 1986. p.237-258.
  • 19 "Experiência e expectativa são duas categorias que, entrecruzando passado e futuro, estão perfeitamente aptas a tematizar o tempo histórico. Essas categorias podem detectá-lo (o tempo histórico) até o domínio da pesquisa empírica, pois, concentradas em seu conteúdo, guiam as ações concretas na realização do movimento social ou político" (KOSELLECK, Renhart. Le futur passé Contribution à la sémantique des temps historiques. Paris: EHESS, 1990, p.310, minha tradução).
  • 20 NAPOLITANO, Marcos. Cultura e poder no Brasil contemporâneo (1977-1984). Curitiba: Juruá, 2002, p.64.
  • 21 Tomamos o conceito de mártir na sua acepção mais simples: surgindo da terminologia cristã, 'testemunho de Deus' segundo a etimologia, significa aquele que sofre os piores tormentos por causa de sua fé, chegando à morte. Seu comportamento exemplar é ressaltado em detrimento de sua 'falha', que o leva ao sacrifício. Enfim, pessoa que morre, que sofre em nome de uma causa (ROBERT, Paul. Le nouveau petit Robert: dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française. Texte remanié et amplifié sous la direction de Josette Rey-Debove et Alain Rey. Paris: Dictionnaires Le Robert, 2002. p.1.580, minha tradução).
  • 22 BOZZETTI, Roberto. Uma tipologia da canção no imediato pós-tropicalismo. In: VIEIRA, André Soares (Org.). Literatura, outras artes & cultura das mídias. Letras, Santa Maria (RS), Programa de Pós Graduação em Letras (PPGL), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), n.34, p.133-146, jan.-jun. 2007. Disponível em: www.ufsm.br/mletras/arquivos/LETRAS/LETRAS_34/revista34.pdf ; Acesso em: 2 jul. 2010.
  • 24 DOUZOU, Laurent. La constitution du mythe de la résistance. In: FRANCK, Christiane (Dir.). La France de 1945: résistances, retours, renaissances. Actes du colloque de Caen. Caen: Presses Universitaires de Caen, 1996, p.77.
  • 26 Segundo Raoul Girardet, o mito político pode ser encarado como uma fabulação, deformação ou ainda uma interpretação objetivamente recusável do real. Como narração de fatos legendários, o mito político exerce uma função explicativa, fornecendo certo número de chaves para a compreensão do presente. Um sistema de explicação e mensagem mobilizadora. Para aprofundamento da questão, ver: GIRARDET, Raoul. Mythes et mythologies politiques Paris: Seuil, 1986.
  • 27 LAVABRE, Marie-Claire. Du poids et du choix du passe: lecture critique du "syndrome de Vichy". In: PESCHANSKI, Denis; POLLAK, Michael; ROUSSO, Henry (Dir.). Histoire politique et sciences sociales Paris: Institut d'Histoire du Temps Present, 1991, p.181. (Cahiers de l'Institut du temps Présent, n.18).
  • 28 DUVIGNAUD, Jean. Préface. In: HALBWACHS, Maurice. La mémoire collective. 2.ed. Paris: PUF, 1968, p.XIII.
  • 30 ECHTERNKAMP, Jörg. Guerre totale, conflits de memoire et culte des morts en RFA pendant la guerre froide. Vingtième Siècle: Revue d'Histoire, n.104, p.101, oct.-dec. 2009.
  • 1
    HARTOG, François.
    Regimes d'historicité: présentisme et expériences du temps. Paris: Seuil, 2003, p.19.
  • 2
    RICOEUR, Paul.
    La mémoire, l'histoire, l'oubli. Paris: Seuil, 2000, p.97.
  • 3
    CAPELATO, Maria Helena, Memória da ditadura militar argentina: um desafio para a história.
    Revista Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife: Ed. Universitária da UFPE, n.24, 2006, p.64.
  • 4
    Como ressalta Christian Amalvi em
    Les héros de l'histoire de France: recherche iconographique sur le panthéon scolaire de la troisième République. Paris: Phot'oeil, 1979, p.246.
  • 5
    Mariana Martins Villaça reconhece essa questão nas canções que são compostas em memória de Che Guevara. VILLAÇA, Mariana M. "El nombre del hombre es el pueblo": as representações de Che Guevara na canção latino-americana. CONGRESSO LATINO-AMERICANO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL PARA O ESTUDO DA MÚSICA POPULAR, 5.
    Anais... Rio de Janeiro: UniRio/IASPM-LA, 2004, p.3. Disponível em:
    www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html ; Acesso em: 10 jan. 2010.
  • 6
    LANGLAND, Victória. "Neste luto começa a luta": la muerte de estudiantes y la memória. In: JELIN, Elizabeth; SEMPOL, Diego (Comp.).
    El passado en el futuro: los movimientos juveniles. Buenos Aires: Siglo XXI, 2006, p.49. (Colección Memórias de la Represión).
  • 7
    SERBIN, Kenneth.
    Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.382-407.
  • 8
    Subversivo tenta fugir mas morre atropelado.
    O Globo. Ver GONZALEZ, Marina. Assassinato de Alexandre Vannucchi Leme gerou protestos da sociedade.
    Revista Adusp, maio 2005, p.73.
  • 9
    Secretaria de Segurança Pública/Deops. Segunda Testemunha. Idem. Folha 82 (AEL/BNM 670).
  • 10
    ROMAGNOLI, Luiz Henrique; GONÇALVES, Tânia.
    A volta da UNE: de Ibiúna a Salvador. São Paulo: Alfa-Ômega, 1979. (História Imediata, 5), p.19.
  • 11
    COSTA, Caio Túlio,
    Cale-se. São Paulo: A Girafa, 2003. Izabel Priscila Pimentel da Silva diz: "A morte e o funeral de Alexandre ... marcaram o início do processo de recuperação política do movimento estudantil universitário brasileiro" (SILVA, Izabel P. P. da. Jovens, estudantes e rebeldes: a construção das memórias estudantis. In: ENCONTRO REGIONAL SUDESTE DE HISTÓRIA ORAL, 7., 2007, Rio de Janeiro.
    Anais... Rio de Janeiro, 2007.
  • 12
    Comunicado sobre a morte do colega Alexandre Vannucchi Leme.
    PoliCampus. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 25º aniversário. Março de 1973 (Arquivo dos DAs da FFCH/UFBA).
  • 13
    Ibidem.
  • 14
    Sarah Gensburger descreve como a figura do resistente passa a ser referenciada como a figura do justo na memória histórica francesa da ocupação. Aborda que a figura do justo é associada aos valores morais, cristãos, que eram precisamente evocações iniciais do resistente. Apesar do diferente contexto exposto pela autora, o conceito nos ajuda a entender como a figura de Alexandre foi retratada pelo movimento. Para aprofundamento da questão, ver dois artigos da autora: GENSBURGER, Sarah. Les figures du juste et du résistant et l'évolution de la mémoire historique française de l'occupation.
    Revue Française de Science Politique, v.52, n.2-3, p.291-322, avril-juin 2002; _______. Usages politiques de la figure du Juste: entre mémoire historique et mémoires individuelles. In: ANDRIEU, Claire; LAVABRE, Marie-Claire; TARTAKOWSKY, Danielle.
    Politique du passé: usages politiques du passé dans la France contemporaine. Aix-en-Provence: Publications de l'Université de Provence, 2006. p.47-57. (Collection Le Temps de l'Histoire).
  • 15
    ABREU, Marcelo Santos de. Os mártires da causa paulista: culto aos mortos e usos políticos da Revolução Constitucionalista de 1932 (1932-1957). Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010. p.154.
  • 16
    Comunicado sobre a morte do colega Alexandre Vannucchi Leme.
    PoliCampus. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 25º aniversário. Março de 1973 (Arquivo dos DAs da FFCH/UFBA).
  • 17
    FREUD, Sigmund. Duelo y melancolía. In: _______. Obras completas de Sigmund Freud. v.XVII (1917-1919). De la historia de una neurosis infantil y otras obras. Trad. del alemán José Luis Etcheverry. Buenos Aires: Amorrotu, 1986. p.237-258.
  • 18
    Póstumas a Alexandre. Extraído do convite para missa de 7º dia de Alexandre Vannucchi Leme (COSTA, 2003, p.90).
  • 19
    "Experiência e expectativa são duas categorias que, entrecruzando passado e futuro, estão perfeitamente aptas a tematizar o tempo histórico. Essas categorias podem detectá-lo (o tempo histórico) até o domínio da pesquisa empírica, pois, concentradas em seu conteúdo, guiam as ações concretas na realização do movimento social ou político" (KOSELLECK, Renhart.
    Le futur passé. Contribution à la sémantique des temps historiques. Paris: EHESS, 1990, p.310, minha tradução).
  • 20
    NAPOLITANO, Marcos.
    Cultura e poder no Brasil contemporâneo (1977-1984). Curitiba: Juruá, 2002, p.64.
  • 21
    Tomamos o conceito de mártir na sua acepção mais simples: surgindo da terminologia cristã, 'testemunho de Deus' segundo a etimologia, significa aquele que sofre os piores tormentos por causa de sua fé, chegando à morte. Seu comportamento exemplar é ressaltado em detrimento de sua 'falha', que o leva ao sacrifício. Enfim, pessoa que morre, que sofre em nome de uma causa (ROBERT, Paul.
    Le nouveau petit Robert: dictionnaire alphabétique et analogique de la langue française. Texte remanié et amplifié sous la direction de Josette Rey-Debove et Alain Rey. Paris: Dictionnaires Le Robert, 2002. p.1.580, minha tradução).
  • 22
    BOZZETTI, Roberto. Uma tipologia da canção no imediato pós-tropicalismo. In: VIEIRA, André Soares (Org.). Literatura, outras artes & cultura das mídias.
    Letras, Santa Maria (RS), Programa de Pós Graduação em Letras (PPGL), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), n.34, p.133-146, jan.-jun. 2007. Disponível em:
  • 23
    PoliCampus. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 25º aniversário. Março de 1973 (Arquivo dos DAs da FFCH/UFBA).
  • 24
    DOUZOU, Laurent. La constitution du mythe de la résistance. In: FRANCK, Christiane (Dir.).
    La France de 1945: résistances, retours, renaissances. Actes du colloque de Caen. Caen: Presses Universitaires de Caen, 1996, p.77.
  • 25
    Interessante mostrar um depoimento realizado em 1968 pelo Dops: "Prestando declarações disse Jaime Pereira dos Santos: que conheceu o estudante Edson Luiz Lima Souto desde que o mesmo começou a frequentar o Instituto Cooperativo de Ensino, que funciona anexo ao Restaurante Central dos Estudantes; que isso ocorreu tem 6 meses; que a princípio Edson Luiz não dormia no local; que em fins de dezembro passou a dormir no local; que assistiu várias vezes os líderes dos estudantes frequentadores do restaurante expulsarem Edson Luiz do local, sob alegação que ele ali não poderia permanecer; que Edson alegava a sua condição de estudante e não tinha onde dormir, passando então a ser tolerada a sua presença no local..." (DOPS SI n. Sp/12 em 23 abr. 1968. Informação - APERJ. Fundo Polícia Política setor estudantil. Notação 37. p.133).
  • 26
    Segundo Raoul Girardet, o mito político pode ser encarado como uma fabulação, deformação ou ainda uma interpretação objetivamente recusável do real. Como narração de fatos legendários, o mito político exerce uma função explicativa, fornecendo certo número de chaves para a compreensão do presente. Um sistema de explicação e mensagem mobilizadora. Para aprofundamento da questão, ver: GIRARDET, Raoul.
    Mythes et mythologies politiques. Paris: Seuil, 1986.
  • 27
    LAVABRE, Marie-Claire. Du poids et du choix du passe: lecture critique du "syndrome de Vichy". In: PESCHANSKI, Denis; POLLAK, Michael; ROUSSO, Henry (Dir.).
    Histoire politique et sciences sociales. Paris: Institut d'Histoire du Temps Present, 1991, p.181. (Cahiers de l'Institut du temps Présent, n.18).
  • 28
    DUVIGNAUD, Jean. Préface. In: HALBWACHS, Maurice.
    La mémoire collective. 2.ed. Paris: PUF, 1968, p.XIII.
  • 29
    Compreendemos aqui que a memória se utiliza de imagens e construções simbólicas do passado, que se encontram gravadas na nossa sensibilidade (GENSBURGER, 2003, p.293). Marie-Claire Lavabre sugere como uma 'norma memorial' a tendência de uma 'homogeneização das representações' com um significado para a sociedade presente e fundado nos usos sociais do passado (LAVABRE, Marie-Claire.
    Le fil rouge: sociologie de la mémoire communiste. Paris: Presses de Sciences Po, 1994.)
  • 30
    ECHTERNKAMP, Jörg. Guerre totale, conflits de memoire et culte des morts en RFA pendant la guerre froide.
    Vingtième Siècle: Revue d'Histoire, n.104, p.101, oct.-dec. 2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      2011
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