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Novo Qualis: rumos e rumores

New Qualis: directions and rumors

Chegamos ao último número deste difícil ano de 2020. Publicar uma re- vista científica é tarefa árdua em qualquer lugar e tempo, mais ainda em um Brasil pandêmico que sofre com o desmonte da ciência nacional promovido pelo atual governo. Apesar disso, a Revista Brasileira de História segue e se- guirá zelando pela excelência acadêmica de nosso campo do conhecimento.

Os pesquisadores do futuro precisarão entender de que maneira, em condições políticas e sociais hostis, foi possível uma vitória decisiva como a apro- vação da lei que regulamentou a profissão historiador. Lançada em 1968 como o primeiro projeto legislativo com esse objetivo, a regulamentação foi tornada lei após 52 anos e diversos projetos abortados. A conquista veio ainda de mo- do expressivo: com a derrubada do veto presidencial ao projeto. Enfim temos o que comemorar neste ano em que nossa comunidade demonstrou grande resiliência e capacidade de mobilização social.

Entre setembro e outubro as coordenações de área na Capes receberam instruções para iniciar o processo da avaliação do chamado Novo Qualis. As novidades no modelo avaliativo já vinham sendo testadas desde o ano passado, como o uso parcial de indicadores bibliométricos e o conceito de “área mãe” do periódico. O objetivo aqui é evitar que o mesmo periódico seja avaliado em diversas áreas do conhecimento em paralelo. Antes uma mesma revista pode- ria ter classificações distintas na área de história, por exemplo, e na área de filosofia, de educação, de arquitetura, etc. Agora cada periódico terá apenas uma classificação feita pela área considerada “mãe”. Para a definição de dessa vinculação a Capes considera a origem de área predominante dos autores que publicaram na revista no período avaliativo em questão. Dessa forma, mesmo uma revista vinculada a um programa de pós-graduação em história, mas que no quadriênio publicou majoritariamente autores da filosofia, será classificada por essa área, em comparação com as demais revistas da filosofia.

Esse procedimento já foi aplicado na avaliação parcial do ano passado, o que gerou algumas reações críticas. O problema ocorre quando o periódico migra entre áreas com médias de citação muito distintas. A título de exemplo, uma revista de história que publicasse muitos pesquisadores da economia aca- baria por ser avaliada nesta área e em comparação com as demais revistas de economia. Como sabemos, as ciências sociais possuem uma cultura de citação de artigos muito mais consolidada se comparada com outras áreas das Huma- nidades. Assim, uma revista que na área de história estaria acima da média, quando migra para a economia pode ficar abaixo e receber uma classificação inferior.

Os defensores desse procedimento alegam que a presença de pesquisado- res de outras áreas pode também distorcer o real peso do periódico em sua alegada área de origem. Dessa forma, uma revista de história que publicasse muitos economistas acabaria por se beneficiar das citações maiores desses pes- quisadores e teria uma vantagem que distorceria o seu peso na área de história. Para tentar amenizar eventuais conflitos, a Capes criou a possibilidade de que mais de uma área participe da avaliação de um periódico de modo que sua classificação possa ser uma espécie de média ou consenso. Assim, um periódico em que tenhamos, por exemplo, 60% de autores da história e 40% da filosofia seria avaliado por essas duas áreas. Vamos lembrar que o objetivo do Qualis é quantificar o valor da produção científica dos programas de pós-graduação, por isso que uma revista que publicou 40% de filósofos teria que ser também avaliada por essa área, já que essa produção está lançada em seus programas de pós-graduação.

Outra novidade polêmica é a pressão para que indicadores bibliométricos de citação e impacto tenham um peso cada vez maior na classificação Qualis. Alguns gestores-pesquisadores chegam mesmo a defender que esse vetor seja o único critério adotado. O fato é que parece haver ainda a previsão de uma segunda etapa classificatória na qual as áreas poderão modalizar os resultados obtidos pelos critérios bibliométricos.11 1 Conforme portaria Capes que pode ser linda no link <http://uploads.capes.gov.br/files/ OF_CIRCULAR_31-2020-GAB-PR-CAPES.pdf> Acesso em 25/10/2020. Dentre os indicadores recomendados e aceitos pela Capes, a área de história adotará o chamado índice H produzido a partir da base de dados da plataforma Google Acadêmico. Frente à pressão da área de Humanidades a Capes aceitou que fosse construído um fator H10, isto é, um fator H para o intervalo de 10 anos de publicações no periódico.

Os problemas do uso desses indicadores são inúmeros, uma vez que não foram criados para apresentar uma avaliação ampla e criteriosa dos periódicos ou dos artigos. Eles não deveriam ser cogitados como substitutos de processos mais substantivos, como os que a Capes vem adotando há décadas desde que criou a avaliação Qualis de periódicos, porque mesmo que imperfeita e dis- pendiosa essa é ainda umas das mais bem sucedidas experiências de avaliação que tivemos, representando um papel importante, mesmo que colateral, no incentivo à adoção de boas práticas científicas pelas equipes editoriais.

Enquanto fechamos este editorial, diversas áreas do campo das humani- dades estão discutindo essas mudanças. Fica evidente para todos que devemos defender nosso modelo de avaliação e nossas revistas das pressões das grandes corporações globais. Contra a comoditização, devemos avançar com os prin- cípios de uma ciência aberta.

26 de outubro de 2020

Valdei Araujo

Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de História, Mariana, MG, Brasil.

rbh@anpuh.org <http://orcid.org/0000-0001-8913-2509>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020
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