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“Ideal sadio da gente nova de Portugal”:o esporte nas comemorações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo (1953)

“Healthy Ideal of the New People of Portugal”: Sport in the Celebrations of the 25th Anniversary of Salazar’s Entry into the Government (1953)

RESUMO

Nosso objetivo é discutir a mobilização do esporte nas celebrações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo (1953). Refletiremos sobre a influência do império para este intuito utilizando-nos como fontes do Boletim Geral do Ultramar, de documentos do Serviço Nacional de Informação, de periódicos que circularam na metrópole e nos territórios do Ultramar e de uma edição do cinejornal Imagens de Portugal. Debruçamo-nos sobre três atividades cujas programações integraram o esporte: as inaugurações de instalações, as competições e o desfile de bandeiras. Concluímos que a presença desta prática é um indicador de sua importância entre as iniciativas salazaristas de produção de discursos de consenso, inclusive no que tange à afirmação do caráter multiterritorial de Portugal, fundamental num momento em que o país sentia os primeiros impactos de pressões internacionais visando à descolonização.

Palavras-chave:
História de Portugal; história do esporte; comemorações

ABSTRACT

Our goal is to discuss the mobilization of sport in the celebrations of the 25th anniversary of Salazar’s entry into government (1953). We will reflect on the influence of the empire in this sense, using as sources the Boletim Geral do Ultramar, documents from the Serviço Nacional de Informação, periodicals that circulated in the metropolis and in the overseas territories, and an issue of the film journal Imagens de Portugal. We focus on three activities whose programming integrated sports: the inaugurations of facilities, the competitions and the parade of flags. We conclude that the presence of this practice is an indicator of its importance among Salazar’s initiatives to produce consensus discourses, including with regard to the affirmation of Portugal’s multi-territorial character, fundamental at a time when the country felt the first impacts of international pressures aiming at decolonization.

Keywords:
Portugal History; Sport History; Celebrations

INTRODUÇÃO

Em Portugal, o dia 27 de abril de 1953 foi marcado por uma série de eventos que celebraram os 25 anos da entrada no governo de Antônio de Oliveira Salazar1 1 Apesar de ter se tornado Presidente do Conselho de Ministros em 1933, a data levou em consideração o momento em que Salazar assumiu a pasta das Finanças (1928). . Organizadas por administrações governamentais, pela União Nacional (partido único do regime), pela Legião Portuguesa (milícia salazarista) e por associações de diferentes naturezas, promoveram-se atividades comemorativas em cidades pequenas, médias e grandes de Portugal continental, ilhas e Ultramar. Realizaram-se inaugurações, palestras, missas, exposições, sessões de cinema, festas públicas, iluminação de prédios, e competições esportivas. O evento principal foi, sem dúvidas, um desfile de bandeiras pelas ruas de Lisboa, transmitido por rádio para todos os territórios portugueses e com a presença de Salazar.

A celebração teve inúmeras atividades envolvendo diversas agremiações esportivas. Um cronista de um dos maiores jornais portugueses destacou a participação de “centenas de clubes desportivos”, ou “talvez mais de mil clubes” de todo o Império no desfile de bandeiras (Os clubes desportivos de todo..., 1953OS CLUBES DESPORTIVOS DE TODO o Império estarão representados também. Diário de Notícias, Lisboa, p. 4, 24 abr. 1953., p. 4).

Governos nacionais celebram fatos considerados simbólicos para seus projetos de nação. Tais ocasiões expressam os princípios da seleção política que sustentam a tentativa de forjar uma memória coletiva (Tosh, 2015TOSH, John. The Pursuit of History: Aims, Methods and new Directions in the Study of History. London: Routledge, 2015.). As comemorações são, portanto, uma construção social (Koposov, 2015KOPOSOV, Nikolay. Events, Proper Names and the Rise of Memory. In: TAMM, Marek (Eds.). Afterlife of Events: Perspectives on Mnemohistory. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2015. pp. 44-61). Mesmo que relativamente limitados no espaço e no tempo, até mesmo eventos únicos podem ter influência notável em pessoas e organizações, algo que se propaga para além da data celebrativa (Schudson, 1989SCHUDSON, Michael. The Present in the Past versus the Past in the Present. Communication, v. 11, n. 2, pp. 105-123, 1989.).

Essas comemorações podem ser observadas a partir do que Victoria de Grazia (1981GRAZIA, Victoria de. The Culture of Consent: Mass Organization of Leisure in Fascist Italy. London; New York: Cambridge University Press, 1981.) chamou de “cultura do consentimento”, uma nova identidade anticlassista que pudesse unir os diferentes grupos sociais em um novo consenso nacional. Esta autora, ao conduzir sua pesquisa sobre o lazer no fascismo italiano, procurou compreender como um regime tão flagrantemente contra a classe trabalhadora estabeleceu uma base ampla de legitimidade que constituísse um poder transformador da sociedade italiana.

Nesse sentido, Casey (2000CASEY, Edward S. Remembering: A Phenomenological Study. Bloomington: Indiana University Press, 2000.) aponta uma potencialidade de análise de eventos comemorativos a partir da compreensão de sua motivação central: promover a mobilização mais ampla possível dos indivíduos tendo em conta forjar laços identitários, gestar sociabilidade e interconexão. As celebrações fazem mais do que prestar um tributo a ações honrosas selecionadas. Ainda que sejam ocasiões nas quais se estabelece uma ideia de continuidade entre passado, presente e futuro, sugerem existir uma relação essencial entre as pessoas, justificativa para que sigam projetos em comum. Em sentido aproximado, Bodnar (1992BODNAR, John. Remaking America: Public Memories, Commemoration, and Patriotism in the Twentieth Century. Princeton: Princeton University Press, 1992.) compreende que os eventos comemorativos articulam um corpo de crenças e ideias, induzindo o público a adotar uma compreensão histórica.

Nesta perspectiva, Connerton (1989CONNERTON, Paul. How Societies Remember. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.) afirma que se existe algo que se pode denominar memória social, há boas chances de encontrá-la em cerimônias comemorativas. Nessas ocasiões, rituais performáticos apresentam imagens do passado como “narrativas principais” cuja função primordial é fornecer à comunidade informações sobre sua identidade. Essas narrativas apresentadas são o que Shudson (1989) compreende como uma estrutura de “passados disponíveis”, que interfere e limita as escolhas dos indivíduos.

Vários estudos analisam os eventos comemorativos promovidos por governos autoritários. Berezin (2006BEREZIN, Mabel. The Festival State: Celebration and Commemoration in Fascist Italy. Journal of Modern European History, v. 4, n. 1, pp. 60-74, 2006.), por exemplo, se debruçou sobre a Marcha sobre Roma, realizada anualmente entre 1923 e 1938, apresentada como importante estratégia entabulada pela nova ordem fascista italiana. Tratava-se de uma construção oficial do passado destinada a forjar uma narrativa pública da nação.

Apesar de haver uma sólida produção historiográfica que afirma que Salazar era “avesso às manifestações de rua” (Martinho, 2013MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. O Estado Novo na historiografia portuguesa: sobre a questão do Fascismo. In: NUNES, João Paulo Avelãs; FREIRE Américo (Coords.). Historiografias portuguesa e brasileira no século XX. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013. pp. 111-146., p. 135) ou ainda “opositor ferrenho da ideia de mobilização popular” (Rosas, 2001ROSAS, Fernando. O salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o Estado Novo e a questão do totalitarismo. Análise Social. Lisboa, v. 35, n. 157, pp. 1031-1054, 2001., p. 87), existem estudos que mostram alguns eventos importantes organizados pelo governo salazarista com características distintas. Destacamos dois destes estudos que tratam da Exposição Mundo Português, um evento realizado em 1940 como parte da comemoração dos 800 anos da fundação do Estado Português (1140) e dos 300 anos da restauração da independência (1640).

Corkill e Almeida (2009CORKILL, David; ALMEIDA, José Carlos Pina. Commemoration and Propaganda in Salazar’s Portugal: The Mundo Português Exposition of 1940. Journal of Contemporary History, v. 44, n. 3, pp. 381-399, 2009.) demostraram que, na sua fase de consolidação, o regime abraçou o conceito de “Estado festivo” (festival state). Os eventos seriam mobilizados no sentido de forjar uma identidade portuguesa altamente seletiva. A Exposição teria desempenhado uma tripla função: busca de legitimidade da ação estatal, propagação da versão oficial da história da nação e intervenção na formação da consciência nacional.

Gori (2019GORI, Annarita. Celebrate Nation, Commemorate History, Embody the Estado Novo: The Exhibition of the Portuguese World (1940). Cultural and Social History, v. 15, n. 5, pp. 1-24, 2019.) percebeu como a seção histórica da Exposição foi concebida para celebrar a nação e incorporar o salazarismo. Foi uma apresentação da ideia de magnificência da história portuguesa com um cruzamento contínuo de referências do passado e do presente. Os pavilhões foram pensados para potencializar o uso público de certas compreensões do passado do país para fins de propaganda. Essa autora também afirma que, ainda que Salazar não gostasse - e até mesmo temesse - os eventos de massa, o regime os valorizava por suas funções legitimadoras, educativas e propagandísticas.

Não focando exatamente na análise de eventos deste tipo, Kumar (2017KUMAR, Rahul Mahendra. A pureza perdida do desporto: futebol no Estado Novo. Lisboa: Edições Paquiderme, 2017.) analisou brevemente as atividades que cercaram a inauguração do Estádio Nacional (Lisboa), em 1944. Apesar de partir da hipótese de que o “desenvolvimento do futebol e a sua inscrição na cultura popular portuguesa contemporânea não foram promovidos pelo Estado Novo e pelas suas organizações” (Kumar, 2014KUMAR, Rahul Mahendra. A pureza perdida do desporto: futebol no Estado Novo. 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa. Lisboa, 2014. 350 p., p. 4), este autor sugere que o conjunto de iniciativas ocorridas na inauguração deste estádio:

demonstra a competência do regime para projetar uma forma de dominação, além das técnicas repressivas, alicerçada na capacidade de mobilização de diferentes grupos sociais a partir de cima e na imersão desse sujeito político, a massa corporativamente organizada, num cotidiano totalitário, no qual as diferentes formas de produção cultural, coordenadas a partir de organizações de propaganda centralizadas, se conjugavam para dirigir as práticas sociais e anular possibilidades de leitura e de interpretação alternativa da realidade (Kumar, 2017KUMAR, Rahul Mahendra. A pureza perdida do desporto: futebol no Estado Novo. Lisboa: Edições Paquiderme, 2017., p. 85).

Nosso estudo busca contribuir para um melhor entendimento deste tipo de evento organizado pelo governo salazarista junto com diferentes setores sociais que o apoiavam, principalmente os ligados ao campo esportivo2 2 Agradecemos sobremaneira às/aos pareceristas que avaliaram o artigo. Suas sugestões foram extremamente importantes para a configuração final deste trabalho. . As atividades constituintes das comemorações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo expressam justamente manifestações de rua e mobilização popular em torno do estadista. Além disso, mostram também como os elementos importantes do campo esportivo foram mobilizados como elementos unificadores do Império.

Nos últimos anos cresceram os estudos que percebem a mobilização das práticas esportivas e de lazer no forjar da produção de consenso social em regimes autoritários. Simon (2004SIMON, Martin. Football and Fascism: The National Game under Mussolini. Oxford: Berg, 2004.), por exemplo, procurou compreender, na Itália fascista, as intervenções estatais no futebol. Tratava-se de um caso relevante de como um regime tentou fazer uso estratégico de manifestações culturais em busca de legitimidade e de um novo consenso nacional.

Drumond (2013DRUMOND, Maurício. Ao bem do Desporto e da Nação: relações entre esporte e política no Estado Novo português (1933-1945). Revista Estudos Políticos, Rio de Janeiro, n. 7, pp. 298-318, 2013., p. 299) comparou o que ocorreu nos períodos Vargas e Salazar e mostrou como “o esporte veio a ser mobilizado como uma das ferramentas de produção de consenso em relação ao regime salazarista”. Já Rei (2020REI, Bruno Duarte. Celebrando a pátria amada: esporte, propaganda e consenso nos festejos do Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972). Rio de Janeiro: 7 Letras , 2020., p. 13) debateu como a prática esportiva “se constituiu em um mecanismo de reafirmação de um consenso social estabelecido em torno da ditadura militar”, ao analisar as celebrações dos 150 anos da independência do Brasil, realizadas em 19723 3 Como bem fizeram esses dois autores, temos que ter em mente o alerta de Reeder (2019), ressaltando que a capacidade do regime fascista italiano de atrair pessoas a eventos de entretenimento não as transformava em “súditos fascistas”, nem pode ser tal presença encarada como apoio irrestrito ao regime. .

Além disso, também tem se ampliado o número de estudos que procuram compreender como o esporte foi utilizado na defesa de impérios. São trabalhos como os de Magan (1992), que investigou como a ideologia que chamou de “atleticismo” foi elemento vital do imperialismo britânico. A prática esportiva teria sido propagada como uma das “qualidades anglo-saxônicas”, sendo um meio importante para a tentativa de desenvolvimento do “caráter”, particularmente entre setores da elite destinados a assumir posições de comando no império.

No caso português, estudos como os de Domingos (2011DOMINGOS, Nuno. O desporto e o império português. In: NEVES, José; DOMINGOS, Nuno (Coords.). Uma história do desporto em Portugal: nação, império e globalização. V. II. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. pp. 51-107.) procuram mergulhar nas particularidades das relações entre o colonialismo português e a prática esportiva, mostrando que esta é uma relação bastante complexa. Como alerta o autor, deve-se evitar “a produção de nexos de causabilidade demasiado simplificadores, que tomam os clubes como meros agentes do colonialismo” (Domingos, 2011DOMINGOS, Nuno. O desporto e o império português. In: NEVES, José; DOMINGOS, Nuno (Coords.). Uma história do desporto em Portugal: nação, império e globalização. V. II. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. pp. 51-107., p. 100).

No momento das celebrações, Portugal ainda não sentia de forma mais contundente as pressões internacionais ou dentro do próprio império para encaminhar o processo de descolonização. No entanto, Alexandre (2017ALEXANDRE, Valentim. Contra o vento: Portugal, o Império e a maré anticolonial (1945-1960). Lisboa: Temas e Debates, 2017., p. 73) afirma que se o período pós II Guerra foi de estabilidade econômica, institucional e ideológica, “já no campo político os horizontes eram mais incertos, dadas as pressões anticoloniais que se faziam sentir no sistema internacional”. O mesmo autor aponta que a saída da Legação de Nova Deli de Lisboa em 1953, se não era um corte de relações diplomáticas, tratava-se ao menos da passagem a uma outra fase de relações entre a Índia e o governo português, marcada por “novas formas de confrontos”.

Essas primeiras tensões podem inclusive ser percebidas no contexto das celebrações a Salazar. De acordo com o jornal guineense O Arauto (Em Bombaim houve..., 1953EM BOMBAIM HOUVE desacatos à bandeira portuguesa. O Arauto, Bissau, p. 2, 30 abr. 1953. , p. 2), reproduzindo telegrama da France Press, houve um ato de “desacato à bandeira portuguesa” em Bombaim. Nacionalistas de Goa arrancaram o pavilhão português hasteado no Instituto Luso-Indiano “por motivo do 25º aniversário de subida ao poder do Presidente Salazar”. A bandeira portuguesa foi substituída “por uma bandeira nacional indiana. A polícia não interveio porque as autoridades consideraram que não houve delito”. Segundo o informe, tratava-se “do primeiro gesto de intensificação da campanha em prol da ligação da Índia Portuguesa ao território indiano”.

Já Inês Rodrigues (2018RODRIGUES, Inês Nascimento. Espectro de Batepá: memórias e narrativas do “Massacre de 1953” em São Tomé e Príncipe. Porto: Afrontamento , 2018.) analisou o assassinato de centenas de pessoas por parte das tropas coloniais portuguesas em São Tomé e Príncipe, episódio conhecido como “Massacre de Batepá”. O massacre aconteceu dia 3 de fevereiro de 1953, cerca de um mês e meio antes das celebrações aqui analisadas, e, atualmente, é considerado como o evento fundador do nacionalismo naquele país. Além disso, iniciavam-se algumas pressões internacionais e Portugal, por exemplo, ainda não havia sido aceito como membro da Organização das Nações Unidas, o que só ocorreria em 1955 (Pimenta, 2010PIMENTA, Fernando Tavares. Portugal e o Século XX: Estado-Império e descolonização (1890-1975). Lisboa: Edições Afrontamento, 2010.).

Nesse contexto, o governo português fez mudanças. Em 1951, por exemplo, revogou o Ato Colonial e alterou o nome das colônias para províncias ultramarinas, uma forma de supostamente demonstrar que respeitava igualmente os habitantes de todos seus territórios e pensava no bem-estar de seu povo. Era uma mudança que, apesar de “cosmética”, proporcionou, entretanto, o discurso da “Nação Pluricontinental” por parte da ditadura do Estado Novo. Essas novas posturas estiveram claramente manifestas nos eventos. Procuramos perceber como o esporte integrou o encaminhar dessas estratégias.

Tendo em conta esse debate introdutório, o objetivo deste estudo é discutir a mobilização do esporte como defesa do império nas celebrações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo. Para alcance do objetivo, consultamos um conjunto variado de fontes.

Para compreendermos a narrativa oficial, utilizamos o Boletim Geral do Ultramar, produzido pelo governo central e destinado às províncias africanas e asiáticas. O veículo fez uma cobertura especial do evento, com mais de 200 páginas. Usamos também uma edição do cinejornal Imagens de Portugal, um noticiário exibido nos cinemas antes dos longas-metragens. Dirigida por António Lopes Ribeiro, considerado uma espécie de “cineasta do regime salazarista” (Paulo, 2017PAULO, Heloisa. Imagem em movimento: o documentarismo no Estado Novo e a representação do povo (1933-1950). Comunicação Pública, Lisboa, v. 12, n. 23, 2017.), a película foi produzida pela Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas, um órgão governamental destinado à produção de filmes de propaganda política do governo. Acessamos ainda documentos do Serviço Nacional de Informação disponíveis no Arquivo da Torre do Tombo (Lisboa), que nos mostram, por exemplo, pedidos de autorização ao governo para a organização de eventos esportivos em homenagem às celebrações.

Buscando perceber as repercussões públicas dos eventos, usamos periódicos que circularam na metrópole e nos territórios do Ultramar4 4 Diário de Notícias, Diário de Lisboa, O Século, A Bola, Record e Mundo Desportivo (da metrópole); Diário de Luanda, Voz do Planalto e Voz de Angola (de Angola); Brado Africano, The Guardian, Notícias da Beira, Notícias da Tarde e O Ferroviário (Moçambique); O Arauto (da Guiné). , consultados na Hemeroteca de Lisboa. Importante destacar que, na ocasião, a imprensa, inclusive a esportiva, sofria um processo de censura prévia.

Passemos à análise dos eventos que integraram as comemorações. Nossos esforços de interpretação são apresentados a partir de três eixos nos quais a presença do esporte foi notável: as inaugurações, as competições esportivas e o desfile de bandeiras.

“ESTÁDIO QUE OS PERTENCE E QUE FICAM DEVENDO AO GOVERNO DE SALAZAR”

Na metrópole e no Ultramar, muitas inaugurações integraram o programa oficial das comemorações. Foram momentos mobilizados discursivamente para coroar um processo que, supostamente, se iniciara no passado, se materializava no presente e se projetava para o futuro. Seja por sua materialidade (as obras em si), seja pela nomeação dessas em homenagem a datas e lideranças do regime.

A solenidade de abertura dos eventos foi a inauguração do Hospital Escolar de Lisboa. O Diário de Notícias, em matéria de capa, exaltou que “a obra grandiosa feita com o dinheiro do povo e para o povo” havia sido realizada por aquele que dedicou “uma vida ao serviço da nação” (Uma obra grandiosa..., 1953UMA OBRA GRANDIOSA feita com dinheiro do povo para o povo. Diário de Notícias, Lisboa, p. 1, 27 abr. 1953., p. 1).

Esses argumentos foram usualmente expressos nas publicações sobre as comemorações. Destacava-se o caráter popular dos eventos, no sentido de terem atraído bom público e por terem supostamente partido da própria população com o fim precípuo de agradecer àquele que sempre procurou atender seus desejos e necessidades. O governo apenas estaria servindo ao povo que, por isso, espontaneamente exaltava Salazar pelos seus compromissos com a nação e com os portugueses5 5 As inaugurações aconteceram em diferentes localidades, das quais citamos alguns exemplos. Em Lisboa, para além do hospital, destacou-se o Museu de Artes Decorativas. Já na Figueira da Foz temos notícia de instalação de luz elétrica, de inaugurações do Lavadouro da Fonte Nova, de um fontanário, de uma escola primária e a reconstrução de estradas. Em São Pedro do Sul festejou-se um busto de Salazar instalado no átrio da Câmara Municipal. Pode-se citar ainda o Centro Emissor Ultramarino, em Pegões, o novo edifício dos Paços do Concelho de Beja e a Avenida António Salazar, em Viana do Castelo. Na Beira, em Moçambique, mudou-se o nome da Avenida Marginal para Avenida 27 de abril, com um bronze em homenagem a Salazar. .

As inaugurações de duas instalações públicas esportivas tiveram destaque na imprensa. A primeira, em Beja, no dia 26 de abril, foi a do Estádio Municipal Engenheiro José Frederico Ulrich, uma homenagem ao então Ministro das Obras Públicas e Comunicações, que esteve presente ao evento. O estádio tinha capacidade para receber mais de 20 mil pessoas, quando a cidade alentejana possuía pouco mais de 40 mil habitantes (Instituto Nacional de Estatística, 1964INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. X Recenseamento Geral da População no continente e ilhas adjacentes, 1960. Lisboa: INE, 1964.). Amplamente divulgado nos jornais, a inauguração teve destaque do cronista José Melo Garrido, que, ao comentar que a ocasião “enquadr[ou]-se nas celebrações em homenagem ao sr. Dr. Oliveira Salazar”, exaltou a obra por ser “o melhor campo desportivo ao Sul do Tejo” (Garrido, 1953GARRIDO, José Melo. Inaugura-se hoje o Estádio Municipal de Beja que tem lotação para mais de 20.000 pessoas. A Bola, Lisboa, p. 8, 27 abr. 1953., p. 8)6 6 O estádio teve seu nome alterado, em 1975, para Estádio Municipal Dr. Flávio Santos. .

No dia seguinte, José Frederico Ulrich, acompanhado pelo Ministro da Educação, Fernando Andrade Pires de Lima, foi de avião ao Porto para inaugurar outra instalação esportiva: o Estádio Universitário. O local contava com campo de futebol, pistas para atletismo e ciclismo, quadras para voleibol, handebol, basquetebol e outras modalidades. Foram organizadas competições e distribuídas medalhas e taças (O Estádio Universitário..., 1953O ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO e a escadaria do novo Liceu Feminino do Porto foram inaugurados pelos srs. ministros da Educação e das Obras Públicas. O Século, Lisboa, p. 5, 29 abr. 1953. , p. 5).

A inauguração mereceu destaque no cinejornal Imagens de Portugal. Na edição consultada, praticamente toda dedicada ao “Jubileu de Prata da entrada de Salazar para o governo”, podemos ver em detalhes a cerimônia. Ao final, com imagens dos atletas, o narrador afirma: “Os estudantes terminaram por desfilar no estádio que os pertence e que ficam devendo ao governo de Salazar” (O Jubileu de Salazar..., 1953O JUBILEU DE SALAZAR no Governo da Nação. Imagens de Portugal 5: quinzenário de informação e cultura. Direção: António Lopes Ribeiro. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas - Companhia Produtora. 1953 (11 min), son., PB., 35mm. Disponível em: <Disponível em: http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=3091&type=Video >. Acesso em: 14 de abr. 2021.
http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digi...
)7 7 As imagens da inauguração se encontram entre 4 min. 8 seg. e 4 min. 47 seg. . O evento também repercutiu na imprensa angolana. Foi dado destaque à leitura de uma carta pelo estudante Vasco Sá, uma “saudação dos universitários do Porto, afirmando a sua gratidão ao Governo por ter tornado realidade um sonho de muitos anos” (Novo estádio universitário..., 1953NOVO ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO do Porto. Diário de Luanda, Luanda, p. 5, 30 abr. 1953., p. 5). Uma vez mais vemos a produção de um discurso de que o dirigente apenas atendia aos anseios populares, devendo por isso ser agradecido.

As inaugurações e o destaque dado pelo governo às duas instalações esportivas, bem como os discursos produzidos pela imprensa, ajudam a dar a noção do que o esporte representava naquele momento como parte do projeto de nação. As práticas corporais institucionalizadas somente se tornaram mais mobilizadas pelo governo português a partir dos anos 1940 (Neves, 2009NEVES, José. Ler desportivamente Lenine - para a história do comunismo e do desporto em Portugal. Esporte e Sociedade: Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade, Niterói, ano 4, n. 11, pp. 1-23, 2009.; Drumond, 2014DRUMOND, Maurício. Estado novo e esporte: a política e o esporte em Getúlio Vargas e Oliveira Salazar (1930-1945). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.). Isso se tornou mais notável na década de 1950, quando houve também um maior investimento da metrópole no esporte das colônias, algo que incidiu, entre outras coisas, em bons resultados no cenário internacional alcançados por equipes portuguesas, especialmente no futebol e no hóquei (Domingos, 2011DOMINGOS, Nuno. O desporto e o império português. In: NEVES, José; DOMINGOS, Nuno (Coords.). Uma história do desporto em Portugal: nação, império e globalização. V. II. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. pp. 51-107.).

A inauguração dos estádios fazia jus à maior atenção que o governo português vinha dando ao esporte. Salazar foi apresentado como o principal responsável por atender o desejo manifesto por uma parte da população, de ver Portugal desenvolvido esportivamente. A data de celebração dos 25 anos da entrada de Salazar no governo pareceu apropriada para enfatizar esse compromisso.

“A DISPUTA DA MONUMENTAL TAÇA SALAZAR”

Identificamos que os eventos esportivos que integraram a programação das comemorações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo foram, majoritariamente, iniciativas de clubes, empresas e federações. Este é um bom indicador de como não só agências governamentais participaram ativamente da organização das celebrações, como também várias sociedades esportivas.

Um dos eventos, realizado em Lisboa, teve relação com uma antiga prova de vela, a “Regata Oceânica às Berlengas”, promovida desde 1943, por iniciativa da Brigada Naval da Legião Portuguesa. Em 1953, a Federação Portuguesa de Vela (FPV) comunicou ao governo sua intenção de colocar em disputa o “Troféu Salazar”, afirmando ser uma “homenagem que os velejadores portugueses resolveram prestar [...] ao sr. Presidente do Conselho de Ministros” (Ofício n. 14.555OFÍCIO n. 14.555. Pasta Desportos Diversos, PT/TT/SNI-GS/4/3, PR/JS, n. 1653, Ref. 40.453 [Cartas com pedidos de fundos para o SNI]. Lisboa, Portugal (Arquivo Torre do Tombo). 1953.).

A iniciativa de “enquadrar a prova nas festas comemorativas de tão notável momento da vida política portuguesa” foi da Associação Naval de Lisboa. A FPV, presidida pelo Capitão de Fragata Henrique dos Santos Tenreiro, “deu imediato patrocínio” ao evento. A largada da prova foi dada pelo Ministro da Marinha, em frente à Praça do Império, com os velejadores se associando “à simpática manifestação”.

Os outros eventos esportivos tiveram lugar nos territórios do Ultramar. Tais iniciativas podem ser consideradas como parte do conjunto de ações entabuladas no suposto intuito de buscar maior integração das colônias e promover alguns ajustes que fornecessem argumentos de integração entre a metrópole e suas colônias (Melo; Bittencourt, 2013MELO, Victor Andrade de; BITTENCOURT, Marcelo. O esporte na política colonial portuguesa: o Boletim Geral do Ultramar. Tempo: Revista do Departamento de História da UFF, v. 19, n. 34, pp. 69-80, 2013.). Muitos clubes das colônias portuguesas na África tiveram suas origens relacionadas a agremiações de destaque na metrópole.

A rede de “filiais” foi importante para a “formação de uma perene narrativa desportiva metropolitana que se expandiu rapidamente para fora do universo colono e que persiste” (Domingos, 2011DOMINGOS, Nuno. O desporto e o império português. In: NEVES, José; DOMINGOS, Nuno (Coords.). Uma história do desporto em Portugal: nação, império e globalização. V. II. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. pp. 51-107., p. 86). Os exemplos são muitos, espalhados por todos os territórios do Ultramar, ligados a clubes tais como Sporting Club de Portugal, Sport Lisboa e Benfica, Atlético Clube de Lisboa, Futebol Clube do Porto e Acadêmica de Coimbra. As agremiações africanas usavam nomes, símbolos, cores e uniformes semelhantes aos de suas “matrizes” e também tiveram seu papel nas celebrações oficiais dos 25 anos da entrada de Salazar no governo.

Na Guiné, em Bissau, várias “agremiações desportivas” se uniram a elementos das “forças de Terra e Mar, Polícia, Mocidade Portuguesa, Bombeiros Voluntários, [...] e alguns milhares de pessoas” na Praça Teixeira Pinto (25º Aniversário da entrada..., 195325º ANIVERSÁRIO DA ENTRADA de Salazar no Governo como Ministro das Finanças. O Arauto, Bissau, p. 6, 28 abr. 1953., p. 6). Realizou-se uma partida de futebol no estádio Sarmento Rodrigues8 8 O estádio pertencia à UDIB e o nome era uma homenagem ao antigo governador da Guiné, um dos principais fomentadores dos esportes naquela colônia, que era, naquele momento, o Ministro das Colônias. entre as duas principais equipes da cidade, a União Desportiva Internacional de Bissau (UDIB) e o Sporting Club de Bissau, a filial local do Sporting de Portugal. Foi disputada a “Taça Bodas de Prata” em celebração tanto aos 25 anos de fundação da UDIB quanto à “grandiosa manifestação de homenagem prestada a Salazar pelo jubileu de prata da sua auspiciosa entrada para a chefia da Nação Portuguesa” (Taça das Bodas de Prata... 1953TAÇA DAS BODAS DE PRATA da União Nacional. O Arauto, Bissau, p. 7, 29 abr. 1953., p. 7).

Em Angola, na cidade de Nova Lisboa, houve diversos eventos, entre os quais, “com numerosíssima assistência”, um jogo entre “dois grupos de futebol constituídos por jogadores naturais da Província e da Metrópole” (Vinte e cinco anos..., 1953VINTE E CINCO ANOS de Governo. Voz do Planalto, Nova Lisboa, p. 5, 30 abr. 1953., p. 5). Em Luanda, A Voz de Angola (Notas e Imagens das comemorações..., 1953NOTAS E IMAGENS DAS COMEMORAÇÕES em Luanda do 25º aniversário do governo de Salazar. A Voz de Angola, Luanda, p. 8, abr. 1953. , p. 8), editada pela Comissão Provincial da União Nacional, anunciou com destaque o “programa dos festejos comemorativos da entrada de Salazar para o Governo”. A abertura se deu no dia 26 de abril, no Estádio Municipal, com o “torneio de futebol para a disputa da monumental Taça Salazar, a maior e mais rica que se tem disputado em Angola”. A iniciativa revela algumas peculiaridades do próprio desenvolvimento esportivo colonial português.

A organização do evento foi do Clube Ferroviário de Luanda, associação ligada aos trabalhadores da empresa Caminhos de Ferro, integrada por filhos dos trabalhadores negros e brancos pobres. Antes das partidas iniciais da Taça Salazar, essa agremiação disputou uma partida com sua congênere de Lourenço Marques (Defrontam-se hoje os ferroviários..., 1953DEFRONTAM-SE HOJE OS FERROVIÁRIOS de Luanda e Lourenço Marques. Diário de Luanda, Luanda, p. 8, 26 abr. 1953., p. 8), sendo esta a primeira vez que se realizou um encontro interprovíncia.

Vale ter em conta que, naquele momento, dentro das ações de mudança da política colonial, o governo português autorizou e até incentivou encontros entre agremiações das províncias, a participação dessas em eventos da metrópole (inclusive na prestigiosa Taça de Portugal) ou a visita de equipes de Portugal continental às colônias. Tratava-se de mais uma forma de construir a narrativa de que todos eram partes de uma mesma nação, una e indivisível.

A Taça Salazar teve a participação de mais quatro agremiações: Sporting Clube de Luanda, Futebol Clube de Luanda, Sport Luanda e Benfica, e Atlético Clube de Luanda; filiais de sociedades esportivas da metrópole, mas com configurações sociais diferentes. Os três primeiros eram clubes de brancos. Já o último era a agremiação dos “mulatos” (Bittencourt, 2010BITTENCOURT, Marcelo. Jogando no campo do inimigo: futebol e luta política em Angola. In: MELO, Victor Andrade de; BITTENCOURT, Marcelo; NASCIMENTO, Augusto (Orgs.). Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010. pp. 101-132.). Todos eram filiados à Associação de Futebol de Luanda (AFL), entidade que organizava os campeonatos ligados às estruturas oficiais do esporte colonial português.

Ficavam de fora, tanto da AFL quanto da Taça Salazar, as agremiações populares que disputavam os “campeonatos indígenas”, como se referiam os órgãos da imprensa colonial. Seja por desigualdades na questão esportiva ou por “discriminação institucionalizada”, demarcava-se “um mundo de fronteiras sociais e de diferenças” (Domingos, 2011DOMINGOS, Nuno. O desporto e o império português. In: NEVES, José; DOMINGOS, Nuno (Coords.). Uma história do desporto em Portugal: nação, império e globalização. V. II. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. pp. 51-107., p. 80). Parte significativa dos praticantes se fizeram representar somente como público em um evento no qual os protagonistas eram mesmo, no fundo, os colonos e brancos, não os nativos, revelando limites dos discursos de integração do governo português e esgrimidos nestas comemorações a Salazar.

As competições esportivas foram destaque em Lourenço Marques, capital moçambicana. Três competições integraram o programa das celebrações. Nas águas das praias da cidade foi disputada a “Taça Salazar” em uma regata de iatismo. Os torneios de futebol, disputados no campo do Clube Ferroviário local, tiveram maior relevância: a “Taça Presidente do Conselho”, em homenagem ao ditador, e a “Taça União Nacional” (Celebrações do 25º aniversário..., 1953CELEBRAÇÕES DO 25º ANIVERSÁRIO da entrada de Salazar para o governo da nação. Notícias da Tarde, Lourenço Marques, p. 1, 23 abr. 1953. , p. 1).

As competições foram organizadas pela Associação de Futebol de Lourenço Marques (AFLM), ligada à estrutura oficial do esporte colonial, com patrocínio da União Nacional da Província. Segundo um cronista, “todos os clubes filiados da AFLM deram desde a primeira hora a sua mais entusiástica e desinteressada colaboração”. E “com o intuito de proporcionar a toda a população o ensejo de se associar [...] à justa homenagem que o desporto de Lourenço Marques tributa ao estadista” (Futebol, 1953FUTEBOL: o grande festival de hoje à noite em homenagem a sua Exa. o Presidente do Conselho. Notícias da Tarde, Lourenço Marques, p. 2, 27 abr. 1953., p. 2), a entrada ao evento foi gratuita. A Rádio Moçambique cobriu os eventos, ampliando seu alcance (O Rádio C. de Moçambique..., 1953O RÁDIO C. DE MOÇAMBIQUE e a grandiosa manifestação nacional a Salazar. Rádio-Moçambique, Lourenço Marques, p. 3, abr. 1953., p. 5).

Percebem-se os mesmos mecanismos de exclusão vistos no caso angolano, com a participação de clubes “genericamente constituídos por jogadores brancos” (Domingos, 2011DOMINGOS, Nuno. O desporto e o império português. In: NEVES, José; DOMINGOS, Nuno (Coords.). Uma história do desporto em Portugal: nação, império e globalização. V. II. Vila do Conde: Quidnovi, 2011. pp. 51-107., p. 89). Houve também a exclusão dos clubes populares da Associação de Futebol Africana, majoritariamente formados por negros.

De fato, em maior ou menor grau, em todos esses eventos ficam claras as relações entre a política e o esporte, mais ainda quando percebemos que a maioria teve lugar em praças esportivas inauguradas já no período salazarista.

“TRIBUTO DE GRATIDÃO A UM GRANDE PORTUGUÊS”

No desfile de bandeiras, evento de maior destaque das comemorações, podemos vislumbrar ainda mais o papel ocupado pelo esporte no forjar da narrativa de nação. A iniciativa foi apresentada tanto nas descrições oficiais quanto nos periódicos, como uma exibição da história portuguesa, da grandeza do país naquele momento e das projeções governamentais para o futuro. No citado cinejornal Imagens de Portugal, o narrador inferia: “Portugal ia viver um dos momentos mais altos de sua história”. O conjunto das bandeiras era descrito como “tudo o que representa a solidariedade indissolúvel dos portugueses dentro e fora de Portugal”.

O Boletim Geral do Ultramar (Lopes, 1953LOPES, Craveiro. Mensagem de S. Exa. o Presidente da República. Boletim Geral do Ultramar, Lisboa, ano XXVIII, n. 335, p. 6, mai. 1953. , p. 6) enfatizou o sucesso do desfile. Publicou o discurso do então presidente da República Craveiro Lopes salientando a relação das celebrações com uma noção de historicidade:

Quando alguém escrever as páginas da História de Portugal narrando os acontecimentos que tiveram lugar em meados deste século dirá que no dia 27 de abril do ano de 1953 se reuniram as duas Câmaras no Palácio da Assembleia Nacional com a assistência distinta dos representantes dos países amigos, da Igreja e da Nação. No largo fronteiro e nas ruas que a ele concorrem, uma multidão se aglomerava com seus estandartes e bandeiras, gente vinda de todas as partes do Mundo onde pulsa e vibra um coração português. Haviam-se ali reunido - em S. Bento - para render tributo de gratidão a um grande português que em muitos anos de esforçado labor entregando-se por completo ao serviço da Pátria, realizara obra extraordinária e duradoura.

No dia do desfile, O Século estampou na capa, ao lado de uma grande foto de Salazar: “Hoje, Portugal inteiro - Metrópole e Ultramar - e as colônias portuguesas em terras estranhas vão consagrar, num enorme plebiscito, os vinte e cinco anos de governação do sr. Dr. Oliveira Salazar” (Hoje, Portugal inteiro..., 1953HOJE, PORTUGAL INTEIRO - Metrópole e Ultramar - e as colônias portuguesas em terras estranhas vão consagrar, num enorme plebiscito, os vinte e cinco anos de governação do sr. Dr. Oliveira Salazar. O Século, Lisboa, p. 1, 27 abr. 1953., p. 1). Nessa representação, o desfile de bandeiras seria uma aprovação ao governo: “Nunca um estadista da nossa terra teve maior nem mais eloquente testemunho de agradecimento por uma obra extraordinária, da qual nascera a ressurreição de todos os nossos valores”. Para um cronista, o desfile foi como “páginas abertas do livro grande e dourado da História de Portugal” (Por entre vibrantes clamores..., 1953POR ENTRE VIBRANTES CLAMORES de entusiasmo e patriotismo, o imponente cortejo desfilou pela Avenida D. Carlos e diante da Assembleia Nacional. O Século, Lisboa, p. 5, 28 abr. 1953., p. 5).

O Diário de Notícias (A solidariedade nacional em torno..., 1953A SOLIDARIEDADE NACIONAL EM TORNO da figura de Salazar manifesta-se em todo o mundo onde há portugueses. Diário de Notícias, Lisboa, p. 1, 24 abr. 1953., p. 1), dias antes do evento, sugeriu que a celebração seria “um dia histórico, a ficar indelevelmente marcado nos anais da Pátria”, um “agradecimento ao homem que tornou possível a obra alevantada de Portugal”. Nesse sentido, o desfile de bandeiras seria “símbolo de um povo inteiro que vem à sua capital manifestar de maneira viva e colorida o seu agradecimento sincero e o seu justificado regozijo”.

Os jornais descreveram com detalhes a ambientação de Lisboa, sem dar destaque aos organizadores do desfile. Era como se aquela massa de pessoas tivesse se reunido de maneira espontânea para homenagear Salazar. Nas casas e prédios, janelas estavam enfeitadas com panos nas cores da bandeira nacional. Nas vitrines das lojas se exibiam pavilhões portugueses e retratos do dirigente. Um “surpreendente espetáculo” que mudou a feição da cidade (A concentração dos manifestantes..., 1953A CONCENTRAÇÃO DOS MANIFESTANTES e a apoteose das bandeiras. Diário de Lisboa, Lisboa, p. 10, 27 abr. 1953., p. 10).

Ao observarmos a estrutura do desfile, percebe-se mesmo o planejamento de um tributo a um passado cuidadosamente escolhido visando constituir uma memória pública, uma narrativa destinada a forjar uma identidade compartilhada que pudesse apontar um futuro segundo os interesses governamentais. Os participantes se concentraram na Avenida 24 de Julho, uma das principais artérias de Lisboa. Seguiram em direção à Avenida D. Carlos I, rumo ao prédio da Assembleia Nacional, o Palácio de São Bento, onde Salazar e autoridades esperavam para saudar o evento e o grande público.

Abriram o desfile as moças do Instituto Conde de Agrolongo e do Semi-Internato N. S. da Conceição (Casa Pia), bem como os rapazes do Instituto de Surdos-Mudos da Rua do Borja. Era explícito o intuito de exibir o compromisso do regime com a educação de suas crianças e jovens, inclusive os mais necessitados.

Logo a seguir, veio a seção histórica, na qual teve destaque o pavilhão nacional. Os cadetes da Escola Naval e do Exército carregavam bandeiras das Forças Armadas, de N. S. da Conceição, das campanhas da África e de várias Ordens Militares. A seguir, encerrando esse setor, vieram os pavilhões das unidades que tomaram parte na guerra peninsular, bem como os representativos de alguns reis de Portugal (D. Afonso Henriques, D. Sancho II, D. Afonso III, D. João I, III e IV e D. Pedro II).

A partir desse ponto, apresentaram-se as forças do regime em vigor. Depois de exaltar o que se considerou um passado glorioso e colonial, passou a se apresentar o que supostamente de melhor havia no presente.

Desfilou o destacamento da Legião Portuguesa, 450 homens com capacetes de aço e fardamentos esverdeados, seguidos dos membros da Liga dos Combatentes na Grande Guerra. Na sequência, bandeiras de Portugal Ultramarino, do Além-Mar, da Escola Superior do Ultramar, seguidas dos régulos de Moçambique, bem como das representações da Índia, Macau, Angola, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

O setor se encerrou com uma referência ao mundo português que se espraia para além da Europa. Esta ideia foi enfatizada também na seção seguinte: as delegações das coletividades portuguesas espalhadas pelo mundo. Ali apareceu a primeira bandeira de uma agremiação esportiva, uma das mais importantes do Rio de Janeiro e do Brasil, o Clube de Regatas Vasco da Gama. Tal presença recebeu amplo destaque na imprensa, inclusive brasileira.

Há que se ter em conta que, naquele momento, o lusotropicalismo de Gilberto Freyre começou a ser mais intensamente mobilizado pelo governo português9 9 Sobre o uso do lusotropicalismo pela administração governamental portuguesa, ver Castelo (1998). . A argumentação era de que supostamente a colonização portuguesa era multirracial e menos violenta do que outras experiências europeias. Nesta concepção, sempre foi estratégico um contato com o Brasil, país encarado como exemplo positivo da peculiaridade da intervenção colonial portuguesa10 10 Em 1952, Gilberto Freyre apontou um papel importante desempenhado por Vasco neste processo no artigo “De volta ao Ultramar Português”, publicado no boletim do próprio clube brasileiro. Ocupando quase uma página inteira e acompanhado de uma foto de Salazar com o sociólogo, Freyre sugeriu que, em sua viagem às colônias africanas, o “luso-brasileiríssimo” Vasco da Gama “é uma espécie de padrão desportivo para a gente lusíada da África e do Oriente”. Dentro de seus ideais lusotropicalistas, inferiu que Vasco foi o importante responsável por desenvolver as tímidas relações entre “os brasileiros e seus irmãos portugueses da África ou da Ásia [...] dentro do mais alto espírito desportivo e da mais pura cordialidade luso-brasileira” (Freyre, 1952, p. 7). .

O setor seguinte do desfile foi dedicado às Câmaras Municipais de todo o Império. As cidades da metrópole se apresentaram juntamente com as coloniais, em ordem alfabética. O campo esportivo esteve aí bem representado. As bandeiras das agremiações das províncias ultramarinas representam uma verdadeira geografia do esporte colonial português.

De Goa, Timor, Macau, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe houve um número menor de bandeiras - fato compreensível, por serem colônias mais modestas do ponto de vista do tamanho e da participação na economia e na política portuguesas. Foi variável, contudo, a proporção daquelas que representavam o esporte, um indício do grau de presença da prática nesses territórios11 11 A maior incidência de bandeiras esportivas na representação da Guiné pode ser explicada pelo fato de a mobilização da prática esportiva em territórios do Ultramar ter sido inaugurada naquela colônia ainda na década anterior, por iniciativa de seu governador, Sarmento Rodrigues (Melo, 2014). .

Em relação às representações de Angola e Moçambique, colônias maiores nas quais o esporte já havia se desenvolvido mais notavelmente, o número total de bandeiras foi maior, bem como a proporção das entidades esportivas representadas. De toda forma, das províncias ultramarinas estiveram representados os principais clubes locais12 12 Para mais informações sobre o esporte nas colônias portuguesas, ver: Melo; Bittencourt; Nascimento (2010); e Nascimento et al. (2013). . A tabela a seguir mostra um pouco melhor essa distribuição:

Tabela 1
Representatividade das organizações esportivas coloniais no desfile de bandeiras

O Século anunciou a expectativa de ser “brilhante a representação dos clubes desportivos” (Será brilhante a representação..., 1953SERÁ BRILHANTE A REPRESENTAÇÃO dos clubes desportivos. O Século, Lisboa, p. 2, 24 abr. 1953. , p. 5). O Diário de Notícias deu destaque para a participação dos “clubes desportivos de todo o Império” (Os clubes desportivos de todo..., 1953OS CLUBES DESPORTIVOS DE TODO o Império estarão representados também. Diário de Notícias, Lisboa, p. 4, 24 abr. 1953., p. 1). Nas palavras do cronista, “um dos setores mais importantes e de maior interesse no grande desfile de bandeiras”, por estarem representados “dos mais categorizados aos mais modestos”.

Da metrópole, além de diversas bandeiras de organizações esportivas de municípios houve mesmo um setor integralmente formado pelas maiores agremiações esportivas do país. No olhar de um cronista, era um indicador de que os clubes gozavam de importância para o povo e para o governo (Os clubes desportivos de todo..., 1953OS CLUBES DESPORTIVOS DE TODO o Império estarão representados também. Diário de Notícias, Lisboa, p. 4, 24 abr. 1953., p. 4). No seu ponto de vista, as delegações do Sporting e do Benfica seriam “manchas de impressionante grandeza”, inclusive devido à participação de suas filiais, que se espalhavam por todos os territórios portugueses. Apresentaram-se ainda as delegações de Os Belenenses Futebol Clube - da qual se destacou a presença do atleta negro e africano Matateu, e do Futebol Clube do Porto, maior agremiação do Norte do país. Desfilaram ainda bandeiras da Federação Náutica Portuguesa, bem como de seus afiliados.

A ideia exarada era de que a “chama alta de ideal sadio da gente nova de Portugal” estava representada na presença das bandeiras dos clubes de todo Império (Os clubes desportivos de todo... 1953OS CLUBES DESPORTIVOS DE TODO o Império estarão representados também. Diário de Notícias, Lisboa, p. 4, 24 abr. 1953., p. 4). Isso é, o esporte era um sinal da altivez do povo português, e o governo, ao reconhecer essa importante dimensão, o incentivava.

Podemos especular as motivações para que tantas bandeiras esportivas estivessem presentes no desfile. Devemos considerar que as agremiações eram embaixadas portuguesas espalhadas pelo mundo. Gozavam também de grande popularidade. Esse último era um aspecto importante. Ao analisarmos a narrativa dos registros do evento, podemos perceber o enfatizar de que houve uma forte adesão pública, um discurso ajustado ao esperado pelo governo salazarista: “o povo descobriu-se e depois deu palmas. O patriotismo vibrava” (As bandeiras das unidades..., 1953AS BANDEIRAS DAS UNIDADES QUE TOMARAM parte na guerra Peninsular iam, também, no impressionante cortejo. O Século, Lisboa, p. 6, 28 abr. 1953., p. 6).

Segundo o Boletim Geral do Ultramar (O grandioso desfile..., 1953O GRANDIOSO DESFILE DAS BANDEIRAS e estandartes. Boletim Geral do Ultramar, Lisboa, ano XXVIII, n. 335, p. 62, mai. 1953., p. 62), o homenageado acompanhou atentamente a “formidável manifestação popular” que “enchia as ruas próximas e o largo fronteiro e janelas, varandas e telhados”. No momento “mais brilhante e emocionante”, Salazar e Craveiro Lopes saudaram o povo. Houve execução do hino nacional, com “um delírio de palmas, de clamor festivo, de lenços acenando” e ao fim a população teria gritado “Viva Salazar! Viva Portugal!”.

No cinejornal Imagens de Portugal, o narrador afirma que, quando Salazar chegou à janela do Palácio de São Bento, “as manifestações da multidão atingiram o delírio [...] e entoou-se, num coro que era a própria voz da pátria, o hino nacional”. A narração é acompanhada do áudio do público a cantar “A Portuguesa”. Sugere-se que se tratou de uma postura espontânea, iniciativa de um povo “que prestava um reconhecimento ao homem que o salvou”. Ao ver essas cenas, o dirigente teria compreendido a importância de aceitar as manifestações de “eterna gratidão”.

Os periódicos não foram menos entusiasmados e ufanistas. De acordo com o cronista de O Século (Por entre vibrantes clamores..., 1953POR ENTRE VIBRANTES CLAMORES de entusiasmo e patriotismo, o imponente cortejo desfilou pela Avenida D. Carlos e diante da Assembleia Nacional. O Século, Lisboa, p. 5, 28 abr. 1953., p. 5), a “multidão comprimia-se em todas as ruas das proximidades do largo fronteiro à Assembleia Nacional”, à espera da saudação de Salazar. Alto-falantes mantinham a animação. Dezenas de aviões da Força Aérea sobrevoavam a região. Quando Salazar apareceu na janela, a multidão o aplaudiu, “as bandeiras foram colocadas ao alto” e “ecoaram palmas e mais palmas” (Seiscentos estudantes de Coimbra..., 1953SEISCENTOS ESTUDANTES DE COIMBRA deram alegria comunicativa ao cortejo. O Século, Lisboa, p. 6, 28 abr. 1953., p. 6).

O dirigente, pouco afeito a discursos para as massas, apenas acenou, gestos que, segundo o cronista, teriam emocionado a muitos, perceptível pelas “lágrimas aos olhos de muita gente”. Foram “minutos de muita emoção”, em que “o povo estava como que possuído de um delírio de admiração pelo grande estadista”. O jornal conseguiu algumas palavras de Salazar, que afirmou estar “profundamente emocionado”, não encontrando “as palavras com que desejaria exprimir” o seu reconhecimento: “Senti bem que a manifestação do povo foi direta e, por isso, ainda mais me impressionou e comoveu”.

No dia seguinte ao evento, O Século sugeriu que “as manifestações populares [...] pela vibração e pela sinceridade, deviam ter ido diretas ao coração do sr. Dr. Oliveira Salazar, provando-lhe que vale a pena trabalhar e sofrer, porque trabalho e sofrimento são agradecidos” (Se as manifestações oficiais..., 1953SE AS MANIFESTAÇÕES OFICIAIS FORAM bem expressivas, as manifestações populares, pela vibração e pela sinceridade, deviam ter ido directas ao coração do sr. Dr. Oliveira Salazar. O Século, Lisboa, p. 1, 28 abr. 1953, p. 1). O desfile de bandeiras teria impressionado o dirigente, tanto que manifestou interesse de ver de perto os estandartes “que vieram do Ultramar e de outros núcleos estrangeiros” (No Palácio da Assembleia..., 1953NO PALÁCIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL o chefe do Governo admirou hoje os estandartes e as bandeiras do Ultramar e dos portugueses no estrangeiro. Diário de Lisboa, Lisboa, p. 1, 28 abr. 1953. , p. 1).

Nas províncias ultramarinas também repercutiu o desfile de bandeiras. Em Angola, na capital da província, o Diário de Luanda (Em Lisboa, 1953EM LISBOA. Diário de Luanda, Luanda, p. 8, 28 abr. 1953. , p. 8) deu destaque à transmissão radiofônica do evento, possível de ser ouvida nas casas, nos estabelecimentos comerciais ou por meio de “alto falantes dispersos por vários locais da capital”.

Em Moçambique, na segunda maior cidade da colônia, o Notícias da Beira deu destaque ao “delírio da multidão, com vivas e aclamações a Salazar e a Craveiro Lopes” (Milhares de pessoas aclamaram..., 1953MILHARES DE PESSOAS ACLAMARAM delirantemente Salazar diante do Palácio de S. Bento. Notícias da Beira, Beira, p. 1, 28 abr. 1953. , p. 1). Já em Lourenço Marques, o The Guardian sugeriu não haver “memória de manifestação tão importante” (Na metrópole o entusiasmo..., 1953NA METRÓPOLE O ENTUSIASMO comunicou-se a toda população. The Guardian, Lourenço Marques, p. 1, 30 abr. 1953., p. 1).

Na edição quinzenal de O Brado Africano (Viva Salazar!!!, 1953VIVA SALAZAR!!!. O Brado Africano, Lourenço Marques, p. 1, 2 mai. 1953., p. 1), no primeiro número publicado após as comemorações, imprimiu-se: “Todo o Império, todas as parcelas que compõem Portugal, desde a Metrópole na Europa ao Macau longínquo encravado nos confins da Ásia, vibrou unido naquele dia”. Teria sido uma “manifestação espontânea e sincera” que traduziu o sentimento dos “milhões de portugueses espalhados pelo mundo”, reconhecendo o dirigente como realizador da obra de “elevação de uma Nação e de um Povo”.

O Notícias da Tarde, também de Lourenço Marques, descreveu o desfile em sua primeira página, dando também destaque à “multidão que se aglomerava com seus estandartes e bandeiras, gente vinda de todas as partes do mundo onde vibra um coração português [...] para render tributo a um grande português” (Mensagem do Presidente da República..., 1953MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA proferida ontem na sessão solene da Assembleia Nacional. Notícias da Tarde, Lourenço Marques, p. 1, 28 abr. 1953., p. 1). Em Bissau, O Arauto salientou que “os estandartes e bandeiras das delegações africanas [...] mereceram especial carinho e muitas aclamações”, destacando “o delírio da multidão com vivas e aclamações a Salazar” (Foi imponente e grandiosa..., 1953FOI IMPONENTE E GRANDIOSA a manifestação prestada ontem ao Presidente do Conselho Dr. Salazar. O Arauto, Bissau, p. 2, 28 abr. 1953., p. 2).

Enfim, o esporte fez claramente parte de uma iniciativa cuja impressão geral foi a de que todos os territórios portugueses estiveram unidos ao redor de Salazar. Tratava-se de uma propaganda contundente do regime em busca de legitimidade de sua ação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, discutimos como as comemorações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo forjaram discursos de consentimento, utilizando diversas ferramentas, entre as quais a mobilização do esporte. Tratou-se da ação de um governo autoritário no poder há mais de duas décadas e que erigia uma retórica de um passado glorioso, justificador de sua intervenção no presente e nos projetos de futuro para a nação. Dessa compreensão de historicidade, a prática esportiva não ficou de fora.

Os estádios inaugurados e as competições organizadas se inseriram nesse intuito. Ainda mais explícita foi a presença de representações esportivas no desfile de bandeiras, evento que buscou fortalecer laços de identidade e enaltecer Salazar. Por meio desse ritual performático, mobilizaram-se contingentes numerosos da população em torno da “narrativa principal” esgrimida nas comemorações. As delegações das agremiações envolviam gente de todo território português, relacionando-se aos desejos de conformar a ideia de que Portugal era uma nação pluricontinental.

As comemorações ecoaram por todos os territórios de Portugal. A programação em si tentou reafirmar esse caráter multiterritorial. Apesar de um momento de estabilidade (ao menos aos olhos da população da maior parte do império), havia um contexto imediato de primeiras rusgas e de momentos iniciais de pressão internacional. Neste contexto, fez parte da narrativa dos eventos reafirmar a ideia de que as colônias eram partes plenamente integrantes da nação. E o esporte foi uma das expressões dessa disposição.

Eventos desta magnitude contêm alta carga dramática em toda a sua concepção, execução e narrativa. Não surpreenderia encontrar referências magnânimas a respeito do mesmo. Procuramos observar como amplos setores da sociedade procuraram se mobilizar em torno da figura de Salazar, principalmente sociedades esportivas metropolitanas e coloniais. Há mobilização popular nas ruas, nas praças, nas igrejas, bem como nos estádios, nos ginásios, nas águas de rios e mares.

Quanto à efetividade dos resultados, não se pode a encarar de forma linear. De um lado, o governo autoritário ainda se manteria por mais 20 anos, ao final sob a liderança de Marcelo Caetano. De outro, no início da década de 1960 tornaram-se visíveis uma série de insatisfações e contestações na metrópole, e mais notavelmente ainda nas províncias ultramarinas, com o início das guerras coloniais em Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964).

De toda forma, as comemorações dos 25 anos da entrada de Salazar no governo nos mostram um regime que estava atento ao esporte, especialmente ao futebol, como ferramenta de mobilização. Este tipo de celebração possui grande potencial em termos de induzir o público a adotar uma compreensão histórica, tanto no momento da celebração quantos anos após a mesma. Na versão de história oficial propagada no desfile de bandeiras, as instituições do regime aparecem como a continuidade de um passado glorioso. A estrutura de “passados disponíveis” mostrava o regime enquanto herdeiro de uma linearidade temporal, cujo interesse maior era preponderar no poder. Os estádios inaugurados e as taças em homenagem ao ditador completam o cruzamento do passado com o presente, sendo o esporte apresentado como um dos elementos cruciais na celebração da nação e na incorporação do salazarismo.

REFERÊNCIAS

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  • AS BANDEIRAS DAS UNIDADES QUE TOMARAM parte na guerra Peninsular iam, também, no impressionante cortejo. O Século, Lisboa, p. 6, 28 abr. 1953.
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  • MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA proferida ontem na sessão solene da Assembleia Nacional. Notícias da Tarde, Lourenço Marques, p. 1, 28 abr. 1953.
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  • NO PALÁCIO DA ASSEMBLEIA NACIONAL o chefe do Governo admirou hoje os estandartes e as bandeiras do Ultramar e dos portugueses no estrangeiro. Diário de Lisboa, Lisboa, p. 1, 28 abr. 1953.
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  • POR ENTRE VIBRANTES CLAMORES de entusiasmo e patriotismo, o imponente cortejo desfilou pela Avenida D. Carlos e diante da Assembleia Nacional. O Século, Lisboa, p. 5, 28 abr. 1953.
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  • REEDER, Linda. Italy in the Modern World: Society, Culture and Identity. Nova York: Bloomsbury Academic, 2019.
  • REI, Bruno Duarte. Celebrando a pátria amada: esporte, propaganda e consenso nos festejos do Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972). Rio de Janeiro: 7 Letras , 2020.
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  • SE AS MANIFESTAÇÕES OFICIAIS FORAM bem expressivas, as manifestações populares, pela vibração e pela sinceridade, deviam ter ido directas ao coração do sr. Dr. Oliveira Salazar. O Século, Lisboa, p. 1, 28 abr. 1953
  • SEISCENTOS ESTUDANTES DE COIMBRA deram alegria comunicativa ao cortejo. O Século, Lisboa, p. 6, 28 abr. 1953.
  • SERÁ BRILHANTE A REPRESENTAÇÃO dos clubes desportivos. O Século, Lisboa, p. 2, 24 abr. 1953.
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  • VIVA SALAZAR!!!. O Brado Africano, Lourenço Marques, p. 1, 2 mai. 1953.
  • 1
    Apesar de ter se tornado Presidente do Conselho de Ministros em 1933, a data levou em consideração o momento em que Salazar assumiu a pasta das Finanças (1928).
  • 2
    Agradecemos sobremaneira às/aos pareceristas que avaliaram o artigo. Suas sugestões foram extremamente importantes para a configuração final deste trabalho.
  • 3
    Como bem fizeram esses dois autores, temos que ter em mente o alerta de Reeder (2019REEDER, Linda. Italy in the Modern World: Society, Culture and Identity. Nova York: Bloomsbury Academic, 2019.), ressaltando que a capacidade do regime fascista italiano de atrair pessoas a eventos de entretenimento não as transformava em “súditos fascistas”, nem pode ser tal presença encarada como apoio irrestrito ao regime.
  • 4
    Diário de Notícias, Diário de Lisboa, O Século, A Bola, Record e Mundo Desportivo (da metrópole); Diário de Luanda, Voz do Planalto e Voz de Angola (de Angola); Brado Africano, The Guardian, Notícias da Beira, Notícias da Tarde e O Ferroviário (Moçambique); O Arauto (da Guiné).
  • 5
    As inaugurações aconteceram em diferentes localidades, das quais citamos alguns exemplos. Em Lisboa, para além do hospital, destacou-se o Museu de Artes Decorativas. Já na Figueira da Foz temos notícia de instalação de luz elétrica, de inaugurações do Lavadouro da Fonte Nova, de um fontanário, de uma escola primária e a reconstrução de estradas. Em São Pedro do Sul festejou-se um busto de Salazar instalado no átrio da Câmara Municipal. Pode-se citar ainda o Centro Emissor Ultramarino, em Pegões, o novo edifício dos Paços do Concelho de Beja e a Avenida António Salazar, em Viana do Castelo. Na Beira, em Moçambique, mudou-se o nome da Avenida Marginal para Avenida 27 de abril, com um bronze em homenagem a Salazar.
  • 6
    O estádio teve seu nome alterado, em 1975, para Estádio Municipal Dr. Flávio Santos.
  • 7
    As imagens da inauguração se encontram entre 4 min. 8 seg. e 4 min. 47 seg.
  • 8
    O estádio pertencia à UDIB e o nome era uma homenagem ao antigo governador da Guiné, um dos principais fomentadores dos esportes naquela colônia, que era, naquele momento, o Ministro das Colônias.
  • 9
    Sobre o uso do lusotropicalismo pela administração governamental portuguesa, ver Castelo (1998CASTELO, Cláudia. “O modo português de estar no mundo”: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Afrontamento, 1998.).
  • 10
    Em 1952, Gilberto Freyre apontou um papel importante desempenhado por Vasco neste processo no artigo “De volta ao Ultramar Português”, publicado no boletim do próprio clube brasileiro. Ocupando quase uma página inteira e acompanhado de uma foto de Salazar com o sociólogo, Freyre sugeriu que, em sua viagem às colônias africanas, o “luso-brasileiríssimo” Vasco da Gama “é uma espécie de padrão desportivo para a gente lusíada da África e do Oriente”. Dentro de seus ideais lusotropicalistas, inferiu que Vasco foi o importante responsável por desenvolver as tímidas relações entre “os brasileiros e seus irmãos portugueses da África ou da Ásia [...] dentro do mais alto espírito desportivo e da mais pura cordialidade luso-brasileira” (Freyre, 1952FREYRE, Gilberto. De volta do Ultramar português. Boletim Mensal de Informações aos Associados. Club de Regatas Vasco da Gama, p. 7, 1952., p. 7).
  • 11
    A maior incidência de bandeiras esportivas na representação da Guiné pode ser explicada pelo fato de a mobilização da prática esportiva em territórios do Ultramar ter sido inaugurada naquela colônia ainda na década anterior, por iniciativa de seu governador, Sarmento Rodrigues (Melo, 2014MELO, Victor Andrade de; BITTENCOURT, Marcelo. O esporte na política colonial portuguesa: o Boletim Geral do Ultramar. Tempo: Revista do Departamento de História da UFF, v. 19, n. 34, pp. 69-80, 2013.).
  • 12
    Para mais informações sobre o esporte nas colônias portuguesas, ver: Melo; Bittencourt; Nascimento (2010MELO, Victor Andrade de; BITTENCOURT, Marcelo; NASCIMENTO, Augusto (Orgs.). Mais do que um jogo: o esporte e o continente africano. Rio de Janeiro: Apicuri , 2010.); e Nascimento et al. (2013NASCIMENTO, Augusto et al. (Orgs.). Esporte e lazer na África: novos olhares. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2013.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2021
  • Aceito
    18 Mar 2022
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