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É possível pensar em uma nova política editorial para as Revistas na área de História?

Is it Possible to Think of a New Editorial Policy for Journals in the Field of History?

Diante do resultado da tão esperada avaliação da Capes do nosso sistema de Pós-Graduação (que certamente terá saído por completo quando este texto vier a ser publicado), o momento é mais que oportuno para refletirmos sobre o conjunto de nossas revistas na área de História. Em meio às reações que ocorrerão no campo, negativas e positivas, duas são as razões que nos movem a isso. Em primeiro lugar, porque acreditamos que, como área, deveríamos discutir uma política de produção de nossas revistas, do que queremos e podemos fazer com elas, contribuindo para questionar as formas de avaliação vigentes. Segundo, porque valorizar um perfil de periódicos que funcione como veículo de divulgação de pesquisas de ponta não deve desconsiderar a diversidade existente entre eles no nosso campo, que, propositadamente, pode ser pensado como um verdadeiro ecossistema.

Em primeiro lugar, é fundamental apontarmos que, atualmente, o trabalho de produção de nossas revistas tem sido hercúleo, beirando o impossível em alguns casos. Mesmo para as revistas de altos estratos, ou aquelas financiadas por associações e programas de pós-graduação com mais recursos, em que se costuma contar com assistentes e revisores ao menos, a carga de trabalho e responsabilidade das equipes editoriais costuma ser altíssima. E nem precisamos elencar apenas as revistas menores ou mais recentes, para as quais temos relatos de colegas que, como editoras e editores, praticamente realizam todas as tarefas envolvidas na sua produção, ou a dividem com poucos membros dos conselhos. Sem dúvida, essa situação foi agravada pela falta de financiamento pela qual passamos; mas, igualmente, porque fazer uma revista hoje converteu-se em um trabalho especializado, que termina exigindo o conhecimento de plataformas e sistemas, a atualização em relação aos debates atuais sobre revistas, as exigências dos indexadores, a utilização dos meios digitais, etc. Pode-se afirmar que fazer revistas converteu-se em uma tarefa muito mais complexa na última década.

Por isso, a valorização do trabalho dos que se dedicam à produção das revistas da nossa área passa também pelo reconhecimento, em termos curriculares, de serviços que permanecem invisíveis aos órgãos de avaliação, como o trabalho de editoria dos periódicos e a emissão de pareceres técnicos. É preciso esclarecer que a publicação de um artigo em revistas dotadas do sistema de avaliação por pares é sempre o resultado de uma cadeia de procedimentos sem os quais os periódicos perderiam sua razão de ser, que é divulgar o conhecimento cientificamente orientado. O reconhecimento do papel central das revistas científicas - de docentes e discentes - requer uma análise mais aprofundada sobre como avaliamos a produção intelectual como um todo, sobretudo porque o trabalho editorial tem requerido muitos ônus em termos de volume de trabalho e pouco reconhecimento em termos “acadêmicos”.

Não obstante a progressiva especialização e o aumento do trabalho, o número ascendente de revistas chama muito a atenção. Em um levantamento feito por Marcos Eduardo Sousa, assistente do Fórum de Editores da ANPUH, no quadriênio de 2013 a 2016 existiam 146 revistas referidas como da área de História (Sousa, 2020SOUSA, Marcos Eduardo. “mapeamento preliminar - história - 2019-2020.tab”, Mapeamento preliminar de periódicos brasileiros da área de História - 2019-2020. Harvard Dataverse, V1. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.7910/DVN/BDEQH3/5CY4DI >. Acesso em: 23 set. 2022.
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). Já no final de 2021, considerando os dados “vazados” da avaliação de periódicos da CAPES, seu número aumentou para 168 periódicos citados (Sousa; Gonçalves, 2021SOUSA, Marcos Eduardo; GONÇALVES, Aline Machado. Mapeamento de periódicos brasileiros on-line em atividade da área de História, 2021. Harvard Dataverse, V1. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.7910/DVN/FMPBET >. Acesso em: 23 set. 2022.
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). Observe-se que, considerada a distribuição regional, ainda há espaço para o crescimento de revistas, tendo em vista a grande concentração regional: mais da metade está baseada na região Sudeste (50,3%), seguida pelo Sul (21,3%), pelo Nordeste (14,2%), pelo Centro-Oeste (10,1%) e pelo Norte (4,1%). É importante frisar que grande parte desse crescimento foi induzido pela própria política da Capes, ao gerar uma profusão de novas revistas vinculadas a departamentos e a programas de pós-graduação com a intenção de uma melhora na avaliação.

No entanto, cabe-nos perguntar: devemos expandir e mesmo manter nosso campo editorial pautados por um único modelo de revista tal qual proposto pela agência? Ou, ainda, seria possível incentivar um ecossistema saudável de periódicos na área de História? As perguntas nos parecem pertinentes, na medida em que o número de revistas cresceu ao lado da profissionalização das políticas editoriais, tal como orientadas pela Capes e por demais órgãos de fomento. Na memória da área de História (Capes, 2020CAPES: História - Memória da Área. 15 set. 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/avaliacao/sobre-a-avalia-cao/areas-avaliacao/sobre-as-areas-de-avaliacao/colegio-de-humanidades/ciencias-humanas/historia-memoria-da-area >. Acesso em: 23 set. 2022.
https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-...
), é possível constatar, desde o documento do biênio 2007-2009, o esforço de sistematização de um conjunto de regras, tendo em vista que os periódicos compunham parte natural da avaliação dos programas de pós-graduação1 1 A menção à existência de periódico mantido pelo programa aparece nos relatórios de avaliação do quadriênio de 2013-2016. No caso da História, cf. Silva Júnior; Wasserman; Magalhães (2017, p. 10, Inserção social, item 5.3). No relatório de meio termo, em 2019, o item aparece como critério para programas de nota 6 e 7 (final da p. 25, na ficha de avaliação, cf. Capes, 2019). .

Desde então houve um empenho significativo na profissionalização dos periódicos e uma defesa aberta, por parte da Capes, das revistas como formas de divulgação da pesquisa acadêmica, mais bem pontuadas que os capítulos em coletâneas. De fato, a avaliação por pares constitui um avanço importante e positivo, pois evidencia o caráter aberto que orienta o debate acadêmico. Entretanto, o reconhecimento de uma maior diversidade de perfis para nossas revistas e uma maior abertura para a proposição de formatos alternativos são desafios importantes e que merecem a nossa atenção, num momento em que o impasse não é mais o da divulgação dos textos de todos, mas sim o da qualificação das produções para além do exclusivismo dos parâmetros estabelecidos pelo Qualis. Afinal, consideradas em sua diversidade e na amplitude de fins acadêmicos (divulgação de pesquisas, estados da arte, debates, textos formativos, traduções de artigos relevantes, entrevistas), as revistas são parte importante para uma avaliação mais complexa da área.

Não obstante a multiplicação de revistas e a tentativa de definição de regras mais claras, a divulgação de resultados parciais de pesquisas ainda é feita, em grande medida, por meio de livros coletâneas. Levando-se em conta os critérios para publicações coletivas, os livros coletâneas constituem o perfil editorial mais heterogêneo em termos qualitativos. Os mais bem avaliados estão submetidos a altos padrões de produção, critérios rigorosos de internacionalização e exogenia institucional, e são valorizados justamente por proporem uma reflexão conjunta das contribuições a partir de uma mesma questão a ser discutida. Entretanto, ainda que possam incorporar um número maior de pesquisadores que os dossiês temáticos das revistas, a importância das coletâneas, enquanto portadoras de contribuições conjuntas e de impacto na área, tem sido relativizada. A definição de critérios de avaliação é complicada, tendo em vista o gigantismo da produção textual e a impossibilidade de se realizar um juízo criterioso sobre ela; some-se ainda a facilidade de se publicar em certas editoras mediante o pagamento pecuniário - mesmo que seus catálogos não apresentem qualquer crivo científico ou política editorial definida.

É evidente que o universo dos livros é um mundo à parte que merece uma discussão específica; mas, vale ressaltar, padece de desafios análogos. A necessidade de compreender as mudanças nas formas de divulgação científica e no mercado editorial como oportunidades para diversificar os perfis de nossas publicações deve reservar um lugar especial aos livros autorais (de pesquisas, de síntese, além dos manuais de divulgação). Seria importante também que a publicação de dissertações e teses representasse um esforço intelectual distinto, em forma e/ou em conteúdo, em relação ao texto integralmente divulgado no banco de teses e dissertações da Capes. O mercado editorial acadêmico é um nicho específico, cuja função não se limita a vender livros, mas faz pouco sentido publicar ipsis litteris trabalhos já divulgados em plataformas abertas. A valorização do perfil acadêmico das editoras é um passo importante na garantia de um ecossistema qualificado e diversificado para a comunidade como um todo.

Os artigos de revista obviamente não competem com os livros autorais, e sequer cumprem a mesma função que eles, sendo veículos de divulgação primordial de pesquisas inovadoras não divulgadas e/ou consolidadas em algum volume. Mas o mesmo não se pode dizer em relação aos livros coletâneas, parte dos quais mobiliza a energia de seus autores e organizadores, já que dependem muito menos de avaliação e tempo para serem publicados. Ter esse universo em conta dignifica ainda mais a importância de se pensarem políticas específicas para revistas, considerando o respectivo lugar ocupado por elas como espaço qualificado de publicação e de grande potencialidade para o debate. Por essa razão, é ainda mais clara a perversidade, ou o tiro no pé, de tomarmos a avaliação da produção que se orienta pelo Qualis de Avaliação de Revistas como o único sistema de avaliação da qualidade das revistas, se queremos incentivar uma maior publicação de artigos entre as mais variadas revistas (que não apenas as de altos estratos).

Cabe retomarmos a pergunta de forma mais enfática: é saudável, em um campo que tem um número tão elevado de revistas - com variações regionais, temáticas, e mesmo de propósitos -, tomarmos como hegemônico um sistema que investe em um modelo único? Também poderíamos perguntar: é desejável que todas as revistas tenham como modelo os critérios da Scielo, repositório no qual apenas 7,7% das revistas estão indexadas, em um universo de 1682 2 Cabe dizer que o texto deste editorial foi fechado antes que a Avaliação de Periódicos fosse publicizada integralmente, para além do envio dos resultados a cada um dos coordenadores. ? Alguém poderia dizer que o problema é que os critérios de financiamento, os quais já são muito escassos, valorizam esse modelo - ou seja, as revistas de estratos A (10,7% em 2017-2018) -, acusando nosso questionamento de ingênuo. No ano passado, pouquíssimas foram as revistas beneficiadas por edital do CNPq (desigualdade na distribuição de recursos que já ocorre há anos), e grande parte de nossas revistas sobrevive com financiamentos locais (de departamentos, programas, associações, etc.). No entanto, para nós, o principal impasse parece estar no fato de que a política editorial para as revistas da área ainda gravita sobretudo em torno dos critérios de avaliação da produção acadêmica definidos pela Capes, impossibilitando a abertura da discussão acerca de uma maior diversidade de critérios, tendo em vista perfis diferenciados de revistas.

Nesse sentido, a supervalorização de um modelo único de revista pode produzir, se é que já não produz, um efeito deletério na área. A diversidade de formatos, propostas, linhas editoriais e temáticas que um periódico acadêmico pode ter - ainda mais depois da proliferação dos meios digitais dos últimos anos - tende a ser pouquíssimo discutida quando falamos de revistas, especialmente se levarmos em consideração o crescimento da divulgação histórica e da história pública, campos que têm se consolidado como fundamentais também enquanto produção acadêmica. Parece que inovamos pouco, e tendemos a ter revistas mais ou menos com mesmos formatos, mesmas seções, etc., a despeito da grande variedade temática, e não obstante a verdadeira revolução que o formato digital tem oferecido em termos de divulgação. O fato de uma revista de alto estrato, a qual é obrigada a responder a padrões internacionais, seguir um modelo standard de produção, não deveria desincentivar outros projetos editoriais, e mesmo soluções criativas ao mundo de hoje.

As revistas discentes, das quais somos claramente defensores, são ótimos exemplos. Não faz sentido que muitas delas estejam pautadas por critérios de revistas consolidadas de alto estrato, se seu projeto editorial é permitir o debate de pesquisas que estão sendo produzidas atualmente, além de criar sinergias e engajamento de graduandas/os e pós-graduandas/os. Por caminhos bizarros do nosso sistema de avaliação, a área não incentiva nenhuma revista que resenhe livros ou promova debate a partir de textos, temáticas, etc. - a esse respeito, recomendamos a leitura de um recente editorial da Varia Historia sobre o tema (cf. Caldeira; Silveira, 2021CALDEIRA, Ana Paula Sampaio; SILVEIRA, Anny Jackeline Torres da. Resenhas - um gênero à margem entre os historiadores [Editorial]. Varia Historia, v. 35, n. 68, pp. 397-401, mai.-ago. 2019.). E vale constatar que, apesar do número crescente de revistas temáticas, menos se inova no projeto e no formato dos conteúdos que são a alma mater da revista.

Permitimo-nos citar iniciativas como a da Revista de Fontes, produzida na Unifesp, que se propõe a publicar documentos e instrumentos de pesquisa, algo tão fundamental para nosso ofício como historiadoras e historiadores, sem se preocupar em seguir um modelo de revista de estrato A (https://periodicos.unifesp.br/index.php/fontes/index). Apontamos também que, apesar de verificarmos um igual crescimento das cooperações interinstitucionais e regionais no trabalho editorial, a instituição sede acaba contando muito mais, tanto na produção quanto no financiamento do periódico. Na contramão dessa tendência, vale citarmos a ação de saudável sinergia feita pela revista Fronteiras: criada pela Associação Nacional de História (Seção Santa Catarina) em 1999, mas incorporada em 2018 ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul, o que possibilitou sua manutenção e a afirmação de seu escopo temático (https://periodicos.uffs.edu.br/index.php/FRCH/about). Sem o afã de darmos soluções, duas reflexões nos parecem fundamentais para pensarmos os impasses apontados. Primeiramente, de que é fundamental investir maciçamente na definição e mesmo na atualização da política editorial de cada revista, o que talvez possa ser pensado como um critério alternativo de valorização de cada periódico. Essa ação integrada de editores, conselhos e grupos de pesquisa tem um papel fundamental para garantir a sustentabilidade do periódico no que diz respeito ao recebimento de artigos e ao trabalho de pareceristas, além da garantia institucional de sobrevivência. Nesse sentido, cabe perguntarmos: por que não apoiamos e valorizamos projetos inovadores de divulgação da pesquisa no campo? Em segundo lugar, e de modo muito incisivo, há urgência na valorização das equipes editoriais envolvidas, sejam as de docentes e as de discentes, e, igualmente, da ação de pareceristas, não apenas pela pontuação na pós-graduação, mas como trabalho nos nossos programas e departamentos. Algumas outras perguntas nos vêm à cabeça: Por que os discentes envolvidos na produção editorial não podem ter atribuição de créditos/horas complementares? Por que não criamos disciplinas específicas para discussão e acompanhamento das revistas, de sorte que se convertam em horas/ aulas para os envolvidos? Todas essas perguntas claramente nos conduzem à premente necessidade de repensarmos a avaliação de nossas revistas e a sua estreita vinculação a partir dos critérios de produção acadêmica; o que vale aos programas de pós-graduação, mas impede a construção de uma política editorial para o campo.

É obviamente mais fácil apontar os problemas que envolvem o sistema de avaliação promovido pela Capes. Mas está a nosso alcance conscientizarmo-nos acerca dos impasses vividos na nossa produção editorial, bem como pautarmos a discussão para a construção de critérios que valorizem nosso ecossistema. Nosso objetivo é, sobretudo, que as revistas possam alcançar um lugar de leitura e difusão que justifique o hercúleo trabalho envolvido na sua produção; tarefa mais que desejada para a sobrevivência em tempos tão difíceis como os que estamos vivendo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    A menção à existência de periódico mantido pelo programa aparece nos relatórios de avaliação do quadriênio de 2013-2016. No caso da História, cf. Silva Júnior; Wasserman; Magalhães (2017SILVA JÚNIOR, Carlos Fico da; WASSERMAN, Claudia; MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Relatório de Avaliação Quadrienal 2017: História. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/20122017-historia-relatorio-de-avaliacao-quadrienal-2017-final-pdf . Acesso em: 23 set. 2022.
    https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-...
    , p. 10, Inserção social, item 5.3). No relatório de meio termo, em 2019, o item aparece como critério para programas de nota 6 e 7 (final da p. 25, na ficha de avaliação, cf. Capes, 2019CAPES: Relatório do Seminário de Meio Termo: História. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos/avaliacao/rel_meio_termo_HISTORIA.pdf . Acesso em: 23 set. 2022.
    https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-...
    ).
  • 2
    Cabe dizer que o texto deste editorial foi fechado antes que a Avaliação de Periódicos fosse publicizada integralmente, para além do envio dos resultados a cada um dos coordenadores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022
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