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Cafés com música. Novas práticas culturais e sociabilidades musicais em São Paulo no início do século XX1 1 Esta pesquisa foi financiada pela CNPq, processo 405167/2018-0, e a versão deste artigo em inglês foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

RESUMO

No início do século XX, se estabeleceu em São Paulo um novo circuito cultural, formado por uma variedade de cafés espelhados, confeitarias elitizadas, cafés-cantantes, bares modestos e tavernas obscuras. Expandindo-se extraordinariamente pela cidade, essa rede revelou modernas formas de entretenimento noturno e colaborou para a reorganização do lazer e do tempo livre da população urbana. Nesse novo horizonte apareceram experiências originais, foram ensaiados diferentes padrões de sociabilidades e se experimentaram outras práticas culturais. Esse conjunto diversificado de comércio e lazer colaborou ativamente para o desenvolvimento de práticas musicais cotidianas, adicionando novos elementos à moderna cultura sonora em formação. A imprensa estava atenta a essa dinâmica, deixando rastros palpáveis destas práticas modernizadoras da cidade. Esse processo de diversificação cultural e dinamização musical produziu particularidades que ainda precisam ser mais bem compreendidas e discutidas pela historiografia, geralmente silenciosa na escuta do passado.

Palavras-chave:
Cafés; Práticas musicais; São Paulo

ABSTRACT

At the beginning of the twentieth century, a new cultural circuit was established in São Paulo, formed by a variety of mirrored cafés, elite coffee houses, singing cafés, modest bars, and obscure taverns. Expanding enormously throughout the city, this network revealed a modern nightlife entertainment and contributed to reorganize the leisure and free time for the urban population. In this new horizon, original experiences emerged, different patterns of sociability were tested, and other cultural practices were explored. This diverse set of businesses and leisure actively contributed to the development of daily musical practices, adding new elements to the modern sound culture in development. The press was attentive to this dynamic, leaving tangible traces of these modernizing practices in the city. This process of cultural diversification and musical dynamization produced particularities that still need to be better understood and discussed by historiography, usually unreceptive to listening to the past.

Keywords:
Cafés; Musical Practices; São Paulo

ABRINDO AS PORTAS

No período que se estende entre o final do século XIX e os primeiros anos do século XX, as cidades modernas apresentaram um novo circuito de entretenimento musical, principalmente noturno, que se expandiu rapidamente. Esse processo estava intimamente relacionado a aspectos centrais da moderna vida urbana em curso. Nela, as experiências de novas temporalidades se instauravam “à cada saída à rua”, enfrentando “com velocidade as variedades da vida econômica, profissional e social” (Simmel, 2005SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, v. 11, n. 2, pp. 577-591, 2005., p. 578). O impacto desta dinâmica nas percepções, sensibilidades e sociabilidades dos indivíduos foi imediato e, por isso, motivo de preocupação e discussão à época. Neste horizonte de profundas mudanças, o tempo livre e o da diversão alcançaram importância e dimensão central na vida citadina (Corbin, 1990CORBIN, Alain. Histoire et anthropologie sensorielle. Anthropologie et Sociétés, v. 14, n. 2, pp. 13-24, 1990.). Tensionada entre a atividade sistemática dos trabalhos urbanos e a necessidade de normatizar os novos lazeres com regras, instituições e associações, essas práticas se confrontavam simultaneamente com a espontaneidade de experiências mais desregradas e informais de diversão que inundavam as cidades (Thiesse, 2001THIESSE, Anne-Marie. Organização dos lazeres dos trabalhadores e tempos roubados (1880-1930). In: CORBIN, Alain (Org.). História dos tempos livres. Lisboa: Ed Teorema , 2001. pp. 366-391.). Experiências cotidianas subjetivas, individuais ou coletivas se concretizavam nesses tempos inéditos, materializando-se em novos jogos de relações e práticas nos espaços físicos e sociais urbanos estabelecidos sob novo ordenamento. E entre eles certamente estavam os diversos tipos de cafés, com uma cultura sonora muito particular e personagens e sociabilidades com características específicas. Embora mais antigo, esse fenômeno social e cultural despontou com grande vigor principalmente nas grandes metrópoles europeias oitocentistas, como Paris e Londres (Braconnier, 2004BRACONNIER, Céline. Paris en revues la production de communautés imaginées au café-concert au tournant du XXe siècle. Sociétés & Représentations, n. 17, 2004.). Mas ele se difundiu rapidamente por outras cidades, como Madrid, Sevilha, Barcelona, Roma, Napoli e Berlim (Rodríguez, 2018RODRÍGUEZ, Iván González. El café como espacio para el concierto público en el Madrid de Fernando VII. Cuadernos de Música Iberoamericana, v. 31, pp. 85-105, enero-diciembre 2018.; Turnaturi, 2001TURNATURI, Gabriela. As metamorfoses do divertimento citadino na Itália unificada (1870-1915). In: CORBIN, Alain (Org.). História dos tempos livres. Lisboa: Ed Teorema , 2001. pp. 205-227.; Samper, 2001SAMPER, María de los Ángeles Pérez. Espacios y prácticas de sociabilidad en el siglo XVIII: tertulias, refrescos y cafés de Barcelona. Cuadernos de Historia Moderna, n. 26, pp. 11-55, 2001. ), e já era uma prática tradicional no norte da África, cuja tradição de se ingerir a bebida em locais próprios era antiga (Carlier, 1990CARLIER, Omar. Le café maure. Sociabilité masculine et effervescence citoyenne (Algérie XVIIe-XXe siècles). Annales, juillet-août 1990. ; Lafi, 2005LAFI, Nora. Le café dans le monde arabe au xixe siècle: l’exemple de Tripoli. In: BECK, Robert; MADŒUF, Anna (Dirs.). Divertissements et loisirs dans les sociétés urbaines à l’époque moderne et contemporaine. Tours: Presses Universitaires François-Rabelais, 2005. pp. 345-353.).

A cidade de São Paulo também viveu intensamente esse movimento na passagem dos séculos. Mas talvez em ritmo mais acelerado, imposto pelas circunstâncias de sua expansão frenética e desmedida. Nela brotaram rapidamente uma quantidade significativa de cafés espelhados, confeitarias elitizadas, mas sobretudo de cafés-cantantes, bares modestos e tavernas obscuras que mantinham uma série de novas práticas sociais. Os hábitos em torno desses novos círculos de cultura significavam para seus frequentadores a concreção de aspectos da vida urbana moderna, cuja intensificação das tensões nervosas (Simmel, 2005SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, v. 11, n. 2, pp. 577-591, 2005.) se confrontava com o ritmo tradicional mais lento e calmo da cidade provinciana que desaparecia. Nesses estabelecimentos que se multiplicavam pela cidade, a música agia para intensificar evidentemente os novos modos de vida, assunto central debatido neste texto. Em um período em que as tecnologias de registro e difusão sonora praticamente inexistiam, os cafés serviam de mediação musical para além das atividades cerimoniosas cultas ou populares. Na realidade, nessa época houve a explosão de vários núcleos de entretenimento noturno, como os inúmeros clubes e salões de baile, os diversos teatros, com seus espetáculos populares, e uma grande quantidade de cinematógrafos, com suas orquestrinhas ou solistas. Esses lugares tinham suas particularidades de convívio, relações e de escuta, mas mantinham também práticas comuns, impostas pelo modo de vida urbano padronizador em desenvolvimento. Esse novo circuito modernizante servia como meio de divulgação musical de gêneros já tradicionais na cidade e daqueles ainda em decantação no período. E certamente ele teve implicações nas práticas e sociabilidades dos músicos que exerciam o fazer musical nesses ambientes.

Tudo indica que as relações de escuta nos cafés eram bem informais, descontraídas e fugidias e, portanto, mais difíceis de serem captadas. Ocorre que a imprensa diária e a hebdomadária - na procura permanente dos fatos novos -, a nascente crítica cultural, a literatura ficcional, os cronistas e os memorialistas estavam atentos a essa dinâmica, convivendo ativamente com ela e, principalmente, deixaram rastros palpáveis das dinâmicas da modernização da cidade. Logo, esquadrinhar cuidadosamente esse universo literário é o modo de penetrar no mundo aural. Esse incrível processo de diversificação cultural e animação sonora produziu particularidades musicais e sensibilidades que ainda precisam ser compreendidas e discutidas pela historiografia, geralmente silenciosa na escuta deste passado. Examinar aspectos desse cenário que se apresentava em São Paulo é importante tanto para se entender melhor o processo de modernização cultural em curso na cidade e no país, mas sobretudo para se conhecer como esse circuito variado colaborou ativamente para o desenvolvimento de novas práticas musicais e de escutas cotidianas, adicionando novos elementos à moderna cultura sonora em formação, que penetrou no cotidiano e na sensibilidade e memória sonora dos brasileiros.

“O ESPLÊNDIDO CAFÉ GUARANY”

Entre os meses de junho e agosto de 1900, o tradicional jornal Correio Paulistano noticiava a ocorrência de duas festas no conhecido Café Guarany, situado bem no centro da cidade, à rua 15 de novembro. A primeira nota do mês de junho informava o sucesso da inauguração de um novo salão-restaurante no estabelecimento. Dezenas de pessoas compareceram ao evento que, para divertir o ambiente, segundo destacou o cronista, contou com “música, luz elétrica etc.” (Café Guarany, 1900CAFÉ GUARANY. Correio Paulistano, São Paulo, p. 2, 07 jun. 1900., p. 2). Já a notícia de agosto tratou da festa de “aniversário da fundação do Café Guarany” que também teve a presença de uma “multidão de pessoas”. Nessa comemoração apresentou-se “a magnífica banda do maestro Antão”, que tocou “um zabumbar até horas tardas da noite”, alegrando e atraindo a concentração dos clientes (Festa de Aniversário, 1900FESTA DE ANIVERSÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, p. 2, 27 ago. 1900., p. 2). Notícias como essas começavam a ocupar as novas colunas dos periódicos que se dedicavam a comentar “A vida diária” da cidade; nome atribuído, não sem razão, à seção daquele jornal. No início do século XX, os jornais diários apresentavam uma variedade incrível de notícias um tanto inéditas para um centro urbano recém-saído de certo marasmo provinciano. Esse quadro da imprensa local já era indício de uma cidade que se modernizava rapidamente. Entre tantas informações novas, os jornais estampavam, em anúncios pagos ou matérias opinativas, exatamente a formação de um original circuito de cafés, confeitarias, bares e tavernas, no qual as práticas musicais sempre apareciam de maneira destacada ou de modo secundário.

Não era sem motivo o Café Guarany aparecer com destaque na imprensa paulistana e, por essa razão, ter papel central neste artigo. No começo do século XX, ele era provavelmente um dos mais ativos estabelecimentos deste tipo na cidade. Muitos o consideravam “esplendido e, com franqueza, o melhor café público do Brasil” (Opiniões, 1903OPINIÕES. Correio Paulistano, São Paulo, p. 3, 04 mar. 1903., p. 3). Inaugurado em 1899, o local funcionava durante todo o dia até a madrugada, e teve vida relativamente longa, sobrevivendo certamente duas décadas. Seus primeiros proprietários foram o galego Severo Alonso Dominguez e “o simpático Faria” (Festa de aniversário, 1900FESTA DE ANIVERSÁRIO. Correio Paulistano, São Paulo, p. 2, 27 ago. 1900., p. 2). O ponto surgiu servindo bebida, alguma comida de acompanhamento e logo depois ofereceria serviço de charutaria e venda de jornais e revistas. Semanalmente, o café vendia bilhetes para os eventos teatrais, esportivos e musicais. As transações ocorriam normalmente no gabinete da charutaria, onde se comercializavam também os jornais, os selos e outras quinquilharias. Esse comércio tornava o café potencialmente núcleo de discussão prévia e de expectativas em relação aos eventos culturais e, posteriormente, de crítica dos espetáculos em suas mesas. Na capital do país essa já era uma prática comum desde meados do século XIX.

UMA BOÊMIA HETEROGÊNEA

O Guarany em particular mantinha essa prática diversificada e uma sociabilidade boêmia evidentemente moderna. Ele fechava suas portas no início da madrugada, pois, além dos boêmios costumeiros, recebia também aqueles que saíam das concorridas programações que ocorriam nos teatros da região. Essa dinâmica não era incomum. Já no século XVII, o clássico Café Procópio de Paris inaugurou essa prática que se generalizou. Entre 1688-89, esse café se instalou ao lado na nova Comédie Française e passou a receber artistas e espectadores para encontros e conversas em torno de uma xícara de café. Nesta época, a bebida perdia seu caráter exclusivamente oriental exótico e se expandia junto com os estabelecimentos para a servirem. Deste modo, os cafés parisienses foram ocupando lugar das tavernas destinadas à beberagem desenfreada de vinho, como era mais comum até então (Braudel, 1995BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVII. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1995., p. 229; Leclant, 1969LECLANT, Jules. O café e os cafés em Paris. Revista de História, São Paulo, v. 39, n. 79, pp. 69-83, 1969. , p. 77)

O dia a dia do Guarany era bem dinâmico, com frequência e convivência heterogênea, mas com certo predomínio do caráter aburguesado. Sua frequência era composta por intelectuais, artistas, estudantes, jornalistas e políticos que circulavam pelo local em busca do burburinho e do clima movimentado. O ambiente estimulava a troca de informações, possibilitava contatos de toda ordem ou simplesmente animava uma boa conversa descontraída, que não procurava “propósitos objetivos, nem conteúdo, nem resultados exteriores” (Simmel, 1983SIMMEL, Georg. Sociabilidade. Um exemplo de sociologia pura ou formal. In: MORAES FILHO, Evaristo (Org.). Simmel: Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1983. pp. 59-82., p. 170), ou seja, esses círculos reuniam os indivíduos para viverem o ócio e o lazer, criando um modo de trocas sociais muito próprio (Agulhon, 2019AGULHON, Maurice. A sociabilidade, a sociologia e a história. In: DORÉ, Andréa; RIBEIRO, Luiz Carlos (Orgs.). O que é sociabilidade? São Paulo: Ed. Intermeios, 2019. pp. 13-25., p. 27). Monteiro Lobato, frequentador assíduo do Guarany, indicou exatamente esse panorama ao escrever a seu ex-colega de faculdade Godofredo Rangel. Ele comentava com o amigo distante que as reuniões noturnas realizadas no café ocorriam “diante de chopes” e “chupando cigarros silenciosamente”, quando se conversava “de tudo - menos literatura e arte; e a obrigação é só dizer coisas interessantes e que façam rir” (Lobato, 2010LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Editora Globo, 2010. , pp. 24-25).

Embora com um ambiente relativamente sofisticado, o café mantinha também certo traço popular e suas portas tornaram-se até mesmo uma espécie de ponto de referência e encontro na região central. Apesar do ar um tanto refinado do café, Lobato percebia também a face mais informal e descontraída do lugar. Em oposição aos conhecidos salões intelectuais elitizados, ele dizia que “ninguém compreende que eu me reúna todas as noites a essa roda, diante de chopes lá no Guarany, em vez de estar nos salões elegantes da haute conversando sobre os sonetos do Bilac” (Lobato, 2010LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo: Editora Globo, 2010. , p. 217). O jornalista e escritor Afonso Schmidt também frequentava o lugar e deixou em seus registros pessoais essa percepção mais nuançada do estabelecimento. Bem impressionado, ele destacou justamente a popularidade e a movimentação variada do local, principalmente da sua vida noturna (Schmidt, 2003SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2003., pp. 158-159). Reforçando essa impressão menos elitizada, o cantor Paraguassu (Roque Ricciardi) recordou que passava à tarde no Guarany para beber um café, fazer contatos profissionais e conversar de maneira descompromissada (Paraguassu, s/dPARAGUASSU. Depoimento. Museu da Imagem e do Som de São Paulo, s/d.). Deste modo, o Guarany alcançava relevo no quadro mais abrangente do circuito cultural de divertimento público e pode ser visto como um espaço de mediação cultural das novas atividades e relações sociais modernas em emergência, que associava tanto o caráter aburguesado como as características mais populares e massificadoras em curso.

É interessante se observar como o extravasamento dessas lembranças individuais do café para a memória coletiva da cidade foi quase instantâneo. Assim, aqueles fundamentos eminentemente pessoais e subjetivos das recordações (Lowenthal, 1998LOWENTHAL, David. El pasado es un país extraño. Madrid: Ed. Akal, 1998. ; Ricoeur, 2007RICOEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp , 2007.) incorporavam-se rapidamente à literatura ficcional ou a de traço cronista, expandindo então a memória social criada em torno dessas novas práticas culturais urbanas (Assmann, 2011ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. ). Desde logo, o ambiente do Guarany serviu de pano de fundo para pequenas histórias triviais que apareciam casualmente pela cidade. No início do século, o “semanário burlesco” O Garoto noticiou um “monstruoso atentado” ocorrido exatamente no Guarany. Aparentemente séria e trágica, a história era uma grande troça que caminhava ao final para críticas ao consumismo padronizado, concentrado todo ele de maneira absurda no bolso do delinquente recheado de produtos (Facadas!, 1900FACADAS. O Garoto: Semanario Burlesco, São Paulo, pp. 7-8, 30 dez. 1900., pp. 7-8). Piadas ambientadas no café apareciam também de diversas maneiras na conhecida revista Vida Paulista (Um homem de..., 1905UM HOMEM DE...Vida Paulista: Semanario Illustrado de Humorismo, Crítica e Arte, p. 3, 13-14 jul. 1905., p. 3; Sentam-se dois bohemios..., 1908SENTAM-SE DOIS BOHEMIOS... Vida Paulista: Semanario Illustrado de Humorismo, Crítica e Arte, p. 11, 14-15 jun. 1908., p. 11). No início da década de 1910, o cronista e humorista José Agudo (José da Costa Sampaio) fez referência ao Guarany em sua obra Gente rica. Nela, disse criticamente que ele era “o café dos bacharéis em perspectiva que ali costumam expor diariamente aos transeuntes pacatos o irrepreensível corte das calças vincadas e dos paletós cintados” (Agudo, 2021AGUDO, José. Gente rica: cenas da vida paulistana. São Paulo: Chão Editora, 2021., p. 14). Agudo percebia a estetização das práticas sociais em que a moda e o café apareciam associados, como elementos de classificação e tensão social (Simmel, 2020SIMMEL, Georg. A moda. In: Cultura filosófica. Tradução de Lenin Bicudo Bárbara. São Paulo: Editora 34, 2020. pp 43-75. , pp. 46-47). Ou seja, ele identificava uma forma de ser e estar neste café, relacionada a um certo espírito burguês ilustrado que o caracterizava, assim como a seus frequentadores.

UM RÁPIDO GIRO PELOS CAFÉS E CONFEITARIAS

Ocorre que essa vida movimentada não era exclusividade do Café Guarany. Desde o final do século XIX, se formava na cidade um dinâmico circuito de cafés, confeitarias, tavernas e bares, com frequência diversificada e sentido público evidente (Bruno, 1954BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. Vol. III. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954., pp. 1113-1158; Moraes, 1997MORAES, José Geraldo Vinci de. As sonoridades paulistanas: a música popular na cidade de São Paulo, final do século XIX ao início do século XX. Rio de Janeiro; São Paulo: Ministério da Cultura, Ed. Funarte; Editora Bienal, 1997., pp. 164-167; Martins, 2001MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: Imprensa e práticas culturais em tempos de República. São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp , 2001., pp. 136-147 e 455-459). Até essa época, nenhum deles tinha ainda um perfil comercial, social e cultural muito claro. Todos, de algum modo, serviam algum tipo de comida pronta e bebida variada, ao mesmo tempo que funcionavam como núcleo de reunião social e de práticas culturais variadas. Por isso, se confundiam e se misturavam nas lembranças nebulosas da cidade. De certo modo, essa forma de convivência nos cafés era novidade em São Paulo e, como quase tudo que brotava no cenário urbano paulistano na época, se expandiu rapidamente. Antes da multiplicação desses comércios, não havia muitos locais na cidade que serviam de núcleos de mediações sociais. E tomar a bebida socialmente era ainda um costume pouco frequente, tornando o cenário dos cafés um tanto rarefeito na cidade.

Durante a década de 1870, acompanhando o fluxo de mudanças gerais da cidade, começaram a surgir, de maneira bem compassada, alguns estabelecimentos com esses atributos culturais. O Café Europeu, inaugurado em 1876, tinha exatamente as características que justificavam a referência ao nome. Ele foi um dos primeiros a aparecer com esse perfil nessa fase inicial de criação de novas sociabilidades vinculadas ao débil mundo moderno urbano em formação na cidade. Seguiram no caminho aberto pelo Europeu o Café Java, o Girondino e o Americano, todos localizados no antigo triângulo. Em razão da influência dos estudantes da faculdade do Largo S. Francisco, “quase sempre” aparecia em algum lugar um “Café Acadêmico no centro da cidade” (Schmidt, 2003SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2003., p. 135). Todos eles eram frequentados pela elite local e por viajantes que se interessavam por certa vida boêmia ilustrada (Raffard, 1977RAFFARD, Henrique. Alguns dias na Paulicéia. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1977., pp. 16-17). As memórias de Junius sintetizam, de maneira esclarecedora, essa dinâmica. Ele recordava que, quando era estudante na Faculdade de Direito, em meados do século XIX, quase não havia vida noturna em São Paulo. Já suas lembranças de uma visita à cidade na década de 1880 mostraram que as possibilidades de distração haviam se ampliado. Para além de se tomar “um soberbo café”, já se podia também degustar “uma cerveja e jantar”, frequentar rodas de conversa e “discussão política”, e participar de jogos de “bilhar, Boston e Voltairet (...)” (Diniz, 1978DINIZ, Firmo de Albuquerque (Junius). Notas de viagem. Introdução e notas de Antonio Barreto do Amaral. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978., pp. 17, 41 e 81).

As confeitarias de algum modo rivalizavam e se confundiam com os cafés, tanto comercialmente, mas sobretudo como núcleo de convivência social de uma elite cultural em busca de certa modernidade ainda um tanto desconhecida. Com uma experiência mais amena e atmosfera espelhada onírica, as atividades eram essencialmente vespertinas. Contudo, algumas começaram a entrar pelo início da noite, estendendo em seguida o horário. As mais importantes também estavam concentradas na região do antigo centro e se tornaram bem conhecidas, penetrando no imaginário da cidade, como as confeitarias Castelões, Brasserie Paulista, Paulicéia, Nagel, Fasoli e a do Hotel D’Oeste. A presença delas povoa os registros da imprensa paulistana e as lembranças nostálgicas dos memorialistas. Em razão deste panorama se projetou, talvez um tanto imoderadamente para São Paulo, a existência de uma “República das Confeitarias” à semelhança do Rio de Janeiro (Martins, 2001MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: Imprensa e práticas culturais em tempos de República. São Paulo (1890-1922). São Paulo: Edusp , 2001.). Contudo, na capital do país a presença delas era antiga, permanente e bem mais importante do ponto de vista social e cultural (Karls, 2019KARLS, Thaina Schwan. História e alimentação: as confeitarias no Rio de Janeiro do século XIX (1854-1890). Revista Ingesta, São Paulo, v. 1, n. 1, pp. 172-186, 2019. ).

Os sinais deixados pelas fontes indicam que, a partir dos anos 1890, teve início uma nova e diferente onda de abertura de cafés, tavernas e bares. Nessa década, o cenário começou a mudar rapidamente com o desaparecimento gradativo dos antigos cafés e o surgimento repentino de novos estabelecimentos, com características mais variadas. Curiosamente, o nome de algumas das velhas casas reaparecia, como forma evidente de se recordar para reaproveitar comercialmente os nomes tradicionais. E, no sentido contrário, aqueles que mudavam de proprietário e nome, mas não de localização, os frequentadores insistiam em continuar chamando pela antiga denominação. O caso do Café Brandão, situado na rua São Bento, esquina com a São João, foi bem representativo desta trajetória e, por isso, é possível rastreá-lo pela imprensa periódica. Inaugurado em 1892, seu proprietário era o conhecido comerciante português Souza Brandão. A boa freguesia, a comida e as atividades que desenvolvia o tornaram relativamente famoso, como o pequeno pão que fabricava e vendia com êxito e acabou popularmente conhecido como “brandãozinho”. Em 1912, ele foi obrigado a fechar as portas e mudou de dono. O estabelecimento se tornou, então, Café Bauman, mas os frequentadores e a população insistiram em continuar chamando-o de Café Brandão.

Os novos estabelecimentos já nasciam com outro espírito. Mais adequados ao mundo e às práticas da cultura moderna, boa parte era propriedade dos imigrantes recém-chegados à cidade, principalmente de italianos, portugueses e espanhóis, como eram os casos do Brandão e do Guarany. Vários apresentavam vocação mais variada e popular, extravasando os limites sociais e culturais. Muita gente começou a frequentar esses estabelecimentos e não mais exclusivamente uma certa elite de dia e boemia ilustrada à noite. Eles se tornaram ponto de encontro, local de reunião de amigos ou profissionais. A frequência assídua vespertina podia até mesmo convertê-los numa espécie de escritório, como anunciava jocosamente o jornal O Garoto. Ele abria a primeira página de alguns de seus exemplares de maneira anedótica, informando que seu “escriptorio” era na “mesa do canto do Café Guarany” (Escriptorio, 1901ESCRIPTORIO. O Garoto: Semanario Burlesco, São Paulo, p. 1, 06 jan. 1901. , p. 1)2 2 É inevitável não recordar a canção Conversa de Botequim, de Noel Rosa e Vadico, composta anos mais tarde (1935), que trata o botequim também como “nosso escritório”. . Como era costume, muitos cafés tinham seus fregueses habituais, que formavam uma espécie de “microclima”, com histórias, hábitos e linguagem próprias, estabelecendo um espírito e relações afetivas exclusivas.

Nesse novo cenário, seguramente a música aparecia como importante elemento de encantamento e de atração. O papel que ela desempenhou para a nova dinâmica das relações sociais internas dos cafés e para as práticas cotidianas dos artistas precisa ser ainda mais bem compreendido. Tanto a historiografia como a musicologia calaram sobre o tema, impondo o silêncio do desconhecimento. Contudo, perseguindo exatamente o ritmo da expansão dos cafés, com seus novos hábitos e mediações culturais, algumas direções podem ser identificadas e apontadas.

CAFÉS COM MÚSICA

Retornando ao Café Guarany, cuja centralidade ajuda a entender melhor o intricado panorama da época, pode-se dizer que lá a música estava presente, mas não era a atração principal. Isso significa que as pessoas não o frequentavam para ouvir música. E tudo indica que, no dia a dia, as apresentações musicais não ocorriam com regularidade. Apesar disso, as lembranças de conjuntos musicais tocando no local são recorrentes e evocadas de diversas maneiras. Afonso Schmidt lembra que no fundo do café havia “um estrado com grades. Nesse estrado, a orquestra. As valsas de Lehar e Strauss estavam na moda” (Schmidt, 2003SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2003., p. 158). Paraguassu confirma que havia de fato uma orquestra que tocava à noite (Paraguassu, s/dPARAGUASSU. Depoimento. Museu da Imagem e do Som de São Paulo, s/d.). E o violinista Salvador Pugliese comentou que sua professora tocava violino numa “pequena orquestra do Guarany da rua XV de Novembro” (Pugliese, 2006PUGLIESE, Salvador. Recordar é viver, 2006. Mimeo., p. 46).

As memórias acumulavam informações sobre as programações musicais circunstanciais nestes lugares. Junius diz que geralmente as atividades dos cafés eram misturadas com “trechos do Trovador, do Guarani, ou outras composições”. Ele relembra que, no Café Americano, ficou horas tomando café e conversando, acompanhado por “peças regularmente executadas por seis músicos italianos” (Diniz, 1978DINIZ, Firmo de Albuquerque (Junius). Notas de viagem. Introdução e notas de Antonio Barreto do Amaral. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978., p. 81). Todas essas lembranças nebulosas provavelmente estavam relacionadas com o fato de as apresentações musicais terem caráter irregular, já que a cidade não tinha ainda um circuito profissional de música estabelecido, nem mesmo semiprofissional.

O Café Brandão seguia essa dinâmica de atrações eventuais que alternavam períodos de audições mais regulares. Nele havia concertos instrumentais com peças de Verdi e Strauss. O tradicional Café Viaducto, localizado na rua Direita, manteve, durante certo tempo, uma orquestra. Zequinha de Abreu chegou a tocar piano no conjunto, entre o final da década de 1910 e o início de 1920 (Giffoni, 1986GIFFONI, Maria Amália Corrêa. Zequinha de Abreu revisitado. Santa Rita do Passa Quatro: Prefeitura Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, 1986. p. 60; Marcondes, 1977MARCONDES, Marcos Antonio (Org.). Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo: Art Editora Ltda., 1977., p. 5). O Café Central, no Largo do Rosário, convidava, em 1905, “o respeitável público” para a estreia de “uma orchestra de primeira ordem” (Café Central, 1905CAFÉ CENTRAL. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. 3, 24 nov. 1905., p. 3). O Bar Majestic, na rua São Bento, exibia, às quintas-feiras e aos sábados, um “Quinteto Inglês, formado exclusivamente por professores” (Araújo, 1981ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões, circos e cinemas de São Paulo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1981., p. 311). Curiosamente o estabelecimento publicava anúncios em inglês, destacando que era possível tomar chá ou jantar no local acompanhado de sua orquestra: “Luncheons. Dainty Teas. Dinners. Moderates Prices. English Cooking. Orchestres at the Dinner” (Bar Majestic, 1915BAR MAJESTIC. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. 8, 06 mai. 1915., p. 8. Grifamos).

A variedade de atividades era mesmo uma peculiaridade desses estabelecimentos, sendo a música de concerto apenas mais uma das atrações. A propaganda do Progredior, por exemplo, realçava exatamente esse traço ao anunciar: “Restaurant. Bilhares. Bebidas. Concertos”. Inaugurado em dezembro de 1892, ele foi considerado exageradamente pela imprensa como “o primeiro e mais bello café-restaurante da América do Sul”. O local descrito como elegante e requintado comportava “um pequeno palco para orchestra e piano, com um rico panno de bocca, de seda, pintado por Claudio Rossi, que foi o decorador de todo o edifício” (Locaes, 1892LOCAES. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. 1, 20 dez. 1892., p. 1). Ao final daquele século, “o sexteto daquella casa” apresentou concertos variados (Palcos e Circos, 1898PALCOS E CIRCOS. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. 2, 14 out. 1898. , p. 2; Salão Progredior, 1899SALÃO PROGREDIOR. O Estado de São Paulo, p. 2, 05 out. 1899., p. 2). Em 1903, os “conhecidos professores Rocchi e Castagnoli” continuavam a realizar, durante a noite, “grande concerto vocal ou instrumental”. O programa do sábado de 21 de novembro apresentou Strauss, Verdi, Puccini, entre outros, e, no dia seguinte, a programação incluiu o Batuque, de Henrique Mesquita (Progredior, 1903PROGREDIOR. Arte e Sport, São Paulo, p. 2, 08 nov. 1903., p. 2). Em abril daquele ano, o “Quarteto Albertini” apresentou um programa com “vários trechos de compositores paulistas” (Quartetto Albertini, 1903QUARTETTO ALBERTINI. Correio Paulistano, São Paulo, p. 3, 28 abr. 1903., p. 3). O maestro Armando Belardi recorda que, no início da década de 1910, o conjunto do Progredior era formado por “bons profissionais de São Paulo”, e ele mesmo chegou a tocar “para aproveitar os bons sanduiches que a direção oferecia aos músicos” nos intervalos e aproveitar também o “ótimo chopp” (Belardi, 1986BELARDI, Armando. Vocação e arte: memórias de uma vida para a música. São Paulo: Casa Manon, 1986., p. 22). As lembranças do maestro revelam como a relação profissional, mesmo no circuito relativamente elitizado, era ainda bem amadora e insegura. Tudo indica que o tabladinho e o sexteto do café tornaram-se bem conhecidos, a tal ponto que eles também se transformaram em cenário de romance. Escrito pelo jornalista e escritor Edmundo do Amaral, o autor descreve o lugar como requintado, composto de espelhos, mesas redondas, garçons, bebidas, que recordavam “num momento Paris”. No fundo do salão havia “um tablado mais alto, uma orquestra de seis figuras afinava os instrumentos” (Amaral, 1950AMARAL, Edmundo. A grande cidade. São Paulo: Ed. José Olympio, 1950., p. 23).

O ponto comercial do Café Progredior havia sido anteriormente ocupado pela Confeitaria Paulicéia. O local era bem frequentado na época e a música na antiga confeitaria já tinha certo valor, a tal ponto que o jornal Música para todos destacou o assunto: “Os cafés-concerto? O único onde se fazia boa música, a Paulicéia, fechou-se porque o público não ia lá, abandonou aquela sala”. Em seguida, destacava a importância do local para a profissionalização e sobrevivência dos músicos, projetando, ao mesmo tempo, aquele amadorismo próprio da época. Tanto é que seu fechamento em 1897 teria arremessado “ao desamparo artistas distinctos e leaes como o violoncelista Rocci e o violinista Martins” (Música para todos, 1897MÚSICA PARA TODOS: Jornal Musical, São Paulo, 1897., p. 214)3 3 No período, o termo café-concerto era utilizado tanto para os locais físicos que serviam bebida, comida e que apresentavam música, como para as atrações de variedades exibidas em casas de espetáculos e em teatros. Deste modo, um dado estabelecimento, como o Paulicéia, entre outros, podia ser chamado de café-concerto. No entanto, a compreensão que acabou se impondo foi aquela mais comum, relativa aos espetáculos e às casas apropriadas para eles, ou seja, o café-concerto “é antes de tudo, um espetáculo” (Pillet, 1992). Ver também Concetta (1992). . Mesmo assim, as confeitarias na passagem dos séculos ainda exerciam algum papel importante nas relações sociais e, de maneira incidental, na cultura musical de uma parte da sociedade. No final do século XIX, por exemplo, era possível se tomar, na Imperial Confeitaria Nagel, “chopadas de estalar a língua, ao som da infindável melodia da valsa Jungfrau” (Moura, 1980MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de outrora: evocações da metrópole. São Paulo; Belo Horizonte: Edusp; Ed. Itatiaia. 1980., p. 287). Bem no início do século XX, a conhecida Confeitaria Fasoli mantinha um “Sexteto Internacional” dirigido pelo maestro Virginio Mazzi, que se exibia geralmente no início da noite. A programação era composta de Verdi, Mascagni, Rossini e Puccini, que acompanhavam distraidamente o consumo de “sorvetes (...) limonadas, laranjadas, cajuadas”. Além disso, o conjunto oferecia seus serviços musicais para “bailes, baptizados, casamentos etc.”, que poderiam ser contratados diretamente na “confeitaria a qualquer hora”. Neste mesmo ano, a Confeitaria do Hotel D’Oeste também oferecia “às 8 e ½ concerto instrumental” (Confeitaria do Hotel D’Oeste, 1903aCONFEITARIA DO HOTEL D’OESTE. Arte e Sport, São Paulo, p. 2, 21-22 nov. 1903a., p. 2) cujo programa exibia habituais compositores como Puccini, Verdi e Waldteufel (Confeitaria do Hotel D’Oeste, 1903bCONFEITARIA DO HOTEL D’OESTE. O Commércio de São Paulo, São Paulo, p. 2, 15 nov. 1903b., p. 2).

Era evidente que, no começo do século XX, prevalecia na programação a música de concerto e os autores europeus consagrados à época. Certamente as escolhas dos músicos, conjuntos e a programação indicavam o caráter mais elitizado desses estabelecimentos. Ocorre que parte considerável das composições executadas formava um universo musical muito difundido pela cidade, reproduzido nas programações dos teatros, nos repertórios das bandas de música e em certas tavernas populares. Apesar da origem culta, vários gêneros como a ópera, a valsa, a polca ou a mazurca circulavam por ambientes sociais e de entretenimento bem mais amplos. E compositores como Verdi, Puccini, Strauss, Offenbach, Lehar e Gounod tinham popularidade inegável, a ponto de funcionarem exatamente como uma espécie de isca atrativa, tanto nos cafés de elite como em outros núcleos em que a música aparecia. Esse universo musical funcionava, então, de maneira clara, como entretenimento das casas comerciais. E bem provavelmente o tipo de sociabilidade presente gerava uma escuta desconcentrada, produto daquele momento de reunião de pessoas num encontro social descontraído e desinteressado (Simmel, 1983SIMMEL, Georg. Sociabilidade. Um exemplo de sociologia pura ou formal. In: MORAES FILHO, Evaristo (Org.). Simmel: Sociologia. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1983. pp. 59-82., pp. 170-71). Deste modo, ela contribuía para desenvolver uma escuta amena, destinada exclusivamente à diversão. Isso significa que a música ali extravasava, de diversas maneiras, os limites sociais e culturais eruditos da “música séria” de concerto, contrariando as costumeiras análises e compreensão do período, que, de modo geral, petrificam suas ações sociais e difusão cultural.

Com a aceleração do século XX, as confeitarias aburguesadas com atmosfera onírica e os cafés de paredes espelhadas começaram a declinar rapidamente, e tudo indica que o universo musical acompanhou esse fluxo. As memórias de Jorge Americano (1891-1969) apontam que esses ambientes “com espelhos dos dois lados”, que reproduziam imagens infinitas dos “candelabros de cristal”, entraram em certa decadência. Os motivos apresentados foram exatamente a introdução de alguns hábitos modernos considerados desprezíveis, em que o “chopp tomou o lugar e as famílias retraíram-se” (Americano, 1962AMERICANO, Jorge. São Paulo nesse tempo (1915-1935). São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1962. , p. 37). O cronista identifica a transformação agonizante da Confeitaria Paulicéia, associando a bebida alcoólica a certa moralidade decadente. Mas esse certamente não era um caso excepcional. O Jornal do Commércio, com o mesmo tom censor, reclamou que “em quase todas as Confeitarias da cidade” a bebida alcoólica havia se tornado regra, como o “repugnante absinto”, que geralmente era acompanhado pelas “moderníssimas orquestras dos jazz-bands” (Rago, 2004RAGO, Margarete. A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo. 1900-1950. In: PORTA, Paula (Org.). História da cidade de São Paulo. Vol. 3. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004. pp. 387-435., pp. 399-400). O olhar boêmio e crítico de Sylvio Floreal também observou bem a mudança na tradicional Confeitaria Fasoli: “O vasto salão, sempre cheio de homens e mulheres, delira entusiasticamente, animado pela música que toca sempre uns pot-pourri nervoso e fox-trots saltitantes à jazz-band” (Floreal, 2002FLOREAL, Sylvio. Ronda da meia-noite: vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002., p. 97). O mesmo tipo de reclamação e censura também alcançaram o requintado Bar e Restaurante Trianon, localizado no agradável belvedere da avenida Paulista. A lamentação de um leitor era contra o ambiente rumoroso e degradante do lugar, em que “almofadinhas e melindrosas” escutavam no local uma “barulhenta orquestra de cabaret” que tocava músicas para serem acompanhadas pelas “modernas danças que tem o nome de tango, rag-time” (Rago, 2004RAGO, Margarete. A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo. 1900-1950. In: PORTA, Paula (Org.). História da cidade de São Paulo. Vol. 3. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004. pp. 387-435., p. 399). A referência a um conjunto de “cabaret” é claramente desdenhosa, e a insatisfação com as novas coreografias, consideradas impudicas à época, é evidente.

Na realidade, tanto os cronistas como a imprensa reconheciam, no calor da hora, a nova mutação cultural em curso na cidade nos “frementes anos 20” (Sevcenko, 1992SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Cia das Letras, 1992.), o que implicava, consequentemente, o ingresso desses estabelecimentos em outra fase. Nela, os gêneros e conjuntos musicais modernos, acompanhados de suas danças contemporâneas, assumiam o lugar das antigas práticas musicais, que admitiam aquela escuta mais amena de música instrumental de concerto acompanhada de cafés, chás, bolinhos e conversa em voz baixa. Novamente é Jorge Americano quem escuta a mudança com certo tom melancólico: “Chopin, a música popular italiana e a ópera, a opereta vienense cedem terreno à música francesa, alemã (...) e ao jazz americano” (Americano, 1962AMERICANO, Jorge. São Paulo nesse tempo (1915-1935). São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1962. , p. 243).

CAFÉS CANTANTES

Ocorre que as transformações nesse período, além de vertiginosas, apontavam para inúmeras direções, não cabendo de modo algum identificar um caminho exclusivo. O cenário cultural e musical nesse tipo de comércio privado, mas de uso público, não estava limitado aos cafés “rodeados de espelhos, com dezenas de mesas e uma frequência escolhida”. Como lembra Afonso Schimdt, “havia cafés de vários gêneros, de diversos feitios”, entre eles os “mais humildes, nas travessas e nas ruas de má nota” (Schimdt, 2003, p. 135). E neles, a sensibilidade e a “sociabilidade das pessoas comuns, que têm menos tempo e dinheiro (...) necessariamente têm formas diferentes” (Agulhon, 2019AGULHON, Maurice. A sociabilidade, a sociologia e a história. In: DORÉ, Andréa; RIBEIRO, Luiz Carlos (Orgs.). O que é sociabilidade? São Paulo: Ed. Intermeios, 2019. pp. 13-25., p. 29) que precisam ser sondadas e compreendidas com outro ponto de vista. É claro que elas estabeleciam um jogo dinâmico com os processos culturais mais gerais, influenciando-os e sendo instigados por eles. Ocorre que seus registros são mais sutis e renitentes, tornando o “estudo difícil [mas] apaixonante” (Agulhon, 2019AGULHON, Maurice. A sociabilidade, a sociologia e a história. In: DORÉ, Andréa; RIBEIRO, Luiz Carlos (Orgs.). O que é sociabilidade? São Paulo: Ed. Intermeios, 2019. pp. 13-25.).

Uma maneira de se aproximar daquele universo sonoro é rastreando os estabelecimentos que utilizavam a denominação de “café-cantante”, em razão da referência à óbvia atividade musical no estabelecimento. Assim ocorria com o “Café-Chantant Giselda” ou com o “Café-Chantant da Estação”, que mantinham apresentação de música alguns dias da semana a partir das 8h30 da noite (Café-Chantant GiseldaCAFÉ-CHANTANT GISELDA. Arte e Sport, p. 2, 08 nov. 1903., 1903, p. 2). Os sugestivos nomes afrancesados tinham sentido, já que a variante mais influente de café com música era a parisiense. Porém, era comum a denominação aparecer na imprensa como uma espécie de adjetivo para classificar depreciativamente um estabelecimento. Sem o registro específico de um nome, o “café-cantante” tornava-se assim uma qualificação negativa. Esse tipo de café se multiplicou pela cidade, produzindo uma movimentação “epidêmica de cafés-cantantes”, todos eles geralmente “frequentados na sua totalidade pela boêmia desocupada e perigosa” (Cafés-cantantes, 1899CAFÉS-CANTANTES. Folha Do Brás, São Paulo, p. 2, 18 jun. 1899. , p. 2). Apesar da designação “cantante”, tudo indica que que nem todos tinham de fato atividade musical. O que se sabe, contudo, é que as manifestações sonoras eram cotidianas, mas associadas às arruaças, gritarias, desordens e conflitos barulhentos (Lett; Offenstadt, 2003LETT, Didier; OFFENSTADT, Nicolas. Haro! Noël! Oyé!: Pratiques du cri au Moyen Âge. Paris: Éditions de la Sorbonne, 2003. ; Farge, 2009FARGE, Arlette. Essai pour une histoire des voix au dix-huitième siècle. Paris. Ed. Bayard, 2009.).

Na realidade, o termo, que já era usado em Paris desde o século XVIII, expandiu-se rapidamente no último quartel do século XIX, confundindo-se comumente com os cafés-concertos. Mas os cafés-cantantes tinham características mais limitadas e populares, não supondo o espetáculo e a variedade de atrações do café-concerto (Concetta, 1992CONCETTA, Condemi. Le café-concerts: histoire d’un divertissement (1849-1914). Paris: Quai Voltaire, 1992. ). O título nomeava também os cafés noturnos populares de Madrid e, sobretudo, de Sevilha, nos quais o flamenco era cantado e dançado nos tablados (Vega, 2006VEGA, José Blas. Los cafés cantantes de Madrid. Editorial: Guillermo Blázquez Editor, 2006.; Plata, 2006PLATA, Mercedes Gómez-García. Culture Populaire et Loisir Citadin: Les Cafes Cantantes De 1850 a 1900. In: SALAÜN, Serge; ÉTIENVRE, Françoise (Dirs.). Du loisir aux loisirs (XVIIIe - XXe siècles). Paris: Publication du CREC, 2006. pp. 110-126.). Também designava os cafés parisienses localizados principalmente em Montmartre, que continham palquinhos que recebiam cantores e dançarinas. Claro que a multiplicação desses cafés também estava associada ao crescimento das cidades e às novas sociabilidades modernas em que a boêmia aparecia intimamente vinculada às recentes formas de entretenimento e à conquista do tempo noturno. Desde meados do século XIX, Paris era o principal núcleo dessas práticas boêmias e suas referências se expandiram para outras cidades (Seigel, 1992SEIGEL, Jerrold. Paris boêmia: cultura, política e os limites da vida burguesa (1830-1930). Porto Alegre: L&PM, 1992.; Kalifa, 2017KALIFA, Dominique. Os Bas-Fonds: história de um imaginário. São Paulo: Edusp, 2017.). Na capital francesa havia uma certa clivagem entre a boêmia mais ilustrada e o bas-fonds, sendo esse o lugar da “boemia enlameada”, em oposição àquela “boemia de butique”, exatamente como havia identificado a Folha do Brás. No entanto, a partir dos finais daquele século, e em dadas circunstâncias, houve certa convergência entre elas, a tal ponto de se estabelecer mesmo uma relação privilegiada (Kalifa, 2017KALIFA, Dominique. Os Bas-Fonds: história de um imaginário. São Paulo: Edusp, 2017., pp. 209-211). Essas separações aparentemente insuperáveis e as aproximações circunstanciais estavam relacionadas às dinâmicas próprias dos centros urbanos, que, no período oitocentista, produziram áreas qualificadas como zonas viciosas e perigosas. Esse equilíbrio instável imposto pela nova vida urbana revelava tensões entre virtude e vício, progresso e regresso, indivíduo e coletivo, alegria e tristeza, o bem e o mal e, por fim, o bom e o ruim da experiência moderna (Corbin, 2001CORBIN, Alain (Org.). História dos tempos livres. Lisboa: Ed Teorema, 2001.; Csergo, 2001CSERGO, Julia. Extensão e mutação do lazer citadino, Paris século XIX - início do século XX. In: CORBIN, Alain (Org.). História dos tempos livres. Lisboa: Ed Teorema , 2001. pp. 111-134.; Simmel, 2005SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, v. 11, n. 2, pp. 577-591, 2005.). Em certos momentos, esses elementos podiam se harmonizar ou mesmo se reconciliar, como fizeram exatamente muitos artistas modernistas (Schorske, 2000SCHORSKE, Carl E. Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. , pp. 61-71; Seigel, 1992SEIGEL, Jerrold. Paris boêmia: cultura, política e os limites da vida burguesa (1830-1930). Porto Alegre: L&PM, 1992.)..

A frequência desses locais tinha origens variadas e complexas, deslizando entre burgueses excêntricos, trabalhadores de toda espécie e as “classes perigosas” (Seigel, 1992SEIGEL, Jerrold. Paris boêmia: cultura, política e os limites da vida burguesa (1830-1930). Porto Alegre: L&PM, 1992., p. 222). Sondar seus vestígios é mais custoso e complicado, pois a imprensa apresenta poucos comentários sobre eles. Normalmente não ocupavam as páginas centrais dos jornais, alojando-se nas seções dedicadas aos casos policiais. As memórias são reduzidas, uma vez que seus frequentadores mal escreviam e pouco liam. Assim, raramente estavam expostos nas lembranças escritas. Seus rastros se sedimentavam mais comumente na memória oral e, por isso, tendem ao desaparecimento. Além disso, os preconceitos eram de toda ordem: social, cultural e musical, estabelecendo uma espécie de cortina de silêncio no cenário cultural e na historiografia, embora José Ramos Tinhorão tenha abordado o tema no Rio de Janeiro (Tinhorão, 2005TINHORÃO, José Ramos. Os sons que vêm da rua. 2ª Ed. São Paulo: Ed. 34, 2005., pp. 135-147). Deste modo, os sinais do passado oferecem um painel bem mais rarefeito e opaco, mas que não é impossível de se penetrar (Csergo, 2001CSERGO, Julia. Extensão e mutação do lazer citadino, Paris século XIX - início do século XX. In: CORBIN, Alain (Org.). História dos tempos livres. Lisboa: Ed Teorema , 2001. pp. 111-134., p. 150).

De várias maneiras esse panorama se apresentava na cidade de São Paulo. Mas nela, as tensões alcançavam outros níveis e atributos. Os resquícios da sociedade aristocrática e escravista ainda ressoavam na forma de ressentimentos, diferenciações e discriminações. Além disso, o pequeno núcleo urbano oitocentista de forte passado agrário provinciano passou por uma rápida e inaudita escalada de crescimento físico e demográfico. Certamente essas circunstâncias produziram um panorama mais tenso e inquietante, que era exposto muito mais nas seções policiais dos periódicos paulistanos. Além da imprensa, o tema também era assunto de um ou outro cronista, como no caso de Sylvio Floreal. Ele revelou exatamente essa boêmia obscura de bares e cafés dos anos 1910-20, “onde bêbados e desordeiros da pior espécie fazem as suas farras, emborcando copos de cachaça”. Essa boêmia marginal e desordeira do bas-fonds se espalhava pelas várias “travessas escuras e fedorentas” da cidade. A “súcia de indesejáveis, que vegeta ignobilmente”, se movimentava por uma “chusma de botequins pestilenciais”, bebendo para “esquecer as (...) dores” (Floreal, 2002FLOREAL, Sylvio. Ronda da meia-noite: vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002., pp. 63-64).

Contudo, como já foi sublinhado, essa era uma realidade muito mais complexa do que a simples oposição entre dois mundos antitéticos polarizados. Paulo Cursino, por exemplo, indicou que, na avenida São João, havia uma área que “não dormia” e apresentava uma boêmia heterogênea e ruidosa. Na região do velho mercadinho, trabalhadores viviam em algazarra notívaga, cantando pregões nos balcões ou na rua. Descendo a via, havia uma “atividade noturna” composta pelos teatros, salões de baile, tavernas, que muitas vezes “resfolegava na bacanal” (Moura, 1980MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de outrora: evocações da metrópole. São Paulo; Belo Horizonte: Edusp; Ed. Itatiaia. 1980., pp. 96-97). Zequinha de Abreu parece ter tocado em alguns dos cabarés e salões de baile da região (Giffoni, 1986GIFFONI, Maria Amália Corrêa. Zequinha de Abreu revisitado. Santa Rita do Passa Quatro: Prefeitura Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, 1986., p. 60). Floreal repara também que havia outros tipos de cafés e tabernas com “frequência mais polida”, situados mais próximos do centro antigo. Neles a diversidade e a complexidade se evidenciavam, com a afluência de “negralhões, mestiços, mulataços e fêmeas desbocadas” que conviviam ao lado de trabalhadores como “chauffeurs, carroceiros, carregadores, garçons, antigos guardas cívicos e secretas” (Floreal, 2002FLOREAL, Sylvio. Ronda da meia-noite: vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002., pp. 63-67). Por esses cafés circulava até mesmo uma curiosa categoria de pequeno trabalhador notívago e barulhento. “Verdadeiros heróis obscuros”, passavam dos cafés às tavernas de maneira ruidosa, cantarolando seus pregões de venda de amendoim, pipoca e pinhão cozido aos boêmios instalados nas mesas dos bares (Floreal, 2002FLOREAL, Sylvio. Ronda da meia-noite: vícios, misérias e esplendores da cidade de São Paulo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002., pp. 113-117).

Guilherme de Almeida (1890-1969) também encontrou, no bairro de Santa Efigênia, uma boêmia marcadamente formada por trabalhadores. Nas ruas dos Gusmões e Vitória circulavam “floristas, músicos, fotógrafos, tapeceiros, massagistas (...) que vem gastar dinheiro (...) e sorrir (...)”, buscando exatamente aquelas relações descompromissadas e sem objetivo de resultado. Nesse “bairro que só existe de noite, como o medo”, seus frequentadores eram “apenas uma boa gente que trabalha de dia (...) e vem de noite beber cerveja (...)”. A área era repleta de bares e cafés que ofereciam “pianos e chopes”. Alguns desses estabelecimentos tinham traços alemães e neles geralmente se escutava um “piano pingando”. Zequinha de Abreu chegou a tocar no Lâmpada de Inverno, na rua Guaianazes, acompanhado do violinista com o sugestivo e impagável apelido musical de Munheca (Giffoni, 1986GIFFONI, Maria Amália Corrêa. Zequinha de Abreu revisitado. Santa Rita do Passa Quatro: Prefeitura Municipal de Santa Rita do Passa Quatro, 1986., p. 60). Em outro bar, a proprietária alemã tentava evitar a costumeira algazarra e impor certa serenidade no ambiente, colocando simplesmente uma grande tabuleta acima do piano: “fica d’ora em diante expressamente proibido sem distinção de pessoas que se cante neste estabelecimento (a palavra cante está grafada em vermelho)” (Almeida, 2004ALMEIDA, Guilherme. Cosmópolis. 2ª Ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 2004., pp. 26-27). Certamente o aviso era inútil.

Na região logo ao lado, próxima à Estação da Luz, os bares e cafés-cantantes se multiplicavam. Por volta de 1900, existia nessa região o Café da Luz, um estabelecimento de baixa frequência onde trabalhava a cançonetista chamada Flora do Lago que, de acordo com seus admiradores, “gorjeava como um rouxinol alegre” (Moraes, 1997MORAES, José Geraldo Vinci de. As sonoridades paulistanas: a música popular na cidade de São Paulo, final do século XIX ao início do século XX. Rio de Janeiro; São Paulo: Ministério da Cultura, Ed. Funarte; Editora Bienal, 1997., p. 172). Em 1905, o Café Recreio da Luz apresentou o já afamado “cantor de modinhas brasileiras, Bahiano”, em um “grande festival em benefício do applaudido” (Benefício, 1905BENEFÍCIO. Correio Paulistano, São Paulo, p. 2, 06 jan. 1905., p. 2). O café foi inaugurado no ano anterior, com um “concerto musical e vocal com variado e attrahente programa” (Recreio da Luz, 1904RECREIO DA LUZ. Correio Paulistano, São Paulo, p. 2, 29 mai. 1904., p. 2).

Seguramente as regras sociais e as práticas musicais nesses cafés e tabernas eram diferentes daquelas dos cafés espelhados. Paraguassu relembra que, no início do século XX, alguns cafés mais modestos geralmente mantinham “um pequeno conjunto, com um violão, um bandolim, uma flauta ou uma sanfona”. E o pagamento dos músicos era simplesmente “um sanduiche, uma cerveja. E fazíamos uma coleta com os fregueses (...) que dividíamos no final da noite” (Paraguassu, s/dPARAGUASSU. Depoimento. Museu da Imagem e do Som de São Paulo, s/d.), revelando aquele amadorismo ocupacional comum no panorama profissional precário e instável dos músicos. Recordando mais, o cantor diz que, na região do antigo centro, havia vários cafés com música. O Gruta do Tesouro tinha um pequeno palco onde geralmente se apresentava um conjunto com violões e flauta. Já o Bar Barão era ponto de encontro de músicos e, por isso, eventualmente havia música por ali. Por fim, o Cascata mantinha conjunto formado por Canhoto e Zé Carioca, e às vezes contava com a participação do próprio Paraguassu.

Na mesma época, o Café-Cantante Grisella, situado na avenida Rangel Pestana, tinha características muito parecidas. Ele era frequentado pelos “pobres ganhadores do pão de cada dia” e conservava no fundo um pequeno palco onde se apresentavam artistas desafinados que cantavam de maneira “esganiçada (...) conhecidos trechos da Tosca, da Traviata e outras peças’’. Como salientado logo anteriormente, trechos de óperas e outras composições eruditas eram popularizados e interpretados em estabelecimentos mais humildes. Nos intervalos, as “filhas do proprio dono da casa, preenchiam com as suas canções infantis” as pausas dos artistas, mantendo a agitação sonora do local. A pianista do conjunto era Grisella Lazzaro, que nomeava o estabelecimento e tinha apenas 14 anos. Sua beleza juvenil atraia os olhares dos frequentadores, mas ela se apaixonou foi pelo garçom Osvaldo Gennassani Martinez.

Curiosamente, a indústria fonográfica retratou, mas apenas parcialmente, esse universo dos cafés populares. Uma série de gravações foram realizadas no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro simulando o ambiente ruidoso e caótico desses cafés. Com conteúdo cômico e desordenado, os títulos chamavam atenção exatamente pelo caráter tumultuário: Chinfrim em uma casa de chopp (1912CHINFRIM EM UMA CASA DE CHOPP. Disco Columbia B-38, 1912.), Desordem em um café cantante (1912),Imitação de um café concerto (1907IMITAÇÃO DE UM CAFÉ CONCERTO. Com César Nunes. Disco. Victor Record 98790, 1907. ),Cena em um café (1910CENA EM UM CAFÉ. Com Nozinho, Mário Pinheiro e Eduardo das Neves. Disco Odeon Record 108384, 1910.) e, finalmente, o mais conhecido registro, Espetáculo em um café concerto (1909ESPETÁCULO EM UM CAFÉ CONCERTO. Com Eduardo das Neves, Isaura Lopes, Mário Pinheiro e Nozinho. Disco. Odeon Record 108172, 1909.), protagonizado por Eduardo das Neves e Mário Pinheiro4 4 Os registros de Chinfrim em uma casa de chopp, Espetáculo em um café concerto e Desordem num café cantante podem ser escutados em: Entre a Memória e a História... (s/d). . Essas gravações certamente podem servir de referência para se projetar o universo sonoro do que ocorria em São Paulo, conhecido apenas por meio da escrita.

BAIXANDO AS PORTAS

Como se observou, os cafés-cantantes e tavernas, ao lado dos cafés e das confeitarias espelhadas, colaboraram de maneira variada tanto para a invenção de sensibilidades e experiências sociais modernas, como para o desenvolvimento de novas práticas musicais em São Paulo. As trocas sociais e os nexos culturais que se praticaram nesse novo circuito de entretenimento noturno tiveram evidente repercussão nas experiências musicais e de escuta. Esses estabelecimentos permitiram um passo, ainda que precário e circunstancial, na direção da profissionalização dos artistas e, associada a ela, para uma prática musical mais autônoma, permitindo certa emancipação das convenções dos concertos e dos tradicionais núcleos comunitários, religiosos ou festivos populares. Ao mesmo tempo, esses ambientes funcionaram como um ativo circuito de difusão musical antes da expansão avassaladora dos meios de comunicação eletrônicos. A escuta amena ali presente talvez ainda ecoasse aquelas práticas mais antigas de corte, em que a música era simples acompanhamento da poesia, da dança ou das conversas de salão. Porém, é bem mais provável que essa recepção distraída ou ligeira vinculada ao entretenimento (Adorno, 2011ADORNO, Theodor W. Introdução à sociologia da música: Doze preleções teóricas. Tradução de Fernando R. de Moraes Barros. São Paulo: Editora Unesp, 2011., pp. 55-83), na qual a leitura, a conversa, a bebida e a comida se materializavam simultaneamente, funcionou como uma forma de educação aural, antecipando, de alguma maneira, o comportamento musical e a recepção doméstica dos ouvintes, mediada pelas máquinas e pela tecnologia (Maisonneuve, 2009MAISONNEUVE, Sophie. L’invention du disque (1877-1949): genèse de l’usage des médias musicaux contemporains. Paris: E. Archives Contemporaines, 2009., pp. 138-142). Deste modo, esse conjunto adicionou mais um elemento importante no horizonte mais vasto e abrangente da cultura sonora moderna da cidade. A dinâmica que o envolveu variou no tempo: às vezes, esse circuito heterogêneo alcançou papel cultural e musical visível e atuante; outras vezes, atuou de maneira mais invisível e secundária. O que importa é que suas experiências culturais e musicais penetraram vivamente no cotidiano e na cultura sonora da cidade. Certamente porque elas dinamizaram e diversificaram o panorama cultural urbano do período, implicando mudanças nas sensibilidades e percepções citadinas (Corbin, 1990CORBIN, Alain. Histoire et anthropologie sensorielle. Anthropologie et Sociétés, v. 14, n. 2, pp. 13-24, 1990.), imprimindo marcas nas suas memórias.

Percorrer esse cenário que se instituía em São Paulo é importante por diversos aspectos. Em primeiro lugar, em razão de seu crescimento vertiginoso que apresentou uma série de crises, tensões e conflitos inusitados. Nesse processo de expansão houve uma incrível dinamização cultural que produziu particularidades e subjetividades que precisam ser mais bem entendidas. As experiências com as novas sensibilidades sonoras e sociabilidades musicais, assim como a do tempo livre, do lazer, da diversão em que a música se apresentava, são aspectos que ainda exigem trabalho metódico e atenção analítica. E nesse passo, a música, na sua materialidade humana construída pelas práticas musicais cotidianas (De Certeau, 1994DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: Artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.), certamente teve papel importante que precisa ser identificado e compreendido. Isso significa operar com uma história cultural das práticas musicais que ultrapasse a percepção tradicional de uma historiografia da música fundada somente nos gêneros ou simplesmente nas biografias. Finalmente, esse é um passo importante também para se compreender e discutir o ingresso da cidade e do país numa certa modernidade muito singular, repleta de tensões e conflitos.

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  • 1
    Esta pesquisa foi financiada pela CNPq, processo 405167/2018-0, e a versão deste artigo em inglês foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    É inevitável não recordar a canção Conversa de Botequim, de Noel Rosa e Vadico, composta anos mais tarde (1935), que trata o botequim também como “nosso escritório”.
  • 3
    No período, o termo café-concerto era utilizado tanto para os locais físicos que serviam bebida, comida e que apresentavam música, como para as atrações de variedades exibidas em casas de espetáculos e em teatros. Deste modo, um dado estabelecimento, como o Paulicéia, entre outros, podia ser chamado de café-concerto. No entanto, a compreensão que acabou se impondo foi aquela mais comum, relativa aos espetáculos e às casas apropriadas para eles, ou seja, o café-concerto “é antes de tudo, um espetáculo” (Pillet, 1992PILLET, Elisabeth. Cafés-concerts et cabarets. Romantisme, n. 75, pp. 43-50, 1992. ). Ver também Concetta (1992CONCETTA, Condemi. Le café-concerts: histoire d’un divertissement (1849-1914). Paris: Quai Voltaire, 1992. ).
  • 4
    Os registros de Chinfrim em uma casa de chopp, Espetáculo em um café concerto e Desordem num café cantante podem ser escutados em: Entre a Memória e a História... (s/d)ENTRE A MEMÓRIA E A HISTÓRIA da Música. s/d. Disponível em: Disponível em: http://www.memoriadamusica.com.br/site/index.php/texto-e-audio#recentes . Acesso em: 25 mar. 2021.
    http://www.memoriadamusica.com.br/site/i...
    .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2021
  • Aceito
    22 Set 2021
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