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As revoluções adotam o seu dialeto peculiar: os significados da independência do Brasil em uma região-fronteira (Província Cisplatina, 1821-1824)1 1 Essa pesquisa conta com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo n. 2021/01011-2.

The Revolutions Adopt their Own Peculiar Dialect: The Meanings of Brazilian Independence in a Border Region (Cisplatine Province, 1821-1824)

RESUMO

Este artigo discute os usos e significados do conceito de independência durante o processo de ruptura entre Brasil e Portugal. Enfatizo os diferentes projetos políticos e os conflitos que surgiram em função da separação entre Brasil e Portugal e a pluralidade de alternativas e identidades, entre 1821 e 1824. Relaciono essa perspectiva com os debates na imprensa da Província Cisplatina, os questionamentos sobre os eventos em outras províncias brasileiras e a mobilização de exemplos dos Estados Unidos da América e das Províncias Unidas do Rio da Prata. Argumento, assim, que esse vocabulário, suas transformações e inovações ajudaram a inserir a Cisplatina dentro da política brasileira e das transformações da modernidade.

Palavras-chave:
Imprensa; Linguagem Política; Província Cisplatina

ABSTRACT

This article discusses the uses and meanings of the concept of independence during the process of rupture between Brazil and Portugal. I emphasize the different political projects and conflicts that emerged as a result of the separation between Brazil and Portugal and the plurality of alternatives and identities between 1821 and 1824. I relate this perspective to the debates in the press of the Cisplatina Province, the questioning about the events in other Brazilian provinces, and the mobilization of examples from the United States of America and the United Provinces of the Río de la Plata. Thus, I argue that this vocabulary, its transformations and innovations helped insert Cisplatina into Brazilian politics and the transformations of modernity.

Keywords:
Press; Political language; Cisplatine Province

Diante da pluralidade de usos e significados do conceito de independência em meio ao intrincado jogo político que ocorria no continente americano nas primeiras décadas do século XIX, e sem entender tantas diferenças quando o assunto era o debate público, o redator do jornal El Ciudadano, na cidade de Montevidéu, falava resignadamente sobre os eventos no Brasil, lamentando “o abuso que se fez das palavras” e compreendendo que, por fim, “as revoluções adotam seu dialeto particular”2 2 Do original: “el abuso que se ha hecho de las palabras”, “las revoluciones adoptan su dialecto peculiar”. Tradução do autor (T. A.). (El Ciudadano, n. 01, 1823EL CIUDADANO, Montevideo, n. 01, 01 jun. 1823.). Estes conceitos, termos e metáforas colocados na disputa pública da Cisplatina serviam para os personagens envolvidos encontrarem referências para compreender o quadro em que se moviam, buscando diferenças e semelhanças com outros espaços e, na mesma medida, expondo ideias distintas e projetos políticos plurais, revelando possibilidades de futuro variadas (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.; Fernández Sebastián, 2010FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Las revoluciones hispánicas. Conceptos, metáforas y mitos. In: CHARTIER, Roger et al. La Revolución francesa: ¿matriz de las revoluciones? México: Universidad Iberoamericana, 2010. pp. 131-223., pp. 131-223). As transformações e inovações do vocabulário são resultado de uma ampla conjuntura de transformações que se materializavam na linguagem política e ganhavam cada vez mais lugar em uma imprensa em ebulição.

O objetivo deste artigo é analisar os diferentes usos e significados desse campo semântico ligado à independência, bem como as diversas alternativas políticas elaboradas nesse contexto de incertezas e a inserção da província Cisplatina no processo de ruptura entre Brasil e Portugal. Para tanto, investigarei como a região foi criada e inserida politicamente no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Numa etapa posterior, discutirei os sentidos dados à independência, ligados à defesa da unidade entre Portugal e Brasil. Posteriormente, discutirei os alertas sobre os riscos de separação e como outras províncias, a exemplo da Bahia e de Pernambuco, eram colocadas nas discussões. Por fim, apontarei para os exemplos dos Estados Unidos da América e das Províncias Unidas do Rio da Prata.

A CRIAÇÃO DA PROVÍNCIA CISPLATINA E SUA INSERÇÃO NO MUNDO LUSO-AMERICANO

Baseando-se nos argumentos das “fronteiras naturais” - demarcando os seus limites do Rio Amazonas até o Rio da Prata - e da necessidade de pacificação da região, em agosto de 1816 as tropas luso-americanas invadiram o território da Banda Oriental. A ação beneficiava os criadores rio-grandenses interessados nas cabeças de gado do território vizinho e temerosos do avanço das ideias revolucionárias (Osório, 2007OSÓRIO, Helen. A Revolução artiguista e o Rio Grande do Sul: alguns entrelaçamentos. Cadernos do CHDD, Brasília: A Fundação, ano 6, número especial, pp. 3-32, 2007. , pp. 3-32). Além disso, fortalecia os vínculos comerciais de Montevidéu com o Rio de Janeiro, que já existiam anteriormente (Prado, 2015PRADO, Fabrício. Edge of Empire: Atlantic Networks and Revolution in Bourbon Río de la Plata. Oakland: University of California Press, 2015., pp. 58-82), e afastavam definitivamente os projetos políticos de José Gervásio Artigas (1764-1850), tidos pela elite oriental como anárquicos e uma ameaça (Winter, 2021WINTER, Murillo Dias. Viva o Rei de Portugal e a Cisplatina Oriental: imprensa e a linguagem política do liberalismo lusitano no Rio da Prata (1817-1824). Almanack, n. 28, pp. 1-43, 2021.). Em poucos meses, Portugal, com os seus agentes comerciais novos ou já instalados, rapidamente tornou-se o principal intermediário no comércio atlântico estabelecido na província Oriental (Friedman, 1993FRIEDMAN, Jeanne Lynn. Free trade and independence: The Banda Oriental in the world-system, 1806-1830. Thesis (Doctor of Philosophy in History) - The Ohio State University. Columbus, 1993., p. 166). A situação se altera, em 1821, com o retorno de D. João VI a Portugal e a orientação para a solução da questão platina por meio da organização de um congresso soberano3 3 Carlos Frederico Lecor subverteu as ordens e manipulou a escolha dos representantes para que seu grupo de apoio na região fosse escolhido e, assim, votasse a favor da permanência (Alonso Eloy, 1970; Ferreira, 2007). . O Congresso Cisplatino ocorreu entre os dias 15 de julho e 8 de agosto de 1821. Como principal resolução, definiu-se que a região passaria a ser oficialmente parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, sob o nome de Estado Cisplatino, que atualmente corresponde, grosso modo, à República Oriental do Uruguai. A anexação manteve o castelhano como o idioma oficial (sendo a única província brasileira a não falar português), bem como as leis já existentes, e inseriu os aliados locais dos lusitanos na estrutura administrativa da província, como compensação ao seu apoio e como forma de cooptar as elites locais, especialmente os grupos ligados à produção de gado e ao comércio atlântico de seus derivados, a exemplo do couro e do charque.

Mapa 1:
Território da Província Cisplatina de acordo com o Congresso Cisplatino (1821)

Além da criação da Cisplatina, o Vintismo provocou uma série transformações. Afinal, junto da oficialização estava a adesão a todas as leis e políticas dos lusitanos. Entre elas, em 12 de julho de 1821 as Cortes Extraordinárias de Lisboa promulgaram a Lei de Liberdade de Imprensa para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ampliando para além-mar o direito adquirido pelos reinóis no ano anterior. Desse modo, tinha início o ciclo de publicações da imprensa Cisplatina. Com proporções inéditas, a imprensa local reverberou os debates políticos em uma conjuntura de incertezas, acompanhando o movimento vertiginoso de crescimento da imprensa em todo o mundo lusitano. A proliferação de impressos, especialmente dentro das muralhas de Montevidéu, neste contexto, era ressaltada pelos próprios contemporâneos. O cronista Isidoro de María (1976)DE MARÍA, Isidoro. Montevideo Antiguo: tradiciones y recuerdos. T I. Montevideo: Biblioteca Artigas, 1976., por exemplo, ao descrever o seu trabalho de tipógrafo em Montevidéu, lembrava que “o que faltava no ano 15 [em periodistas], abundou em 22 e 23”.

A palavra se tornou pública em espaços já conectados pelas rotas comerciais. A circulação da informação em múltiplas plataformas oferecia interpretações que se chocavam, se complementavam e, por fim, que produziam novos significados sobre os eventos que ocorriam em diferentes locais (Polasky, 2016POLASKY, Janet. Revolutions without Borders: The Call to Liberty in the Atlantic World. New Haven: Yale University Press, 2016. ). Como demonstra William Slauter (2007SLAUTER, William. News and diplomacy in the age of the American Revolution. Thesis (Doctor of Philosophy in History) - Princeton University. New Jersey, 2007.), a imprensa dava materialidade para, em um período de incertezas, aproximar eventos a princípio distantes e, assim, transformar essas dúvidas em ação concreta. Para tanto, os redatores dos jornais buscavam informações de outros locais, citavam os eventos e acompanhavam um contexto amplo de informações. Dessa forma, não era estranho que, em Montevidéu, circulassem informações e análises sobre o que ocorria em Recife e Salvador, por exemplo; para então, a partir delas e de sua discussão, realizarem-se prognósticos e se atentarem a estes eventos e às suas lições manifestas numa linguagem política em transformação - inserindo, portanto, estes locais no mesmo processo e aproximando essas partes.

Conexões possíveis, pois tratava-se de espaços com portos de importância regional e Atlântica. Entre meados do século XVIII e XIX, de maneira assimétrica, é dado o impulso à integração das Américas em uma “economia-mundo” e à expansão territorial do capitalismo, conectando, através das rotas comerciais, diferentes espaços (Braudel, 1996BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII: o tempo do mundo. Vol. 3. São Paulo: Martins Fontes, 1996.; Wallerstein, 2010WALLERSTEIN, Immanuel. El moderno Sistema mundial: la segunda era de gran expansión de la economía-mundo capitalista, 1730-1850. Tomo III. Madrid: Siglo XXI, 2010. ). Este mundo, em muitos aspectos, passou a ser mais próximo e, especialmente nas regiões portuárias, mais parecido que antes (Knight; Liss, 1991KNIGHT, Franklin W.; LISS, Peggy K. Atlantic Port Cities: Economy, Culture, and Society in the Atlantic World, 1650-1850. Knoxville: The University of Tennessee Press, 1991., p. 03)4 4 Em texto publicado nessa coletânea, A. John Russel Wood argumenta que os portos brasileiros possuíam mais diferenças entre si que os demais do continente, no entanto, mantinham o padrão de compartilhamento (Russel Wood, 2014, pp. 125-176). . A ampliação dos canais de comunicação foi um fenômeno comum entre os séculos XVIII e XIX. Nas cidades costeiras circulavam pessoas de diferentes origens e classes sociais. A troca de informação, seja de maneira informal ou oficial, seja por linguagem oral ou escrita, em variados idiomas, era cotidiana e intensa.

NÃO-DEPENDÊNCIA E EMANCIPAÇÃO: A MANUTENÇÃO DOS VÍNCULOS

Eram parciais as informações públicas que saíram às ruas de Montevidéu, concernentes à permanência do Regente D. Pedro no Rio de Janeiro e ao aumento dos desacordos com as Cortes de Lisboa. Em dois números, as edições de 26 de janeiro e de 02 de fevereiro, os textos do jornal fluminense Despertador Brasiliense foram traduzidos e publicados no El Pacífico Oriental de Montevideo. Nos escritos originais era evocado o discurso de tentativa de “recolonização” pelas Cortes e da necessidade de unidade. Caso contrário, seria importante criar uma alternativa política a partir do continente americano5 5 O neologismo “recolonização”, e expressões como “restabelecer o sistema colonial”, são encontrados nos registros oficiais em relação aos trabalhos constituintes a partir do início de 1822. Tendo como objetivo fortalecer o governo de D. Pedro, tais vocábulos eram empregados quando sua oposição ao governo de Lisboa já era concreta. Ainda no século XIX, foram absorvidos, por parte da historiografia, como causas fundamentais da independência brasileira. A este respeito, ver Berbel, 2005, pp. 791-808 e Penalves Rocha, 2009, pp. 15-45. . Lia-se que, em decorrência da política das Cortes, que pretendia reduzir “nossas belas e florescentes províncias [...], finalmente, ao estado miserável de colônia”, “se acendeu, na mente dos brasileiros, o fogo amortecido da liberdade”6 6 No original: “nuestras bellas y florecientes provincias reducidas en fin al miserable estado de colonia”, “encendieron en el ánimo de los brasileros el amortiguado fuego de la libertad” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 6, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 6, 26 jan. 1822.). A opressão lusitana seria trocada por uma vida em liberdade.

Entretanto, na edição seguinte, quando o redator Francisco Paula Pérez comentava o conteúdo da publicação do Rio de Janeiro, era possível observar uma postura crítica e cautelosa: “Nota-se grande descontentamento entre os portugueses da América, e isto bastará para abreviar a separação que a política e a natureza das coisas deveriam preservar”7 7 Do original: “Se nota grande descontento e en los portugueses americanos, y esto bastará para abreviar la separación que la naturaleza de las cosas y la política debía preservar” (T. A.). . Pérez, na mesma medida que reconhecia como válidas as queixas dos luso-americanos, afirmava que entendia como prematura qualquer tentativa de separação, já que os vínculos eram a “natureza das coisas”. Para o redator, os riscos da separação seriam maiores do que os potenciais benefícios:

O Brasil tem direito a tudo o que planeja, mas quiçá não tenha chegado o momento. Não basta que existam algumas almas escolhidas e petrificadas com sentimentos de Liberdade, é necessário que estes sejam gerais a todo brasileiro; do contrário ficam expostos aos ataques da intriga e da ambição, ao impulso da superstição e do fanatismo8 8 Do original: “El Brasil tiene derecho para todo lo que intenta, pero quizás no ha llegado el tiempo, no basta el que haya algunas almas escogidas y petrificadas con sentimientos de Libertad, es necesario que estos sean generales a todo brasileiro; de lo contrario quedan expuestos à los ataques de la intriga y de la ambición, al impulso de lo superstición y fanatismo” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 7, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 7, 02 fev. 1822.).

O intuito era destacar os laços entre Portugal e o Reino do Brasil, sobretudo a posição americana dentro da ordem de governo lusitana. O redator relacionava o significado de independência à autonomia e unidade, à não dependência de um corpo político em relação a outro ao compor a mesma comunidade. Assim, o Reino do Brasil já era independente, pois não dependeria mais de Portugal, e ambos mantinham uma relação de paridade, que havia sido possibilitada com a criação do Reino Unido em 1815. Como afirma Fernández Sebastián, esta conotação estava próxima dos significados tradicionais, de finais do século XVIII: “a independência era um dos meios mais comuns para o alcance de uma maior unidade política, através da integração de várias comunidades perfeitas menores. A independência era, nesses casos, posta a serviço da união”9 9 No original: “independencia constituía uno de medios más comunes de alcanzar una unidad política superior a través de la integración de varias comunidades perfectas menores. La independencia se ponía en esos casos al servicio de la unión” (T. A.). (Fernández Sebastián, 2013FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. La independencia de España y otras independencias. La transformación radical de un concepto en la crisis del mundo hispano. In: ÁVILA, Alfredo; DYM, Jordana; PANI, Erika (Eds.). Las declaraciones de Independencia. Los textos fundamentales de las independencias americanas. Cidade do México: El Colegio de México; UNAM, 2013. pp. 41-80., p. 48).

Essa posição seria justificada em razão da América ser a maior e a mais rica porção do Império luso. Assim sendo, a busca da autonomia não significava um rompimento com Portugal, e sim a independência do Brasil, baseada na integridade do Império, a partir de uma unidade em condições de igualdade entre ambos os lados do Atlântico, que deveria ser o objetivo último das Cortes de Lisboa:

Não apenas quer que se tenha acesso às justas reclamações daquele poderoso território, como também indica caminhos mais que seguros para conquistar a sua liberdade justamente apetecida. Demonstra organizadamente a origem das duas leis que causaram tanto temor, culpando os brasileiros pela morosidade que observaram em assunto de tanta importância, ao passo que os convida a estreitar sua união com a mãe pátria não por meios dessa odiosa dependência10 10 Do original: “No solo quiere que se acceda à las justas reclamaciones de aquel poderoso territorio, sino que indica senderos más que seguros para labrar su libertad justamente apetecida. Demuestra prolijamente el origen de las dos leyes que han causado tanto sobrecogimiento, culpando à los brasileiros por la morosidad que han observado en asunto de tanta importancia, al paso que los invitan a estrechar su unión con la madre patria no por medios de esa odiosa dependencia” (T. A). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 24EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 24, 31 mai. 1822., 1822).

Ao realçar que já não existia uma relação de dependência, o redator reafirmava que Brasil e Portugal deveriam manter seus vínculos com autonomia e união em condições de igualdade. Por ter “poderoso territorio”, ser rico, além de ter abrigado a sede da monarquia nos últimos anos, o Reino do Brasil não era subalterno em relação a Portugal. Continuaria ligado aos lusitanos, a partir das condições estabelecidas em 1815, assegurando “sua liberdade justamente apetecida”. Este argumento, por exemplo, foi frequente no mundo hispânico entre os “anos cruciais” de 1808 e 1809 e, posteriormente, durante os debates das Cortes de Cádiz e de Sevilha, quando se discutia sobre os vínculos da Coroa com os seus domínios americanos (Guerra, 2010GUERRA, François Xavier. Modernidad e independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. 3ª Ed. 2ª Reipression. México: FCE; MAPFRE, 2010.). Como lembra Alejandro San Francisco, as primeiras respostas dos hispano-americanos iam em direção à paridade: “o sentimento de independência que os americanos exerciam, elaborado a partir de uma perspectiva do direito natural, estava ligado à paridade de representação, no sentido de que um Povo não domina outro, ambas as partes têm direito à soberania” (San Francisco, 2014SAN FRANCISCO, Alejandro. Independencia. In: FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier (Dir.). Diccionario político y social del mundo iberoamericano: conceptos políticos fundamentales, 1770-1870, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales - Universidad del País Vasco, 2014. pp. 49-64. , p. 21)11 11 Do original: “el sentido de independencia que esgrimían los americanos, elaborados desde una perspectiva iusnaturalista, estaba vinculada a la paridad de la representación, en el sentido de que un Pueblo no domina a otro, a una parte de la soberanía a la otra parte” (T. A.). .

A metáfora da emancipação foi utilizada com o intuito de reforçar este argumento. Relacionada ao tempo e às relações familiares, tratava-se de uma ferramenta retórica frequente no continente americano (Pimenta, 2010PIMENTA, João Paulo Garrido. De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da idéia de emancipação da América e sua leitura no Brasil. Almanack Brasiliense, São Paulo, n. 11, pp. 88-99, 2010. , pp. 88-99). Teve grande alcance na América portuguesa, especialmente, em consequência da difusão de textos do abade francês Dominique de Pradt (1757-1837). A ideia realçada era de que, depois de uma fase de amadurecimento e dependência, a sociedade encontraria a sua idade adulta e, assim, poderia se liberar da dominação. Os vínculos familiares tinham duplo sentido: na mesma medida em que indicavam laços de fraternidade e comunhão também poderiam ser entendidos como arbitrariedade e imposição (Fanni, 2015FANNI, Rafael. Temporalização dos discursos políticos no processo de Independência do Brasil (1820-1822). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015., p. 45). A emancipação, com significado análogo ao da separação, suavizava o discurso porque permitia apresentar uma decisão política tão grave e traumática como se se tratasse de algo comum e trivial (Fernández Sebastián; Cabal, 2014). O pai (Portugal) seria o tutor do filho (Brasil) que, naturalmente, chegaria à idade de emancipar-se:

Não abrigamos em nosso coração outra ideia que a da felicidade, e o sucesso de todos os povos que buscam sua emancipação. [Porém,] recuperamos e persistimos que, para a América portuguesa elevar-se ao alto grau de poder e de grandeza que a natureza lhe destinou, é suficiente seguir as regras daquela legisladora [Cortes de Lisboa]; ela apresentará o tempo, e o mais importante, a ocasião para mostrar ao universo o mais belo espetáculo filho da liberdade12 12 Do original: “No abrigamos en nuestro corazón otra idea que la de felicidad, y acierto de todos los pueblos que intenten su emancipación. [Porém,] recobramos y persistimos en que para elevarse la América portuguesa al alto grado de poder y de grandeza que la naturaleza la ha destinado es suficiente seguir las reglas de aquella legisladora [Cortes de Lisboa]; ella presentará el tiempo y lo que es más importante, la ocasión para mostrar al universo el más hermoso espectáculo hijo de la libertad” (T. A.) (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 9, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 9, 16 fev. 1822.).

Embora aparentemente contraditórias quando utilizadas em conjunto, dependência e emancipação compunham parte do mesmo argumento de que a separação antes do tempo resultaria em graves problemas. O Brasil já era autônomo em relação a Portugal tanto por sua riqueza como pela experiência como Reino Unido. Dessa forma, naturalmente alcançaria sua emancipação em algum momento. Porém, ainda não era tempo de se romperem os vínculos e o Brasil não deixaria de manter relações amistosas com os lusitanos, caso contrário, seria difícil se manter a unidade política e territorial.

OS RISCOS DOMÉSTICOS E A SEPARAÇÃO

A independência também poderia levar a conflitos e a uma guerra civil. Diante da polissemia do conceito de independência, estas duas alternativas antagônicas eram utilizadas a partir desse mesmo vocábulo, com significados diferentes. Ainda que ganhe força a ideia de separação, o discurso é ambíguo. Esses elementos demonstram a vicissitude de se operar com conceitos cujo nível de abstração e cuja dificuldade de definição não coadunam com as práticas e as intenções políticas desse contexto em rápida transformação:

Se o Brasil, com sua separação, ou melhor, com sua independência, iniciasse o reino da paz, da ordem e da liberdade, não apenas devemos aconselhar que a realize, mas também ajudar-lhe para sua mais imediata realização; porém, como entre desejar e praticar existe uma imensíssima distância, os homens sensatos do Brasil ou os cidadãos interessados em sua felicidade parece que não observaram convenientemente a separação na atualidade. Embora, com a presença do soberano, o Brasil tenha conhecido as vantagens da independência, não adquiriu com ela todos os elementos necessários para construir um governo sólido13 13 Do original: “Si el Brasil con su separación o mejor con su independencia iniciase el reino de la paz, del orden y de la libertad, no solo debemos aconsejar la realice, mas también ayudarle para su más pronta consecución; más como entre desear y practicar hay una inmensísima distancia, los hombres sensatos del Brasil o los ciudadanos interesados en su felicidad parece que no mirarán como conveniente la separación en la actualidad. Aunque con la mansión del soberano haya conocido el Brasil las ventajas de la independencia, con ella no ha adquirido todos los elementos necesarios para construir un gobierno solido” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 15, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 15, 29 mar. 1822.).

Essa construção, presente no El Pacífico Oriental de Montevideo, se justificava pela preocupação com como os luso-americanos constituiriam um centro político articulador efetivo no continente. O redator realçava os problemas até se consolidar um Estado soberano e se “construir um governo sólido”. Assim, deslocando-se dos sentidos tradicionais do vocábulo, atribuía à noção de independência dois usos, em relação ao movimento ibérico de resistência durante a Guerra Peninsular (1808-1814) e ao processo revolucionário na América. No que diz respeito ao primeiro caso, considerado positivo, exaltava que dois Estados já constituídos haviam conseguido expulsar um invasor, a França: “Espanha e Portugal, que, apesar de sua nulidade e abatimento, lutaram por sua independência e brilharam no grande teatro”14 14 Do original: “España y Portugal que a pesar de su nulidad y abatimiento lucharon por su independencia y brillaron sobre el grande teatro” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 15, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 15, 29 mar. 1822.). Já no que concerne ao segundo, o redator fazia uso de uma camada negativa de significados, marcada pela separação e, por consequência, pela guerra-civil e pela fragmentação territorial. A diferença entre a primeira ideia de independência e a segunda são enfatizadas por Fernández Sebastían (2013), quando ele lembra o fato de os peninsulares terem ido às armas em 1808 em nome da nação, ao passo que os revolucionários do continente americano - ao menos os seus líderes - entraram em conflitos para chegarem a ser uma nação.

Na edição de 23 de fevereiro de 1822, Pérez expunha os riscos que considerava que se seguiriam à independência. De acordo com sua interpretação, a separação seria apenas o primeiro passo do processo até o Brasil ser construído como uma nação, um corpo político autônomo:

Vencidas as primeiras dificuldades, e desenvolvida a ambição comum a todo mortal, é que começam a sentir os males que necessariamente nascem quando os povos desejosos, sem mais virtudes que sua ignorância, pretendem colocar-se em tal destino. Não bastam os poucos cidadãos probos, eloquentes e sábios interromperem o curso das paixões, cada um se conhece suficientemente para dirigi-las, e de seu choque resulta o pior estado da sociedade, as facções. Se estimulam os furores da injustiça, se derrama o sangue, se consome o Estado, se suscitam as guerras estrangeiras e, o mais sensível, as civis, tudo sempre em nome da liberdade15 15 Do original: “Vencidas las primeras dificultades, y desenvuelta la ambición común a todo mortal, es que comienzan a sentirse los males que necesariamente nacen, cuando los pueblos aspirantes sin más virtudes que su ignorancia pretenden colocarse en tan alto destino. No bastan los pocos ciudadanos probos, elocuentes y sabios para detener el impetuoso curso de las pasiones, cada uno se cree suficiente para dirigirlas, y de su choque resulta el peor estado de la sociedad, las facciones. Se excitan los furores de la injusticia, se derrama la sangre, se consume el Estado, se suscitan las guerras extranjeras y lo más sensible las civiles, todo siempre à nombre de la libertad” (T. A.) (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 10, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 10, 23 fev. 1822.).

Portanto, a independência, ou seja, o fim da unidade política, representava a ruptura do nexo que unia as províncias da América portuguesa a um centro comum e, portanto, uma ameaça à ordem; posição materializada através das diferentes respostas luso-americanas diante da política das Cortes de Lisboa e das discussões entre os representantes das províncias luso-americanas (Alexandre, 1993ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império: Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo Regime Português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1993., pp. 573-508; Berbel, 2005BERBEL, Márcia Regina. A retórica da recolonização. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. 1ª Ed. São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2005. pp. 791-808., pp. 791-808). Chamavam atenção especial os movimentos articulados desde a América, particularmente aqueles provenientes do núcleo formado por Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, e os movimentos das províncias de Pernambuco e da Bahia. No entendimento de Pérez, com a cisão poderiam ocorrer violentas tentativas de um grupo se impor sobre os demais em busca da liderança em uma nova unidade, e se definir como centro político, oferecendo riscos a todo o Reino Unido. Em decorrência desse choque e da ausência de uma força capaz de se impor, a população, “em nome da liberdade”, poderia enfrentar a “derrama de sangue”, a “guerra civil”, e ser dividida em “facções” (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 10, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 10, 23 fev. 1822.).

Como se sabe, a construção do Antigo Regime português na América foi resultado de um complexo processo com interesses, ritmos e interações desiguais. Entre outras razões, como resultado, a América portuguesa foi constituída como um mosaico, no qual as múltiplas e compósitas peças tinham o mesmo centro de convergência. Em outras palavras, a unidade territorial contigua da América portuguesa não correspondia à união e à centralização política. A presença da família Real portuguesa no Rio de Janeiro, embora tenha causado impacto, não alterou significativamente esse quadro, enraizado na política Bragantina e também manifestado em importantes identidades regionais construídas ao longo da colonização. Com a crise política, que tinha entre as suas possibilidades a independência do Brasil, essa pluralidade potencializaria os conflitos de interesses e oferecia como desafio, em caso de separação, a manutenção da territorialidade americana, com a substituição do seu centro político (Jancsó; Pimenta, 2001JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: Ed. SENAC, 2001. pp. 127-176. , pp. 127-175). Tal elemento é realçado no El Pacífico Oriental de Montevideo: “São todas suas partes homogêneas para formar esse grande todo?”16 16 Do original: “¿Son todas sus partes homogéneas para formar ese grande todo?” (T. A.). . O questionamento foi complementado por uma forte advertência, diminuindo o discurso independentista, avaliado como impraticável para a realidade política do momento: “Não devem temer os portugueses as decantadas ideias de independência que se alegam, e sim a ausência de um centro comum que dê movimento e vida a tão vasta como complicada máquina”17 17 Do original: “No deben temer los portugueses las decantadas ideas de independencia que se alegan, sino la ausencia de un centro común que dé movimiento y vida a tan basta como complicada máquina” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 9, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 9, 16 fev. 1822.).

Frente a estes riscos, apenas a união entre as províncias e o desejo pela independência, compartilhado entre os habitantes, poderia evitar o governo despótico e a guerra civil:

Qualquer que seja o governo que se pretende estabelecer, o caráter que deve contribuir para a sua formação deve ser inerente a todos os brasileiros, com total submissão a todos os infortúnios e fatalidades que necessariamente devem surgir de sua empreitada18 18 Do original: “Cualquiera que sea el gobierno que se trate de establecer, el carácter que ha de contribuir a su formación debe ser connatural a todos los brasilienses, con el completo sometimiento a todas las desgracias y fatalidades que necesariamente han de nacer de su empeño” (T. A.). (O Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 10, 1822).

Apesar do ceticismo do redator sobre a possibilidade de ocorrer a independência, o que se observava era justamente o contrário. As informações eram de um emaranhado composto por diferentes interesses e alternativas de futuro que realçavam a necessidade de força e unidade para a confirmação dos projetos políticos ligados à construção de um Estado nacional:

Suas diferenças domésticas são palpáveis e suas divisões fatais também. Por documentos oficiais sabemos que esta união não reina em todas as províncias, base poderosa das nações livres. A Bahia e Pernambuco são dirigidas com total desconfiança; que todas desejam liberdade sem concordar com os meios para a adquirirem. Prova evidente dessas observações é que só se queixaram das leis ditadas pelas Cortes [de Lisboa] o [Rio de] Janeiro, São Paulo e o Rio Grande [do Sul]19 19 Do original: “son palpables sus domésticas diferencias y también sus fatales divisiones, por documentos oficiales nos consta que no reina en todas las provincias esa unión, base poderosa de las naciones libres, la Bahía y Pernambuco son dirigidas por la total desconfianza; que todas apetecen la libertad sin convenir en los medios para adquirirla. Prueba evidente de estas observaciones es que solo han reclamado contra las leyes dictadas por las cortes, el Janeiro, San Pablo, y el Rio Grande (T. A.)”. (El Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 10, 1822).

Sabendo que “não reina em todas as províncias essa união”, era dessa maneira - fossem verossímeis ou não as informações - que o discurso no periódico se referia às “diferencias domesticas” e às “divisões fatais”. Além, evidentemente, do processo de crise de forma geral, Pernambuco e Bahia eram os lugares que mais geravam preocupações e, por consequência, recebiam maior atenção da imprensa Cisplatina. Ambas as províncias mantinham sólidas ligações mercantis com a região platina desde o período colonial (Kühn, 2017KÜHN, Fábio. Conexões negreiras: contrabandistas de escravos no Atlântico Sul (Rio da Prata, 1730-1752). Anos 90, Porto Alegre, v. 24, n. 45, pp. 101-132, 2017., pp. 101-132; Prado, 2015PRADO, Fabrício. Edge of Empire: Atlantic Networks and Revolution in Bourbon Río de la Plata. Oakland: University of California Press, 2015., pp. 131-152; Friedman, 1993FRIEDMAN, Jeanne Lynn. Free trade and independence: The Banda Oriental in the world-system, 1806-1830. Thesis (Doctor of Philosophy in History) - The Ohio State University. Columbus, 1993., pp. 59-60). O porto do Rio Grande era parte dessa rota, por ser local onde produtos eram comercializados para ambos os destinos, no norte e no sul, consolidando uma dinâmica comercial entre a América meridional e o norte da América portuguesa (Berute, 2011BERUTE, Gabriel Santos. Atividades mercantis do Rio Grande de São Pedro: negócios, mercadorias e agentes mercantis (1808-1850). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. , pp. 43-95). Junto com os produtos chegavam as notícias. Os marinheiros distribuíam cartas, impressos variados, documentos oficiais, assim como espalhavam relatos orais e rumores que abasteceriam os periódicos dessas regiões, suprindo a crescente demanda por informação no continente americano (Comissoli, 2017COMISSOLI, Adriano. Comunicação e fronteiras imperiais na região platina durante a “Era das Revoluções”. In: JONAS M. Vargas. (Org.). Belicosas fronteiras: contribuições recentes sobre política, economia e escravidão em sociedades americanas (século XIX). Porto Alegre: Editora Fi, 2017. pp. 15-27., pp. 15-27). Por exemplo, para além da correspondência oficial, Carlos Frederico Lecor despachava periódicos ingleses, jornais de todo o Prata e impressos espanhóis para D. João VI. O representante brasileiro no Rio da Prata, Manuel Correa da Câmara (1783-1848), em correspondência a José Bonifácio Andrada e Silva (1763-1838), ministro do Reino e dos negócios estrangeiros, relatava a facilidade de encontrar, ali, jornais provenientes de Nova York, da Bahia e de Londres.

A Bahia, por suas atividades econômicas e importância política, tinha posição estratégica na América portuguesa. Nos negócios com Montevidéu, ficava atrás apenas do Rio de Janeiro (Prado, 2015PRADO, Fabrício. Edge of Empire: Atlantic Networks and Revolution in Bourbon Río de la Plata. Oakland: University of California Press, 2015.). Somado a isso, as experiências políticas de 1798 e a influência e a repressão ao movimento pernambucano de 1817 tornavam a província objeto de cautela. De acordo com Maria Aparecida Silva de Sousa (2008SOUSA, Maria Aparecida Silva de. A Bahia na crise política do Antigo Regime. Revista de História, São Paulo, n. 159, pp. 135-166, 2008.), as transformações na política lusitana provocaram o reordenamento da política na Bahia, com movimentos de ruptura e de articulação entre os diferentes grupos locais e suas relações com Lisboa e Rio de Janeiro. Após embates em torno da eleição da Junta Provisória de Governo, em fevereiro de 1822, era possível se destacarem três principais forças em Salvador: os defensores de uma Monarquia Constitucional ligada a Portugal, o grupo favorável ao projeto independentista e os mais radicais, que advogavam por uma solução republicana. Esta divisão culminaria, em 25 de junho de 1822, na luta entre os partidários da independência e as tropas fiéis a Portugal. Como salientava Torres, tais elementos justificavam o espaço ocupado nas páginas do El Patriota: “ao tratar da Bahia, devemos concordar que as atuais dissidências de alguns cidadãos do Brasil com outros são de interesse e não são insignificantes para o giro das especulações mercantis”20 20 Do original: “tratar de la Bahía, deben convenir que las actuales disidencias de unos pueblos del Brasil con otros interesan la curiosidad y no son insignificantes para el giro de las especulaciones mercantiles” (T. A.). (El Patriota, n. 2, 1822EL PATRIOTA, Montevideo, n. 2, 23 ago. 1822.).

Além do comércio, as querelas políticas que culminaram em disputas militares na Bahia eram também uma oportunidade, aproveitada por Francisco de Paula Pérez. Os eventos dos primeiros meses de 1822 foram acompanhados pelo El Pacífico Oriental de Montevideo, que carregava em suas tintas ao descrever os acontecimentos, a exemplo da edição de 05 de abril de 1822: “a Bahia, que imitando a pátria mãe proclamou energicamente sua liberdade, já padece os horrores da guerra civil ou de partidos”. O propósito já nos é conhecido: sublinhar os riscos da independência, especialmente pela guerra civil e pela perspectiva do surgimento de governos autoritários, considerando que, eventualmente, “Recorrer às armas quando já não existe outro remédio é justo e legítimo, mas sustentar com elas as nossas pretensões é o mais ilegítimo, e a razão dos poderes arbitrários”21 21 Do original: “La Bahía que imitando a la madre patria proclamo enérgicamente su libertad ha padecido ya los horrores de la guerra civil o de los partidos”; “ocurrir a las armas cuando ya no existe otro remedio, es justo y legítimo, pero sostener con ellas nuestras pretensiones, es lo más ilegítimo, y la razón de los poderes arbitrarios” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 16, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 16, 5 abr. 1822. ). Os conflitos na Bahia eram, para Pérez, o reflexo das tensões políticas no interior da América portuguesa, que, na sua interpretação, se agravariam com a confirmação da separação entre Brasil e Portugal.

Já em Salvador, conhecedores dos conflitos que atingiram a Cisplatina - e como Portugal usou dessas disputas para tomar posse da região através de um discurso de pacificação, ordem e regeneração -, os redatores do Semanário Cívico, contrários à independência do Brasil, atacavam o militar Bento de Araújo Lopes de Vilas Boas (1775-1850), partidário da causa brasileira na cidade. Para tanto, o opositor foi acusado de ser “o novo Artigas” e “fazer o mesmo que o outro fazia nas dilatadas campinas do Rio da Prata” (Semanário Cívico, 1822SEMANÁRIO CÍVICO, Salvador, n. 73, 25 jul. 1822. ). A figura de Artigas nos impressos da Cisplatina, favoráveis a Portugal, de fácil acesso pelos soteropolitanos, era associada à anarquia e à violência. Um revolucionário que, ligado aos projetos de independência, tumultuava o continente. Assim, atacar o caudilho era defender Portugal (Winter, 2019WINTER, Murillo Dias. Uma tempestade de papéis impressos e infames: imprensa e linguagem política na independência do Brasil (Província Cisplatina, 1821-1824). Tese (Doutorado em História Social) - Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.). Em ambos os locais, as notícias sobre os eventos no outro espaço orientaram a ação das lideranças e dos militares envolvidos no conflito; aprendeu-se o que se evitar, o que se repetir e como, retoricamente, definir o inimigo. Enfim, construíram uma relação possibilitada pelo intenso contato e pela abundância de informações.

Na Cisplatina, o redator do Pacífico Oriental de Montevideo compreendia que, depois de Salvador, a beligerância alcançaria Recife com brevidade. Assim, didaticamente expunha que “Pernambuco também apresenta aspecto desagradável, vários acontecimentos que se não forem contidos em sua origem terão consequências iguais às da Bahia”22 22 Do original: “Pernambuco presenta también aspecto desagradable, varios acontecimientos que si no se contienen en su origen tendrá igual las consecuencias que en la Bahía” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 16, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 16, 5 abr. 1822. ). A província causava apreensão por suas ligações mercantis com o Rio da Prata, mas, especialmente, por sua situação política. As lições das punições aos líderes do movimento de 1817 ainda eram vivas, inclusive na imprensa Cisplatina. Como sublinha Denis Bernardes (2006BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo; Recife: Fapesp; Hucitec; Ed. UFPE, 2006.), o intervalo de quase um ano entre as notícias da Revolução do Porto e a criação de uma Junta de governo em Recife, bem como a ausência de uma adesão imediata e explosiva ao constitucionalismo se explicam pelo receio da repetição de uma sangrenta repressão tendo como base a Corte no Rio de Janeiro. Como alerta àqueles que buscavam antes do tempo a sua emancipação, a ação violenta do governo lusitano foi recordada no El Pacífico Oriental de Montevideo:

O Brasil, que no ano de [1]817 viu apaticamente despedaçar uma de suas províncias pelo Tirano Arcos, cuja proclamação é o monumento refinado do despotismo que sofreram aqueles infelizes, que viu crueldades de todos os tamanhos serem exercidas só porque Pernambuco quis aliviar suas correntes, que finalmente permitiu a filósofos como o famoso Sr. Pradt defender sua causa e anunciar o que está acontecendo23 23 Do original: “El Brasil que en el ano de [1]817 vio apáticamente despedazar una de sus provincias por el Tirano Arcos cuya proclama es el monumento del refinado despotismo que aquellos infelices sufrían, que vio ejercitar crueldades de todo tamaño solo porque Pernambuco quiso aligerar sus cadenas, que en fin dio lograr à que los filósofos como el célebre señor Pradt defendiese su causa y anunciase lo que va sucediendo” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 7, 1822).

Por isso, o mais aconselhável era a manutenção dos vínculos com Portugal, sob as bases da autonomia e da Constituição. A província de Pernambuco ofereceria condições para fortalecer os laços entre reinóis e americanos e auxiliar na manutenção da integridade do Império luso. A liberdade seria conquistada através da união e não da separação. Como bem sabiam os pernambucanos, o resultado de movimentos bruscos e a tentativa de romper vínculos antes do tempo eram trágicos:

Sem discordar dos princípios de sua liberdade, parece que as províncias concordarão em se unir com sua mãe; Pernambuco acaba de dar a mais brilhante prova dessa verdade e muitos escritores nacionais a pregam como necessária aos interesses dos americanos; nossos votos são pela liberdade, de todo o universo, mas com a menor efusão de sangue possível24 24 Do original: “Sin disentir en los principios de su libertad las provincias, parece que convendrán en unirse con su madre; Pernambuco, acaba de dar una prueba la más brillante de esta verdad y muchos escritores nacionales la predican como necesaria a los intereses de los americanos; nuestros votos son por la libertad, de todo el universo, pero con la menos efusión posible de sangre” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 12, 1822).

Além de uma conexão portuária, pelas informações trocadas e experiências compartilhadas, Pernambuco oferecia riscos mais concretos e diretos. Os efeitos da Revolução de 1817 assustavam as lideranças do projeto de independência do Brasil e, na Cisplatina, esse temor era abastecido pela presença de participantes do evento. Uma das punições aos militares envolvidos nos eventos anteriores foi a obrigação de se juntarem às tropas lusitanas no Rio da Prata e servirem em Montevidéu. A sua presença era vista como uma ameaça que precisava de cuidados especiais, justamente, para se evitar o derramamento de sangue. Nesse sentido, é exemplar o conjunto de orientações de José Bonifácio a Lecor. Em correspondência datada de 7 de março, o Ministro anunciava que, devido “as insubordinações em que se acha essa Tropa, mas igualmente pelo receio de desconfianças que podem motivar a estes povos, fatigados de guerras civis”, seria urgente e, “portanto necessário que VEª por todos os meios que lhe forem possíveis e que deixa sua honra e descrição dissolver semelhante Tropa pestiferada do mais espirito de ordem e anarquia”. Desse modo, era urgente “Separar os soldados pernambucanos que se incorporaram aos Voluntários Reais na última revolta dos mesmos e destacá-los em pequenas porções onde possam ser vigiados e contidos pelas outras Tropas do Brasil subordinadas e fiéis” (Garabelli, 1978GARABELLI, Martha Campos Thevenin de. La Revolución Oriental de 1822-1823. Su genesis. Tomo II. Montevideo: Junta Departamental de Montevideo, 1978., pp. 254-255).

As contendas na Bahia e em Pernambuco eram interpretadas como sinais da repetição dessas circunstâncias na Cisplatina. Em síntese, a partir das informações que recebiam sobre a crescente possibilidade de independência do Brasil e sobre o acúmulo de notícias acerca dos conflitos nas províncias da América portuguesa que circulavam em ambos os espaços, as principais especulações na imprensa Cisplatina giravam em torno da possibilidade de uma guerra civil e, sobretudo, de sua inserção nesses conflitos. Como aponta Vitor Izecksohn (2005), no Prata, a dificuldade destes novos Estados, ainda em formação, de dominar os territórios e impor um poder central levou a conflitos - civis e entre Estados - e a guerra foi a principal maneira de se estabelecerem relações entre autoridades incapazes de construir um aparato coercitivo forte e até mesmo de desenhar os limites de seus territórios. Diante destes temores, a imprensa foi buscar lições na América espanhola e nos Estados Unidos.

OS MODELOS EXTERNOS DE INDEPENDÊNCIAS

A realidade mais próxima (e cuja repetição era mais temida) era das Província Unidas do Rio da Prata. A região foi palco de conflitos intermitentes, disputas de poder e transformações na hierarquia política desde o início do processo das independências. Estes conflitos apenas começariam a ser apaziguados na década de 1820, com a breve ascensão dos Unitários, no que ficou conhecido como “a Feliz Experiência” (Zubizarreta, 2014ZUBIZARRETA, Ignacio. Unitarios. História de la Facción política que diseño la Argentina Moderna. Buenos Aires: Sudamericana, 2014., pp. 18-52). A preocupação central era da reincidência das experiências já vivenciadas pelos orientais, da guerra civil e da fragmentação territorial. Como aponta José Carlos Chiaramonte (2009CHIARAMONTE, José Carlos. Cidades, Províncias, Estados: origens da Nação Argentina (1800-1846). São Paulo: Hucitec, 2009. ), a América Espanhola estava organizada como uma miscelânea desmembrada em diversas jurisdições, reinos e unidades administrativas hierarquicamente posicionadas que, diante da crise e do processo de independência, entraram em choque. No Prata, especialmente, diferentes cidades e “regiões província” buscaram estabelecer corpos administrativos estáveis e soberanos. Muitas vezes, distintos projetos se entrecruzavam na mesma territorialidade. Diante dessa situação, muitos foram os governos com pretensões centralizadoras - a exemplo do que se temia da liderança do Rio de Janeiro na América portuguesa -, mas sem uma força capaz de os impor sobre as demais províncias. Os resultados foram a fragmentação territorial e a militarização da sociedade (Rabinovich, 2012RABINOVICH, Alejandro M. La militarización del Río de la Plata, 1810-1820. Elementos cuantitativos y conceptuales para un análisis. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana Dr. Emilio Ravignani, Tercera serie, n. 37, Buenos Aires, pp. 11-42, 2012., pp. 11-42), com diferentes lideranças que buscaram, através da via bélica, construir, em torno de si, uma altenativa25 25 O fenômeno do caudilhismo é complexo e fundamental para compreender os governos autoritários no continente americano durante o processo de independência (Goldman; Salvatore, 2005, pp. 7-30). . Ainda que o risco fosse menor no restante da América Portuguesa, devido à maior coesão ideológica das suas elites, os cisplatinos temiam uma nova ruralização da política, elemento característico do ambiente platino e das querelas nas Províncias Unidas (Frega, 2011FREGA, Ana. Pueblos y soberania en la revolucíon artiguista: la región de Santo Domingo Soriano desde fines de la colonia a la ocupación portuguesa. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental La República, 2011. ; Halperín-Donghi, 2015HALPERÍN DONGHI, Tulio. Revolução e guerra: formação de uma elite dirigente na Argentina criolla. São Paulo: Hucitec , 2015. , pp. 463-48).

Com efeito, ainda que se preocupassem com os problemas internos e as relações da Cisplatina com as demais províncias, para os redatores de jornais e panfletos a independência do Brasil estava inserida em uma conjuntura internacional de transformações, haja vista que, em poucas décadas, diversos foram os processos de independência e, igualmente, sua repercussão tinha escala global. No rol de nações livres e em processo de se liberarem estavam, principalmente, os Estados Unidos da América e as diversas repúblicas da América espanhola, que conformavam uma unidade, uma experiência histórica que deveria ser apreendida pelos brasileiros, especialmente em relação à manutenção de sua unidade. Com a vantagem de entrar nesse processo mais tarde, o Brasil era um observador privilegiado e com “Um olhar rápido sobre a história dos americanos do Norte; e um muito atento sobre Caracas e as Províncias Unidas [do Rio da Prata]”26 26 Do original: “una ligera mirada sobre la historia de los americanos del Norte; y una muy detenida sobre Caracas; y las Provincias Unidas [do Rio da Prata]” (T. A.). , poderia melhor administrar o seu futuro (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 24, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 24, 31 mai. 1822.). A fórmula já era conhecida e havia sido vivenciada pelos orientais na década anterior: crise na Europa, efervescência na América, ampliação da esfera pública e da imprensa, proliferação de alternativas de futuro, politização de identidades coletivas, disputas de poder, mudanças nas hierarquias de poder e na estrutura administrativa, conflitos armados e fragmentação, que, por sua vez, provocavam soluções autoritárias.

Os virtuais êxitos ou fracassos dos luso-americanos também extrapolariam os limites de suas fronteiras e da experiência histórica precedente, oferecendo estabilidade ou empurrando o continente americano em mais conflitos. Ainda que, de acordo com o redator, não tivessem a ilustração dos europeus, o que se caracterizava como uma certa posição de inferioridade, essa condição poderia ser compensada através dos exemplos de outras situações. A aludida falta de ilustração liga-se à própria ideia de aceleração dos processos políticos no mundo ocidental, atrelados a sua uniformização e universalização. Portanto, através da emulação de outros casos, não era necessário o cumprimento de todas as etapas longamente percorridas pelos europeus. Como indica o redator, se obtivesse sucesso, o caso brasileiro seria exemplar, afinal, sem as bases necessárias e carente de ilustração, ainda assim teria conseguido alcançar a pacificação e a estabilidade desejadas:

A humanidade venceu porque deixará de se aligeirar, e o Brasil encontrou a bússola para direcionar o navio de seus procedimentos ao desejado porto de liberdade. Sem imprudências, podemos assegurar, e toda a América vai se libertar para envergonhar outras nações e dizer-lhes que, embora sem ilustração, soube aproveitar seus reveses e sua prosperidade para o objetivo desejado27 27 Do original: “La humanidad ha ganado, porque cesara de aligérese, y el Brasil ha encontrado la brújula para encaminar la nave de sus procedimientos al puerto deseado de la libertad. Sin temeridad podremos asegurar y, que la América toda va à erigirse libre para avergonzar a las demás naciones y decirles que aunque sin ilustración ha sabido aprovecharse de sus reveces y de sus prosperidades para su anhelado objeto” (T. A.). (O Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 24, 1822).

A partir da compreensão dessa unidade, Pimenta, estudando a inserção do Brasil no que ele determina como “experiência revolucionária moderna”, argumenta que os Estados Unidos e a América espanhola forneceram uma série de exemplos e expectativas aos luso-americanos nessa conjuntura de transformações. Os eventos nestes locais eram acompanhados com atenção pelos governantes portugueses. Com a ampliação da cena pública, também foram objetos de interesse da população em geral, determinando formas de administrar e pensar a crise política da América portuguesa. A experiência norte-americana era vista como capaz de resultar na criação de uma ordem política consistente, produzindo um exemplo positivo. Já as experiências na América Espanhola tiveram a sua interpretação transformada. No primeiro momento, recebiam uma carga negativa associada à instabilidade e à guerra civil. O mesmo se dava na imprensa Cisplatina. Porém, segundo o historiador, a partir de 1821 e 1822, quando a independência do Brasil se apresentava como um projeto sólido e até supostamente irreversível, os vizinhos hispano-americanos também passaram a ser considerados capazes “de fornecer igualmente exemplos desejáveis de ruptura bem-sucedida entre colônias e metrópoles” (Pimenta, 2012PIMENTA, João Paulo. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c. 1780-c.1830). Tese (Livre Docência) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012., p. 31). Nessa conjuntura, com o processo de independência em andamento, a experiência no mundo hispano-americano forneceu também um paradigma positivo para a separação de Portugal.

Na Cisplatina, embora houvesse mudanças, a América Espanhola e os movimentos republicanos continuaram sendo rechaçados e avaliados de forma unicamente negativa. Havia uma hierarquização ao se tratar das independências e dos seus efeitos no continente americano. O redator atrelava a capacidade de os povos tornarem-se livres na medida de seu grau de ilustração e do caráter do seu desejo pela liberdade. Nem todos os locais tinham o que era necessário para tornarem-se independentes, e nem todas as realidades serviriam de exemplo para o Reino do Brasil. Desse modo, embora positiva, a experiência dos Estados Unidos não teria correspondência para servir de parâmetro aos interesses luso-americanos. Já por sua similitude e proximidade temporal e geográfica, o conjunto de eventos na América espanhola e os seus “revezes” serviriam de alerta. Seria necessário, por conseguinte, compreender essas diferenças. Assim, ainda que não fizesse parte do grupo de nações ilustradas, os luso-americanos tinham elementos para administrar suas dificuldades e alcançar o “porto desejado de liberdade” (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 24, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 24, 31 mai. 1822.).

Os Estados Unidos compunham uma experiência singular. Um exemplo que não poderia ser repetido plenamente deveria, logo, ser relativizado. Na edição de 19 de abril de 1822 de El Pacífico Oriental de Montevideo, era destacado que a experiência norte-americana seria incompatível com a realidade política, econômica e social da América portuguesa. As circunstâncias eram diferentes e possibilitaram a um corpo político já estruturado alcançar inevitavelmente, de acordo com a sua natureza política, a liberdade; uma ideia de evolução muito comum aos discursos do século XIX. Essa robustez na interpretação do redator carecia ao movimento pela independência do Brasil, já que:

provar essa necessidade com a história da América do Norte é perturbar toda a ordem dos eventos: é inútil e cansativo parar e mostrar que, além da numerosa marinha, do vasto comércio e da agricultura florescente, os Estados Unidos demonstraram seu poder na última guerra com a Grã-Bretanha. É comprovável por um cálculo regular. É evidente, portanto, que os norte-americanos não apenas satisfizeram seu espírito revolucionário ao declarar e sustentar a sua independência; em vez disso, eles cumpriram o que suas circunstâncias e natureza política exigiam28 28 Do original: “probar aquella necesidad con la historia de Norte América es trastornar todo el orden de os sucesos: es inútil y pesado detenerse en demostrar que además de la numerosa marina, vastísimo comercio y floreciente agricultura, los Estados Unidos patentizaron su poder en la última guerra con la Gran Bretaña. Se muestra mediante un cálculo regular; Es evidente, por lo tanto, que los estadounidenses no solo satisfacen su espíritu revolucionario declarando su independencia y manteniéndola; más bien obedecieron a lo que exigían sus circunstancias y su carácter político” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 16, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 16, 5 abr. 1822. ).

Os exemplos adicionais na imprensa da Cisplatina provinham das experiências em curso na América espanhola, fenômeno já identificado por Pimenta (2012PIMENTA, João Paulo. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c. 1780-c.1830). Tese (Livre Docência) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.) ao estudar a imprensa de outros espaços na América portuguesa, o qual atribui à proximidade geográfica e temporal o destaque recebido pelos eventos hispano-americanos. Como observado anteriormente, os contemporâneos compartilhavam uma sensação de aceleração do tempo histórico que levaria a um deslocamento de ênfase segundo o qual os acontecimentos mais recentes receberiam maior peso. No entanto, se, para Pimenta, em dado momento, as lições oriundas da experiência da América espanhola deixaram de ser somente negativas, tornando-se um instrumento de legitimação do projeto independentista brasileiro, na província Cisplatina a história recente continuou a ser invocada para dar veemência ao argumento de que o Brasil correria riscos de mergulhar em uma guerra civil. Os eventos republicanos da América Espanhola eram afastados e rechaçados na imprensa Cisplatina, fato que se deve, sobretudo, à tentativa de se afastar destes eventos turbulentos que remontavam ao passado artiguista e de apontar as independências como fenômenos negativos, realçando-se os interesses (momentâneos) de parte da elite oriental de permanecer ligada a Portugal e à Monarquia.

Existiam referências positivas ao possível sucesso brasileiro, quando se observava a anarquia dos vizinhos em conflitos intermitentes, a exemplo de um dos raros prognósticos de Manuel Torres em seu jornal El Patriota: “A marcha deste reino corre para um caminho feliz: ele tem a sorte de olhar para o chefe de sua revolução como um líder - o próprio herdeiro da coroa; goza a vantagem de olhar de perto o quadro original dos infortúnios causados pela anarquia”29 29 Do original: “La marcha de este reino se apresura a un camino feliz: el tiene la fortuna de mirar à cabeza de su revolución un jefe - el heredero mismo de la corona; goza de la ventaja de mirar de cerca el cuadro original de las desgracias que causa la anarquía” (T. A.). (El Patriota, n. 3, 1822EL PATRIOTA, Montevideo, n. 3, 30 de ago. 1822.). Todavia, os argumentos mais frequentes eram negativos, a exemplo do proferido por Pérez no Pacífico Oriental de Montevideo, segundo o qual, devido ao grau de semelhança, as Américas espanhola e portuguesa teriam o mesmo destino:

O Brasil entrou nessa corrida, como todos os povos. Em seu caso, cercado por ouriços e espinhos. É verdade que, no que ele chama de América espanhola, os horrores da revolução foram vislumbrados em demasia, mas ele se esquece que pelo menos três quartos dessas calamidades foram promovidas pelos mesmos meios e saíram do mesmo lugar em que se aninham para se introduzir no Brasil30 30 Do original: “El Brasil ha entrado en esta carrera, como todos los pueblos en su caso; rodeado de abrojos y de espinas. Es verdad que en la que él llama América española, los horrores de la revolución se han dejado entrever con demasía, pero él se olvida que las tres cuartas partes al menos de estas calamidades, se han fomentado por mismos medios y han salido del mismo muro en que él se anida para introducirlas al Brasil” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 11, 1822).

As alusões a Caracas e às Províncias Unidas do Rio da Prata não eram aleatórias na construção desse argumento. Ambos os espaços eram acompanhados de perto pela imprensa e por autoridades luso-americanas, através da circulação de impressos, do envio de representantes diplomáticos ou até mesmo da espionagem (Bastos, 2013BASTOS, Carlos Augusto de Castro. No Limiar dos Impérios: projetos, circulações e experiências na fronteira entre a Capitania do Rio Negro e a Província de Maynas (c.1780-c.1820). Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013., pp. 364-368; Comissoli, 2018COMISSOLI, Adriano. Bombeiros, espias e vaqueanos: agentes da comunicação política no sul da América portuguesa (Rio Grande de São Pedro, sécs. XVIII-XIX). Revista de Indias, v. 78, n. 272, p. 113-146, 2018., pp. 113-146; Pimenta, 2012PIMENTA, João Paulo. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (c. 1780-c.1830). Tese (Livre Docência) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012., pp. 155-172). Para Perez, serviam como a projeção do futuro do Brasil: a guerra civil e o governo despótico. O que se presenciou na capitania da Venezuela, a partir do colapso da Primeira República (1811-1812), e em Buenos Aires, com o Primeiro Triunvirato (1811-1812), foram a guerra civil e os governos autoritários (Adelman, 2006ADELMAN, Jeremy. Sovereignty and Revolution in the Iberian Atlantic. Princeton: Princeton University Press, 2006., pp. 258-307) - aquilo que El Pacífico Oriental de Montevideo indicava como passível de repetição na província Cisplatina após os apelos de pacificação. Tal atitude favoreceria também os portugueses, que não sofreriam as mesmas consequências que os espanhóis na América e na Europa padeciam: “Feliz a América toda se o Brasil se constitui sem efusão de sangue, não verá seus filhos se despedaçarem, nem verá a guerra se perpetuar”31 31 Do original: “Feliz la América toda se el Brasil se constituye sin efusión de sangre, no verá despedazarse à sus hijos, ni vera perpetuarse la guerra” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevideo, n. 11, 1822EL PACÍFICO ORIENTAL DE MONTEVIDEO, Montevideo, n. 11, 2 mar. 1822.).

CONCLUSÃO

Diante das incertezas e das rápidas transformações, o conceito de independência, ao lado de termos correlatos e de metáforas como emancipação, foi mobilizado com frequência na imprensa Cisplatina. Inicialmente, o vocábulo era relacionado à autonomia e unidade; à independência de um corpo político em relação a outro. O objetivo era destacar que o Brasil já era autônomo em relação a Portugal, diluindo-se a necessidade de separação. Com o avanço dos eventos e a percepção da quase inevitabilidade da independência, os exemplos de outros espaços da América portuguesa e do continente americano eram utilizados para se atribuir negatividade à possibilidade de ruptura entre Brasil e Portugal. A aversão ao modelo republicano era temida e vista com desconfiança pelos agentes locais, ao passo que a monarquia representava estabilidade e manutenção do status quo. Essa discussão pautava a maior preocupação da imprensa: o futuro da província Cisplatina no Brasil. Afinal, como Francisco de Paula Perez resumiu, não haveria “essa odiosa questão caso não tivéssemos que participar de seus bons ou maus resultados”32 32 Do original: “esa odiosa cuestión si no tuviésemos que participar de sus buenos o malos resultados” (T. A.). (El Pacífico Oriental de Montevidéu, n. 10, 1822).

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  • ZUBIZARRETA, Ignacio. Unitarios. História de la Facción política que diseño la Argentina Moderna. Buenos Aires: Sudamericana, 2014.
  • 1
    Essa pesquisa conta com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo n. 2021/01011-2.
  • 2
    Do original: “el abuso que se ha hecho de las palabras”, “las revoluciones adoptan su dialecto peculiar”. Tradução do autor (T. A.).
  • 3
    Carlos Frederico Lecor subverteu as ordens e manipulou a escolha dos representantes para que seu grupo de apoio na região fosse escolhido e, assim, votasse a favor da permanência (Alonso Eloy, 1970ALONSO ELOY, Rosa et al. La oligarquía Oriental en la Cisplatina. Montevideo: Edic. Pueblos Unidos, 1970.; Ferreira, 2007FERREIRA, Fábio. O general Lecor e as articulações políticas para a criação da Província Cisplatina: 1820-1822. Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007.).
  • 4
    Em texto publicado nessa coletânea, A. John Russel Wood argumenta que os portos brasileiros possuíam mais diferenças entre si que os demais do continente, no entanto, mantinham o padrão de compartilhamento (Russel Wood, 2014RUSSEL WOOD, A. J. R. Portos do Brasil colonial. In: RUSSEL WOOD, A. J. R.; DOMINGUES, Ângela; MOURA, Denise Soares de (Eds.). Histórias do Atlântico português. São Paulo: Editora UNESP, 2014. , pp. 125-176).
  • 5
    O neologismo “recolonização”, e expressões como “restabelecer o sistema colonial”, são encontrados nos registros oficiais em relação aos trabalhos constituintes a partir do início de 1822. Tendo como objetivo fortalecer o governo de D. Pedro, tais vocábulos eram empregados quando sua oposição ao governo de Lisboa já era concreta. Ainda no século XIX, foram absorvidos, por parte da historiografia, como causas fundamentais da independência brasileira. A este respeito, ver Berbel, 2005BERBEL, Márcia Regina. A retórica da recolonização. In: JANCSÓ, István (Org.). Independência: história e historiografia. 1ª Ed. São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2005. pp. 791-808., pp. 791-808 e Penalves Rocha, 2009PENALVES ROCHA, Antonio. A recolonização do Brasil pelas Cortes: história de uma invenção historiográfica. São Paulo: UNESP, 2009., pp. 15-45.
  • 6
    No original: “nuestras bellas y florecientes provincias reducidas en fin al miserable estado de colonia”, “encendieron en el ánimo de los brasileros el amortiguado fuego de la libertad” (T. A.).
  • 7
    Do original: “Se nota grande descontento e en los portugueses americanos, y esto bastará para abreviar la separación que la naturaleza de las cosas y la política debía preservar” (T. A.).
  • 8
    Do original: “El Brasil tiene derecho para todo lo que intenta, pero quizás no ha llegado el tiempo, no basta el que haya algunas almas escogidas y petrificadas con sentimientos de Libertad, es necesario que estos sean generales a todo brasileiro; de lo contrario quedan expuestos à los ataques de la intriga y de la ambición, al impulso de lo superstición y fanatismo” (T. A.).
  • 9
    No original: “independencia constituía uno de medios más comunes de alcanzar una unidad política superior a través de la integración de varias comunidades perfectas menores. La independencia se ponía en esos casos al servicio de la unión” (T. A.).
  • 10
    Do original: “No solo quiere que se acceda à las justas reclamaciones de aquel poderoso territorio, sino que indica senderos más que seguros para labrar su libertad justamente apetecida. Demuestra prolijamente el origen de las dos leyes que han causado tanto sobrecogimiento, culpando à los brasileiros por la morosidad que han observado en asunto de tanta importancia, al paso que los invitan a estrechar su unión con la madre patria no por medios de esa odiosa dependencia” (T. A).
  • 11
    Do original: “el sentido de independencia que esgrimían los americanos, elaborados desde una perspectiva iusnaturalista, estaba vinculada a la paridad de la representación, en el sentido de que un Pueblo no domina a otro, a una parte de la soberanía a la otra parte” (T. A.).
  • 12
    Do original: “No abrigamos en nuestro corazón otra idea que la de felicidad, y acierto de todos los pueblos que intenten su emancipación. [Porém,] recobramos y persistimos en que para elevarse la América portuguesa al alto grado de poder y de grandeza que la naturaleza la ha destinado es suficiente seguir las reglas de aquella legisladora [Cortes de Lisboa]; ella presentará el tiempo y lo que es más importante, la ocasión para mostrar al universo el más hermoso espectáculo hijo de la libertad” (T. A.)
  • 13
    Do original: “Si el Brasil con su separación o mejor con su independencia iniciase el reino de la paz, del orden y de la libertad, no solo debemos aconsejar la realice, mas también ayudarle para su más pronta consecución; más como entre desear y practicar hay una inmensísima distancia, los hombres sensatos del Brasil o los ciudadanos interesados en su felicidad parece que no mirarán como conveniente la separación en la actualidad. Aunque con la mansión del soberano haya conocido el Brasil las ventajas de la independencia, con ella no ha adquirido todos los elementos necesarios para construir un gobierno solido” (T. A.).
  • 14
    Do original: “España y Portugal que a pesar de su nulidad y abatimiento lucharon por su independencia y brillaron sobre el grande teatro” (T. A.).
  • 15
    Do original: “Vencidas las primeras dificultades, y desenvuelta la ambición común a todo mortal, es que comienzan a sentirse los males que necesariamente nacen, cuando los pueblos aspirantes sin más virtudes que su ignorancia pretenden colocarse en tan alto destino. No bastan los pocos ciudadanos probos, elocuentes y sabios para detener el impetuoso curso de las pasiones, cada uno se cree suficiente para dirigirlas, y de su choque resulta el peor estado de la sociedad, las facciones. Se excitan los furores de la injusticia, se derrama la sangre, se consume el Estado, se suscitan las guerras extranjeras y lo más sensible las civiles, todo siempre à nombre de la libertad” (T. A.)
  • 16
    Do original: “¿Son todas sus partes homogéneas para formar ese grande todo?” (T. A.).
  • 17
    Do original: “No deben temer los portugueses las decantadas ideas de independencia que se alegan, sino la ausencia de un centro común que dé movimiento y vida a tan basta como complicada máquina” (T. A.).
  • 18
    Do original: “Cualquiera que sea el gobierno que se trate de establecer, el carácter que ha de contribuir a su formación debe ser connatural a todos los brasilienses, con el completo sometimiento a todas las desgracias y fatalidades que necesariamente han de nacer de su empeño” (T. A.).
  • 19
    Do original: “son palpables sus domésticas diferencias y también sus fatales divisiones, por documentos oficiales nos consta que no reina en todas las provincias esa unión, base poderosa de las naciones libres, la Bahía y Pernambuco son dirigidas por la total desconfianza; que todas apetecen la libertad sin convenir en los medios para adquirirla. Prueba evidente de estas observaciones es que solo han reclamado contra las leyes dictadas por las cortes, el Janeiro, San Pablo, y el Rio Grande (T. A.)”.
  • 20
    Do original: “tratar de la Bahía, deben convenir que las actuales disidencias de unos pueblos del Brasil con otros interesan la curiosidad y no son insignificantes para el giro de las especulaciones mercantiles” (T. A.).
  • 21
    Do original: “La Bahía que imitando a la madre patria proclamo enérgicamente su libertad ha padecido ya los horrores de la guerra civil o de los partidos”; “ocurrir a las armas cuando ya no existe otro remedio, es justo y legítimo, pero sostener con ellas nuestras pretensiones, es lo más ilegítimo, y la razón de los poderes arbitrarios” (T. A.).
  • 22
    Do original: “Pernambuco presenta también aspecto desagradable, varios acontecimientos que si no se contienen en su origen tendrá igual las consecuencias que en la Bahía” (T. A.).
  • 23
    Do original: “El Brasil que en el ano de [1]817 vio apáticamente despedazar una de sus provincias por el Tirano Arcos cuya proclama es el monumento del refinado despotismo que aquellos infelices sufrían, que vio ejercitar crueldades de todo tamaño solo porque Pernambuco quiso aligerar sus cadenas, que en fin dio lograr à que los filósofos como el célebre señor Pradt defendiese su causa y anunciase lo que va sucediendo” (T. A.).
  • 24
    Do original: “Sin disentir en los principios de su libertad las provincias, parece que convendrán en unirse con su madre; Pernambuco, acaba de dar una prueba la más brillante de esta verdad y muchos escritores nacionales la predican como necesaria a los intereses de los americanos; nuestros votos son por la libertad, de todo el universo, pero con la menos efusión posible de sangre” (T. A.).
  • 25
    O fenômeno do caudilhismo é complexo e fundamental para compreender os governos autoritários no continente americano durante o processo de independência (Goldman; Salvatore, 2005GOLDMAN, Noemí; SALVATORE, Ricardo Donato (Comps.). Caudillismos Rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Eudeba, 2005., pp. 7-30).
  • 26
    Do original: “una ligera mirada sobre la historia de los americanos del Norte; y una muy detenida sobre Caracas; y las Provincias Unidas [do Rio da Prata]” (T. A.).
  • 27
    Do original: “La humanidad ha ganado, porque cesara de aligérese, y el Brasil ha encontrado la brújula para encaminar la nave de sus procedimientos al puerto deseado de la libertad. Sin temeridad podremos asegurar y, que la América toda va à erigirse libre para avergonzar a las demás naciones y decirles que aunque sin ilustración ha sabido aprovecharse de sus reveces y de sus prosperidades para su anhelado objeto” (T. A.).
  • 28
    Do original: “probar aquella necesidad con la historia de Norte América es trastornar todo el orden de os sucesos: es inútil y pesado detenerse en demostrar que además de la numerosa marina, vastísimo comercio y floreciente agricultura, los Estados Unidos patentizaron su poder en la última guerra con la Gran Bretaña. Se muestra mediante un cálculo regular; Es evidente, por lo tanto, que los estadounidenses no solo satisfacen su espíritu revolucionario declarando su independencia y manteniéndola; más bien obedecieron a lo que exigían sus circunstancias y su carácter político” (T. A.).
  • 29
    Do original: “La marcha de este reino se apresura a un camino feliz: el tiene la fortuna de mirar à cabeza de su revolución un jefe - el heredero mismo de la corona; goza de la ventaja de mirar de cerca el cuadro original de las desgracias que causa la anarquía” (T. A.).
  • 30
    Do original: “El Brasil ha entrado en esta carrera, como todos los pueblos en su caso; rodeado de abrojos y de espinas. Es verdad que en la que él llama América española, los horrores de la revolución se han dejado entrever con demasía, pero él se olvida que las tres cuartas partes al menos de estas calamidades, se han fomentado por mismos medios y han salido del mismo muro en que él se anida para introducirlas al Brasil” (T. A.).
  • 31
    Do original: “Feliz la América toda se el Brasil se constituye sin efusión de sangre, no verá despedazarse à sus hijos, ni vera perpetuarse la guerra” (T. A.).
  • 32
    Do original: “esa odiosa cuestión si no tuviésemos que participar de sus buenos o malos resultados” (T. A.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2021
  • Aceito
    02 Nov 2021
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