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Sobre o acesso aberto e as nossas Revistas de História1 1 Agradeço as trocas acadêmicas com Valdei Araújo durante a escrita desse Editorial.

About Open Access and our History Journals

Atualmente, qualquer pessoa que seja editora de uma revista, ou mesmo membro de Conselho Editorial, deve estar às voltas com a discussão dos pressupostos que dialogam com o que hoje chamamos de Ciência Aberta. Em linhas muito gerais, poderíamos defini-la como um movimento que incentiva a transparência na pesquisa, no compartilhamento de dados, no uso de softwares abertos, e mesmo na amplificação da comunicação científica. Apesar das ações por ela inspiradas abrirem muitas possibilidades, nos periódicos científicos as ações costumam se concentrar na discussão acerca da adoção de preprints e da abertura do processo de avaliação, da exposição dos dados de pesquisa, da divulgação científica e da questão do acesso aberto.

Não há dúvida de que este último, amplamente adotado pelas nossas revistas na área de História no Brasil, é, sem dúvida, um dos pontos de defesa de toda nossa comunidade. Mas é fato que o acesso aberto tem sido, segundo Fabiano Corrêa da Silva e Lúcia da Silveira, um movimento pioneiro da comunidade científica para fazer frente aos altos custos cobrados pelos periódicos de maior referência, visto que se formaram verdadeiros oligopólios de editoras no que diz respeito à publicação científica. Ambos destacam as recomendações da iniciativa de Budapest Open Access Initiative (BOAI), que o define como:

Acesso aberto à literatura científica revisada por pares significa a disponibilidade livre na internet, permitindo a qualquer usuário ler, fazer download, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar ou referenciar o texto integral desses artigos, recolhê-los para indexação, introduzi-los como dados em software, ou usá-los para outro qualquer fim legal, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas que não sejam inseparáveis ao próprio acesso a uma conexão à Internet. As únicas restrições de reprodução ou distribuição e o único papel para o direito autoral neste domínio é dar aos autores o controle sobre a integridade do seu trabalho e o direito de ser devidamente reconhecido e citado (Silva; Silveira, 2019SILVA, Fabiano Couto Corrêa da; SILVEIRA, Lúcia da. O ecossistema da Ciência Aberta. TransInformação, Campinas, v. 31, pp. 1-13, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/tinf/a/dJ89vRg94Qxtf6Y7M49Hztr/?lang=pt . Acesso em: 12 mai. 2023.
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, p. 4).

Como apontado, nossa cultura acadêmica defende o acesso aberto, mas igualmente que não haja custos aos autores para a publicação de resultados científicos - o que costuma ser recorrente em periódicos mais reconhecidos de outras áreas, sobretudo fora do Brasil, como as das “ciências duras”. Nestas, o temor injustificado de que implementar o acesso aberto poderia significar a perda da autoria revela uma cultura muito distante da nossa efetivamente. Nesse sentido, estamos em sintonia com grande parte dos periódicos na América Latina, onde é majoritária a publicação de revistas científicas por universidades públicas, criadas dentro da defesa do acesso aberto. Até aí nenhum problema, ao contrário. Nossos dilemas se iniciam quando a valorização de nosso trabalho editorial, das próprias revistas, se dá tendo em vista aquelas que têm padrão internacional, mantida por editoras privadas. Cremos que aí cabe a pergunta: afinal, quem paga os custos do Acesso Aberto?

Nossa resposta é que a universidade e os órgãos de fomento à pesquisa precisam ter um papel ativo no fomento dessas publicações. Na última década, produzir um periódico científico tem sido muito mais custoso do que se imagina. Para além do trabalho de revisão e editoração, há o técnico, de manter em funcionamento a página do periódico, de operar nas plataformas digitais em que os mesmos estão alocados para controle de todo fluxo, de atualizar periodicamente os indexadores, de realizar a marcação XML (para aqueles estão indexados na SciELO), e, sobretudo hoje, de cuidar da divulgação dos periódicos, inclusive nos meios digitais. O que implica uma maior complexidade no trabalho dos envolvidos se compararmos com aquele despendido quando da revista impressa.

Faz-se necessário igualmente defender que as medidas de avaliação feitas por pesquisadores e instituições de pesquisa e fomento tenham em mente nossa realidade. As revistas de História que não adotam o modelo de Open Acess e são mantidas por iniciativas privadas, sobretudo do hemisfério norte, possuem uma estrutura de sustentabilidade incomparável com as que dependem de universidades públicas. Criar um padrão de revistas que se baseie nas mais proeminentes revistas internacionais do campo, as quais terminam sendo poucas, é reiterar uma condição periférica à nossa produção editorial.

Enquanto as agências brasileiras defendem e aderem ao conceito de Ciência Aberta, o financiamento público dos periódicos científicos vem sendo reduzido e conta com recursos ínfimos investidos em poucas revistas nacionais. Paradoxalmente, a Capes e o governo brasileiro financiam o sistema de acesso fechado e cobrado das grandes empresas do setor, como a Elsevier. Em 2022, a Capes aportou cerca de 500 milhões de reais no Portal de Periódicos (Orçamento, 2023ORÇAMENTO - Evolução em reais. 19 jan. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/orcamento-evolucao-em-reais#P . Acesso em: 12 mai. 2023.
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), que, sob o pretexto de garantir o acesso de pesquisadores brasileiros aos artigos publicados em periódicos pagos, contribui para financiar as mesmas empresas internacionais que lucram com um sistema completamente adverso ao conceito de Ciência Aberta.

O Fórum de Editores da ANPUH teve um papel importante nesse sentido, ao indicar para a área o uso do Índice h (Google Scholar e do Publish or Perish) para avaliação dos periódicos da área de História (o documentoSOUSA, Marcos Eduardo de. Parecer ao Fórum de Editores da área de história - n. 01/2019. 2019. Disponível em: Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://anpuh.org.br/images/ANPUH/Forum%20de%20Editores/Parecer_2019_01.pdf . Acesso em: 15 mai. 2023.
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que o subsidiou pode ser visto em https://anpuh.org.br/images/ANPUH/Forum%20de%20Editores/Parecer_2019_01.pdf). Diante da inevitabilidade da área ter que escolher um índice bibliométrico para a avaliação, o documento indicou uma ferramenta menos restritiva se comparada com outras que valorizam as grandes empresas citadas acima. Ação que teve um efeito na valorização de nossas Revistas na Capes, mesmo que não resolva outros problemas da avaliação por nós igualmente já apontados (Slemian; Franco, 2022SLEMIAN, Andréa; FRANCO, Renato. É possível pensar em uma nova política editorial para as Revistas na área de História? Revista Brasileira de História, v. 42, n. 91, pp. 7-14, set.-dez. 2022.). Exemplo de como nossa comunidade pode agir estrategicamente para a valorização de nossas revistas, para além de seguirmos, sempre, na batalha pelo seu justo financiamento como um bem público fundamental para a divulgação do conhecimento histórico que produzimos.

Nesse sentido, temos a satisfação de apresentar nesta edição da RBH, além dos tradicionais artigos e resenhas, o dossiê Crítica anticolonial no império português: perspectivas culturais e políticas. Concebido por Adelaide Vieira Machado (CHAM/Universidade Nova de Lisboa), Helder Garmes (USP) e Marcello Felisberto Morais de Assunção (UFRGS), ele possui oito artigos, além do introdutório, que trata do estado da arte da questão, assinado pelas pessoas organizadoras. Um tema central no debate da historiografia hoje, praticamente inédito no seu recorte, nos dossiês de nossas revistas do campo no Brasil, ainda mais tendo em conta sua perspectiva altamente interdisciplinar.

Boa leitura!

REFERÊNCIAS

  • 1
    Agradeço as trocas acadêmicas com Valdei Araújo durante a escrita desse Editorial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023
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