Acessibilidade / Reportar erro

Crítica Anticolonial no Império Português: perspectivas culturais e políticas

Anticolonial Criticism in the Portuguese Empire: Cultural and Political Perspectives

O presente texto parte de uma definição ampla de crítica anticolonial que toma por base o direito de emancipação dos povos (cultural, política, econômica, dentre outras) no âmbito da mundialização promovida pelo expansionismo europeu a partir do século XV, focalizando a produção em língua portuguesa gerada no âmbito do império português. Visa a contemplar a produção historiográfica cultural, assim como aquela de crítica literária desse universo, na medida em que ambas se complementam.

Se é verdade que muito da reflexão teórica sobre o anticolonialismo no âmbito do império português é devedora, na atualidade, de formulações oriundas de meios intelectuais de outros espaços coloniais e linguísticos, preponderando o britânico, o francês e o norte-americano, e, mais recentemente, o asiático e o africano, também é verdade que a aplicação de tais teorias aos domínios coloniais portugueses sofreu e sofre ajustes, revelando aspectos peculiares que precisam ser pensados a partir da realidade desse espaço. Além disso, é preciso ter em conta o fato de que, no Brasil e nos países que tiveram origem na chamada América Hispânica, o início do período pós-colonial, em seu sentido estritamente político, remonta ao primeiro quartel do século XIX, o que gerou a necessidade de afirmar identidades distintas da europeia. No Brasil, por exemplo, no campo da literatura e da cultura, tal demanda resultou no movimento indianista romântico oitocentista, no Manifesto Antropofágico (1928ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano I, n. 1, pp. 3-7, 1928.) modernista de Oswald de Andrade, assim como no lusotropicalismo de Gilberto Freyre (1953FREYRE, Gilberto. Aventura e rotina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.) de meados do século XX, para ficar nas interpretações e proposições mais difundidas, que dialogam e/ou se antagonizam com a herança colonial, assim como o conceito de transculturação, no campo da etnografia, do cubano Fernando Ortiz (1940)ORTIZ FERNÁNDEZ, Fernando. Contrapunteo Cubano del Tabaco y el Azúcar. La Habana: Ciencias Sociales, 1940., transplantado para a crítica literária pelo uruguaio Ángel Rama (1974RAMA, Á. Los procesos de transculturación en la narrativa latinoamericana. Venezuela: Universidad Central de Venezuela, 1974.), dentre outras formulações oriundas da América Latina.

Em termos conceituais, a definição de crítica anticolonial tem necessariamente de ter em conta sua dimensão temporal, os atos e discursos que constituem seu objeto e o enfoque pelo qual esse objeto historicamente situado é criticado. Enquanto conceito alargado, tem como funcionalidade promover oposições e resistências aos poderes colonial e imperial, assim como se encontra ligada aos movimentos de (re)construção de identidades culturais, sociais e políticas. Neste enquadramento, tal crítica reclama a igualdade e a autodeterminação dos povos e traduz uma perspectiva política que tem por horizonte o fim do colonialismo1 1 Samir Amin, por exemplo, define os fundamentos do anticolonialismo do seguinte modo: “La ideología y la postura política del anticolonialismo se fundamentan en el reconocimiento del derecho de todos los pueblos a disponer de un Estado independiente que, sobre la base de una igualdad de derechos con los demás, participe del sistema estatal. Este derecho es nuevo: en 1945, cuando se funda la ONU, se lo proclama por primera vez como derecho universal. Su reconocimiento supone identificar - entre los actores de la historia que están en condiciones de expresar una voluntad común - unidades de diferente naturaleza, caracterizadas como naciones, etnias, pueblos, etc.” (Amin, 2021, p. 207). .

Independente do lugar de enunciação, um dos traços em comum do anticolonialismo na atualidade é a constatação de que a independência política não implica independência cultural, econômica, epistemológica, dentre outras. Daí a necessidade de lidar com as heranças e permanências do colonialismo no contexto das novas nações depois do fim dos impérios coloniais. Do amálgama colonial, que une tradições distintas, resulta uma grande diversidade de geografias políticas, sociais e culturais que vão muito além das fronteiras da geografia física.

Quando situado historicamente, o anticolonialismo, enquanto movimento teórico e de práxis de libertação, tem, no século XX, o seu apogeu entre o início do século XX e a Conferência de Bandung, na Indonésia, em 1955, culminando nas lutas de libertação que resultaram na independência das colônias africanas ainda na década de 1950 e nas de 1960 e 70. Todavia, enquanto formulação crítica da realidade, não está limitada ao chamado período colonial, gerando o conceito de pós-colonialidade, que, de forma bastante polêmica, como observa Rita Chaves no artigo “A literatura e o império lusitano: silêncio e palavra em tempos de exceção”, tem pautado o debate na atualidade em torno do anticolonialismo. De toda forma, conclui-se que a funcionalidade do conceito de anticolonialismo e a sua diversidade enquanto ideia e lugar na história devem ser estudadas de forma prospectiva no debate atual. Tendo isso em vista, vejamos como o anticolonialismo foi agenciado por conceitos mais alargados, como os de pós-colonial e decolonial.

ANTICOLONIAL, PÓS-COLONIAL E DECOLONIAL

Fazendo parte da genealogia do pós-colonialismo, o anticolonialismo tem sido revisitado e a sua história repensada à luz de diversas perspectivas que conceituam a contemporaneidade. Segundo David Scott, que nas últimas décadas atualizou o que considera o momento pós-colonial, houve a necessidade de revisitar de forma teoricamente complexa o anticolonialismo na sua leitura da história e colocar novas questões em busca da compreensão da pós-colonialidade. Em outras palavras, focaliza-se a reflexão acerca dos resultados frustrados na concretização do programa anticolonial dos movimentos que lutaram pela libertação do jugo colonial de diversos povos no caminho da autodeterminação. Questionando-se diretamente as razões porque falharam na realização dos ideais de libertação, Scott, como veremos adiante, aponta caminhos para uma leitura crítica das narrativas de libertação e uma abertura do debate aprofundado da problemática cultural e política nos espaços pós-coloniais (Scott, 2004SCOTT, David. Conscripts of Modernity: The Tragedy of Colonial Enlightenment. Duke University Press, 2004.).

Recuando para avançar na genealogia da crítica anticolonial, seguimos para os fundamentos teóricos do emprego do termo “anticolonial” e nos deparamos com Frantz Fanon e Os condenados da terra (1974), livro que, ao desmontar os mecanismos de opressão do colonizador, aplica o aparato metodológico marxista e da psiquiatria ao colonialismo, desnudando a dialética entre capitalismo e racismo (Faustino, 2018FAUSTINO, Deivison Mendes. Frantz Fanon: capitalismo, racismo e a sociogênese do colonialismo. SER Social, Brasília, v. 20, n. 42, pp. 148-163, jan.-jun., 2018.). Cruza a práxis revolucionária com a luta contra o racismo e o colonialismo e, desse modo, defende que a superação da condição do oprimido seria alcançada pela revolução no plano social e pela conquista da igualdade, do passado se faria tábula rasa.

Em diálogo com os estudos subalternos, Homi Bhabha parte criticamente de Fanon e do Orientalism (1987SAID, Edward. Orientalism. London: Penguin Books, 1987.), de Edward W. Said, lido por Spivak (1999SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge; London: Harvard University Press, 1999.), para defender que nem todo poder e discurso estavam sob o controle do colonizador. Situa-se no campo amplo da cultura para complexificar o binarismo dialógico entre colonizador e colonizado e, nesse enquadramento, parte da diferença de culturas que se encontravam, criando um novo espaço cultural e político resultante desse encontro, no qual o hibridismo impera. Ninguém sairia da relação colonizador/colonizado como entrou, e teria sido a partir desse espaço partilhado de forma desigual, em vista da violência exercida por parte do colonizador, que novas formas de identificação e identidade seriam imaginadas e forjadas. Esse processo de identificação e de redescoberta de identidades é o que formaria um lugar de negociação e permuta entre as várias camadas de intervenientes na esfera pública colonial.

Mais recentemente, Leela Gandhi lembra que a moderna conceitualização de termos correntes no pensamento político contemporâneo, como democracia, liberalismo, imperialismo, emancipação, independência, dentre outras, é devedora do encontro colonial nos continentes africano, asiático e americano, e da luta anticolonial que suscitou.

The global disposition of democracy, as an affect or attitude of infinite inclusivity or as predicating the interconnection of self and the world, was intensified by an ethical turn in the transnational scene of early twentieth-century political thought, itself born of colonial encounter (Gandhi, 2014GANDHI, Leela. The Common Cause: Postcolonial Ethics and the Practice of Democracy, 1900-1955. Chicago: The University of Chicago Press, 2014.).

Temos, assim, várias leituras do anticolonialismo por meio dos que viveram essas lutas e as ultrapassaram no tempo, e daqueles que sentiram o momento pós-colonial como uma necessidade de repensar o caminho feito a partir das independências. Na verdade, se os problemas levantados por Fanon se mantêm atuais, revisitá-lo torna-se obrigatório, sobretudo quando queremos chegar a formular as novas questões que o mundo mundializado nos coloca. Mbembe, ao refletir sobre a contemporaneidade, ecoa ideias de Fanon, ao observar que:

Colonial occupation itself was a matter of seizing, delimiting, and asserting control over a physical geographical area - of writing on the ground a new set of social and spatial relations. The writing of new spatial relations (territorialization) was, ultimately, tantamount to the production of boundaries and hierarchies, zones and enclaves; the subversion of existing property arrangements; the classification of people according to different categories; resource extraction; and, finally, the manufacturing of a large reservoir of cultural imaginaries. These imaginaries gave meaning to the enactment of differential rights to differing categories of people for different purposes within the same space; in brief, the exercise of sovereignty. Space was therefore the raw material of sovereignty and the violence it carried with it. Sovereignty meant occupation, and occupation meant relegating the colonized into a third zone between subjecthood and objecthood (Mbembe, 2003MBEMBE, Achille. Necropolitics. Public Culture, v. 15, issue 1, pp. 11-40, 2003.).

Segundo a leitura de Sanjay Seth, em uma interpretação da obra de Chatterjee (1986CHATTERJEE, Partha. Nationalist Thought and the Colonial World: A Derivative Discourse? Deli: Oxford University Press, 1986.), a ideia de nacionalismo anticolonial é central no discurso e na historiografia pós-coloniais. A definição de nacionalismo está especialmente corporizada em ideias, consciência e discurso, mas certamente essas ideias existem em contextos sociais e são incorporadas em movimentos, partidos e tudo o mais, e muitas vezes avançam pari passu com transformações nas instituições e nas práticas econômicas e sociais.

O nacionalismo anticolonial dividiu o mundo social em dois domínios, o material e o espiritual, o “exterior” e o “interior”. O material era o domínio das instituições e das práticas que possibilitaram ao Ocidente conquistar e colonizar - incluindo a ciência e a tecnologia, a economia e a política estatal - e estas tinham de ser imitadas se o colonizador tinha de ser derrubado. O domínio “espiritual” ou “interior” - que incluía a linguagem e a literatura, a música, o teatro e as artes, as relações familiares e de género - era onde a essência de uma identidade cultural declaradamente residia, e aqui não deveria existir imitação (Seth, 2018SETH, Sanjay. Pós-colonialismo e a história do nacionalismo anticolonial. Práticas da História , n. 7, pp. 45-75, 2018., p. 64).

Longe da essencialização das dicotomias que distinguem colonizado e colonizador, encontramos Fredrick Cooper que, no seu trabalho sobre os enquadramentos e contextos imperiais, nos dá a exata medida da funcionalidade dessas ideias, isto é, como pontos de partida para a desconstrução/explicação da realidade.

Os binários colonizador/colonizado, ocidente/não-ocidente e dominação/resistência são mecanismos úteis para iniciar o estudo de questões de poder, mas acabam limitando a pesquisa sobre a forma exata pela qual o poder é difundido e as formas como esse poder é engajado, contestado, desviado e apropriado […]. Essa tendência abriu a oportunidade de observar o quanto as colônias estavam profundamente entrelaçadas com o que era considerado europeu, e o quanto era ilusório e difícil policiar a fronteira entre colonizadores e colonizados (Cooper, 2008COOPER, Frederick. Conflito e conexão: repensando a História Colonial da África. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27. pp. 21-73, jul. 2008., pp. 34-35).

Se é certo que Frantz Fanon e, por sua via, também Michel Foucault, com sua Folie et Déraison (1961) e Surveiller et Punir: Naissance de la prison (1975), para ficar apenas nesses dois títulos, são figuras tutelares do atual estado da arte quanto à reflexão acerca do anticolonialismo e de sua releitura pós-colonial, não podemos deixar de concluir, voltando a David Scott, que “[…] o colapso do estilo soviético de comunismo e a ressurgência do neoliberalismo altera o contexto cognitivo-político em que a crítica pós-colonial pode operar e, portanto, as próprias demandas que mobilizam a crítica” (Scott, 1999SCOTT, David. Refashioning futures: Criticism after Poscoloniality. Princeton: Princeton University Press, 1999., p. 136). Como referido, ao redirecionar o inquérito sobre o anti e pós-colonialismo para o que não correu como o esperado, Scott pretende encontrar a forma e as condições para uma reflexão crítica adequada ao momento atual. No seu livro Conscripts of Modernity, de 2004, partindo da experiência pioneira da independência no Haiti, contada na obra de 1938 de C. R. L. JamesJAMES, C. L. R. The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution. UK: Secker & Warburg Ltd., 1938., The Black Jacobins, Scott questiona a forma como a narrativa dessa experiência se fez a partir de sua relação com o momento do Haiti independente, concluindo, por isso, que é altura de narrar a relação do passado com o presente de forma diferente, evidenciando novos aspectos e, neste caso, não o romance da libertação, mas a tragédia que se seguiu. Tragédia enquanto ruptura dramática, mas também enquanto possibilidade futura.

Entretanto, este debate do pós-colonial, mais centrado em questões levantadas no universo anglo-saxão e em língua inglesa, tem sido apropriado de uma maneira um tanto que distinta no espaço latino-americano e caribenho de língua espanhola e portuguesa. Isso se deve em grande medida à condição específica de países marcados pelo colonialismo em um passado político já distante, mas que se mantém com raízes fortíssimas no tempo presente.

Em razão desse fato, o debate sobre onde começa e termina o “pós-colonial” remonta aos primórdios do Estado-Nação. Não é arbitrário que, por aqui, a moda pós-colonial não tenha surtido tanto efeito quanto o debate em torno da teoria decolonial. Nas fronteiras borradas do “pós” e do “colonial”, intelectuais de várias disciplinas buscaram demonstrar as permanências da dependência econômica, política e cultural em uma vasta genealogia de autores de diversas correntes teóricas (cepalinos, marxistas, teoria da dependência etc.).

A teoria decolonial encontra-se na encruzilhada crítica dessas várias correntes latino-americanas que buscaram explicar a permanência do colonialismo mesmo após a independência política em relação às respectivas metrópoles. Aníbal Quijano foi aquele que construiu, por meio destas várias obras, o arcabouço teórico e epistêmico mais notório para pensar as permanências do colonialismo, a partir da categoria de “colonialidade do poder”.

Hoje, o termo, já bastante desgastado, tem sido usado para quase tudo, perdendo sua origem crítica: a conexão indissociável e dialética entre racismo, colonialismo e capitalismo. Quijano não inventou a roda, visto que há um vasto repertório crítico de autores de diversas origens, em especial afro-caribenhos2 2 Para Michel Rolph Trouillot (2016), a revolução haitiana produz um forte impacto enquanto ruptura epistêmica frente ao racismo/colonialismo na formação intelectual dos afrocaribenhos, o que pode ser constatado na própria contribuição da diáspora em formulações que irão ser centrais para desconstruir os constructos ideológicos do colonialismo/ imperialismo. Sobre a temática, ver também Mattos (2019). , que buscaram perscrutar sistematicamente as conexões entre esses três fenômenos sociais ainda bastante antes da descolonização promovida no pós-guerra. Eric Williams, C. L. R. James, Aimé Césaire, George Pademore, dentre tantos outros, foram fundamentais para perscrutar a indissociabilidade entre o diagnóstico crítico que intersecciona capitalismo/colonialismo/racismo e formas de organização/solidariedades anticoloniais.

A crítica anticolonial (pós-colonial, decolonial ou contracolonial3 3 “Contra-colonização” é uma designação concebida por Antonio Bispo dos Santos, autor do livro Colonização, quilombos: modos e significações (2015), no contexto das lutas dos quilombolas e indígenas por seu direito à existência e a terras diante do estado brasileiro e da mundialização das relações políticas e econômicas. ) no espaço de língua portuguesa ainda é bastante secundarizada no âmbito internacional, não só os seus principais autores e objetos, mas também sua produção historiográfica e de crítica literária. Tal sub-representatividade se deve, em grande parte, à hierarquia do mercado editorial global, em que a língua inglesa tem larga supremacia em relação ao espanhol e ao português, como também a uma geopolítica do conhecimento marcada pelo imperialismo cultural, que hierarquiza saberes por meio de chaves marcadas pela razão neoliberal. Em vista dessa sub-representatividade, importa ressaltar como a crítica anticolonial foi forjada desde os movimentos políticos/culturais no contexto do império português do século XIX até a institucionalização acadêmica mais contemporânea no campo historiográfico e literário.

GÊNESE DA CRÍTICA ANTICOLONIAL NO IMPÉRIO PORTUGUÊS

A emergência da crítica anticolonial no contexto do III Império Português (1825-1975) se dá ao longo de um tenso processo de formação de sociedades civis em meio aos diversos impérios coloniais. O Oitocentos, com a introdução da imprensa e a circulação de ideias liberais (democracia, igualdade, liberdade etc.), foi um momento fundamental para fomentar, em um certo setor das elites políticas nativas, as reivindicações de direitos que iam desde o embate ao racismo mais cotidiano até a busca por ocupar cargos e espaços que eram privilégio das elites brancas metropolitanas.

Por conta dessas interdições de caráter racista, intelectuais racializados produziram, por meio da imprensa, protestos de toda ordem - políticos, intelectuais, epistêmicos -, na busca de confrontar este mundo “cindido em dois”: de um lado, aqueles que detinham poder e humanidade (homens brancos, metropolitanos, mulheres brancas etc.); de outro, os colonizados (negros, indianos, indígenas, etc.), que, ao se humanizarem na luta, acabaram por produzir o que Fanon chamou de um “abalo essencial no mundo” (Fanon, 2022FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022 [1974].). Entretanto, muitas vezes essa forma da crítica anticolonial assume formas ambivalentes entre a crítica propriamente dita e a projeção de integração, sendo que até o pós-guerra essa ambivalência deu o tom a esses movimentos.

Ainda assim, o anticolonialismo pode ser visto, no cenário do império português, para usarmos a expressão de Paul Gilroy, como uma “contracultura da modernidade” (2001), posto que, nesse gesto ambíguo de crítica/assimilação, a elite colonial colocava em xeque a centralidade do suposto sujeito universal branco, masculino e europeu. A ambivalência dessas narrativas primordiais da crítica anticolonial4 4 É importante apontar que havia uma tendência ambivalente no antirracismo afro-estadunidense, que já foi analisada por autores como Paul Gilroy (2012) em intelectuais como Alexander Crummell, Frederick Douglass, Edward Blyden, entre outros. é analisada por Mário Pinto de Andrade como índice da própria complexidade e das contradições do interior desses movimentos protonacionalistas (Andrade, 1997ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997.).

O protonacionalismo produziu, entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do XX, grande diversidade de narrativas ambivalentes na imprensa metropolitana e colonial de língua portuguesa, que se desdobrou em uma consciência nativista dos chamados “filhos da terra” (Andrade, 1997ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997., p. 9). As elites locais de Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné, Goa, Macau e Timor Leste assumiram diferentes posições críticas por meio da prosa polêmica5 5 Em Angola, podemos citar o jornal Cruzeiro do Sul, nos anos 1870, e diversos outros de “filhos da terra”, nos 1880: O Echo de Angola (1881-1883), Pharol do Povo (1883-1885), O Futuro d’Angola (1882-1894), O Desastre (1889-1892). Para uma análise mais detida desta imprensa, ver: Pinto (2019); Santos (2019). , mas que, no limite, não se consubstanciaram em projetos autonomistas. Intelectuais como o goês Bernardo Peres da Silva (1775-1844), o angolano José de Fontes Pereira (1838-1891), o cabo-verdiano Eugénio Tavares (1867-1930), dentre outros, buscavam, de forma bastante ostensiva, a igualdade jurídica, o acesso aos altos cargos e a autonomia administrativa das colônias (Santos, 2019SANTOS, Eduardo Antonio Estevam. Angola entre o passado e o futuro: História , intelectuais e imprensa (1870-1900). Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 212-230, 2019.).

A consciência nativista irá, inclusive, em alguns momentos, invocar a incompetência de um colonialismo que geria, de forma ineficaz, a colônia, impedindo seu progresso. Os anos 1890 foram centrais para a intensificação destas formulações nativistas protonacionalistas, em razão de um processo generalizado de expansão imperialista, com o processo de ocupação efetiva e da mobilização de diversos contingentes militares para dentro das colônias com a definição de suas fronteiras6 6 É importante pontuar que, no geral, essa elite afro-crioula era favorável à repressão dessas campanhas militares contra o chamado “gentio”, visto que estes estabeleciam uma distância dos chamados “boçais”, os “não-assimilados”, e defendiam uma gestão mais moderna e integrada do império, inclusive invocando a possibilidade da gestão por outro Império de mais força como o inglês (Santos, 2019). A autonomia invocada aqui não era a dos projetos de libertação nacional do pós-guerra, mas de reforma do colonialismo e de centralização dessa elite afro-crioula no processo de ocupação/gestão das “províncias” em um sentido federado (Wheeler, 2012). Tal projeto também era, em parte, compartilhado por alguns setores da própria elite branca de colonos, que irão formular o que certo historiador chamou de “nacionalismo euro-africano”. Ver: Pimenta (2005). . No século XX, essa tendência se afirma fortemente, como fica claro, por exemplo, na obra coletiva Voz d’Angola Clamando no Deserto offerecida aos amigos da verdade pelos naturaes7 7 Para uma análise mais aprofundada dessa publicação, ver: Moreno (2014). (1901), ou no periódico editado em Moçambique por João Albasini (1876-1822) e seu irmão José Albasini (1878-1935), intitulado O Africano/O Brado Africano8 8 Sobre a dinâmica associativa de Moçambique, ver: Zamparoni (1988); Neves (2009). , ou ainda, já nas décadas de 1950 e 1960, no Diário de Goa, do médico e político Álvaro da Costa, dentre tantos outros periódicos coloniais que fizeram acirrada crítica à administração colonial.

Ao contrário do que sempre propagou o discurso oficial metropolitano, o Império Português não esteve fora do processo violento de ocupação efetiva, militarização e proletarização forçada denominado por Walter Rodney (2022RODNEY, Walter. Como a Europa subdesenvolveu a África. São Paulo: Boitempo Editorial, 2022.) como o “modo de produção colonial”. Mouzinho de Albuquerque, António Enes e, depois, Norton de Matos e Henrique Galvão irão projetar todo um ideário de modernização em crítica a uma certa letargia secular da metrópole, produzindo projetos que sofreram diversos embates por parte da elite local mercantilista (Torres, 1991TORRES, Adelino. O império português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991.), mas que, ao final, irão secundarizar as elites afro-crioulas do poder que detinham antes da conjuntura do fim do XIX (Wheeler, 2012WHEELER, Douglas L. Portugal em África: uma sociedade colonial em transformação (1880-1930). In: GASPAR, Carlos; PATRIARCA, Fátima; MATOS, Luís Salgado de (Orgs.). Estado, Regimes e Revoluções: Estudos em homenagem a Manuel de Lucena. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2012. pp. 345-362.). Após o Ultimatum de 1890, há um processo de repressão generalizado da imprensa, estabelecendo uma rígida censura9 9 Sobre os efeitos do Ultimatum de 1890 na sociedade civil colonial, ver: Freudenthal (2001); Capela (2010). , como no caso emblemático do assalto ao jornal Arauto Africano (1889-1890) após um artigo crítico de Fontes Pereira intitulado “Partido Colonial”, em 1890 (Freudenthal, 2001FREUDENTHAL, Aida. Voz de Angola em tempo de Ultimato. Estudos Afro-Asiáticos, v. 23, n. 1, pp. 135-169, 2001., p. 158).

O que, como referido, não impede que surjam críticas à administração colonial, assim como denúncias da brutalidade do regime, em casos como o do trabalho escravo nas roças de São Tomé, a exemplo daquela realizada pelo funcionário da ilha de Príncipe, Jerónimo Paiva de Carvalho, no folheto Alma Negra! (1912CARVALHO, Jerónimo de Paiva. Alma negra: Depoimento sobre a questão dos Serviçais de S. Tomé. Porto: Tipografia Progresso, 1912.). Nesta obra há um depoimento sobre a questão do trabalho forçado dos serviçais em São Tomé e Príncipe, o que fez com que o autor fosse processado pelo Estado português. Denúncia que também foi feita no mesmo ano pelo britânico e missionário John Harris, no livro Dawn in Darkest Africa (1912HARRIS, John H. Dawn in Darkest Africa. London: Smith, Elder & Co., 1912.), no capítulo “Portuguese Slavery”. Tais textos fazem parte de um amplo espectro de críticas que já naquela conjuntura denunciavam as barbáries do processo de ocupação efetiva na África, os impostos abusivos, o racismo e a proletarização forçada, desde o Congo à Angola, como no fotojornalismo de Alice Harris (esposa do referido John Harris), nas denúncias de Roger Casement ou mesmo na ficção de Joseph Conrad, em seu famoso livro Coração das Trevas (1889).

Mesmo na metrópole portuguesa, já em meados do século XIX, são publicados vários romances que denunciam os males do colonialismo em suas diversas formas, como a violência, o racismo, a exploração, a corrupção das populações colonizadas, textos muitas vezes concebidos por autores considerados “menores”, oriundos das colônias, como Francisco Luís Gomes, com Os brahamanes (1866), ou por portugueses que vivenciaram largamente o espaço colonial, como José Evaristo de Almeida, com O escravo (1856), ou ainda escritores consagrados no meio literário português, como Camilo Castelo Branco, com O senhor do paço de Ninães (1867). Luciene Marie Pavanelo (2020PAVANELO, Luciene Marie; OLIVEIRA, Paulo Motta (Orgs.). O romance histórico de Camilo Castelo Branco: O Senhor do Paço de Ninães e outros escritos. 1ª Ed. Vol. 1. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2020.), que estuda a representação das conquistas marinhas portuguesa dos séculos XV e XVI na obra de Camilo Castelo Branco, observa que a crítica presente neste romance aparece também em outros, como O olho de vidro (1866) e O regicida (1874), ressaltando a violência empregada pelos portugueses no empreendimento colonial.

Já no final do século XIX, há tanto nomes de peso, como o de Eça de Queirós (1882), que, em artigos para o Diário de Notícias do Rio de Janeiro, denuncia a exploração dissimulada de empreitada civilizatória do colonialismo britânico no Egito (Garmes; Vanzelli, 2017GARMES, Helder; VANZELLI José Carvalho. Eça de Queirós, a China e o Brasil. Itinerários, Araraquara, n. 44, pp. 229-246, jan.-jun. 2017.), assim como nomes totalmente desconhecidos, feito o goês Francisco João da Costa, com o romance Jacob e Dulce - cenas da vida indiana (1896), que critica a imitação canhestra dos costumes europeus por parte das elites goesas, como demonstra João Figueiredo Alves da Cunha (2010CUNHA, João Figueiredo Alves da. Uma leitura crítica de Jacó e Dulce: cenas da vida Indiana à luz do realismo de Eça de Queirós. 2 Vol. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.).

A imprensa nativista nas colônias africanas irá ampliar seu espaço de crítica nas primeiras décadas do século XX - em especial durante o período republicano (1910-1926) -, em associações como o Centro Colonial (1900), o Grêmio Africano de Lourenço Marques (1908), o Africano Club (1909), a Liga dos Interesses Indígenas de S. Tomé e Príncipe (1910), a Associação dos Estudantes Negros (1911), a Liga Guienense (1911), a Liga Ultramarina (1911), a Liga Angolana (1912) e tantas outras organizações que se colocavam nesse espaço ambivalente entre a crítica e a integração ao regime (Andrade, 1997ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997.; Varela; Pereira, 2020VARELA, Pedro; PEREIRA, José Augusto. As origens do movimento negro em Portugal (1911-1933): uma geração pan-africanista e antirracista. Rev. Hist., São Paulo, n. 179, p. 1-36, 2020.). No entanto, é no período entre 1911 e 1933 que percebemos um boom de associações e periódicos, com a afirmação de uma posição pan-africanista e antirracista, ainda que ambivalente e com diversas nuances, buscando defender os direitos da população negra frente à condição de subcidadania que se instituía naquele momento. Nesse período foram publicados onze títulos da imprensa negro-africana na metrópole10 10 Entre os títulos desta imprensa podemos citar: O Negro (1911); A Voz D’África (1912-1913 e 1927-1930); Tribuna D’África (1913 e 1931-1932); O Eco D’África (1914-1915); Portugal Novo (1915); A Nova Pátria (1916-1918); O Protesto Indígena (1921); Correio de África (1921-1923 e 1924); A Mocidade Africana (1930-1932); África Magazine (1932); e África (1931 e 1932-1933). Neste momento também surgiram diversas associações como: Junta de Defesa dos Direitos de África (1912); Liga Africana (1920); Partido Nacional Africano (1921); Cooperativa da Liga Africana (1921); Liga das Mulheres Africanas (1929); Grêmio “Ké-Aflikana” dos Africanos (1929); Movimento Nacionalista Africano (1931). , nos quais essas posições apareciam mescladas a um certo transnacionalismo negro que se materializou em eventos como o III Congresso Pan-africano de 1923, em Lisboa, com participação do próprio W. E. B. Du Bois (Varela; Pereira, 2020VARELA, Pedro; PEREIRA, José Augusto. As origens do movimento negro em Portugal (1911-1933): uma geração pan-africanista e antirracista. Rev. Hist., São Paulo, n. 179, p. 1-36, 2020.).

Nestes jornais, a questão do trabalho forçado nas roças em São Tomé aparecia concomitante à solidariedade internacional contra os linchamentos dos negros estadunidenses no contexto de avanço do supremacismo branco no fim dos anos 1910 e anos 1920, como o conhecido Massacre de Tulsa (1921), amplamente noticiados nessa imprensa. Entretanto, essa posição antirracista internacionalista não levava necessariamente seus agentes a confrontar o colonialismo. O que estava de acordo com a vasta maioria das posições do pan-africanismo e do antirracismo nessa conjuntura, pois somente no pós-guerra é que temos uma posição mais coordenada, ainda que com ambiguidades, em prol do anticolonialismo (Barbosa, 2017).

No entanto, também havia vozes dissonantes como a do jornalista da ilha de Príncipe, Mário Domingues, que já no fim dos anos 1910-20 detinha uma visão de mundo propriamente anticolonial pouco ambivalente em suas formulações. No artigo de Pedro Schacht Pereira “Mário Domingues, Ferreira de Castro e a ‘linha de cor’ nas letras portuguesas”, publicado neste dossiê, o autor perscruta não só essa trajetória crítica de Domingues ao colonialismo, como a repercussão de seu anticolonialismo na sua escrita literária, nos romances O Preto do Charleston (1929), Má raça (1938) e O Menino entre gigantes (1960).

Em Goa havia também alguns intelectuais que já detinham uma postura radicalmente anticolonial nos anos 1920, como é o caso notório de Tristão Bragança Cunha (1891-1958), fundador da primeira associação anticolonial em Goa: o Goa Congress Committee (1928). Cunha possuía diversas conexões com espaços de luta anti-imperialista, como com a League Against Imperialism (1927-1937) e o Pro-India Committee, esboçando análises críticas ao Império Português (e aos imperialismos de forma geral) em artigos no periódico Pracasha - What is Imperialism (1926-1928), The Unity of India (1928) e Nationalism and Elementary Rights (1929). Seus artigos mesclavam certo marxismo-leninista com as posições de Mahatma Gandhi sobre a resistência pela não-violência11 11 Importante destacar que estas posições de T. B. Cunha não estão isoladas de um movimento mais amplo no interior de Goa e de estudantes goeses em Portugal, que reivindicavam, em órgãos bilíngues como o Bharat e o Hindu, uma indianidade goesa por meio da valorização da cultura e das línguas locais (Assunção, 2020a). Para uma análise mais sistemática dessa geração, ver: Lobo (2013). . A relação de Cunha com os primórdios do movimento de libertação indiano no contexto britânico - como a troca de cartas entre ele e o futuro primeiro-ministro Jawaharlal Nehru - é objeto de estudo de Sandra Ataíde Lobo no artigo “Dear Pandit Jawaharlal Nehru: Goa e as fundações do movimento indiano de libertação nacional”, publicado neste dossiê.

O ATO COLONIAL E O RECRUDESCIMENTO DA CRÍTICA ANTICOLONIAL

Nos anos 1930, o Ato Colonial, acirra as tensões, produzindo diversas dissensões por todas as colônias. A antiga ideia de império português formando um todo unitário é abandonada e passa-se, com o Ato Colonial, a conceber duas entidades que se relacionam de forma hierarquizada: a metrópole e, sob ela, os territórios de seu império colonial (Alexandre, 1993ALEXANDRE, Valentim. Ideologia, economia e política: a questão colonial na implantação do Estado Novo. Análise Social, v. XXVIII (123-124), pp. 1117-1136, 1993 (4°-5º).). À ideia de império estava subjacente a de sua imprescindibilidade civilizadora, logo, da sua responsabilidade cultural e política para com suas colônias, o que resultava na definição da nação portuguesa como intrinsecamente colonizadora. À concepção de império como soberania portuguesa em relação aos territórios por eles conquistados desde os primórdios das navegações, justificada pelo direito histórico, juntava-se o império enquanto soberania nacional, e com esta as questões morais e de pertença, das quais se excluíam os “não civilizados”.

A unilateralidade do decreto de Salazar revelava uma cultura política baseada no argumento de autoridade metropolitana. A criação de uma ontologia do povo português com a missão de civilizar e colonizar, juntamente com uma releitura da história dos descobrimentos centrada na heroicidade dos dirigentes portugueses, formou um conjunto que foi trabalhado pelo aparelho de propaganda do Estado e desdobrado pelos programas escolares durante várias gerações (Machado, 2020MACHADO, Adelaide Vieira. A Goan Reading of the Cultural Impact of the Colonial Act: Introducing Intellectuals and Periodic press Through the Anglo-Lusitano of July 7, 1934. Revista de História das Ideias, v. 38, 2a Série, pp. 119-153, 2020.). Utilizando todos os meios de produção intelectual que vemos promovidos e divulgados pela imprensa - os concursos literários sobre a temática colonial, as coleções editoriais como os Cadernos Coloniais, as Exposições como a do Mundo Português em 1940, o curso da Escola superior colonial -, foi sendo construído o ideário imperial (Vieira, 2010VIEIRA, Patrícia I. O império como fetiche no Estado Novo: Feitiço do Império e o sortilégio colonial. Portuguese Cultural Studies, 3, pp. 126-144, 2010.) a que o ideólogo do Estado Novo Alves Azevedo chamou a Mística Imperial.

As colônias portuguesas rapidamente construíram uma rede de resistência a essa nova ordem institucional que atravessou todo o império e obteve vários graus de consciência e, consequentemente, vários níveis de soluções, desde a ideia de autonomias federadas até o desejo de completa independência. Exemplo de uma das frentes dessa rede de contestação é a atuação de Luís Meneses Bragança, que Sandra Ataíde Lobo aborda em seu artigo aqui já referido. Bragança conseguiu desmascarar, no jornal Pracasha, dirigido por Venctexa V. S. R. Sar Dessai, todas as medidas inspiradas no Ato Colonial, que reafirmavam a subalternidade das colônias e dos respectivos nativos face à metrópole e aos metropolitanos, cuja essência para colonizar e civilizar outros foi constitucionalizada como lei. Nas palavras de Bragança:

Confesso que até aqui não lera, artigo por artigo, a nova edição revista do Ato Colonial, tal como foi integrado nisso a que, numa crassa impropriedade, se chamou Constituição e ficava bem o nome de Regimento da ditadura […]. Mas hoje falar “na política liberal portuguesa” vale por puro sarcasmo. A política liberal, matou-a o regime Salazar-Carmona. Confrontar a nossa situação política com a dos nossos vizinhos é fechar os olhos à realidade. Para que se não possa chocar a sensibilidade dos ditadores, ainda nos recusam o direito de manifestar francamente a nossa repulsa pelo Ato Colonial (Pracasha, de 5 de julho de 1933).

O Ato Colonial constitucionalizado também representava, portanto, o fim do espaço de negociação anteriormente permitido entre colonizados e poder colonial em termos locais, criando, em vez disso, uma liderança colonialista encabeçada por marionetes que recebiam ordens diretamente do governo central, a partir de 1933 do próprio ditador, para ser mais exato (Machado, 2021MACHADO, Adelaide Vieira. The Intellectual Biography of Pracasha (1928-1937) as a Contribution to the Cultural Study of Democratic Thought in Goa. E-Journal of Portuguese History, v. 19, n. 1, pp. 101-127, June 2021.).

As redes anticoloniais que surgiram por todo o império durante as décadas de 1930 e 1940 compaginaram-se com o internacionalismo anti-imperialista e socialista e com a Liga Anti-Imperialista (LIA), reunida pela primeira vez em Paris em 1927, com uma agenda pautada na libertação dos povos do capitalismo e do colonialismo. A LIA teve ainda um segundo encontro em Frankfurt, mas se encerrou em 1937. As ligações solidárias afro-asiáticas enquadravam-se nessa rede de lutas anticoloniais que, no período entre guerras, conheceu vários desenvolvimentos.

Após a segunda guerra, a movimentação continuou com novos problemas, apresentando já alguns contextos pós-coloniais que trouxeram novos desafios. É nesse novo contexto que se dão o 5º Congresso Pan-Africano, na Inglaterra, em 1945, e o Congresso dos Povos Euro-Afro-Asiáticos, na França, em 1948. Os eventos de Nova Deli e Bandung, em 1955 (Stolte, 2016STOLTE, Carolien. The “Other” Bandung. Afro-Asian Visions. May 25, 2016. Disponível em: Disponível em: https://medium.com/afro-asian-visions/the-other-bandung-6b3dc-c8e6762 . Acesso em: 2 jun. 2023.
https://medium.com/afro-asian-visions/th...
), marcaram o ápice de um processo de cooperação Afro-asiática, com muitos caminhos que importa ainda levantar no que diz respeito ao império português e à interação das várias redes de oposição e resistência que desencadearam diversos debates em torno da ideia de democracia, com importância reconhecida para a compreensão do mundo pós-colonial. Como resultado desses movimentos, temos várias transversalidades no império português que traduziram um esforço de organização de movimentos anticoloniais.

Um conjunto de iniciativas de ampla envergadura surge, então, no âmbito do espaço colonial português, como o Movimento Anticolonial criado em 1957, a que se seguiu, em 1959, o Comité de Libertação dos Territórios Africanos sob Domínio Português e, em março de 1960, a Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas, que culmina na reunião ocorrida em Casablanca em 18 e 19 de abril de 1961, denominada Conferência das Organizações Nacionais das Colônias Portuguesas, que reuniu o Movimento Pela Libertação de Angola, a União Nacional dos Trabalhadores de Angola, o Partido do Congresso de Goa, o Comité de Libertação de S. Tomé e Príncipe, o Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde e a União Democrática Nacional de Moçambique.

O PÓS-GUERRA: CASA DOS ESTUDANTES DO IMPÉRIO, CENSURA E LUSOTROPICALISMO

No pós-guerra há também uma mudança significativa no cenário político e epistêmico no que tange à relação com os povos colonizados e/ou racializados. O impulsionamento do debate sobre racismo, após as denúncias do holocausto e a constituição da UNESCO, possibilitou vozes dissonantes que, mesmo dentro das metrópoles, produziram leituras menos arraigadas das visões oficiais dos gestores e dos seus intelectuais orgânicos. Claude Lévi-Strauss, Jean-Paul Sartre, Georges Balandier, Aimé Césaire, Frantz Fanon, Albert Memmi e tantos outros produziram obras e intervenções que foram fundamentais para criar um ambiente internacional de embate ao colonialismo no campo intelectual e artístico. Entretanto, essa complexidade epistêmica do debate acerca do colonialismo não começa evidentemente nas academias, mas parte de um movimento generalizado de libertação e autonomização das colônias asiáticas e africanas nessa conjuntura (Reis; Resende, 2019REIS, Raissa Brescia dos; RESENDE, Taciana Almeida Garrido. Bandung, 1955: ponto de encontro global. Esboços: histórias em contextos globais, Santa Catarina, v. 26, n. 42, pp. 309-332, 2019.).

Em diálogo com esse novo contexto, em Portugal e nas colônias há uma série de iniciativas que foram fundamentais para avançar para além das ambivalências que marcaram o primeiro momento da resistência anticolonialista. A Casa dos Estudantes do Império (1944-1965), em Lisboa, foi um marco fundamental para o processo de dissolução da ambiguidade entre a crítica e a integração ao colonialismo, que marca a geração anterior (Mata, 2015MATA, Inocência. A Casa dos Estudantes do Império e o lugar da literatura na consciencialização política. Lisboa: UCCLA, 2015.; Moreno, 2022MORENO, Helena Wakim. Intelectuais de Angola na Casa dos Estudantes do Império: itinerâncias, mediações e redes de apoio (Lisboa, 1944-1965). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2022.). Espaço constituído inicialmente para reforçar a ideologia do regime junto aos estudantes que se formavam na metrópole para compor a elite de diferentes colônias do império, foi gradativamente se transformando em espaço de resistência, onde emergiram as principais lideranças da crítica e da luta anticolonial.

É importante ressaltar o vínculo existente entre esta geração nascente do pós-guerra e o referido movimento negro que vigorou na metrópole entre 1911 e 1933. Ainda que pertencentes a distintas gerações, possuíam heranças e diálogos advindos de espaços compartilhados e mesmo da presença de familiares em continuidade às duas gerações. Além disso, o pan-africanismo e o movimento da negritude iriam, com ainda mais força, influenciar diversos movimentos estéticos e políticos, materializando-se na forma de uma literatura africana em língua portuguesa, constituída de diversas publicações e edições de livros, nos quais se colocavam questões fundamentais para o abandono do autonomismo reformista e a adoção de uma postura anticolonialista confrontadora. Os principais meios de expressão dessa geração serão os boletins, as circulares e as separatas da Casa dos Estudantes do Império, publicações nas quais escritores renomados da literatura africana de língua portuguesa irão muitas vezes estrear e se posicionar criticamente em relação ao regime. Em Angola, o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola e a revista Mensagem (1951-1952), por exemplo, também foram fundamentais para esta afirmação político-identitária, com importantes consequências para a luta emancipacionista no contexto angolano.

Este movimento no contexto do Império Português esteve imbricado a um crescimento da auto-organização transnacional dos negros no continente africano e na diáspora, com o propósito de debater o racismo e a questão colonial, o que acabou por auxiliar na transição de propostas reformistas para aquela de abolição do regime colonial, transição associada aos debates que vão desde o V Congresso Pan-Africanista, em Manchester, de 1945, com lideranças como a de George Pademore, até o I e II Congresso dos Escritores Negros, respectivamente em Paris (1956) e Roma (1959).

Entretanto, um outro impacto ainda bastante secundarizado na historiografia do anticolonialismo no contexto do Império Português se relaciona com a própria libertação da Índia de colonização britânica (1947) e francesa (1954), que irá desdobrar-se no longo litígio entre o governo indiano e a questão de Goa, território sob domínio português até 19 de dezembro de 1961.

No ano de 1946, realizou-se em Goa um importante comício que tinha na sua agenda de contestação o Ato Colonial, tomado como sinônimo da arrogância colonial, segregadora e racista. Assim, o comício de 18 de junho em Margão foi anunciado por meio de panfletos, e o percurso dos manifestantes entre a estação e a praça onde ele seria realizado foi acompanhado por centenas de seguidores e submetido a algumas intervenções policiais. Mais do que as palavras ditas e escritas que tiveram grande importância mobilizadora, foi a percepção, quer para os colonizadores portugueses, quer para a resistência e a oposição goesas, da força maciça que era possível reunir na rua em pouco tempo. Podemos afirmar que o 18 de junho deu origem a um período cujo primeiro momento durou vários meses, levando à prisão, ao degredo e ao exílio vários militantes do movimento, tais como T. B. Cunha e Kakodkar que foram presos políticos em Portugal por vários anos. Este momento inicial provocou uma onda de acontecimentos, traduzida em protestos e mobilizações, que continuaram, com maior ou menor intensidade, nas ruas, por meio de manifestações pacifistas, com ações armadas mais tarde, ou ainda, e sobretudo, pela imprensa dentro e fora de Goa, até o momento da derrota portuguesa e a inclusão de Goa na União Indiana em 1961.

Os movimentos anticoloniais goeses sob a liderança do já mencionado T. B. Cunha irão se concentrar em Mumbai, no estado vizinho do Maharashtra, organizando diversas associações e uma imprensa combativa, como Free Goa (1956-1962) e Goan Tribune (1954-1963), estabelecendo um forte diálogo com as lutas na África (Festino, 2022FESTINO, Cielo Griselda. Jornalismo e engajamento literário. O caso do Free Goa. Revista do Centro de Estudos Portugueses, Belo Horizonte, v. 42, n. 67, pp. 181-204, 2022.). Estes acontecimentos fazem com que os estudantes goeses na Casa dos Estudantes do Império sejam vanguarda nas posições mais radicais e propriamente anticoloniais, como já demonstrou Aida Freudenthal (2015).

Acontecimentos como o Massacre de Batepá (1953), em São Tomé e Príncipe, a Libertação de Dadrá e Nagar Aveli (1954), território pertencente à Índia Portuguesa e anexado ao governo indiano, o Massacre de Pidjiguiti (1959), na Guiné, assim como tantos outros eventos, serão centrais para a transformação do que era até então um movimento de autonomia cultural para a formação dos movimentos de libertação nacional em Angola (MPLA), Moçambique (FREELIMO) e Guiné/Cabo-Verde (PAIGC).

Isto fica muito claro nas trajetórias intelectuais daqueles que passaram pela Casa de Estudantes do Império, como é o caso de Mario Pinto de Andrade e Amílcar Cabral, que se posicionaram, desde os anos 1950, criticamente em relação ao luso-tropicalismo e em prol da valorização da cultura negro-africana de língua portuguesa e da derrubada do regime a partir do já referido Movimento Anticolonial (MAC). A trajetória de Mário Pinto de Andrade entre as décadas de 1940 e 1950 - em particular seus estudos sobre o kimbundu - é o objeto de estudo de Helena Wakim Moreno no artigo “Mário Pinto de Andrade: vivências e ressignificações em torno do estudo do kimbundu (Luanda - Lisboa - Luanda, 1940-1950)”, neste dossiê. No horizonte político dessa militância, era necessário não somente derrubar o regime, mas também desconstruir os mitos do constructo luso-tropical que reforçava, inclusive no interior das colônias, uma alienação (política, cultural, racial, linguística etc.) da estrutura opressora do regime.

Textos como The Denationalisation of Goans(1944), de T. B. CunhaCUNHA, Tristão de Bragança. The Denationalisation of Goans. Bomba: Goa Congress Committee, 1944., “Qu’est-ce que le luso-tropicalismo?” (“O que é luso-tropicalismo”)(1955), de Mario Pinto de AndradeANDRADE, Mario Pinto de. Qu’est-ce que le luso-tropicalismo? 1955. Disponível em: <Disponível em: http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04330.008.006 >. Acesso em: 2 jun. 2023.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pas...
, A estrutura social - mito e factos, de Eduardo Mondlane (1969), Libertação nacional e cultura(1971), de Amílcar CabralCABRAL, Amílcar. Libertação nacional e cultura (1971). In: SANCHES, Manuela Ribeiro (Org.). Textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011. pp. 355-376., demonstram a relação entre a crítica estrutural ao duplo colonialismo/racismo (as denúncias ao trabalho forçado, o apartheid racial/social, o descaso com a população colonial etc.) e a necessidade da construção de uma outra visão de mundo para os regimes que iriam nascer dessas mesmas lutas.

Essa consciência significou também a busca por uma coesão transnacional de lutas não só no interior do império português, mas em um embate em chave tricontinental (África, Ásia e Américas), ou seja, entre todos os condenados da terra que lutavam contra o imperialismo e o colonialismo. No Manifesto Anticolonial (1960) - produto da coesão de órgãos como a Frente Revolucionária para a Independência Nacional (Frain, 1960) e a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP, 1961) - encontramos também não só um manifesto político contra o colonialismo e em prol de uma solidariedade tricontinental, mas rastros a serem compreendidos no presente também como um diagnóstico aos fundamentos do colonialismo e da sua colonialidade.

A despeito destas manifestações, no interior e fora da metrópole havia um parco espaço para o debate crítico que pudesse ir além do ufanismo das ideologias oficiais transmitidas pelo salazarismo. Isso repercutia na própria forma como o regime, por meio de ampla perseguição política e intelectual às dissidências, produziu, no âmbito acadêmico (e fora dele), uma História que estava, em larga medida, a serviço do colonialismo, valendo ressaltar a forte presença de gestores coloniais nessa historicização (Curto, 2020CURTO, Diogo Ramada. O colonialismo português em África: de Livingstone a Luandino. Lisboa: Edições 70 , 2020.; Dias, 1991DIAS, Jill. História da colonização - África. Ler História, n. 21, pp. 128-145, 1991.). Além disso, a apropriação do luso-tropicalismo freyriano irá ser central para a permanência de um discurso ufanista que busca singularizar o colonialismo português a partir de uma narrativa da “plasticidade” e “integração” que foi central para os embates internacionais aos quais o regime irá se defrontar no pós-guerra, nos fóruns internacionais. No entanto, a partir de 1961 há uma mudança radical nestas posições, com o início da guerra de libertação em Angola e a libertação de Goa em 19 de dezembro de 1961. Estes eventos irão contradizer o discurso oficial de um colonialismo “humano” e “harmônico”, colocando em cena a violência e a brutalidade do regime na forma do trabalho forçado e do racismo sistêmico.

Dentro de Portugal isso significou ainda mais perseguição e censura às dissidências políticas, reforçando assim as instituições coloniais que desde os anos 1930 produziam o “saber colonial”, segundo a perspectiva autoritária e racista do regime, em espaços como o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, a Junta de Investigações do Ultramar (JIU), os Centros de Estudos Políticos e Sociais (CEPS) e a Escola Superior Colonial (ESC). As vozes críticas ou estavam isoladas, exiladas, ou eram estrangeiros que aos poucos vão produzindo obras de crítica ao colonialismo português, como o caso de Marvin Harris, Basil Davidson, Perry Anderson, Charles Boxer e tantos outros (Curto, 2020CURTO, Diogo Ramada. O colonialismo português em África: de Livingstone a Luandino. Lisboa: Edições 70 , 2020., p. 220).

O luso-tropicalismo como eixo epistêmico e visão de mundo se alastrou por diversas produções intelectuais, marginalizando as visões dissonantes em diversos campos do conhecimento, desde a historiografia à crítica literária (Vitorino Magalhães Godinho, Alfredo Margarido, Eduardo Lourenço etc.), infiltrando-se inclusive em personagens que eram críticos ao regime salazarista e à sua gestão do Império. A ideia de um Império “humano” e “cristão”, que detinha províncias e não “colônias”, buscava transfigurar práticas seculares de trabalho forçado e um racismo sistêmico que dividia os cidadãos entre assimilados e nativos. Gestores como Sarmento Rodrigues (1889-1979), Adriano Moreira (1922-2022) e Franco Nogueira (1918-1993) buscaram modernizar o discurso mais arcaico do colonialismo - no contexto de revisão constitucional do Ato Colonial em 1951 -, apropriando-se do luso-tropicalismo freyriano como principal arma para a afirmação de um Estado ultramarino ausente de preconceitos raciais e da opressão colonial12 12 Em termos literários, podemos remontar a presença dessa perspectiva integracionista desde o grupo caboverdiano Claridade até um pioneiro na estética da negritude como Francisco José Terneiro, em seu clássico Ilha de nome de santo (1942), até, enfim, críticos literários como Mário António de Oliveira (Luanda, “ilha” Crioula, 1968), Manuel Ferreira (Aventura Crioula, 1967), e mesmo em Goa, na obra A Literatura Indo-Portuguesa (1971), de Manuel Seabra e Vimala Devi - autores que detêm forte complexidade e dificilmente poderiam ser pensados somente como reprodutores da ideologia oficial do regime. (Pinto, 2009PINTO, João Alberto da Costa. Gilberto Freyre e a intelligentsia salazarista em defesa do Império Colonial Português (1951-1974). História, São Paulo, v. 28, n. 1, pp. 445-482, 2009.; Alexandre, 2017ALEXANDRE, Valentim. Contra o vento. Portugal, o império e a maré anticolonial (1945-1960). Lisboa: Círculo de Leitores, 2017.).

A própria oposição republicana e mesmo a comunista detinha uma posição bastante ambígua sobre a questão colonial, havendo uma longa letargia em assumir posições expressamente anticoloniais. Somente em 1957 (no V Congresso do Partido Comunista Português) houve uma resolução propriamente em prol das lutas por libertação anticolonial. No exílio, no Brasil, essas posições eram um tanto ambíguas, havendo, no entanto, algumas posições no jornal Portugal Democrático (1956-1975) que flertavam com posturas explicitamente anticoloniais (como o caso notório de Miguel Urbano Rodrigues, Manuel Sertório, Jorge de Sena e Eduardo Lourenço)13 13 É preciso ressaltar que havia algumas posições no exílio republicano no Brasil que ultrapassaram certas ambivalências de certos colonialistas, os quais concebiam que a libertação da África se consubstanciaria em um “futuro distante”, como afirmavam peças chaves da oposição, a exemplo de Henrique Galvão e do próprio Humberto Delgado. Pesquisas demonstram que alguns setores flertavam com posições mais radicais ainda nos anos 1930, como no caso dos republicanos do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) (Assunção, 2017), ou mesmo no pós-guerra, com a produção do periódico Sul (1948-1957), em Santa Catarina, com a circulação de textos de intelectuais angolanos anticoloniais, como António Jacinto e Viriato da Cruz (Santos; Junior, 2019). É importante reiterar ainda que é na conexão com o Brasil que são publicadas também duas das obras neorrealistas que criticaram, de forma mais objetiva, o colonialismo: Terra Morta (1949), de Castro Soromenho, e Natureza Morta (1949), de José-Augusto França, pela editora da Casa do Brasil. Além, é claro, da própria presença da oposição exilada no Brasil no India Council for Africa. Ver: Lopes (2020). .

É preciso considerar também o papel decisivo da censura na perseguição e no silenciamento dos opositores. Tema central na ditadura colonial, a censura funcionou em vários níveis, recorrendo a diversas entidades oficiais e à denúncia individual. Dessa forma, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, altura em que Portugal se isolou ainda mais internacionalmente, a censura abrangia de forma brutal a totalidade do território e todos os meios de comunicação (Melo, 2016MELO, Daniel. A censura salazarista e as colónias: um exemplo de abrangência. Revista de História da Sociedade e da Cultura, n. 16, pp. 475-496, 2016.). A censura oficial usava vários métodos que passavam pela censura prévia, a apreensão posterior à publicação, e até a sua retenção nos Correios, para evitar que circulassem livros e publicações periódicas com ideias contrárias ao regime dentro do império. No texto de Alda SaideSAIDE, Alda. A luta do Regime Fascista Português contra a “subversão” em Moçambique: O jornal Ressurgimento, 1968-1973. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 199-222, 2023., “A luta do regime fascista português contra a ‘subversão’ em Moçambique: o jornal Ressurgimento, 1968-1973”, neste dossiê, há uma análise dos efeitos da censura na produção e na circulação cultural durante os anos da guerra colonial, o mesmo ocorrendo com aquele de Tania Macedo, “Intelectuais e a censura em Portugal: o caso do livro Luuanda, de José Luandino Vieira”.

No Brasil, o Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA (CEAO, 1959), o Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (IBEAA-Itamaraty, 1961-1973), o Movimento Afro-Brasileiro pró Libertação de Angola (MABLA, 1960-1975) e o Centro de Estudos Africanos da USP (CEA, 1965) encontravam-se como espaços fundamentais, por serem a vanguarda do debate acadêmico sobre o colonialismo do ponto de vista da crítica anticolonial, não sendo somente instâncias de circulação das obras dos anticolonialistas notórios, mas também espaços de produção crítica e de solidariedade internacional em torno da causa da libertação nacional. Esta era também uma pauta fundamental dos movimentos negros no Brasil, que se inspiravam nas lutas dos africanos em Angola, Moçambique e Guiné contra o colonialismo português para pensarem nas suas próprias lutas contra o constructo da democracia racial.

Com a Revolução dos Cravos e o fim da Guerra Colonial, em 1974, abre-se no espaço do Atlântico Sul um novo horizonte para a promoção de estudos sobre o colonialismo, agora sem o peso da censura e do terror colonial. Dessa forma, a pesquisa acerca do anticolonialismo institucionalizou-se nos meios acadêmicos dos países de língua oficial portuguesa e em centros de estudos especialistas na África, no Brasil e em Portugal.

ANTICOLONIALISMO HOJE

Após quase cinquenta anos da descolonização política dos territórios africanos sob o domínio português, cabe perguntar qual a serventia da crítica anticolonial no tempo presente. Em nossa perspectiva, a sobrevivência da crítica está alicerçada na sobrevivência do “colonial” dos “passados presentes”, que assombram a nossa contemporaneidade por meio de uma estrutura racista, de atos de xenofobia e das desigualdades que se desdobram em dinâmicas de longa duração e que perpetuaram divisões que são o legado direto do colonialismo, do imperialismo e do neocolonialismo.

Um exemplo dessa herança reside nas reivindicações do movimento negro em Portugal em torno de lideranças como a do luso-senegalês Mamadou Ba, e de organizações como a SOS Racismo, dentre outras, em prol da luta contra o racismo e a xenofobia. Esses movimentos de resistência à persistência do colonialismo contrastam diretamente com o discurso lusófono oficial de órgãos como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Discurso que se encontra, para alguns pensadores, como Alfredo Margarido, Eduardo Lourenço e Miguel Vale de Almeida, como parte do ressurgimento de uma certa nostalgia imperial, sendo para alguns até mesmo a permanência do discurso luso-tropicalista na atualidade.

Para Miguel Vale de Almeida, Portugal não conseguiu ainda defrontar-se criticamente com a sua memória histórica do colonialismo, reproduzindo, ainda hoje, o que ele denominou como um discurso “pós-luso-tropicalista”, que, no fundo, cria uma dissonância entre um discurso que revitaliza a ideia de “plasticidade” e “integração” nas relações étnico-raciais de Portugal na história e as práticas de racismo sistêmico no tempo presente, das quais são alvo imigrantes brasileiros, africanos e seus respectivos descendentes.

Joana Gorjão Henriques, nos livros Racismo em português: o lado esquecido do colonialismo (2016HARRIS, John H. Dawn in Darkest Africa. London: Smith, Elder & Co., 1912.) e Racismo no país dos brancos costumes (2018HENRIQUES, Joana Gorjão. Racismo no País dos Brancos Costumes. Lisboa: Tinta da China , 2018.), tem demonstrado esse legado colonial, tanto na constatação da prática de xenofobia e racismo no interior de Portugal, contra africanos e afro-lusitanos, como na herança deixada pela hierarquia de “cores” (o colorismo) em Angola, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Até mesmo em Goa, após mais de sessenta anos de descolonização, encontramos a presença, na crítica literária e na historiografia, de uma certa nostalgia luso-tropical, que autores críticos à lusofonia têm apontado como parte do discurso da chamada “Goa Dourada” (Newman, 2001NEWMAN, Robert S. Of Umbrellas, Goddesses and Dreams: Essays on Goan Culture and Society. Mapusa, Goa: Other Indian Press, 2001., Assunção, 2020bASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de. Entre a Goa Dourada e a Goa Índica: a historiografia goesa no pós-1961. In: ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de et al. (Orgs.). Teoria e História da Historiografia no século XXI: ensaios em homenagem aos dez anos da Revista de Teoria da História. 1ª Ed. Vol. 1. Vitória: Mil-fontes , 2020b. pp. 73-91.).

No Brasil, canais de divulgação histórica como o Brasil Paralelo, canal da extrema-direita com milhões de visualizações, têm relido a história do Brasil por meio de chaves extremamente luso-tropicais, reforçando uma certa nostalgia que remonta ao tempo da ditadura militar e ao seu ensino elitista e acrítico. Tais fatos confrontam os avanços que o movimento negro brasileiro contemporâneo conseguiu, a exemplo da institucionalização, de forma obrigatória, do ensino de história e cultura africanas, afro-brasileiras (na lei 10639/03) e indígena (na lei 11645/08), das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, de 2004.

Permanências do anticolonialismo estão presentes na expressão artística de intérpretes da modernidade, como as intervenções ensaísticas e performances de Grada Kilomba - a exemplo do livro Memórias da Plantação (publicado em inglês em 2008 e em português em 2019) e da performance O Barco (2021) -, ou mesmo nas intervenções da artista plástica afro-paulista Rosana Paulino, na série Atlântico Vermelho (2017) - com suas pinturas e colagens que representam a violência contida nas relações colonialistas no tempo presente.

Estas intervenções na forma da crítica literária, da historiografia e das artes visuais, que denunciam a permanência do colonialismo, são fundamentais para a realização de diagnósticos críticos contra os discursos negacionistas que alicerçam certos setores da extrema-direita mundial, que relê os eventos traumáticos da modernidade não para pensar nos seus efeitos nefastos, mas para legitimar o processo de dominação e conquista que nunca foi encerrado. No campo das literaturas de língua portuguesa, a constituição de um cânone literário nacional para aqueles que afirmaram sua independência política do colonialismo passou a ser um dado de realidade, e hoje podemos falar em literatura angolana, literatura moçambicana, literatura timorense sem qualquer receio, designações que não eram legitimadas no período colonial. Durante esse meio século de vida nacional, as novas literaturas de língua portuguesa conseguiram se afirmar e estabelecer suas próprias tradições e dinâmicas. Abandonando paulatinamente a centralidade da referência portuguesa, o debate em torno da permanência do colonialismo no campo das letras acabou por se deslocar mais contemporaneamente para as conexões que essas literaturas estabelecem em escala mundial, refletindo sobre o modo como se relacionam com outras literaturas nacionais ou mesmo prescindindo da categoria de literatura nacional e fundamentando-se em “geografias significativas”, como “the conceptual, imaginative, and real geographies that texts, authors, and language communities inhabit, produce, and reach out to” (Laachir; Marzagora; Orsini, 2018LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies in Lieu of World Literature. Journal of World Literature, v. 3, issue 3, pp. 290-310, 2018.).

Se tomarmos por base os pressupostos da crítica literária marxista, a luta anticolonial necessita ser sobretudo anticapitalista e anti-imperialista, uma vez que não é possível descolonizar consciências sem descolonizar os meios de produção. Dentro dessa lógica, a concepção de base trotskista de desenvolvimento desigual e combinado, quando se considera a expansão capitalista pelo mundo, fundamenta uma forma de se pensar não só a história, mas também a crítica literária, sobretudo a partir da ideia de literatura-mundial formulada e difundida pelo Warwick Research Collective (WReC). Designada como literatura-mundial e escrita dessa forma, com hífen, por analogia à “teoria do sistema-mundial” de Immanuel Wallerstein, está longe da ideia de um cânone global que comporia as principais obras da humanidade, como foi inicialmente pensada no século XIX e mesmo no século XX, para conceber essa literatura como aquela do sistema capitalista moderno, que promove uma mesma modernidade em escala mundial, todavia em condições desiguais entre as diversas partes do planeta.

A perspectiva crítica marxista é comentada, no presente dossiê, nos textos de Inocência Mata, “Estudos literários africanos e literatura-mundo: reflexões sobre a epistemologia da crítica literária”, e de Luca Fazzini, “Trânsitos e circulações de mundos: comparar literaturas em África”. Designando, no entanto, essa literatura de literatura-mundo (e não de literatura-mundial), trazem para o cerne do debate reflexões que buscam valorizar a diversidade e a representatividade de literaturas dali excluídas, considerando que a multiplicidade de sensibilidades estéticas implica relativismo no julgamento dessas obras, decorrente de diferentes lugares de enunciação e de recepção. Na defesa da tal perspectiva, reportam-se a nomes como Helena Carvalhão Buescu, Dipesh Chakrabarty, David Damrosch, Beatriz Sarlo, Dilip Gaonkar, Paul Gilroy, Achille Mbembe, dentre outros.

De fato, há um intenso debate no âmbito da própria designação dessa literatura, que implica visões distintas do que venha a ser a modernidade. Segundo o Warwick Research Collective14 14 O Warwick Research Collective possui um diálogo profícuo com o Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, assim como um de seus membros, Paulo Medeiros, que, ao lado de Mário César Lugarinho e Emanuelle Rodrigues dos Santos, chegou a organizar, em 2021, um dossiê da revista Via Atlântica (do Programa de Pós-Graduação de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas das USP) empregando muitas das concepções daquele coletivo. Recentemente, a obra emblemática do Warwick Research Collective foi publicada no Brasil (WReC, 2020). , haveria uma única modernidade promovida pela expansão capitalista pelo mundo, variando a forma como literaturas periféricas e semiperiféricas dialogam entre si e com ela. Já para muitos dos teóricos pós-coloniais, haveria “modernidades alternativas”, ou “modernidades periféricas”, ou ainda “modernidades múltiplas”, que pluralizariam a historicidade das semiperiferias e periferias, não possibilitando sua avaliação política, cultural e estética pelos parâmetros de uma única modernidade. A hegemonia da língua inglesa, a exclusão da imensa maioria de escritores e críticos semiperiféricos e periféricos em relação ao debate hegemônico da crítica literária, a exotização ou a assimilação daqueles escritores e críticos das periferias que acabam por integrar esse mesmo debate, tudo isso reduziria, em termos estéticos, políticos e culturais, a pluralidade que constituiria a literatura-mundo.

Enfim, trata-se de um debate que ainda terá muitos desdobramentos, mas importa assinalar que a postura anticolonialista é um aspecto que parece reunir todos esses críticos.

No âmbito da história, da literatura, das artes plásticas, dentre outras manifestações da ciência e da cultura, a crítica anticolonial se faz sempre presente e necessária no combate não só às nefastas reminiscências do que foi o mundo colonial oriundo do expansionismo europeu, mas também na luta contra todas as formas de imperialismo na contemporaneidade, sempre fundadas, importa reiterar, na lógica de exploração capitalista.

REFERÊNCIAS

  • ALEXANDRE, Valentim. Contra o vento. Portugal, o império e a maré anticolonial (1945-1960). Lisboa: Círculo de Leitores, 2017.
  • ALEXANDRE, Valentim. Ideologia, economia e política: a questão colonial na implantação do Estado Novo. Análise Social, v. XXVIII (123-124), pp. 1117-1136, 1993 (4°-5º).
  • ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: Continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997.
  • ANDRADE, Mario Pinto de. Qu’est-ce que le luso-tropicalismo? 1955. Disponível em: <Disponível em: http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04330.008.006 >. Acesso em: 2 jun. 2023.
    » http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04330.008.006
  • ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropofágico. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano I, n. 1, pp. 3-7, 1928.
  • AMIN, Samir. Anticolonialismo. Diccionario histórico-crítico del marxismo. Rumbos ts, año XVI, n. 25, pp. 207-21, 2021.
  • ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de. Uma analítica goesa da colonialidade no ensaio The denationalisation of Goans (1944) de Tristão Bragança Cunha. In: PASSOS, Aruanã Antonio dos; BENTO, Luiz Carlos; GODOI, Rodrigo Tavares (Orgs.). Historiografia crítica: ensaios, analítica & hermenêutica. 1ª Ed. Vol. 1. Vitória: Mil-fontes, 2020a. pp. 309-336.
  • ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de. Entre a Goa Dourada e a Goa Índica: a historiografia goesa no pós-1961. In: ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de et al. (Orgs.). Teoria e História da Historiografia no século XXI: ensaios em homenagem aos dez anos da Revista de Teoria da História. 1ª Ed. Vol. 1. Vitória: Mil-fontes , 2020b. pp. 73-91.
  • ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de. A Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiânia. Goiânia, 2017.
  • AZEVEDO, Alves. A Mística Imperial. Cadernos Coloniais, Editorial Cosmos, n. 17, [193-].
  • BARBOSA, Muryatan Santana. Pan-africanismo e teoria social: uma herança crítica. Revista África, n. 31-32, pp. 135-155, 2012.
  • CABRAL, Amílcar. Libertação nacional e cultura (1971). In: SANCHES, Manuela Ribeiro (Org.). Textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011. pp. 355-376.
  • CAPELA, José. Moçambique pela sua História. Porto: Edições Húmus, 2010.
  • CARVALHO, Jerónimo de Paiva. Alma negra: Depoimento sobre a questão dos Serviçais de S. Tomé. Porto: Tipografia Progresso, 1912.
  • CHATTERJEE, Partha. Nationalist Thought and the Colonial World: A Derivative Discourse? Deli: Oxford University Press, 1986.
  • CHAVES, Rita. A literatura e o império lusitano: silêncio e palavra em tempos de exceção. Revista Brasileira de História, n. 93, v. 43, pp. 61-83, 2023.
  • COOPER, Frederick. Conflito e conexão: repensando a História Colonial da África. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 27. pp. 21-73, jul. 2008.
  • CUNHA, João Figueiredo Alves da. Uma leitura crítica de Jacó e Dulce: cenas da vida Indiana à luz do realismo de Eça de Queirós. 2 Vol. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.
  • CUNHA, Tristão de Bragança. The Denationalisation of Goans. Bomba: Goa Congress Committee, 1944.
  • CURTO, Diogo Ramada. O colonialismo português em África: de Livingstone a Luandino. Lisboa: Edições 70 , 2020.
  • DIAS, Jill. História da colonização - África. Ler História, n. 21, pp. 128-145, 1991.
  • DOMINGUES, Mário. A afirmação negra e a questão colonial: Textos, 1919-1928. Lisboa: Tinta da China, 2022.
  • FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022 [1974].
  • FAUSTINO, Deivison Mendes. Frantz Fanon: capitalismo, racismo e a sociogênese do colonialismo. SER Social, Brasília, v. 20, n. 42, pp. 148-163, jan.-jun., 2018.
  • FAZZINI, Luca. Trânsitos e circulações de mundos: comparar literaturas na África. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 85-103, 2023.
  • FESTINO, Cielo Griselda. Jornalismo e engajamento literário. O caso do Free Goa. Revista do Centro de Estudos Portugueses, Belo Horizonte, v. 42, n. 67, pp. 181-204, 2022.
  • FREUDENTHAL, Aida. Voz de Angola em tempo de Ultimato. Estudos Afro-Asiáticos, v. 23, n. 1, pp. 135-169, 2001.
  • FREYRE, Gilberto. Aventura e rotina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.
  • GANDHI, Leela. The Common Cause: Postcolonial Ethics and the Practice of Democracy, 1900-1955. Chicago: The University of Chicago Press, 2014.
  • GARMES, Helder; VANZELLI José Carvalho. Eça de Queirós, a China e o Brasil. Itinerários, Araraquara, n. 44, pp. 229-246, jan.-jun. 2017.
  • GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2012.
  • HARRIS, John H. Dawn in Darkest Africa. London: Smith, Elder & Co., 1912.
  • HENRIQUES, Joana Gorjão. Racismo em Português: o lado esquecido do colonialismo. Lisboa: Tinta da China , 2016.
  • HENRIQUES, Joana Gorjão. Racismo no País dos Brancos Costumes. Lisboa: Tinta da China , 2018.
  • JAMES, C. L. R. The Black Jacobins: Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution. UK: Secker & Warburg Ltd., 1938.
  • LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies in Lieu of World Literature. Journal of World Literature, v. 3, issue 3, pp. 290-310, 2018.
  • LOBO, Sandra Ataíde. Dear Pandit Jawaharlal Nehru: Goa and the foundations of the Indian National Liberation Movement. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 131-155, 2023.
  • LOBO, Sandra Maria Calvinho Ataíde. O desassossego goês. Cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2013.
  • LOPES, Filipa Sousa. A voz da oposição exilada no seminário de Nova Deli (1961). In: PAULO, Heloísa (et al.). Migrações e Exílios no Mundo Contemporâneo. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020. pp. 201-220.
  • MACEDO, Tania. Intelectuais e a censura em Portugal: o caso do livro Luuanda, de José Luandino Vieira. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 179-197, 2023.
  • MACHADO, Adelaide Vieira. A Goan Reading of the Cultural Impact of the Colonial Act: Introducing Intellectuals and Periodic press Through the Anglo-Lusitano of July 7, 1934. Revista de História das Ideias, v. 38, 2a Série, pp. 119-153, 2020.
  • MACHADO, Adelaide Vieira. The Intellectual Biography of Pracasha (1928-1937) as a Contribution to the Cultural Study of Democratic Thought in Goa. E-Journal of Portuguese History, v. 19, n. 1, pp. 101-127, June 2021.
  • MATA, Inocência. A Casa dos Estudantes do Império e o lugar da literatura na consciencialização política. Lisboa: UCCLA, 2015.
  • MATA, Inocência. Estudos literários africanos e literatura-mundo: reflexões sobre a epistemologia da crítica literária. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 43-60, 2023.
  • MATTOS, Pablo de Oliveira de. George Padmore e C. L. R. James: A invasão da Etiópia, pan-africanismo e uma opinião africana internacional. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 137-176, 2019.
  • MBEMBE, Achille. Necropolitics. Public Culture, v. 15, issue 1, pp. 11-40, 2003.
  • MELO, Daniel. A censura salazarista e as colónias: um exemplo de abrangência. Revista de História da Sociedade e da Cultura, n. 16, pp. 475-496, 2016.
  • MONDLANE, Eduardo. A estrutura social - mito e factos (1969). In: SANCHES, Manuela Ribeiro (Org.). Malhas que os Impérios tecem: Textos anticoloniais, contextos pós-coloniais . Lisboa: Edições 70 , 2011. pp. 309-332.
  • MORENO, Helena Wakim. Intelectuais de Angola na Casa dos Estudantes do Império: itinerâncias, mediações e redes de apoio (Lisboa, 1944-1965). Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2022.
  • MORENO, Helena Wakim. Mário Pinto de Andrade: vivências e ressignificações em torno do estudo do kimbundu (Luanda - Lisboa - Luanda, 1940-1950). Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 157-178, 2023.
  • MORENO, Helena Wakim. Voz d’Angola clamando no deserto: protesto e reivindicação em Luanda (1881-1901). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014.
  • NEVES, Olga Maria Lopes Serrão Iglésias. O movimento associativo africano em Moçambique. Tradição e luta (1926-1962). Tese (Doutorado em História Económica e Social) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2009.
  • NEWMAN, Robert S. Of Umbrellas, Goddesses and Dreams: Essays on Goan Culture and Society. Mapusa, Goa: Other Indian Press, 2001.
  • ORTIZ FERNÁNDEZ, Fernando. Contrapunteo Cubano del Tabaco y el Azúcar. La Habana: Ciencias Sociales, 1940.
  • PAVANELO, Luciene Marie; OLIVEIRA, Paulo Motta (Orgs.). O romance histórico de Camilo Castelo Branco: O Senhor do Paço de Ninães e outros escritos. 1ª Ed. Vol. 1. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2020.
  • PEREIRA, Pedro Schacht. Mário Domingues, Ferreira de Castro e a “linha de cor” nas letras portuguesas. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 105-129, 2023.
  • PIMENTA, Fernando Tavares. Brancos de Angola: Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961). Coimbra: Minerva-História, 2005.
  • PINTO, Alberto Oliveira. História de Angola: da Pré-História ao início do Século XXI. Lisboa: Mercado de Letras Editores, 2019.
  • PINTO, João Alberto da Costa. Gilberto Freyre e a intelligentsia salazarista em defesa do Império Colonial Português (1951-1974). História, São Paulo, v. 28, n. 1, pp. 445-482, 2009.
  • QUEIRÓS, Eça de. Textos de Imprensa IV (da Gazeta de Notícias). Elzá Miné; Neuma Cavalcante (Eds.). Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002.
  • RAMA, Á. Los procesos de transculturación en la narrativa latinoamericana. Venezuela: Universidad Central de Venezuela, 1974.
  • REIS, Raissa Brescia dos; RESENDE, Taciana Almeida Garrido. Bandung, 1955: ponto de encontro global. Esboços: histórias em contextos globais, Santa Catarina, v. 26, n. 42, pp. 309-332, 2019.
  • RODNEY, Walter. Como a Europa subdesenvolveu a África. São Paulo: Boitempo Editorial, 2022.
  • SAID, Edward. Orientalism. London: Penguin Books, 1987.
  • SAIDE, Alda. A luta do Regime Fascista Português contra a “subversão” em Moçambique: O jornal Ressurgimento, 1968-1973. Revista Brasileira de História , n. 93, v. 43, pp. 199-222, 2023.
  • SANTOS, Antônio Bispo dos. Colonização, quilombos: modos e significações. Brasília: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa - INCTI, 2015.
  • SANTOS, Eduardo Antonio Estevam. Angola entre o passado e o futuro: História , intelectuais e imprensa (1870-1900). Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 212-230, 2019.
  • SANTOS, José Francisco dos; JUNIOR, Gilson Brandão de Oliveira. Intercâmbios angolano-brasileiros: trajetórias intelectuais e institucionais no Atlântico Sul (1948-1970). Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 177-211, 2019.
  • SANTOS, Patrícia Teixeira; CORREA; Sílvio Marcus de Souza. Apresentação do dossiê “Resistências africanas: novos problemas e debates”. Anos 90 , Porto Alegre, v. 26, pp. 1-3, 2019.
  • SCOTT, David. Conscripts of Modernity: The Tragedy of Colonial Enlightenment. Duke University Press, 2004.
  • SCOTT, David. Refashioning futures: Criticism after Poscoloniality. Princeton: Princeton University Press, 1999.
  • SETH, Sanjay. Pós-colonialismo e a história do nacionalismo anticolonial. Práticas da História , n. 7, pp. 45-75, 2018.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a History of the Vanishing Present. Cambridge; London: Harvard University Press, 1999.
  • STOLTE, Carolien. The “Other” Bandung. Afro-Asian Visions. May 25, 2016. Disponível em: Disponível em: https://medium.com/afro-asian-visions/the-other-bandung-6b3dc-c8e6762 Acesso em: 2 jun. 2023.
    » https://medium.com/afro-asian-visions/the-other-bandung-6b3dc-c8e6762
  • TORRES, Adelino. O império português entre o real e o imaginário. Lisboa: Escher, 1991.
  • TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da História . Curitiba: Huya, 2016.
  • VARELA, Pedro; PEREIRA, José Augusto. As origens do movimento negro em Portugal (1911-1933): uma geração pan-africanista e antirracista. Rev. Hist., São Paulo, n. 179, p. 1-36, 2020.
  • VIEIRA, Patrícia I. O império como fetiche no Estado Novo: Feitiço do Império e o sortilégio colonial. Portuguese Cultural Studies, 3, pp. 126-144, 2010.
  • WHEELER, Douglas L. Portugal em África: uma sociedade colonial em transformação (1880-1930). In: GASPAR, Carlos; PATRIARCA, Fátima; MATOS, Luís Salgado de (Orgs.). Estado, Regimes e Revoluções: Estudos em homenagem a Manuel de Lucena. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2012. pp. 345-362.
  • WREC - Warwick Research Collective. Desenvolvimento combinado e desigual - por uma nova teoria da literatura-mundial. Campinas: Editora da Unicamp, 2020.
  • ZAMPARONI, Valdemir D. A Imprensa negra em Moçambique: a trajetória de “O Africano” - 1908-1920. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, USP, São Paulo, 11 (1), pp. 73-86, 1988.
  • 1
    Samir Amin, por exemplo, define os fundamentos do anticolonialismo do seguinte modo: “La ideología y la postura política del anticolonialismo se fundamentan en el reconocimiento del derecho de todos los pueblos a disponer de un Estado independiente que, sobre la base de una igualdad de derechos con los demás, participe del sistema estatal. Este derecho es nuevo: en 1945, cuando se funda la ONU, se lo proclama por primera vez como derecho universal. Su reconocimiento supone identificar - entre los actores de la historia que están en condiciones de expresar una voluntad común - unidades de diferente naturaleza, caracterizadas como naciones, etnias, pueblos, etc.” (Amin, 2021AMIN, Samir. Anticolonialismo. Diccionario histórico-crítico del marxismo. Rumbos ts, año XVI, n. 25, pp. 207-21, 2021., p. 207).
  • 2
    Para Michel Rolph Trouillot (2016)TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado: poder e a produção da História . Curitiba: Huya, 2016., a revolução haitiana produz um forte impacto enquanto ruptura epistêmica frente ao racismo/colonialismo na formação intelectual dos afrocaribenhos, o que pode ser constatado na própria contribuição da diáspora em formulações que irão ser centrais para desconstruir os constructos ideológicos do colonialismo/ imperialismo. Sobre a temática, ver também Mattos (2019)MATTOS, Pablo de Oliveira de. George Padmore e C. L. R. James: A invasão da Etiópia, pan-africanismo e uma opinião africana internacional. Revista de Teoria da História, Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 137-176, 2019..
  • 3
    “Contra-colonização” é uma designação concebida por Antonio Bispo dos Santos, autor do livro Colonização, quilombos: modos e significações (2015SANTOS, Antônio Bispo dos. Colonização, quilombos: modos e significações. Brasília: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa - INCTI, 2015.), no contexto das lutas dos quilombolas e indígenas por seu direito à existência e a terras diante do estado brasileiro e da mundialização das relações políticas e econômicas.
  • 4
    É importante apontar que havia uma tendência ambivalente no antirracismo afro-estadunidense, que já foi analisada por autores como Paul Gilroy (2012)GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2012. em intelectuais como Alexander Crummell, Frederick Douglass, Edward Blyden, entre outros.
  • 5
    Em Angola, podemos citar o jornal Cruzeiro do Sul, nos anos 1870, e diversos outros de “filhos da terra”, nos 1880: O Echo de Angola (1881-1883), Pharol do Povo (1883-1885), O Futuro d’Angola (1882-1894), O Desastre (1889-1892). Para uma análise mais detida desta imprensa, ver: Pinto (2019)PINTO, Alberto Oliveira. História de Angola: da Pré-História ao início do Século XXI. Lisboa: Mercado de Letras Editores, 2019.; Santos (2019)SANTOS, Eduardo Antonio Estevam. Angola entre o passado e o futuro: História , intelectuais e imprensa (1870-1900). Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 212-230, 2019..
  • 6
    É importante pontuar que, no geral, essa elite afro-crioula era favorável à repressão dessas campanhas militares contra o chamado “gentio”, visto que estes estabeleciam uma distância dos chamados “boçais”, os “não-assimilados”, e defendiam uma gestão mais moderna e integrada do império, inclusive invocando a possibilidade da gestão por outro Império de mais força como o inglês (Santos, 2019SANTOS, Eduardo Antonio Estevam. Angola entre o passado e o futuro: História , intelectuais e imprensa (1870-1900). Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 212-230, 2019.). A autonomia invocada aqui não era a dos projetos de libertação nacional do pós-guerra, mas de reforma do colonialismo e de centralização dessa elite afro-crioula no processo de ocupação/gestão das “províncias” em um sentido federado (Wheeler, 2012WHEELER, Douglas L. Portugal em África: uma sociedade colonial em transformação (1880-1930). In: GASPAR, Carlos; PATRIARCA, Fátima; MATOS, Luís Salgado de (Orgs.). Estado, Regimes e Revoluções: Estudos em homenagem a Manuel de Lucena. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2012. pp. 345-362.). Tal projeto também era, em parte, compartilhado por alguns setores da própria elite branca de colonos, que irão formular o que certo historiador chamou de “nacionalismo euro-africano”. Ver: Pimenta (2005)PIMENTA, Fernando Tavares. Brancos de Angola: Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961). Coimbra: Minerva-História, 2005..
  • 7
    Para uma análise mais aprofundada dessa publicação, ver: Moreno (2014)MORENO, Helena Wakim. Voz d’Angola clamando no deserto: protesto e reivindicação em Luanda (1881-1901). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014..
  • 8
    Sobre a dinâmica associativa de Moçambique, ver: Zamparoni (1988)ZAMPARONI, Valdemir D. A Imprensa negra em Moçambique: a trajetória de “O Africano” - 1908-1920. África: Revista do Centro de Estudos Africanos, USP, São Paulo, 11 (1), pp. 73-86, 1988.; Neves (2009)NEVES, Olga Maria Lopes Serrão Iglésias. O movimento associativo africano em Moçambique. Tradição e luta (1926-1962). Tese (Doutorado em História Económica e Social) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2009..
  • 9
    Sobre os efeitos do Ultimatum de 1890 na sociedade civil colonial, ver: Freudenthal (2001)FREUDENTHAL, Aida. Voz de Angola em tempo de Ultimato. Estudos Afro-Asiáticos, v. 23, n. 1, pp. 135-169, 2001.; Capela (2010)CAPELA, José. Moçambique pela sua História. Porto: Edições Húmus, 2010..
  • 10
    Entre os títulos desta imprensa podemos citar: O Negro (1911); A Voz D’África (1912-1913 e 1927-1930); Tribuna D’África (1913 e 1931-1932); O Eco D’África (1914-1915); Portugal Novo (1915); A Nova Pátria (1916-1918); O Protesto Indígena (1921); Correio de África (1921-1923 e 1924); A Mocidade Africana (1930-1932); África Magazine (1932); e África (1931 e 1932-1933). Neste momento também surgiram diversas associações como: Junta de Defesa dos Direitos de África (1912); Liga Africana (1920); Partido Nacional Africano (1921); Cooperativa da Liga Africana (1921); Liga das Mulheres Africanas (1929); Grêmio “Ké-Aflikana” dos Africanos (1929); Movimento Nacionalista Africano (1931).
  • 11
    Importante destacar que estas posições de T. B. Cunha não estão isoladas de um movimento mais amplo no interior de Goa e de estudantes goeses em Portugal, que reivindicavam, em órgãos bilíngues como o Bharat e o Hindu, uma indianidade goesa por meio da valorização da cultura e das línguas locais (Assunção, 2020aASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de. Uma analítica goesa da colonialidade no ensaio The denationalisation of Goans (1944) de Tristão Bragança Cunha. In: PASSOS, Aruanã Antonio dos; BENTO, Luiz Carlos; GODOI, Rodrigo Tavares (Orgs.). Historiografia crítica: ensaios, analítica & hermenêutica. 1ª Ed. Vol. 1. Vitória: Mil-fontes, 2020a. pp. 309-336.). Para uma análise mais sistemática dessa geração, ver: Lobo (2013)LOBO, Sandra Maria Calvinho Ataíde. O desassossego goês. Cultura e política em Goa do liberalismo ao Acto Colonial. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2013..
  • 12
    Em termos literários, podemos remontar a presença dessa perspectiva integracionista desde o grupo caboverdiano Claridade até um pioneiro na estética da negritude como Francisco José Terneiro, em seu clássico Ilha de nome de santo (1942), até, enfim, críticos literários como Mário António de Oliveira (Luanda, “ilha” Crioula, 1968), Manuel Ferreira (Aventura Crioula, 1967), e mesmo em Goa, na obra A Literatura Indo-Portuguesa (1971), de Manuel Seabra e Vimala Devi - autores que detêm forte complexidade e dificilmente poderiam ser pensados somente como reprodutores da ideologia oficial do regime.
  • 13
    É preciso ressaltar que havia algumas posições no exílio republicano no Brasil que ultrapassaram certas ambivalências de certos colonialistas, os quais concebiam que a libertação da África se consubstanciaria em um “futuro distante”, como afirmavam peças chaves da oposição, a exemplo de Henrique Galvão e do próprio Humberto Delgado. Pesquisas demonstram que alguns setores flertavam com posições mais radicais ainda nos anos 1930, como no caso dos republicanos do Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1931-1939) (Assunção, 2017ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de. A Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro (1930-1939): uma vertente do colonialismo português em terras brasileiras. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Goiânia. Goiânia, 2017.), ou mesmo no pós-guerra, com a produção do periódico Sul (1948-1957), em Santa Catarina, com a circulação de textos de intelectuais angolanos anticoloniais, como António Jacinto e Viriato da Cruz (Santos; Junior, 2019SANTOS, José Francisco dos; JUNIOR, Gilson Brandão de Oliveira. Intercâmbios angolano-brasileiros: trajetórias intelectuais e institucionais no Atlântico Sul (1948-1970). Revista de Teoria da História , Goiânia, v. 22, n. 2, pp. 177-211, 2019.). É importante reiterar ainda que é na conexão com o Brasil que são publicadas também duas das obras neorrealistas que criticaram, de forma mais objetiva, o colonialismo: Terra Morta (1949), de Castro Soromenho, e Natureza Morta (1949), de José-Augusto França, pela editora da Casa do Brasil. Além, é claro, da própria presença da oposição exilada no Brasil no India Council for Africa. Ver: Lopes (2020)LOPES, Filipa Sousa. A voz da oposição exilada no seminário de Nova Deli (1961). In: PAULO, Heloísa (et al.). Migrações e Exílios no Mundo Contemporâneo. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020. pp. 201-220..
  • 14
    O Warwick Research Collective possui um diálogo profícuo com o Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, assim como um de seus membros, Paulo Medeiros, que, ao lado de Mário César Lugarinho e Emanuelle Rodrigues dos Santos, chegou a organizar, em 2021, um dossiê da revista Via Atlântica (do Programa de Pós-Graduação de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas das USP) empregando muitas das concepções daquele coletivo. Recentemente, a obra emblemática do Warwick Research Collective foi publicada no Brasil (WReC, 2020WREC - Warwick Research Collective. Desenvolvimento combinado e desigual - por uma nova teoria da literatura-mundial. Campinas: Editora da Unicamp, 2020.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023
Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbh@anpuh.org