Acessibilidade / Reportar erro

Estudos literários africanos e literatura-mundo: reflexão sobre a epistemologia da crítica literária

African Literary Studies and World Literature: Reflection on the Epistemology of Literary Criticism

RESUMO

Parece hoje incontornável, no campo dos estudos literários, a discussão sobre a ampliação do cânone. A consciência da diversidade do mundo impõe que se considerem outros paradigmas que deem conta da multiplicidade das tradições literárias de geografias culturais (semi)periféricas. Impõe-se, com efeito, uma nova perspectiva epistemológica em que é possível pensar a literatura a partir das suas densas relações, para além de binarismos redutores. Um dos instrumentos é facultado pela categoria literatura-mundo, propulsora de uma mudança epistemológica que permite pensar as produções culturais para além do seu lugar original, de sua geografia cultural e da historicidade. Trata-se de uma categoria em fase de consolidação na crítica literária do mundo da língua portuguesa, que tem permitido, como gesto comparatista, uma abordagem cosmopolita no estudo das literaturas em português, pelas articulações alternativas no estudo comparado dessas literaturas.

Palavras-chave:
Cânone; estudos pós-coloniais; literatura-mundo; epistemologia; crítica literária

ABSTRACT

It seems unavoidable today, in the field of literary studies, the discussion about the expansion of the canon. The awareness of the diversity of the world forces to take into consideration other paradigms that account for the multiplicity of literary traditions of (semi)peripheral cultural geographies. Indeed, a new epistemological perspective is required in which it is possible to think literature from its dense relations, beyond reductive binarisms. One of the tools is the one provided by world literature, a category propelling epistemological changes making possible to think cultural productions beyond their original place, their cultural geography, and their historicity. This is a category in a phase of consolidation in literary criticism in the Portuguese-speaking world. As a comparative gesture, it allows a cosmopolitan approach in the study of Literatures in Portuguese, through alternative articulations in the comparative approach of these works.

Keywords:
Canon; Post-colonial studies; World literature; Epistemology; Literary criticism

O universal é o local sem paredes.

(Miguel Torga, s.d. [1969TORGA, Miguel. Traço de União: temas portugueses e brasileiros. 2ª Ed. revista. Coimbra, s.d. [1969]. ])

1. ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E LITERATURA-MUNDO: VEREDAS DA INOVAÇÃO EPISTEMOLÓGICA

No civilization has so far been built on the basis of blind imitation of other people.

(Ngugi wa Thiong’o, 1997THIONG’O, Ngugi wa. Writers in Politics: a Re-engagement with Issues of Literature & Society. Oxford: James Curey; Nairobi: AEEP/Portsmouth NH; Heinemann, Revised &Enlarged Edition, 1997.)

Não obstante o backlash que tem vindo a caracterizar o campo dos estudos pós-coloniais, estes têm-se disseminado em novos lugares de enunciação e epistemologia e de interlocução geocrítica, por meio de perspectivas diversas, que permitem ler produções culturais do Sul global, para além de oposições binárias de que resulta(va) que determinadas produções (as africanas, por exemplo) significa(va)m sempre em função das do Norte global. A crítica dessas produções literárias vem mantendo como lugares discursivos alguns tropos, tais como o binarismo “local”/“universal”, por via do qual é local aquele escritor que traz para a cena literária as urgências da sociedade em que vive, enquanto o escritor que tenha as mesmas preocupações decorrentes de espaços considerados “cosmopolitas” seria universal… Trata-se, quanto a mim, de uma visão no mínimo elitista e higiénica do estético, ainda muito enraizada na percepção do literário como essência, contrariando a visão de Northrop Frye segundo o qual a literatura é “uma alegoria potencial de acontecimentos e idéias” (Frye, 1997, p. 74) - o que faz da crítica literária uma interpretação alegórica.

Uma dessas perspectivas diversas de que falei atrás busca a sua substância na crítica pós-colonial (sendo este singular apenas generalizante), em articulação com a categoria literatura-mundo, que tem sido propulsora de uma mudança epistemológica ao permitir pensar as produções literárias de sistemas “menos centrais”, para além do seu locus espaço-temporal original, e estabelecer densas relações, trânsitos e circulações de caráter mundial que vão moldando a sua significação local e translocal, que as fazem significar no “sistema-mundo” literário. É evidente que baseio este viés de análise na perspectiva de “sistemas-mundo” de Immanuel Wallerstein (2004">WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham and London: Duke University Press, 2004.), que, partindo da análise de relações sócio-político-económicas, empresta elementos que permitem compreender as hodiernas relações assimétricas do mundo globalizado, que criou categorias de países centrais, semiperiféricos e periféricos (divisão que, vale dizer, não se confunde com aquela que considera primeiro, segundo e terceiro mundos, cuja substância analítica parece-me sobretudo político-ideológica). Mas esse empréstimo não negligencia a interpenetração entre essas geografias, de cuja dinâmica é suposto resultar alguma relativização (gostaria de poder dizer neutralização) da dominação dos países centrais e a hierarquização entre os países - mesmo consciente de que “[a] ‘análise dos sistemas mundiais’ não é uma teoria sobre o mundo social, nem sobre uma parte dele. É um protesto contra os modos pelos quais a investigação científica social foi estruturada para todos nós desde o seu início em meados do século XIX. Esse modo de investigação tornou-se um conjunto de pressupostos a priori quase sempre não-questionados” (Wallerstein, 1999WALLERSTEIN, Immanuel. Análise dos sistemas mundiais. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan (Orgs.). Teoria Social Hoje. São Paulo: Ed. UNESP, 1999. pp. 447-470. , p. 447). E a literatura-mundo, enquanto instrumento de análise comparatista, permite precisamente questionar esses pressupostos apriorísticos, por exemplo, certas visões preceptísticas do cânone literário.

Por outro lado, é também pensando a crítica pós-colonial como um enfrentamento aos modos de analisar a literatura, desafiando as circunscrições canónicas - por isso muitas vezes é referida como crítica de(s)colonial, o que me parece uma tautologia conceptual -, que é possível perspectivá-la como possibilidade de aliviar a aparente contradição que surge quando se convoca o escopo do “sistema-mundo”. É que esta reflexão se propõe à crítica à epistemologia da crítica literária, porém não se centrando no pressuposto do sistema nacional (o que geraria, com a noção de “sistema-mundo”, uma contradição mais difícil de resolver…), mas em “geografias significantes”, isto é, “as geografias conceituais, imaginativas e reais que os textos, autores e comunidades linguísticas habitam, produzem e alcançam” (Laachir, Marzagora, Orsini, 2018LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies: In lieu of World Literature. Journal of World Literature, v. 3, n. 3, pp. 290-310, 2018., p. 290)1 1 A afirmação original é: “Here we propose the notion of ‘significant geographies’ as the conceptual, imaginative, and real geographies that texts, authors, and language communities inhabit, produce, and reach out to”. . Falo, assim, não apenas de literatura nacional ou de uma produção autoral, mas de amplas comunidades imaginadas, de geografias culturais como as africanas e, particularmente, as de língua portuguesa. Parece produtivo, com efeito, solapar geografias estritamente nacionais, para reter a complexidade dos corpora e obras que captam diferentes experiências do mundo vazadas em escritas em trânsito por meio de redes de circulação que a tradução pode proporcionar, aparte o anglocentrismo que tem caracterizado, de forma quase glotofágica, o mundo da literatura (incluindo o seu estudo na Academia), e não apenas no Ocidente. Para além da “problemática” da tradutibilidade, que é legítima neste contexto e de que falam muitos estudiosos (por exemplo, Emily Apter, em Against World Literature: On the Politics of Untranslatability, de 2013APTER, Emily. Against World Literature: On the Politics of Untranslatability. London: Verso, 2013. ), a tradução pode entender-se como inteligibilidade universal face à diversidade das línguas culturais (Paz, 1980PAZ, Octavio. Traducción: literatura y literalidad. Barcelona: Tusquets, 1980.). Falo, também, de literaturas que podem ser consideradas (semi)periféricas, quer no âmbito da “análise do sistema-mundo”, quer no âmbito do cânone como discurso normativo decorrente do capital literário dos países percepcionados como centro, quer ainda decorrente da língua em que se inscrevem, a língua portuguesa que, sabemo-lo, é uma língua periférica na arena internacional, “seja Portugal (ainda que integrado na União Europeia), sejam os Cinco (talvez com a excepção de Angola, em África), uma vez que o Brasil não é propriamente um exemplo de perifericidade regional (e não será pelo facto de ser um dos membros do BRICS, que é uma realidade apenas de 2009 a esta parte), embora a nível mundial o lugar de cada um dos países seja muito diferente” (Mata, 2015MATA, Inocência. Lusofonia e História: Aferições de pertença. In: Estudos Literários. Vol. 5: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 2015. pp. 105-127., p. 121). Por isso, a condição das literaturas em português, isto é, a sua (semi)perifericidade, parece-me ainda mais extravertida (Hountondji, 2008HOUNTONDJI, Paulin J. Conhecimento de África, conhecimento de Africanos: Duas perspectivas sobre os Estudos Africanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Editora Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, n. 80, pp. 149-160, 2008. ), empreendida pelos agentes literários desses mesmos países do Sul, como se observa no recentemente publicado livro intitulado African Literatures as World Literature (2022), em que se propõe a contestar discursos dominantes, mas em que predomina a análise de obras e autores de língua inglesa, com uma única passagem pela literatura africana de língua francesa e pela produção literária em línguas africanas (em línguas swahili, xhosa e zulu), não existindo, no entanto, uma única referência a nenhuma literatura em português… Por outro lado, num outro capítulo deste livro, “Contemporary African Literature and Celebrity Capital”, Doseline Kiguru reconhece que o campo literário africano vem sendo moldado por prémios extravertidos, europeus mormente, fazendo com que os autores e as obras ganhem visibilidade externa, mas também interna, o que permite conseguir uma projeção internacional dos autores premiados que chegam a erigir-se a estatuto de “autor-celebridade”. Tão normalizada está a centralidade de órgãos de premiação literária do Ocidente - como os britânicos Booker Prize, o Man Booker Prize, o Commonwealth Prize, o Women’s Prize for Fiction, para além de outros (não referidos), como os franceses o Prix Goncourt, o Prix Renaudot, o Prix Maison de la Presse ou o Prix Interallié e, claro, o Prémio Nobel - que eles funcionam como mediação do processo de canonização, ainda que em constante tensão pela abertura a outros autores de consumo interno. O que significa, no entanto, que as instâncias de legitimação literária são fortemente ditadas por instâncias externas. No entanto, é preciso considerar que

[…] tal abertura do cânone literário que esta categoria propulsora de uma metodologia analítica [proporciona] não significa ausência de um filtro hierarquizante: o espaço das “literaturas centrais” continua a ditar o ponto de partida da perspectiva (isto é, continua a ser o diálogo com as “grandes figuras” a iluminar as “figuras menores”), pois o que conta é o “eco” internacional de uma obra. Afinal, a literatura-mundo varia com o que se leu… (Mata, 2020">MATA, Inocência. A mais-valia epistemológica da categoria Literatura-Mundo Comparada nos estudos literários e pós-coloniais. Estudos de Sociologia, Recife, v. 1, n. 26, pp. 111-135, 2020., pp. 114-115).

A consciência desta situação traduz-se, aliás, numa inquietação que arrasto desde há, pelo menos, duas décadas, e que exprimi no ensaio “O universal e o local nas literaturas africanas: uma dicotomia sem suporte” (Mata, 2004">MATA, Inocência. O universal e o local nas literaturas africanas: uma dicotomia sem suporte. ECOS, v. 1 n. 2, pp. 11-21, 2004.). É então que a categoria literatura-mundo, relativamente recente nos estudos literários, (me) tem ajudado a problematizar e a propor outros modos de ler essas literaturas vistas como (semi)periféricas, sempre pensadas em função de autores e literaturas do Norte global, geografia na qual é pressuposto gerar-se o valor literário. Esta é a razão por que considero ser esta categoria da crítica literária imbuída de uma eficaz “mais-valia epistemológica” (Mata, 2020">MATA, Inocência. A mais-valia epistemológica da categoria Literatura-Mundo Comparada nos estudos literários e pós-coloniais. Estudos de Sociologia, Recife, v. 1, n. 26, pp. 111-135, 2020.), pois força a abertura ao conhecimento (e ao consumo) de outras sensibilidades literárias de conteúdo cultural, ainda que mediados por uma perspectiva “ocidentalizante” (quer cultural ou étnico-racial, critério que não se deve negligenciar, mas que, no mundo da língua portuguesa, ainda provoca algum incômodo). Por outro lado, não é de se negligenciar o facto de que, por esse critério extravertido, o exótico tem um lugar importante, que acaba por influenciar essa abertura epistemológica, embora por um viés que considero menos edificante, na medida em que o exótico releva um processo de construção geográfica da alteridade que é própria do Ocidente colonial (Staszak, 2008STASZAK, Jean-François. Qu’est-ce que l’exotisme?. Le Globe: Revue genevoise de géographie, v. 148, pp. 7-30, 2008., p. 7), isto é, da visão ocidentalizante do Outro - afinal, nem sequer é nova a óbvia ideia (que carece de ser repetida, em todo o caso) de que nenhuma civilização se construiu com base na imitação cega de outros povos (Thiong’o, 1997THIONG’O, Ngugi wa. Writers in Politics: a Re-engagement with Issues of Literature & Society. Oxford: James Curey; Nairobi: AEEP/Portsmouth NH; Heinemann, Revised &Enlarged Edition, 1997., p. 67). Com efeito, esse processo implica não apenas a reificação do Outro, reduzido a um papel estereotipado num cenário pitoresco. Mas simultaneamente esse mesmo escritor, que “cumpre” esse papel, é desvalorizado segundo uma sobranceira ética (da) estética… E isso mesmo podendo afirmar-se, sem receio de qualquer gesto mais temerário, que os mundos configurados nas literaturas africanas são desenhados a partir de múltiplas trajetórias transculturais das personagens, o que poderia entender-se como critério da modernidade - por isso se vem falando de literaturas afropolitanas: “Afropolitan literatures” (Neumann; Rippl, 2017NEUMANN, Birgit; RIPPL, Gabriele. Celebrating Afropolitan Identities? Contemporary African World Literatures in English. Anglia, v. 135, issue 1, pp. 159-185, 2017.; Meneses, 2020MENESES, Juan. Toward an Environmental Theory of Afropolitan Literature. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature . London: Bloomsbury , 2020. pp. 85-102.; Rath, 2020RATH, Anna von. Strategic Label: Afropolitan Literature in Germany. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature . London: Bloomsbury , 2020. pp. 37-56.; Neumann, 2020NEUMANN, Birgit. The Worlds of Afropolitan World Literature. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature . London: Bloomsbury , 2020. pp. 13-36.), “Afropolitan writing” (Wasihun, 2016WASIHUN, Betiel. Afropolitan Writing. In: STRAUB, Julia (Ed.). Handbook of Transatlantic North American Studies. Berlin; Boston: De Gruyter, 2016. pp. 391-410. ), “Afropolitan aesthetics” (Eze, 2020EZE, Chielozona. Afropolitan Aesthetics as an Ethics of Openness. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature. London: Bloomsbury, 2020. pp. 131-150.), apenas para citar alguns dos mais recentes estudos sobre “African/Afropolitan World Literatures” nas Academias ocidentais, da Europa e dos Estados Unidos mormente…

Por isso, importa discutir as possibilidades e as condições da ampliação do cânone que a categoria literatura-mundo proporciona, na medida em que permite neutralizar a oposição disjuntiva entre universal e local quando se estudam escritores de países cujas literaturas não estariam no grupo das “altas literaturas” (Perrone-Moisés, 1998PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras , 1998.). É que essa hierarquização literária decorrente de premissas prescritivas do cânone, como as expressões “altas literaturas” ou “escritor universal” podem sugerir, tem levado a análises comparativas normalmente conduzidas de forma a normalizar juízos provenientes de modos de ler pré-estabelecidos e “vícios” de recepção gerados por uma canonicidade educacional ocidental que dita as regras de mercado. Literatura-mundo permite, assim, questionar e desvelar a arqueologia dessa hegemonia num mundo em que a diversidade de experiências é celebrada como ponte para o conhecimento do Mundo.

Como gesto comparatista, esta é uma perspectiva cosmopolita, pela proposta de múltiplas articulações alternativas no estudo comparado - e para ilustrar essa multiplicidade de articulações proporcionada pela literatura-mundo, enquanto categoria epistemológica do comparatismo literário, tomemos como ponto de observação as literaturas africanas em português, entre estas e literaturas do Norte global, por um lado, e por outro, com as “tradicionalmente” entendidas como periféricas, por exemplo, as africanas em outras línguas europeias. Note-se que essa rede de subalternidades se deve ao facto de a condição subalterna não ser exclusiva de grupos e identidades socialmente periféricas, ou marginalizadas e invisibilizadas, mas ela pode ser flutuante, na medida em que participam em mundos de vidas subordinadas a narrativas “maiores” de instituições dominantes (Chakrabarty, 2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton and Oxford: Univ. Princeton, 2008. , p. 101) - até porque, dissera antes Chakrabarty, “minoria e maioria não são […] entidades naturais; são construções” (2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton and Oxford: Univ. Princeton, 2008. , p. 100). O que quer dizer que o poder (a dominação, enfim) é uma relação (e não um fenómeno): tal como a relação que uma escritora como Chimamanda Ngozi Adichie mantém com uma outra como Conceição Evaristo (ambas narrativizam experiências históricas, individuais e coletivas), no âmbito da política da estética, relaciona-se com o poder das instâncias de legitimação de ambas, também a relação que a literatura portuguesa mantém com a angolana é diferente da que mantém com a francesa, por exemplo. E essa diferença não é de grau, é de natureza: enquanto na primeira relação o “argumento” do tempo funciona como fator de majoração (os mais de 800 anos da literatura portuguesa e os quase, apenas, 180 anos da literatura angolana), a segunda relação pode convocar a “universalidade” da literatura francesa comprovada pelas quase duas dezenas de Prémios Nobel (Annie Ernaux, Prémio Nobel de 2022, foi a 17ª galardoada francesa, enquanto Portugal - pior, a língua portuguesa - teve apenas um único: José Saramago).

Não é difícil imaginar que esse pensamento hierarquizante sancionado pela obediência ao cânone decorre não apenas do que considero ser a ideologia do “cânone literário”, que empreende a normalização da hegemonia cultural do Norte, mas também advém da “política do cânone” (Thiong’o, 1997THIONG’O, Ngugi wa. Writers in Politics: a Re-engagement with Issues of Literature & Society. Oxford: James Curey; Nairobi: AEEP/Portsmouth NH; Heinemann, Revised &Enlarged Edition, 1997.), aliada à educação para a obediência aprendida na Escola por meio de seus manuais de Português e programas de Literatura. Não admira que muita crítica da literatura africana (de novo, um singular apenas generalizante) se faça, ainda, por via de mediações do centro (universidades do Norte global, suas instituições e seus instrumentos, tais como programas, outcomes de investigação, teses e dissertações), que, em rigor continuam a funcionar como “centro metropolitano”, de onde emanam os preceitos do cânone literário. Mas devem também ser considerados outros agentes (académicos, autores de manuais escolares, editores e críticos) de países satélites do Sul, que assumem uma perspectiva subalternizante ao celebrar a produção que se afasta de questões locais, buscando o que se designa por questões universais; e com isso se reforça a ideia da qualificação de modelos literários e da rarefação (ou desvanecimento) do real histórico ou a “estreiteza” desse cânone que é imposto como higiénico e exclusivamente estético (como se a estética fosse a única dimensão do literário!). Essas instituições e instâncias literárias acima referidas (a academia, as editoras e os editores, o círculo da crítica literária, os prémios, a que acrescentaria a Escola e os manuais) talvez devessem estar conscientes de que o exercício da sua função é inseparável das suas opções ideológicas, como partícipes que são de uma memória do sistema literário. Esta não deve ser apenas uma preocupação das disciplinas de Literatura (crítica, teoria e história literárias), até porque desde os anos 60 do século XX, na disciplina de História, se reivindica a inclusão e a representação das consideradas “minorias” - as quais sabemos serem construções, e que podemos entender como “minorias sociológicas” e não necessariamente quantitativas desde Albert Memmi (1967), em Retrato do Colonizado precedido do Retrato do Colonizador (livro publicado em francês em 1957, no início da onda independentista das colónias europeias de África). E também na esteira de Dipesh Chakrabarty, quando fala, em Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference (2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton and Oxford: Univ. Princeton, 2008. ), de exclusões da história, é preciso ter presente que as exclusões do cânone e a ausência da dimensão de diversidade e representatividade são de natureza epistemológica. Urge considerar-se a diversidade (ousaria dizer, multiplicidade) de sensibilidades estéticas, pois a subjetividade tem de ser um critério a ter em conta na construção da qualidade literária, porque implica um grau de relativismo que decorre de lugares de enunciação (e de recepção) geoculturais e até ideológicos.

Os fenómenos de percepção e da normalização da qualificação apriorística do literário, como os que acontecem amiúde mesmo na Academia (em que a mentalidade preconceituosa determina que “o que eu não conheço não pode valer a pena ter em conta”), decorrem do facto de não se considerar que se uma das dimensões do cânone é também política, propulsora da tensão que podemos denominar como “guerra de cânone”, a outra é a representatividade, sobretudo considerando que “a configuração de um cânone não é coincidente com a formação e com a consolidação sociocultural de uma literatura nacional, sendo-lhe inevitavelmente subsequente” (Reis, 2017">REIS, Carlos. Diversidade e cânone literário: cinco teses. In: FERREIRA, António Manuel et al. (Eds.). Pelos Mares da Língua Portuguesa 3. Aveiro: UA Editora, 2017. pp. 29-43., p. 32). E mais ainda numa situação como a das literaturas de países que nasceram sob o signo da afirmação da diferença em relação à chamada “literatura ultramarina”, que seria um capítulo da literatura portuguesa. Gilles Deleuze e Félix Guattari fornecem instrumentos para pensar esta questão de um ponto de vista mais heurístico e não propriamente avaliativo. Com base no que dizem estes autores, que partem do estudo da obra de Kafka, estaríamos face a exemplos de uma “literatura menor”, enquanto literatura de um grupo minoritário do ponto de vista linguístico, porém no sentido de o serem no âmbito de uma literatura maior - ou, no caso, de duas literaturas maiores, a portuguesa (por razões “etárias”) e a brasileira (por razões de “amplidão”), de uma língua “afectada por um forte coeficiente de desterritorialização” (Deleuze; Gauttari 2003DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Para uma Literatura Menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003., p. 38). Relembro que Deleuze e Guattari foram descritivos e não avaliativos:

As três categorias da literatura menor são a desterritorialização da língua, a ligação do individual com o imediato político, o agenciamento colectivo de enunciação. O mesmo será dizer que “menor” já não qualifica certas literaturas, mas as condições revolucionárias de qualquer literatura no seio daquela a que se chama grande (ou estabelecida) (Deleuze; Guattari, 2003DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Para uma Literatura Menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003., pp. 41-42).

Quer dizer, as literaturas africanas seriam menores pelos contextos circunstanciais (no caso beligerantes) em que surgiram, se desenvolveram e se desenvolvem, afinal, “no seio daquela que se chama grande (ou estabelecida)” (Deleuze; Guattari, 2003DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Para uma Literatura Menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003., pp. 41-42). O que seria uma característica dessas literaturas (se concordamos com esta proposta teórica) é o conceito alimentar-se do contexto sócio-histórico da produção da obra e da circunstância de seus autores, isto é, a conjuntura fenomenológica na qual surge a obra e com a qual dialoga. Vale dizer, também, que falamos de obras e não necessariamente do sistema em que se insere essa obra - isto é, dois escritores de um mesmo sistema podem ter circulações diferentes, circulações mais ou menos intensas (até pelas traduções da sua obra): Robert Young, no seu artigo “World Literature and Postcolonialism” refere-se ao caso da “mundialização” da obra de Clarice Lispector só acontecer quando foi promovida (entenda-se, traduzida) por Hélène Cixous em Paris (2012, p. 214). Com efeito, uma obra de um sistema terá o destino dependente do processo de leitura e de trânsitos, e esse destino pode ser diferente do corpo de obras de que faz parte - e os exemplos abundam, sobretudo com escritores africanos expatriados no Norte global, escritores euro-descendentes e aqueles percepcionados como herdeiros do sistema do cânone mundial.

2. LITERATURA-MUNDO E A ÉTICA (DA) CRÍTICA

[T]he affective and effective uniqueness of world literatures only comes to the fore when considering their distinct power to creatively make worlds.

(Neumann; Rippl, 2017NEUMANN, Birgit; RIPPL, Gabriele. Celebrating Afropolitan Identities? Contemporary African World Literatures in English. Anglia, v. 135, issue 1, pp. 159-185, 2017.)

Porque convocar a relação entre literatura-mundo e sistema-mundo numa reflexão sobre a epistemologia da crítica literária, no âmbito da Crítica anticolonial no império português: perspectivas culturais e políticas? Precisamente pela “aprendizagem” que encontro em Immanuel Wallerstein e na sua teoria que constitui “um avanço na epistemologia interpretativa do mundo” (Martins, 2015MARTINS, José Ricardo. Immanuel Wallerstein e o sistema-mundo: uma teoria ainda atual? Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales, V, pp. 95-108, 2015. , p. 96), defendendo eu que a diferença entre países centrais, semiperiféricos e periféricos não advém de quaisquer características intrínsecas a esses países, mas ao próprio sistema das relações culturais que, dimensionadas na dinâmica hegemónica da era do pós-colonialismo, tendem a reproduzir relações culturais e epistemológicas desiguais. É, no entanto, importante não esquecer que, quando falamos de sistemas do mundo, estamos a pensar numa dimensão holística: política, económica, cultural e social - quatro fatores que, segundo Gisèle Sapiro, podem implementar ou inibir a circulação de bens simbólicos num contexto particular (Sapiro, 2016SAPIRO, Gisèle. How Do Literary Works Cross Borders (or Not)?. Journal of World Literature , v. 1, n. 1, pp. 81-96, 2016., p. 82), mas que individualmente podem ser irrelevantes (daí ser produtivo, parece-me, comparar duas escritoras do Sul global, Chimamanda Ngozi Adichie e Conceição Evaristo, para se perceber as dinâmicas do impacto das suas obras, a começar pelo poder da geografia). No seu diálogo com os estudos subalternos e pós-coloniais, a categoria literatura-mundo levanta profícuas questões sobre o próprio campo dos estudos literários, seus pressupostos e suas práticas críticas, seus usos e os limites institucionais de formulações preceptísticas e universalizantes do literário.

Apesar de muito criticada, por razões diferentes (a última crítica, de Baidik Bhattacharya, considera-a ultrapassada no sentido em que ela esteve sempre prenhe de histórias coloniais), esta constitui, em todo o caso, uma perspectiva epistemológica alternativa dos estudos literários por meio da qual é possível pensar a literatura (e as literaturas em português, em particular) para além da sua nacionalidade. Porque, ensina-nos David Damrosch (2003DAMROSCH, David. What is World Literature? Princeton: Princeton University Press, 2003.), a literatura-mundo não é um infinito, inapreensível cânone das obras, mas sim um modo de circulação e de leitura, um modo que é tão aplicável a obras individuais quanto a um corpo de obras, um modo disponível tanto para ler clássicos consagrados quanto para ler novas descobertas. Por outro lado, permite que a literatura seja lida, aos olhos da literatura-mundo comparada, através de significações a partir das suas densas relações de trânsitos, disseminações e circulações de caráter mundial, para além, portanto, dos referidos redutores binarismos - a que chamo tropos, na esteira de Hayden White em Trópicos do Discurso (primeiramente publicado em inglês, em 1978) - como local/global, nacional/universal, tradição/modernidade, ou hoje o mais “produtivo” de todos neste contexto, centro/periferia: é esta oposição que parece constituir o pilar conceptual do Warwick Research Collective (WReC) e a sua perspectiva de literatura-mundial, termo que, para além da pouca transparência linguística2 2 Na verdade, diferentemente de literatura-mundial, cuja morfologia não tem fundamento no âmbito das regras morfológicas da gramática da língua portuguesa, no termo literatura-mundo (aqui também com hífen) o 2º constituinte não é um adjetivo, funcionando, antes, como um predicativo que caracteriza a palavra literatura, mas não a qualifica. , parece marginalizar o poder e o alcance do eixo periferia-periferia (ou, melhor, sul-sul), no que diz respeito a trânsitos, disseminações literárias, viagens de conceitos e circulações. E revoluções. Tal como a escrita da história, também a crítica literária tem de pressupor modos plurais de escrever o mundo, como afirmam Birgit Neumann e Gabriele Rippl em afirmação que resgato da epígrafe que introduz este trecho da minha reflexão: “[T]he affective and effective uniqueness of world literatures only comes to the fore when considering their distinct power to creatively make worlds” (Neumann; Rippl, 2017NEUMANN, Birgit; RIPPL, Gabriele. Celebrating Afropolitan Identities? Contemporary African World Literatures in English. Anglia, v. 135, issue 1, pp. 159-185, 2017., p. 159).

Trata-se, com efeito, de um instrumento que permite “provincializar”, ou seja, descentrar, a literatura mundial, no sentido de uma busca do diálogo entre a pluralidade das diferentes expressões literárias do mundo - o que vai ao encontro do que Dipesh Chakrabarty propõe no livro acima citado: uma metáfora de renovação do cânone, do seu descentramento, pela convocação de uma pluralidade de tempos e de geografias, ao mesmo tempo em que se processa uma disjunção do presente, como o que foi conseguido, julgo eu, no Projeto Literatura-Mundo Comparada: Perspectivas em Português, sediado no Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A partir de dez categorias temáticas (a saber: Conflito e Violência; Memória e Vida; Humor, Sátira e Ironia; Poesia sobre Poesia; Viagens e (Des)Conhecimento do Outro; Amor e Experiência; História e Identidade; Cartografias da Tradição; Literatura e Condição Humana; Língua e Variação), foi possível pôr em diálogo improvável autores como Afonso X (Rei de Castela e Leão) e Castro Alves, Alexandre Herculano, Paulina Chiziane, Agostinho Neto, Moacyr Scliar, D. Francisco Manuel de Melo, Jorge Amado, José Saramago, Dina Salústio, José Luís Mendonça - e sempre e sempre Luís de Camões (Parte I: Mundos em Português, cf. Buescu; Mata, 2017BUESCU, Helena Carvalhão; MATA, Inocência (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português. Parte I: Mundos em Português. Lisboa: Tinta da China, 2017. (02 vols.)); Dante, Louis Aragon, Goethe, Heine e Flaubert; Séneca, Petrarca, Tolstoi, Pasternak e Primo Levi (Parte II: O Mundo Lido: Europa, cf. Buescu et al., 2018BUESCU, Helena Carvalhão et al. (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português . Parte II: O Mundo Lido: Europa. Lisboa: Tinta da China , 2018. (02 vols.)). Já para não falar na Parte III (Pelo Tejo Vai-se para o Mundo, cf. Buescu; Valente, 2020BUESCU, Helena Carvalhão; VALENTE, Simão. (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português . Parte III: Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Lisboa: Tinta da China , 2020. (02 vols.)), do diálogo entre Frederick Douglass e José Martí, Bob Dylan e Arundhati Roy, Senghor e Tagore…. O princípio foi tornar visível essa disjunção a partir de todas as produções literárias, em que cada uma funciona como uma província do continente literário.

[P]rovincializing Europe is not a project of rejecting or discarding European thought […].

European thought is at once both indispensable and inadequate in helping us to think through the experiences of political modernity in non-Western nations, and provincializing Europe becomes the task of exploring how this thought - which is now everybody’s heritage and which affect us all - may be renewed from and for the margins (Chakrabarty, 2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton and Oxford: Univ. Princeton, 2008. , p. 16).

Vejo, assim, na proposta deste instrumento de análise, a possibilidade de uma reconfiguração do princípio do cânone literário, cuja centralidade é (ainda) ensinada, aprendida, internalizada, acabando por se normalizar de forma determinista, devido ao eficaz funcionamento das instituições da literatura, atrás referidas, na constituição do cânone: no caso das literaturas em português, vemos como a portuguesa funciona como literatura central, a brasileira como semiperiférica e as africanas como periféricas - sem contar com as mais periféricas da periferia, que uma vez designei com sendo “a periferia da periferia” (Mata, 1995">MATA, Inocência. A periferia da periferia. Discursos, n. 9, pp. 27-36, fev. 1995.), referindo-me às literaturas são-tomense e guineense - sendo que essa divisão encontra “legitimidade” na hierarquização geocultural com a reiterada afirmação da exclusividade do estético na consideração do que seja “qualidade literária”. Essa realidade é reconhecida enquanto “problema”. Num dos primeiros artigos em português sobre literatura-mundo no mundo da língua portuguesa, Helena Buescu afirma:

[T]he recognition of a postcolonial and of a postimperial debate also highlights how literatures in Portuguese may contribute decisively to a non-Eurocentric view of Europe. The European colonial and imperial past becomes part of Europe’s present, and the historical divide between centre (the colonial capital) and peripheries (the colonies) is rearranged in a new way, thereby producing a different view of Europe: a world-view of Europe (Buescu, 2013BUESCU, Helena. Worlding Literatures in Portuguese. 1616: Anuario de Literatura Comparada, Ediciones Universidad de Salamanca, n. 3, pp. 19-31, 2013., p. 16).

Tendo como ponto de observação o mundo em português, Helena Buescu reconhece o contributo das literaturas africanas, quer na necessidade de ampliar os debates a outros espaços linguísticos que não os de língua inglesa, quer no desenvolvimento da consciência da extensão e da amplitude geográfica desses espaços linguísticos, que, no entanto, repercutem a Europa, centro histórico onde nasceu o português, combinando raízes e desenvolvimentos europeus e não europeus (Buescu 2013BUESCU, Helena. Worlding Literatures in Portuguese. 1616: Anuario de Literatura Comparada, Ediciones Universidad de Salamanca, n. 3, pp. 19-31, 2013., pp. 16-17). Não obstante esse reconhecimento, nem sempre a crítica das literaturas africanas assume uma postura tão “cosmopolita”. Embora situada num tempo que se esperaria bem passado, quando as literaturas africanas pugnavam por se afirmar disciplinarmente na Academia portuguesa, a seguinte afirmação de Carlos Reis ainda é muito pertinente:

Não é raro encontrar-se ainda, na comunidade académica portuguesa, uma mal disfarçada resistência contra o reconhecimento do significado próprio das chamadas Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa; fruto, em parte, de reminiscências ideológicas de raiz colonialista, essa resistência funda-se também na leitura de tais literaturas à luz do cânone literário português e europeu, leitura que, desse ponto de vista, é naturalmente desqualificadora (Reis, 1995REIS, Carlos. O Conhecimento da Literatura. Coimbra: Livraria Almedina, 1995., p. 77).

É a este gesto de comparação para hierarquizar, porventura inconsciente porque se trata de educação literária do crítico (e do) leitor, que também está submetido o escritor africano, ele próprio eventualmente dimensionado num sistema que é legado branco-ocidental, em cujas formas fixas é suposto serem vazadas quaisquer experiências africanas (Mata, 2004">MATA, Inocência. O universal e o local nas literaturas africanas: uma dicotomia sem suporte. ECOS, v. 1 n. 2, pp. 11-21, 2004., p. 16). Fronteira e limites parecem ser os dois eixos de uma necessária “apropriação”, se considerarmos, com Chinua Achebe (num artigo de 1975 sobre “The African writer and the English Language”, assunto a que o autor regressa em A Educação de uma Criança sob o Protectorado Britânico, 2009ACHEBE, Chinua. A Educação de uma Criança sob o Protectorado Britânico. 2009.), que a propósito dos escritores africanos (e suas obras) afirma: “They are by-products of the same process that made the new nation-states of Africa” (1994, p. 430). E a sua obra, também para esses escritores, só se legitima com base numa crítica estrangeira - mormente europeia, de antigas metrópoles. E quanto mais estrangeiras, maior a auto-estima: “[…] with an eye on the main chance - outside their own countries”, diz Achebe (1994ACHEBE, Chinua. The African Writer and the English Language. In: WILLIAMS, Patrick; CHRISMAN, Laura (Eds.). Colonial Discourse and Post-Colonial Theory: A Reader. London: Harvester Wheatsheaf, 1994. pp. 428-434., p. 430)… Por isso, não me parecem proceder as alegações de Robert Young, quando afirma que

Whereas at some level world literature must always be claimed as universal for it to merit its place at the world literary table, postcolonial literature makes no such assertion, and indeed insofar as it involves resistance, will always in some sense be partial, locked into a particular problematic of power.

[…]

The [post-colonial] writer is less concerned with aesthetic impact than making a critical intervention, an intervention that is always directed beyond the novel, to the state of the world outside (Young, 2012YOUNG, Robert C. World Literature and Postcolonialism. In: D’HAEN, Theo; DAMROSCH, David; KADIR, Djelal (Eds.). The Routledge Companion to World Literature. London: Taylor & Francis Group, 2012. pp. 213-222., p. 215)3 3 Nesse artigo, Robert Young faz afirmações que convidam a um debate que, no entanto, não cabe no âmbito desta reflexão, como, por exemplo: “This may be because the basis of postcolonial literature has never been, in the first instance, aesthetic criteria, but rather, the effect that it seeks to achieve - it is a literature written against something, namely conditions that obtain in the everyday world […]. Postcolonial literature does not simply illustrate the diversity of different cultures around the globe.” Estas afirmações indiciam, quanto a mim, uma percepção equivocada do pós-colonial, pois parte do princípio que é pós-colonial a literatura feita por ex-colonizados, por escritores de países outrora colonizados - como se o colonial influenciasse apenas os territórios do Império e não a sua metrópole (uma percepção que vem de Ashcroft, Griffiths e Tiffin, 1989, que, no entanto, escreveram duas décadas e meias antes de Young!). Com efeito, é tão pós-colonial o romance O Alegre Canto da Perdiz, de Paulina Chiziane, quanto Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo; tão pós-colonial é O Esplendor de Portugal, de António Lobo Antunes, quanto Predadores, de Pepetela. Quão pós-coloniais não são as ex-metrópoles coloniais Bruxelas, Lisboa, Londres ou Paris?! .

As considerações de Chinua Achebe, que me parecem mais razoáveis, fazem pensar que o que parece ser um gesto individual é, na verdade, um gesto sistémico: e, assim, um romance africano pode acabar por ser lido a partir de um horizonte cuja escala de valor releva de outros modelos literários, quase sempre de matriz europeia (interessante, neste contexto, é pensar na irónica interrogação do título do primeiro romance, de 2022, de João Melo, Será este um Romance?). O senegalês Mohamadou Kane refletiu, em Roman Africain et Traditions (1982), sobre o romance (e o conto) como forma narrativa resultante da continuidade do “discurso tradicional oral” para o “discurso escrito”. Mais recentemente, alguns estudiosos, que o consideram como “legado da colonização”, dizem possuir o romance uma configuração híbrida de múltipla tradição no continente africano (Leite et al., 2022LEITE, Ana Mafalda et al. (Orgs.). O Romance Africano: tensões, conexões, tradições. Goiânia: Cegraf UFG, 2022., p. 10). Ora, a ideia de “género tradicional” que, enraizado no “terreno africano”, passa a um “género de importação”, parece-me muito discutível. Esta parece ser mais uma questão arquetípica que de “herança colonial”. Mas mesmo aceitando tal possibilidade de transformação genológica, a partir da ideia das “múltiplas temporalidades africanas, contemplando dialeticamente a ancestralidade, a colonialidade e a contemporaneidade” (Leite et al., 2022LEITE, Ana Mafalda et al. (Orgs.). O Romance Africano: tensões, conexões, tradições. Goiânia: Cegraf UFG, 2022., p. 11), a pergunta que não cala é: quão colonial será o legado de romancistas asiáticos, Kenzaburo Oe ou Mo Yan, por exemplo, para referir dois Prémios Nobel asiáticos?

A cultura literária que ainda é vazada nos manuais escolares dos países periféricos continua a ser, pois, primordialmente ocidental. Basta para tal percorrer os manuais de Português em uso nos Cinco países africanos de língua portuguesa, ainda que refiram, aqui e ali, com bondade, diferenças de cultura literária - ora, sabemos que a diferença nomeia também uma relação, na medida em que ao separar também liga. E se houve um tempo em que esta prevalência poderia ser vista porventura como uma inevitabilidade, hoje é muito inquietante ver como se processou a naturalização desta situação de obediência a um determinado cânone. O queniano Ngugi Wa Thiong’o alia a obediência ao cânone - a que ele chama, em sua reflexão sobre a “política do cânone”, “a pureza da civilização ocidental”, concentrada, no campo literário, em Shakespeare - a outro aspecto: às constantes omissões da história relacionadas com o colonialismo, os momentos de repressão e o neocolonialismo, em debates sobre a constituição da modernidade e da pós-modernidade (Thiong’o, 1997THIONG’O, Ngugi wa. Writers in Politics: a Re-engagement with Issues of Literature & Society. Oxford: James Curey; Nairobi: AEEP/Portsmouth NH; Heinemann, Revised &Enlarged Edition, 1997., p. 3). Isto é, o cânone tem de ser lido no contexto de uma realidade historicizada.

Partindo de lugares de enunciação diferentes - Thiong’o da África (Quênia), da “política do cânone”, e Chakrabarty da Ásia (Índia), do que ele designa como “passados subalternos” -, os dois estudiosos reivindicam a heterogeneidade contra a redução do mundo a um princípio englobante que se erige à representação de um todo previamente determinado (Chakrabarty, 2008CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton and Oxford: Univ. Princeton, 2008. , p. 107). Não há nada de beligerante nessa reivindicação - quanto muito seria o que Bill Ashcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin designaram como writing back, parafraseando, aliás, Salman Rushdie, no seminal livro The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-Colonial Literatures (1989ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-Colonial Literatures. London; New York: Routledge, 1989. )4 4 Nem é despiciendo o facto de Chinua Achebe escrever também o artigo com o título “The Empire Fights Back” (2003). . Assim como os estudos de género questionam a perspectiva teórica e a prática crítica que decalcam modelos masculinos como universais (daí constituir, para mim, uma completa contradição a designação de poeta atribuída a uma autora de poesia, em vez do nome feminino poetisa, que adviria do reconhecimento desse lugar de fala feminino que aponta, também, para a desocultação terminológica e a sua visibilização contribuindo para o “empoderamento” feminino), literatura-mundo possibilita um alargamento significativo do cânone.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isto dito, e para terminar, não se trata, no reconhecimento de uma produtiva interlocução entre as duas áreas, Estudos pós-coloniais e Literatura-mundo, de uma panaceia ao eurocentrismo. Longe disso. No seu livro Postcolonial Writing in the Era of World Literature: Texts, Territories, Globalizations (2018BUESCU, Helena Carvalhão; MATA, Inocência (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português. Parte I: Mundos em Português. Lisboa: Tinta da China, 2017. (02 vols.)), dos mais recentes (e poucos) cruzamentos teóricos entre as duas áreas, Baidik Bhattacharya considera que literatura-mundo continua a reproduzir o cânone ocidental, e mais precisamente anglófono, numa continuidade que remonta ao século XIX. Nada de novo: até a começar pelo facto de que não se consideram literaturas escritas em línguas africanas (porventura com a exceção da língua suaíli). Ninguém ignora, portanto, que esta ferramenta da Literatura Comparada não escapa, e nem sequer os seus críticos mais produtivos, por razões muito diferentes (que não cabem no âmbito desta reflexão), às armadilhas da visão eurocêntrica, que continua a concentrar no “cânone ocidental” a bissetriz do literário: desde Cláudio Guillén (1993GUILLÉN, Cláudio. The Challenge of Comparative Literature. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993. ) a Emily Apter (2013APTER, Emily. Against World Literature: On the Politics of Untranslatability. London: Verso, 2013. ), de Franco Moretti (2000MORETTI, Franco. Conjectures on World Literature. New Left Review, pp. 54-68, Jan-Feb. 2000.) ao coletivo do WReC (2015WreC (Warwick Research Collective). Combined and Uneven Developement: Towards a New Theory of World-Literature. Liverpool: Liverpool University Press, 2015.; 2020">WreC (Warwick Research Collective). Desenvolvimento Combinado e Desigual: Por uma teoria da literatura mundial. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2020.) - embora haja perguntas que se impõem: o que difere “world literary system” de Moretti de “world-literature” de Damrosch? Ou literatura-mundo de literatura-mundial, passando por cima da estranha formação desta palavra, como referido na nota 2?

Considero, em todo o caso, que o gesto comparativo proposto por literatura-mundo permite uma articulação conjuntiva, de efeito dialético, em que o solapamento (ou a ultrapassagem) do local gera, pela dinâmica da significação simbólica, o universal, dando razão à filosófica proposição de Miguel Torga, que resgato da epígrafe, segundo o qual “[o] universal é o local sem paredes. É o autêntico que pode ser visto de todos os lados, e em todos os lados está certo, como a verdade” ([s.d.] 1969TORGA, Miguel. Traço de União: temas portugueses e brasileiros. 2ª Ed. revista. Coimbra, s.d. [1969]. , p. 69). É por isso importante reiterar o papel não apenas técnico da crítica literária (sobretudo a crítica endógena), mas necessariamente ativo na percepção, nas obras em estudo, dos sinais de uma identidade sempre em trânsito que se quer inscrita na agenda da literatura mundial, nas suas segmentais identidades civilizacionais, definindo a partir de que lugar estão a ser lidos. Apesar da proposta de um descentramento do nacional, do geocultural e do tempo histórico, tendo em conta as outras duas dimensões da literatura, para além da estética (a histórica e a sociocultural), convém que tanto a obra quanto o crítico (um leitor, afinal) não se percam numa nuvem atemporal, para me reportar à percepção de Italo Calvino em relação aos clássicos, pois os clássicos, prossegue Calvino, “servem para entender quem somos e aonde chegamos” (2007CALVINO, Italo. Por Que Ler os Clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007., p. 16).

REFERÊNCIAS

  • ACHEBE, Chinua. The African Writer and the English Language. In: WILLIAMS, Patrick; CHRISMAN, Laura (Eds.). Colonial Discourse and Post-Colonial Theory: A Reader. London: Harvester Wheatsheaf, 1994. pp. 428-434.
  • ACHEBE, Chinua. A Educação de uma Criança sob o Protectorado Britânico. 2009.
  • ACHEBE, Chinua. The Empire Fights Back. In: ACHEBE, Chinua, Home and Exile. Canongate Books Ltd.: Edinburg, 2003. pp. 37-72.
  • APTER, Emily. Against World Literature: On the Politics of Untranslatability. London: Verso, 2013.
  • ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-Colonial Literatures. London; New York: Routledge, 1989.
  • BHATTACHARYA, Baidik. Postcolonial Writing in the Era of World Literature: Texts, Territories, Globalizations. London: Routledge India, 2018.
  • BUESCU, Helena Carvalhão; MATA, Inocência (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português. Parte I: Mundos em Português. Lisboa: Tinta da China, 2017. (02 vols.)
  • BUESCU, Helena Carvalhão et al. (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português . Parte II: O Mundo Lido: Europa. Lisboa: Tinta da China , 2018. (02 vols.)
  • BUESCU, Helena Carvalhão; VALENTE, Simão. (Coords.). Literatura Mundo Comparada: Perspectivas em Português . Parte III: Pelo Tejo vai-se para o Mundo. Lisboa: Tinta da China , 2020. (02 vols.)
  • BUESCU, Helena. Worlding Literatures in Portuguese. 1616: Anuario de Literatura Comparada, Ediciones Universidad de Salamanca, n. 3, pp. 19-31, 2013.
  • CALVINO, Italo. Por Que Ler os Clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton and Oxford: Univ. Princeton, 2008.
  • DAMROSCH, David. What is World Literature? Princeton: Princeton University Press, 2003.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: Para uma Literatura Menor. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003.
  • EZE, Chielozona. Afropolitan Aesthetics as an Ethics of Openness. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature. London: Bloomsbury, 2020. pp. 131-150.
  • FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973.
  • GUILLÉN, Cláudio. The Challenge of Comparative Literature. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1993.
  • HOUNTONDJI, Paulin J. Conhecimento de África, conhecimento de Africanos: Duas perspectivas sobre os Estudos Africanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Editora Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, n. 80, pp. 149-160, 2008.
  • KIGURU, Doseline. Contemporary African Literature and Celebrity Capital. In: FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literature. London: Bloomsbury Academic, 2022. pp. 189-212.
  • LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies: In lieu of World Literature. Journal of World Literature, v. 3, n. 3, pp. 290-310, 2018.
  • LEITE, Ana Mafalda et al. (Orgs.). O Romance Africano: tensões, conexões, tradições. Goiânia: Cegraf UFG, 2022.
  • MATA, Inocência. Lusofonia e História: Aferições de pertença. In: Estudos Literários. Vol. 5: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 2015. pp. 105-127.
  • ">MATA, Inocência. A mais-valia epistemológica da categoria Literatura-Mundo Comparada nos estudos literários e pós-coloniais. Estudos de Sociologia, Recife, v. 1, n. 26, pp. 111-135, 2020.
  • ">MATA, Inocência. A periferia da periferia. Discursos, n. 9, pp. 27-36, fev. 1995.
  • ">MATA, Inocência. O universal e o local nas literaturas africanas: uma dicotomia sem suporte. ECOS, v. 1 n. 2, pp. 11-21, 2004.
  • MARTINS, José Ricardo. Immanuel Wallerstein e o sistema-mundo: uma teoria ainda atual? Iberoamérica Social: revista-red de estudios sociales, V, pp. 95-108, 2015.
  • MENESES, Juan. Toward an Environmental Theory of Afropolitan Literature. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature . London: Bloomsbury , 2020. pp. 85-102.
  • MORETTI, Franco. Conjectures on World Literature. New Left Review, pp. 54-68, Jan-Feb. 2000.
  • NEUMANN, Birgit. The Worlds of Afropolitan World Literature. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature . London: Bloomsbury , 2020. pp. 13-36.
  • NEUMANN, Birgit; RIPPL, Gabriele. Celebrating Afropolitan Identities? Contemporary African World Literatures in English. Anglia, v. 135, issue 1, pp. 159-185, 2017.
  • PAZ, Octavio. Traducción: literatura y literalidad. Barcelona: Tusquets, 1980.
  • PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras , 1998.
  • RATH, Anna von. Strategic Label: Afropolitan Literature in Germany. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature . London: Bloomsbury , 2020. pp. 37-56.
  • REIS, Carlos. O Conhecimento da Literatura. Coimbra: Livraria Almedina, 1995.
  • ">REIS, Carlos. Diversidade e cânone literário: cinco teses. In: FERREIRA, António Manuel et al. (Eds.). Pelos Mares da Língua Portuguesa 3. Aveiro: UA Editora, 2017. pp. 29-43.
  • SAPIRO, Gisèle. How Do Literary Works Cross Borders (or Not)?. Journal of World Literature , v. 1, n. 1, pp. 81-96, 2016.
  • STASZAK, Jean-François. Qu’est-ce que l’exotisme?. Le Globe: Revue genevoise de géographie, v. 148, pp. 7-30, 2008.
  • THIONG’O, Ngugi wa. Writers in Politics: a Re-engagement with Issues of Literature & Society. Oxford: James Curey; Nairobi: AEEP/Portsmouth NH; Heinemann, Revised &Enlarged Edition, 1997.
  • TORGA, Miguel. Traço de União: temas portugueses e brasileiros. 2ª Ed. revista. Coimbra, s.d. [1969].
  • WALLERSTEIN, Immanuel. Análise dos sistemas mundiais. In: GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan (Orgs.). Teoria Social Hoje. São Paulo: Ed. UNESP, 1999. pp. 447-470.
  • ">WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham and London: Duke University Press, 2004.
  • WASIHUN, Betiel. Afropolitan Writing. In: STRAUB, Julia (Ed.). Handbook of Transatlantic North American Studies. Berlin; Boston: De Gruyter, 2016. pp. 391-410.
  • WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura. 2ª Ed. São Paulo: EdUSP, 2001.
  • WreC (Warwick Research Collective). Combined and Uneven Developement: Towards a New Theory of World-Literature. Liverpool: Liverpool University Press, 2015.
  • ">WreC (Warwick Research Collective). Desenvolvimento Combinado e Desigual: Por uma teoria da literatura mundial. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2020.
  • YOUNG, Robert C. World Literature and Postcolonialism. In: D’HAEN, Theo; DAMROSCH, David; KADIR, Djelal (Eds.). The Routledge Companion to World Literature. London: Taylor & Francis Group, 2012. pp. 213-222.
  • 1
    A afirmação original é: “Here we propose the notion of ‘significant geographies’ as the conceptual, imaginative, and real geographies that texts, authors, and language communities inhabit, produce, and reach out to”.
  • 2
    Na verdade, diferentemente de literatura-mundial, cuja morfologia não tem fundamento no âmbito das regras morfológicas da gramática da língua portuguesa, no termo literatura-mundo (aqui também com hífen) o 2º constituinte não é um adjetivo, funcionando, antes, como um predicativo que caracteriza a palavra literatura, mas não a qualifica.
  • 3
    Nesse artigo, Robert Young faz afirmações que convidam a um debate que, no entanto, não cabe no âmbito desta reflexão, como, por exemplo: “This may be because the basis of postcolonial literature has never been, in the first instance, aesthetic criteria, but rather, the effect that it seeks to achieve - it is a literature written against something, namely conditions that obtain in the everyday world […]. Postcolonial literature does not simply illustrate the diversity of different cultures around the globe.” Estas afirmações indiciam, quanto a mim, uma percepção equivocada do pós-colonial, pois parte do princípio que é pós-colonial a literatura feita por ex-colonizados, por escritores de países outrora colonizados - como se o colonial influenciasse apenas os territórios do Império e não a sua metrópole (uma percepção que vem de Ashcroft, Griffiths e Tiffin, 1989ASHCROFT, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post-Colonial Literatures. London; New York: Routledge, 1989. , que, no entanto, escreveram duas décadas e meias antes de Young!). Com efeito, é tão pós-colonial o romance O Alegre Canto da Perdiz, de Paulina Chiziane, quanto Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo; tão pós-colonial é O Esplendor de Portugal, de António Lobo Antunes, quanto Predadores, de Pepetela. Quão pós-coloniais não são as ex-metrópoles coloniais Bruxelas, Lisboa, Londres ou Paris?!
  • 4
    Nem é despiciendo o facto de Chinua Achebe escrever também o artigo com o título “The Empire Fights Back” (2003ACHEBE, Chinua. The Empire Fights Back. In: ACHEBE, Chinua, Home and Exile. Canongate Books Ltd.: Edinburg, 2003. pp. 37-72.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2023
  • Aceito
    04 Abr 2023
Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbh@anpuh.org