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Diante do abismo, observando a história

Facing the Abyss, Observing History

FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério. (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.

Há muitas formas de se olhar o abismo, assim como há muitas formas de se olhar do abismo. Isso é o que nos lembram Fábio Franzini e Luís Filipe Silvério Lima, logo no início da apresentação à coletânea Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual, por eles organizada e publicada em 2021. Sem dúvida, “é fácil olhar para um abismo quando se está fora dele” (Franzini; Lima, 2021, p. 9FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.), e esta visão pode, muitas vezes, ter algo de excepcional, algo que, no lugar do temor, nos coloque diante da beleza de uma paisagem extraordinária. Mas nem sempre é o caso. Há situações em que o abismo que está diante dos olhos nos provoca uma indesejável sensação de aturdimento e, atordoados, de repente nos sentimos em queda livre no espaço vazio que do abismo se abre. Daí a pergunta que talvez suspenda a possibilidade de se ver algo de belo na cena: “e quando nos vemos caindo no abismo e ele parece ser tudo o que nos cerca? Para onde se olha, e como?” (Franzini; Lima, 2021, p. 9FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.). Ou seja, se, em algumas vezes, o abismo é o que surpreende a visão, em outras é justamente o que impossibilita o olhar. Não sem razão, fechar os olhos diante do abismo é um ato que ocorre de forma quase instintiva. Mas muitas vezes é preciso que os olhos permaneçam abertos.

Olhar o abismo ou olhar do abismo é muito mais do que uma simples metáfora, considerando o lugar a partir do qual Franzini e Lima escrevem: um observatório. O “Observatório da História”, vinculado ao Departamento e ao Programa de Pós-Graduação em História da Unifesp, onde ambos são docentes, foi criado a partir da iniciativa de historiadores e historiadoras de diferentes universidades brasileiras em 2016. Sob a premissa de que uma “historiografia crítica e autoconsciente” é condição necessária para toda e qualquer prática historiográfica, o Observatório promove um espaço de discussão para se olhar a história e o seu entorno: não apenas a produção efetiva dos praticantes, mas também as condições desta produção, na fronteira entre seu estatuto disciplinar e suas demandas profissionais, ele está atento ainda às formas de recepção da história, seja pelos pares, seja pelos variados públicos que se interessam por ela.

Assim, olhar o abismo é tarefa que segue, na proposta da coletânea que aqui se resenha, concomitante à tarefa de se observar a história. E ambas as tarefas, é importante se destacar, são realizadas em um contexto particularmente sensível, não apenas para a historiografia brasileira, mas para a sociedade como um todo, sobretudo em razão do fato de que, quando a coletânea foi pensada, “o obscurantismo vil, o culto cego à ignorância, o orgulho da idiotia performática avançava do portão da Universidade para dentro” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 11). Esse avanço da barbárie certamente se mostrou mais evidente a partir de 2019, quando tomou força entre nós um projeto destrutivo de sociedade, fundado no negacionismo em suas mais variadas vertentes (histórico, político, sanitário, ambiental etc.).

Olhar o abismo é o resultado de diferentes intervenções feitas por autores e autoras em variadas oportunidades, todas elas organizadas no âmbito do “Observatório da História”, seja em eventos acadêmicos, seja em publicações feitas no blog criado pelo grupo. Fazem parte da coletânea sete textos que estruturam, ainda que de forma implícita, duas partes do livro. Uma, voltada para temas mais abrangentes, traz contribuições que atravessam elementos constitutivos da prática historiográfica, as quais discutem o imaginário político da extrema-direita e refletem sobre os monumentos e seus lugares na contemporaneidade. A outra parte é dedicada a abordar os desafios e os dilemas da educação e do ensino da história num momento de profundas mudanças sociais e alterações estruturais nas formas de organização escolar e dos currículos.

Compondo a primeira parte, o capítulo de abertura, de autoria de Renato Pinto Venancio, professor da Escola de Ciência e Informação da UFMG e ex-superintendente do Arquivo Público Mineiro, aborda as relações entre documentos de arquivo, verdade histórica e fake news a partir da dialética digitalização/destruição. Em outras palavras, ao destacar a importância da “reformação digital de acervos” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 15) como uma importante medida que preserva informações e facilita o acesso a elas, Venancio ressalta os riscos que essa atividade coloca quando é pensada tão somente como forma de substituir a existência material dos documentos e promover a sua destruição. Vale destacar que o tema é enfrentado não apenas pelo viés da discussão teórica, mas também a partir da sua dimensão propriamente prática, ou seja, pelas implicações legais e institucionais pertinentes.

O autor discute a especificidade dos documentos, sejam eles considerados históricos ou não, e as variadas formas pelas quais seu processo de digitalização deve ser encarado. Além disso, menciona iniciativas legislativas que buscaram normatizar o processo de digitalização e as formas de descarte dos objetos digitalizados, bem como suas consequências jurídicas, sociais e para a pesquisa acadêmica. Situando sua reflexão a partir dos impasses colocados pela atual voga negacionista e pela popularização das ditas histórias politicamente incorretas, Renato Pinto Venancio alerta que “a digitalização seguida da eliminação dos documentos originais é uma forma perversa de política da memória, uma maneira, voluntária ou involuntária, de favorecer a proliferação de fake news na pesquisa histórica” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 24).

No ambiente social brasileiro, por exemplo, são conhecidos os efeitos da disseminação de mentiras para a estruturação e para a difusão das ideologias de extrema-direita, conformando um imaginário que encontrou na produção de memes e outras imagens digitais um dos seus principais veículos para sua propagação. Ricardo Lísias, professor, escritor e autor de “Diário da catástrofe brasileira (2019-2020)”, apresenta um conjunto destas imagens que circularam no período eleitoral de 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República.

O texto parte do argumento de que “há na verdade uma central internacional de fabricação e incentivo à circulação de propaganda ultraconservadora” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 28), fato que lhe serve para articular diferentes imagens e distintos contextos sociais, buscando pensar o fenômeno em uma escala global. No entanto, sem o devido cuidado de comprovação do argumento, o capítulo acaba por se resumir à simples apresentação de memes de caráter político, limitando-se a avaliar sua proliferação como sendo o indício de uma questionável “imaturidade que atinge amplos setores da sociedade contemporânea” (Franzini; Lima, 2021, p. 46FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.). Considerando o papel central que tais imagens assumem na constituição do imaginário político atual, fato que revela, do ponto de vista sociológico e cultural, muito mais coisas do que apenas falta de maturidade política, seria proveitoso que o capítulo investisse mais na análise e na fundamentação do argumento, complementando os aspectos puramente descritivos do texto. Afinal, não há como deixar de reconhecer a eficácia que este processo de construção imaginária desempenha no debate político contemporâneo, demandando, por isso mesmo, uma análise crítica que ultrapasse a simples exposição de casos peculiares.

Encerrando o conjunto de textos que constituem a primeira parte do livro, Mayra Rodrigues, Mateus Pereira e Valdei Araujo, pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História da UFOP, oferecem uma discussão a respeito do lugar que determinados monumentos, particularmente àqueles ligados a memórias sociais sensíveis ou traumáticas, ocupam nas discussões políticas contemporâneas. No caso, a discussão toda foi ensejada pelo fenômeno da derrubada de estátuas após o brutal assassinato de George Floyd por um policial nos Estados Unidos, em maio de 2020. Segundo os autores, para além dos novos sentidos construídos a respeito dos patrimônios incômodos, tal fenômeno sinaliza uma alteração substantiva nas formas contemporâneas de experiência do tempo.

Distante de qualquer perspectiva moralista que porventura se ligasse à ideia de preservação por ela mesma, o texto encara a complexidade que o tema coloca, apontando para a dialética entre passado e presente que busca, dependendo da relação que se mantém com tais monumentos, imaginar outros futuros possíveis. O jogo se dá, então, entre a obsolescência e a atualização de memórias sociais na contemporaneidade, algo que se manifesta justamente nas decisões, sempre políticas, pela construção, preservação e ressignificação de determinados objetos culturais. Isso traz para o primeiro plano a questão difícil, mas fundamental, do que fazer com determinados passados. Como sugerem os autores, “o debate sobre as estátuas é importante para revelar esse passado-presente, e não apenas disputar representações sobre um suposto passado morto” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 79).

Nesse sentido, estamos diante de um dos dilemas centrais para a cultura histórica contemporânea, ou seja, saber como criar as condições para a definição de uma memória justa que favoreça, sem silenciar manifestações de revolta contra injustiças ou demandas por reparações, a democratização das representações históricas, tendo como horizonte a constituição de uma sociedade fundada em princípios de solidariedade e repúdio à violência autoritária. A resposta para isso, ainda que sempre imprecisa e lacunar, indubitavelmente passa pela reflexão cuidadosa a respeito da educação e de seu lugar nas sociedades.

Nesse sentido, a segunda parte do livro, constituída por quatro capítulos, aborda diretamente o tema da educação e do ensino da história. O primeiro texto, de Maria Rita de Almeida Toledo, professora do Departamento de História da Unifesp, traz, já no próprio título, a pergunta ainda hoje incontornável: “escola para quê?”. A autora direciona seu olhar crítico a uma espécie de topos recorrente no debate público em torno da escola, que acaba por construir uma representação do ambiente escolar como um “lugar vazio e ineficaz” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 89), o que provoca a discussão sobre medidas que busquem preencher e tornar eficiente aquele ambiente.

No entanto, como destaca Toledo, por vezes se oculta que “essas prescrições instituem representações de alunos e professores, assim como de suas práticas, que nem sempre coincidem com aquela que esses sujeitos têm de si e de seus fazeres” (Franzini, Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 89). Cria-se, com isso, um hiato entre o que é a escola e o que se diz ser a escola, silenciando a voz dos próprios sujeitos que atuam em seu espaço. O resultado, como a autora mostra a partir de uma discussão em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), é um modelo de educação que, voltado predominantemente para a lógica empresarial do trabalho, acaba por sobrevalorizar a pessoa encarada como indivíduo isolado (segundo a ideia do empreendedor), em detrimento do sujeito coletivo (segundo a noção de cidadania).

Considerando seus efeitos e a forma como o debate ocorreu, atravessado por um golpe de Estado, é significativo que o tema da BNCC ocupe um espaço considerável na obra. O texto seguinte, de Antonio Simplício de Almeida Neto, também ele professor do Departamento de História da Unifesp, oferece um bem documentado retrospecto das discussões feitas em torno da construção da Base, particularmente no que diz respeito à área da história. O autor remonta ao início das discussões, quando a primeira versão do texto para a área da história foi divulgada, em 2015. Acompanhando eventos acadêmicos e intervenções em jornais de ampla circulação que tomaram a BNCC-História como tema de debate, Almeida Neto reconstitui a historicidade das discussões a partir das demandas próprias do campo historiográfico, mas também situando-as no plano mais vasto do cenário político e social do país, marcado por tensões, embates e pela consolidação de um pensamento de extrema-direita que ganhou ressonância com o golpe de 2016.

Por vezes, como é destacado no texto, ainda que questões importantes como o eurocentrismo no ensino da história tenham sido tematizadas, o foco dos debates não foi centrado na própria lógica que sustentava a definição de uma nova base curricular nacional. Nas palavras do autor, “o fato é que muito se discutiu sobre os conteúdos, alguns querendo apenas garantir seu quinhão no latifúndio curricular ou travar o embate político-ideológico, mas pouquíssima atenção foi dada ao princípio geral da BNCC” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 109). O exemplo dado por ele, neste caso, é sobre a relação da Base com procedimentos avaliativos da educação e seus efeitos para políticas públicas para a área. Além disso, Almeida Neto ressalta o que chama de “bomba de efeito retardado” (Franzini; Lima, 2021, p. 110FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.) que estava escamoteada no processo de implementação da BNCC: a Base Nacional Comum para Formação de Professores (BNC-Professor). Ainda que os efeitos e impactos dessa discussão decorrente da BNCC não estejam todos colocados, não há como desconsiderar o “risco de vermos os cursos de formação de professores de História reduzidos a programas de treinamento para aplicação da BNCC” (Franzini; Lima, 2021, p. 110FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.).

Estes riscos, não é demais recordar, são colocados justamente num contexto de ataques impetuosos contra as instituições formais de ensino e pesquisa, como escolas e universidades, bem como contra seus profissionais, pesquisadores e professores. Além do fato de que, como já foi ressaltado, vivemos em tempos de negacionismo galopante. Daí a importância de articular a discussão da BNCC com aquela da BNC-Professor, algo feito pelo capítulo escrito por Angela Ribeiro Ferreira, professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

A autora situa sua reflexão tendo como pano de fundo uma série de documentos reguladores da formação de professores no Brasil, como as diretrizes curriculares nacionais emitidas deste o início do século XXI. Além de uma análise do conteúdo propriamente dito de tais documentos, Ferreira incide seu olhar sobre os contextos e atores sociais envolvidos na sua elaboração, ressaltando o fato de que a crise política que culminou com a deposição de Dilma Rousseff em 2016 acelerou o avanço de setores conservadores e ligados aos “reformadores empresariais da educação” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 123). Como motor desse avanço, uma compreensão de educação totalmente submetida à lógica de auditoria, que define como boa apenas aquela educação com rendimento aceitável em métricas avaliativas e de desempenho. A autora conclui sua análise afirmando que “formar professores como aplicadores de currículo é aviltar a formação” (Franzini; Lima, 2021, p. 149FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.).

Encerrando a obra e complementando as discussões a respeito da reorganização institucional e ideológica do ensino da história que vem ocorrendo na última década no Brasil, Paulo Eduardo Dias de Mello, também ele professor do Departamento de História da UEPG, auxilia a compreensão do fenômeno a partir de uma historicização do processo que levou à elaboração da primeira versão da BNCC de História, enfatizando os ideais pedagógicos e os interesses políticos que moveram os atores envolvidos. Se o desfecho final do texto, que serviu para posteriores debates e transformações que resultaram nas demais versões da Base, naturalmente se tornou de conhecimento geral, os bastidores de sua fabricação, ou o que o autor chama de “os dizeres e os ditos” (Franzini; Lima, 2021FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021., p. 151) do texto, nem sempre são conhecidos, ainda que ajudem a compreender o processo como um todo. Para além de tudo aquilo que já foi ressaltado e que foi tão bem colocado pelos capítulos que o antecederam, a respeito da política do ensino da história, a reflexão proposta pelo autor possibilita um olhar mais abrangente que toca justamente nas concepções de história e formas de atuação de seus praticantes em nosso país, levando o leitor a manter sempre presente a indagação a respeito de que tipo de história (e de ensino) é necessário para tempos de crise.

Tal indagação, cabe reforçar, atravessa a coletânea como um todo, colocando-nos também, leitores e leitoras, diante do abismo que ela busca olhar, funcionando como um sinal de alerta. Nesse sentido, mais do que disseminar o pavor, a obra organizada por Fábio Franzini e Luís Filipe Silvério Lima serve como anteparo contra a barbárie. Fazendo menção aqui a outra formulação recente sobre o abismo, feita por Rodrigo Nunes no livro Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição, sabemos como “a extrema direita dialoga com esse terror atmosférico reconhecendo que, sim, estamos diante de um abismo, ao mesmo tempo que fabula um abismo imaginário menos traumático que aquele efetivamente existente - dado que suas causas e as soluções que exigem são, ainda que dolorosas, comparativamente simples” (Nunes, 2022, loc. 715NUNES, Rodrigo. Do transe à vertigem: ensaios sobre o bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu Editora, 2022.).

No caso da obra aqui resenhada, a solução é justamente antagônica a essa colocada pelo pensamento autoritário. Trata-se de atualizar, para nosso contexto, a famosa passagem de Walter Benjamin, escrita no momento mais crítico de avanço do nazismo no final da década de 1930, e que serve de epígrafe ao livro. Assim, olhar o abismo hoje, no Brasil de Bolsonaro, é também uma forma de “atiçar no passado a centelha da esperança”, já que “nem os mortos estarão seguros se o inimigo vencer”. E o bolsonarismo deixou demasiados mortos para que fiquemos impassíveis diante do horror. Resta fazer com que este inimigo deixe agora de vencer.

REFERÊNCIAS

  • BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de História. Edição crítica. São Paulo: Alameda, 2020.
  • FRANZINI, Fábio; LIMA, Luís Filipe Silvério (Orgs.). Olhar o abismo: visões sobre o passado e o presente do Brasil atual. Vitória: Milfontes, 2021.
  • NUNES, Rodrigo. Do transe à vertigem: ensaios sobre o bolsonarismo e um mundo em transição. São Paulo: Ubu Editora, 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Aceito
    20 Dez 2022
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