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Utopias Eugênicas, Distopias Coloniais-Modernas: uma história transnacional do apartheid de Joanesburgo a Brasília

Eugenic Utopias, Colonial-Modern Dystopias: A Transnational History of Apartheid from Johannesburg to Brasilia

RESUMO

Neste artigo desenhamos de modo amplo as correntes de pensamento sobre planejamento urbano na virada do século XIX para o XX, suas vertentes inglesas e francesas nas relações com o eugenismo e as influências desses modelos urbanos em dois pontos do Atlântico Sul: Brasil e África do Sul. Este trabalho só foi possível pela análise histórica transnacional das influências eugênicas nos planos regionais em Brasília e Joanesburgo. Levando em consideração o contexto específico de cada lugar, destacamos a relevância dos anos 1950 na reformulação e nas aplicabilidades dessas teorias nesses pontos do globo. Indicamos, por fim, as conexões entre capital, estado nacional-desenvolvimentista e as estruturas racistas/coloniais que permitiram a existência de cidades que cimentam, ainda hoje, sonhos eugênicos e distopias colonizadas.

Palavras-chaves:
eugenia; apartheid; planejamento urbano; capitalismo tardio; colonialismo

ABSTRACT

In this paper we broadly outline the currents of thought on urban planning at the turn of the nineteenth to the twentieth century, its English and French strands in relation to eugenics and the influences of these urban models in two points of the South Atlantic: Brazil and South Africa. This work was possible through a transnational historical analysis of eugenic influences on regional plans in Brasilia and Johannesburg. Considering the specific context of each place, we highlight the importance of the 1950s in the reformulation and applicability of these theories in those corners of the world. Finally, we point out the connections between capital, the national-developmentalist state and the racist/colonial structures that allowed the existence of cities that still cement eugenic dreams and colonized dystopias today.

Keywords:
Eugenics; Apartheid; Urban planning; Late capitalism; Colonialism

Na cidade imaginária, utópica e eugênica de Kantsaywhere, os cidadãos se guiam pela raça e não por ações individuais. Os casamentos arranjados considerando-se a melhora genética são a garantia da descendência de uma raça superior europeia. O objetivo final dessa comunidade é a criação de humanos perfeitos. Visitantes ou colonos que chegam ali são submetidos a exames físicos na entrada, e os aprovados recebem o chamado PG-Passaport (Passe Genético) - um atestado de suas aptidões biológicas. Os mais jovens nascidos da cidade são igualmente testados, mas, para eles, o passaporte PG significa o acesso - ou não - aos direitos civis. O evento mais importante da vida de qualquer cidadão é o “exame de honra”, celebrado no Eugenic College de Kantsaywhere. Os testes a que são submetidos compreendem um exame antropométrico de suas funções vitais, uma prova para atestar os talentos artísticos e a inteligência dos candidatos e, por fim, um detalhado exame médico sobre a árvore genealógica, para indicar as potências eugênicas e os pontos fracos.

Nessa cidade existe também um complexo sistema de pontos criado para avaliar todos esses dados produzidos pelos exames, o que torna possível classificar os indivíduos em uma escala para determinar quais serão aptos ou não para determinadas tarefas civis. Assim, aos candidatos com maiores notas são reservados os melhores postos da vida civil e seus casamentos são celebrados como festa nacional. Apenas esses têm o direito e o dever de produzir, no mínimo, quatro crianças, criadas material e ideologicamente sob a responsabilidade do Eugenic College.

Do lado oposto, quanto mais baixa as notas, menores privilégios o indivíduo possui e menos filhos são permitidos. Os que permaneceram nas últimas colocações da base de dados devem se considerar inaptos ao casamento, à procriação e ao direito do passaporte PG. Esse grupo impróprio é composto pelos desprezíveis do paraíso eugênico; eles são “indesejáveis como indivíduos, e perigosos para a comunidade” (Galton, 1911GALTON, Francis. The Eugenic College of Kantsaywhere. London: UCL Special Collection, 1911. Disponível em: Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/library/special-collections/kantsaywhere . Acesso em: 5 out. 2023.
https://www.ucl.ac.uk/library/special-co...
, p. 43), pelo fato de produzirem descendentes “degenerados”, o que, de acordo com a lei da comunidade, seria crime de estado.

Longe dali, “colônias de Trabalho são estabelecidas onde os muito fracos são segregados em condições não muito onerosas, exceto que devem trabalhar duro e viver na única condição do celibato” (Galton, 1911GALTON, Francis. The Eugenic College of Kantsaywhere. London: UCL Special Collection, 1911. Disponível em: Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/library/special-collections/kantsaywhere . Acesso em: 5 out. 2023.
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, p. 28). Dessa forma, os cidadãos de Kantsaywhere buscam determinar o valor primário dos homens, “[...] seu ‘valor bruto’ seria uma expressão adequada no sentido original daquele mundo” (Galton, 1911GALTON, Francis. The Eugenic College of Kantsaywhere. London: UCL Special Collection, 1911. Disponível em: Disponível em: https://www.ucl.ac.uk/library/special-collections/kantsaywhere . Acesso em: 5 out. 2023.
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, p. 21).

Esta é a cidade imaginária de Francis Galton descrita na novela The Eugenic College of Kantsaywhere (1911). Em tradução literal para o português, Kantsaywhere significa “Kant diz onde”, mostrando a influência das ideias raciais do filósofo do iluminismo tardio alemão sobre o pai da eugenia. Afinal, foi em Das Diferentes Raças Humanas que Kant definiu os conceitos de derivação, degeneração, transmissão e linhagem familiar, ao dizer: “[...] Deste modo, negros e brancos não são, de fato, espécies diferentes de homens (pois provavelmente pertencem a um tronco); mas, são certamente duas raças diferentes” (Kant, 1777 [2010]KANT, Immanuel. Das Diferentes Raças Humanas, de Immanuel Kant. Tradução: Alexandre Hahn. Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 5, pp. 10-26, número especial, jul.- dez. 2010., p. 129).

Kantsaywhere, esse reduto imaginário de um delírio racista, possui uma estrutura tão próxima das cidades modernas que os limites entre ficção e realidade se diluem. Cidade brutal, que revela o valor bruto do homem branco, cidade sintética sustentada pela colônia de trabalho incansável. Seria possível imaginar a alegria de Galton diante da arquitetura modernista de expressão brutalista que se constituiu 50 anos após sua ficção?

É provável que Patrick Geddes, Ebenezer Howard e, mais tarde, Le Corbusier - nomes de peso na arquitetura e no planejamento regional e urbano - não tenham acessado o manuscrito de Galton, mesmo porque a novela permaneceu inédita1 1 Pelo menos até 1932, quando aparecem as primeiras citações. , com um único manuscrito original nas mãos de Karl Pearson, seu pupilo e biógrafo. Contudo, a Kantsaywhere expõe de vários modos o ambiente intelectual europeu, onde os pais do urbanismo produziram suas teorias na virada do século, sendo, portanto, inevitável uma aproximação. Howard e Geddes, inclusive, frequentavam as mesmas sociedades e circulavam pelos mesmos espaços do movimento eugênico inglês.

Além disso, a cidade utópica revela a engenharia colonial para segregação das pessoas no espaço, de modo que essa relação entre as utopias eugênicas e as distopias concretas dos povos colonizados é palpável em cidades modernas no Sul Global. Kantsaywhere não faz parte apenas do escopo literário que funda o mito ocidental da superioridade ariana e uma hierarquização no seio da própria Europa. Ela é, sobretudo, fruto das experiências dos séculos anteriores em territórios além do mar. Afinal, nenhum desses delírios raciais surgiram sem o colonialismo e os europeus que toleraram o nazismo, por exemplo, “legitimaram-no, porque até aí só se tinha aplicado a povos não europeus” (Césaire, 1978CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o Colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1978., p. 18).

TRADUÇÕES DA EUGENIA NO PLANEJAMENTO URBANO INGLÊS: PATRICK GEDDES E EBENEZER HOWARD

Os urbanistas ingleses da virada do XIX para o XX entendiam a cidade como um sistema biológico no caminho para a evolução. O biólogo, sociólogo, geógrafo e urbanista Patrick Geddes (1854-1932) delineou em seus trabalhos essa alegoria da sociedade como um corpo humano. Para ele, a cidade seria um organismo que sintetiza a história humana:

[...] órgão especializado das transmissões sociais. [a cidade] É o veículo de uma herança adquirida. Ela acumula e incorpora a herança cultural da região e combina isso [...] com a herança cultural de amplas unidades, nacionais, raciais, religiosa e humana. Ela estampa o produto resultante sobre cada geração passada dos seus cidadãos [...] A cidade revive a experiência das gerações que passam de mão em mão para a próxima geração [...] (Geddes, 1905GEDDES, Patrick. Civics, As Applied Sociology. London: T. Fisher Unwin, 1905. apud Welter, 2002WELTER, Volker M. Biopolis: Patrick Geddes and the City of the Life. London: MIT Press, 2002., p. 93).

Ou seja, se a cidade é objeto primário da evolução humana e se ela transmite as heranças ancestrais para seus descendentes, seria necessário o controle das heranças indesejadas que permeiam esta mesma cidade. Afinal, a “cidade-organismo” é, para Geddes, o “veículo de uma herança adquirida”. Por isso, em outros momentos ele identifica ainda a cidade como “o órgão da evolução humana e também, infelizmente, da degeneração” (Geddes, 1905GEDDES, Patrick. Civics, As Applied Sociology. London: T. Fisher Unwin, 1905. apud Welter, 2002WELTER, Volker M. Biopolis: Patrick Geddes and the City of the Life. London: MIT Press, 2002., p. 93).

O debate inserido por Geddes se ambienta na disputa de correntes teóricas sobre as características herdadas de geração em geração. De um lado estavam os neo-lamarckistas, apostando que as características físicas adquiridas por uma geração por meio da adaptação ao ambiente poderiam ser herdadas pela geração seguinte; e, por outro, os neo-darwinistas, presumindo que as características de um organismo vivo estavam fixadas e eram herdadas pelas gerações subsequentes. A partir da década de 1890, essa disputa parece ter fim com a teoria do germoplasma, do biólogo alemão August Weismann, que representava um ataque direto à crença da herdabilidade das características adquiridas. Contudo, o neo-lamarckismo não deixou de exercer influência sobre os teóricos europeus da época (Welter, 2002WELTER, Volker M. Biopolis: Patrick Geddes and the City of the Life. London: MIT Press, 2002., p. 18 ). Na verdade, ambas têm suas contribuições nas ideias sobre planejamento regional e urbano: se por um lado o neo-lamarckismo influenciou as reformas e remoções urbanas na suposta garantia da evolução de uma população, por outro, o neo-darwinismo era o pilar das políticas de segregação, segundo as quais as pessoas consideradas “geneticamente inferiores” deveriam permanecer apartadas nos guetos sob esterilização.

Patrick Geddes reconhecia a hereditariedade biológica das características humanas. Contudo, ele nunca abandonou inteiramente sua posição neo-lamarckista e o melhoramento do meio como a principal forma de intervenção. Além disso, como ele havia desenvolvido a ideia de herança social como encarnação de um desenvolvimento cultural, não importava, ao final, se as características seriam ou não transmitidas por meios genéticos, já que a herança social promoveria outros meios pelos quais os seres humanos herdaram, das gerações anteriores, as características promovidas pelas interações com o ambiente (Welter, 2002WELTER, Volker M. Biopolis: Patrick Geddes and the City of the Life. London: MIT Press, 2002., p. 191).

Se a cidade é um organismo, ela também carece de intervenção e aprimoramento do seu processo evolutivo, como difundido pelo pensamento científico do final do século XIX. Aliás, a ideia de evolução das espécies pela seleção natural sempre vem acompanhada da degeneração: se um grupo está em evolução, outro, necessariamente, não está: “Daí favela [slum2 2 O termo utilizado por Geddes para os assentamentos urbanos periféricos e espontâneos é slum, que aqui traduzimos como favela. Optamos pela tradução de slum por favela devido à característica desenhada pelos próprios teóricos urbanistas, que diferenciam os assentamentos urbanos espontâneos (slum/favela) daqueles planejados (townships/citades satélites). ] e o gueto; daí nossa miséria na fábrica e na mina. Cada um desses é um templo invertido, e todos são nêmesis da falta de outros [templos] mais valorosos.” (Geddes, 1905GEDDES, Patrick. Civics, As Applied Sociology. London: T. Fisher Unwin, 1905. apud Welter, 2002WELTER, Volker M. Biopolis: Patrick Geddes and the City of the Life. London: MIT Press, 2002., p. 196).

Teoricamente é aqui que se identifica, em Geddes, a convergência entre planejamento urbano e eugenia. Do ponto de vista da história social, as aproximações de Geddes e o eugenismo são outras. Ele foi membro da Eugenic Education Society3 3 Fundada por Francis Galton e pela eugenista feminista Sybill Neville-Rolfe, a organização manteve seu nome até 1989, quando mudou para Galton Institute, ainda em funcionamento (Nadkarni, 2014, p. 24). e cotado por Victor Branford para ser o nome britânico da sociologia que Pearson e Galton buscavam para perpetuar as ideias eugênicas na Sociological Society [Sociedade Sociológica], fato que não ocorreu pela resistência de outros sociólogos membros à época (Meller, 2005MELLER, Helen. Patrick Geddes: Social Evolutionist and City Planner. London; New York: Routledge, 2005., p. 101).

De todo modo, Geddes se aproxima progressivamente das relações com as técnicas galtonianas no planejamento regional e urbano. A eugenia serviria como forma de compor a equação meio/função/organismo e complementar a ciência cívica cunhada por ele em Civic as Applied Sociology (1905). Os estudos em planejamento regional seriam, dessa forma, a garantia da aplicação do social e do biológico. No início da parte II do texto, em The Need of Civic Survey [A Necessidade da Pesquisa Cívica], Geddes justifica a necessidade da sua proposição:

[...] Desde a demonstração de Comte da necessidade das ciências preliminares aos estudos sociais, e o desenvolvimento de Spencer a partir disso, ainda mais depois que a teoria da evolução se tornou amplamente reconhecida, ninguém contesta a aplicabilidade da biologia à sociologia.

Muitos estão, de fato, aplicando vigorosamente as concepções [...] enquanto que com a ascensão contemporânea da eugenia ao primeiro plano de interesse, tanto social quanto científico, essas linhas de pensamento bio-social e bio-geográficas devem ser progressivamente utilizadas e desenvolvidas (Geddes, 1905GEDDES, Patrick. Civics, As Applied Sociology. London: T. Fisher Unwin, 1905., pp. 5 -58).

O saber cívico de Geddes é a prática complementar do pensamento social-biológico (eugênico). Sua proposta, porém, não foi a única dentre os pioneiros do urbanismo e do planejamento regional de sua época. O urbanista Ebenezer Howard foi um entusiasta dos escritos do seu contemporâneo e os dois circulavam no mesmo ambiente intelectual britânico.

Howard conheceu Geddes quando o geógrafo encabeçou um debate sobre o artigo “Civics”, na Sociological Society, em 1905. Nesse momento, Howard já havia publicado Garden Cities of To-morrow (1889), e ficou tão fascinado com o artigo de seu colega que considerou a ideia “maravilhosamente iluminada e pitoresca”. Em seguida, Howard escreveu para Geddes questionando sobre seu planejamento para Dunfermline e, a partir daí, ampliaram seus contatos, com trocas de cartas e visitas temporárias durante alguns anos. Em uma das visitas de Geddes à Letchworth (primeira cidade construída sob o modelo da Cidade Jardim), Howard fez uma transcrição profissional das aulas ministradas no encontro (Beevers, 1988BEEVERS, Robert. The Garden City Utopia: A Critical Biography of Ebenezer Howard. London; Houndmills; Basingstoke; Hampshire: MacMillan Press, 1988., p. 98).

Howard buscava também soluções para os problemas urbanos de sua época, sobretudo diante da experiência de uma Londres decadente e conturbada, com alta quantidade de desempregados e uma crise social evidenciada após a Guerra Boer.

Assim, para aplicar seu remédio era preciso adicionar novas forças de atração para o novo modelo de cidade (Howard, 1902HOWARD, Ebenezer. Garden Cities of To-Morrow. 2ª Ed. London: Sawn Sonnenschein & Co., Ltd., 1902., p. 14). Na interpretação de Howard, a cidade e o campo atraíam, como que por magnetismo, as pessoas conforme os interesses. Para ele, a alta concentração de pessoas nos centros urbanos contemporâneos estava relacionada com o magnetismo para “oportunidades sociais”, “altos salários” e “divertimento”. Mas tudo isso acarretava também “trabalhos distantes”, “preços altos no aluguel”, “excesso de horas” e “exército de desempregados”. Por outro lado, o campo atraía “beleza natural”, “água em abundância”, “ar fresco”, “baixos aluguéis” e, por oposição, estava “ausente de diversão”, “ausente de sociedade”, “não possuía espírito público” e “carecia de reformas”.

A solução de Howard estava no seu modelo de “Cidade-Campo”, que alinhava “belezas naturais” e “oportunidades sociais”; “baixos aluguéis” e “altos salários”; “casas e jardins brilhantes” e “ausência de fumaça e favelas [slums]”.

Não importava para Howard o que havia criado esses ímãs e as forças de atração: “[...] qualquer que tenha sido a causa a qual foi operada no passado, e está operando agora, para atrair as pessoas até a cidade, essas causas devem ser todas sintetizadas como ‘atrações’” (Howard, 1902HOWARD, Ebenezer. Garden Cities of To-Morrow. 2ª Ed. London: Sawn Sonnenschein & Co., Ltd., 1902., p. 14).

Essa interpretação das pessoas e sua relação de atração à cidade parte do pressuposto de que os trabalhadores são livres para escolherem onde ir, conforme indica a própria pergunta na imagem The Three Magnets (Figura 1): “As Pessoas - Para Onde Elas Irão?”. Essa liberdade de escolha dos trabalhadores, contudo, é fundamentalmente questionada desde Marx. O êxodo rural não pode ser tratado como algo involuntário e acidental em consequência das atrações urbanas, ele é, antes, consequência do despojamento violento dos meios de subsistência dos trabalhadores, no caso a posse da terra: “[...] a expropriação da terra que antes pertencia ao produtor rural, ao camponês, constitui a base de todo o processo [da acumulação primitiva]” (Marx, 2013MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política - Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 963).

Figura 1
Os Três Ímãs (The Three Magnets).

Teóricos marxistas como Milton Santos (1965SANTOS, Milton. A Cidade nos Países Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.; 1977SANTOS, Milton. A Totalidade do Diabo: como as formas geográficas difundem o capital e mudam as estruturas sociais. São Paulo: Hucitec; Contexto, 1977.) e David Harvey (2005HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005.) também reforçam que as estruturas especiais são o princípio do acúmulo primitivo de capital e, consequentemente, do drama da pobreza no espaço urbano. Contudo, existe aparentemente, na teoria marxista, uma lacuna sobre alucinações raciais como um dos elementos-chave na compartimentação do espaço, na transformação de pessoas em mercadorias e, consequentemente, no acúmulo de capital.

O modelo de Cidade-Jardim defendido por Howard, amplamente referenciado no decorrer do século XX, estava ancorado nesses delírios raciais. Pode-se dizer, por exemplo, que Herbert Spencer, pai do darwinismo social, foi o teórico de maior influência sobre a obra de Howard, por meio do qual ele encontrou a conexão entre os estudos científicos da natureza e os fenômenos sociais (Beevers, 1988BEEVERS, Robert. The Garden City Utopia: A Critical Biography of Ebenezer Howard. London; Houndmills; Basingstoke; Hampshire: MacMillan Press, 1988., p. 19). É partindo deste ponto que ele traduz uma linguagem eugênica para preocupações ambientalistas, em que o casamento entre o social e biológico garantisse a equidade de uma ordem social harmoniosa.

No entanto, o resultado desse casamento é tão somente a expulsão de quem foge à ordem da Cidade-Jardim:

Mas o que será das propriedades da favela [slum]? Seu poder de extorquir uma grande proporção dos difíceis ganhos dos pobres de Londres se foi para sempre, ainda permanecerá uma monstruosidade4 4 O termo usado por Howard em inglês é eye-sore, que, segundo o dicionário Cambridge, pode ser traduzido como “monstruosidade”, e tem um sentido específico: “uma construção, uma área, etc., que parece feia comparada com as coisas ao redor”. , um borrão, embora não seja mais um perigo à saúde e um ultraje à decadência? Não. Essas favelas miseráveis serão demolidas e seus locais ocupados por parques, áreas de preservação e hortas (Howard, 1902HOWARD, Ebenezer. Garden Cities of To-Morrow. 2ª Ed. London: Sawn Sonnenschein & Co., Ltd., 1902., p. 146).

A criação desses espaços livres e amplos no ambiente urbano promove, ao contrário do que Howard imaginava, o crescimento da especulação imobiliária. Isso porque a setorização impacta, como veremos adiante, na superfluidade do próprio espaço, atribuindo um valor ao m² a depender também do valor humano de quem por ali circula. Mais uma vez, a dinâmica da superfluidade e da indispensabilidade aquece o fluxo do qual a cidade contemporânea e capitalista se alimenta: as áreas de moradia próximas aos parques e espaços amplos têm, no mercado, um valor agregado, já que estão disponíveis, em determinados horários, apenas para os moradores daquele setor. Moradores selecionados segundo princípios eugênicos.

Figura 2
Grupo de Cidades sem Fumaça e Favelas (Group of Slumlees Smokeless Cities).

O esquema de Howard empurra para fora do centro os “insanos”, os “desvalidos” [waifs], os “convalescentes”, os “cegos” e todos aqueles que não entram na curva de normalidade estabelecida pelas ciências eugênicas. Quando o modelo de Cidade-Jardim e dos cinturões verdes chega aos territórios com experiência colonial e escravista, essa lógica não deixa de existir; ela se adapta muito bem à realidade racial e colonial. Na verdade, ela presta o serviço para o qual foi desenvolvida: a eugenia é parte do sistema de controle colonialista, como ressalta Keith Breckenridge (2014BRECKENRIDGE, Keith. Biometric State: The Global Politics of Identification and Surveillance in South Africa, 1850 to the Present. Cambridge: Cambridge University Press, 2016.). Sob os territórios ao sul do globo, os “asilos para insanos” e as prisões tinham alvo certo, pessoas cujos corpos representavam a suposta incivilidade e carregavam, em suas características físicas, as marcas da ascendência de povos africanos ou originários.

Embora a relação entre eugenia e os planos regionais e urbanos nos pareça direta agora, ela possui contornos sutis. A tradução das ciências eugênicas para o urbanismo foi realizada sob o pretexto e o forte argumento da preservação ambiental. A Cidade-Jardim de Howard é o ponto de convergência entre a remoção das “favelas” [slums], o argumento sanitarista e o ambientalista moderno. Aos considerados humanos é possível desfrutar das belezas naturais, porém, para além das fronteiras da cidade, reservam-se as “colônias de trabalho” - nos termos da utopia galtoniana - ou as favelas, slums, townships, satélites e todas as periferias de nossa realidade distópica colonial.

Para Howard, a natureza é o grande plano divino na realização da humanidade; “o campo é o símbolo do amor de Deus e do cuidado com os homens”. Mas essa dádiva, contudo, não está completa, “sua plenitude e sua alegria não se revelou ao homem” e, por isso, a necessidade do casamento entre campo e cidade: “dessa alegre união surgirá uma nova esperança, uma nova vida e uma nova civilização” (Howard, 1902HOWARD, Ebenezer. Garden Cities of To-Morrow. 2ª Ed. London: Sawn Sonnenschein & Co., Ltd., 1902., p. 18).

Utilizando a metáfora de Malcom Ferdinand, o anseio por salvação da natureza acontece como na história bíblica de Noé: é preciso selecionar os que serão salvos da catástrofe do dilúvio. A cena do mundo como a Arca está no cerne do ambientalismo moderno e compreende uma política do embarcamento (e embranquecimento). Isso quer dizer, simboliza ações e discursos que têm a função de construir esse “embarque político e metafórico diante do desastre” (Ferdinand, 2019FERDINAND, Malcom. Une Écologie Décoloniale: Penser l’écologie depuis le monde caribéen. Paris: Éditions du Seuil, 2019., p. 100). Tanto Geddes quanto Howard observaram a “degeneração” das cidades capitalistas contemporâneas e construíram suas Arcas: Civismo e Cidade-Jardim.

Nessa metáfora, a subida para a Arca de Noé é o movimento de abandono da própria Terra, movimento que se “protege atrás de uma parede de raiva que um ‘nós’ indiferenciado teria despertado”. Ou seja, a salvação pelo embarque em uma Arca significa “adotar a sobrevivência de certos humanos e alguns não-humanos como princípio da organização social e política, legitimando assim o uso da seleção violenta” (Ferdinand, 2019FERDINAND, Malcom. Une Écologie Décoloniale: Penser l’écologie depuis le monde caribéen. Paris: Éditions du Seuil, 2019., p. 101).

URBANISMO E EUGENIA NO FLUXO DOS TRÓPICOS

Salientamos, contudo, que o século XIX não foi o lugar primordial da fundação das estruturas racistas, mas um momento-chave na manutenção e no aprimoramento dessas estruturas. A transição para o discurso científico da raça garantiu que as populações historicamente forjadas como desalmadas, no processo colonial anterior, fossem alienadas do estatuto de humanidade. A contemporaneidade aprofundou, modernizou e civilizou os exercícios da produção da morte existentes no contexto colonial. Apenas recentemente o ocidente se preocupou em lentamente criminalizar o racismo e cunhar o termo genocídio na Carta dos Direitos Humanos (1948).

Portanto, as influências do racialismo no Sul Global são perceptíveis em uma rede ampla, em que atuaram não apenas biólogos e antropólogos, mas também arquitetos, urbanistas e engenheiros. Não é novidade para a historiografia as relações entre esses homens de ciência e seus saberes com o racialismo, como apontam Sidney Chalhoub (2017CHALHOUB, Sidney. A Cidade Febril: Cortiços e Epidemias na Corte Imperial. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.) e López-Durán (2018LÓPEZ-DURÁN, Fabiola. Eugenics in The Garden: Transatlantic Architecture and the Crafting of Modernity. Austin: University of Texas Press, 2018.). No Brasil, a burocracia, a ciência e a necessidade de apagar o histórico escravista, eliminando dos centros urbanos os corpos marcados pelo signo Negro, incidiram na construção de espaços segregados (Lemos, 2022LEMOS, Guilherme Oliveira. No Dilacerar do Concreto: as histórias dos apartheids entre as satélites de Brasília e as townships de Joanesburgo (1955-1971). Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais - Universidade de Brasília. Brasília, 2022.). Na África do Sul, o colonialismo e o regime legal do apartheid evidenciaram essas teorias racialistas a ponto de os representantes do Estado recusarem os Direitos Humanos de 1948, ano em que a extrema-direita africânder chegou ao poder.

O neo-lamarckianismo não ficou restrito à Europa. Muitos foram os projetos urbanos empregados na América do Sul e em outros espaços que almejaram o melhoramento genético de seus habitantes. Essas ações estavam inscritas no projeto modernizador que evocava o progresso ocidental, para o qual muitas das supostas ex-colônias também caminhavam. Modernidade, nesse sentido, é um “ethos elaboradamente concebido do progresso e da ordem racional que foi executado através da espacialização sistêmica” (López-Durán, 2018LÓPEZ-DURÁN, Fabiola. Eugenics in The Garden: Transatlantic Architecture and the Crafting of Modernity. Austin: University of Texas Press, 2018., p. 14).

No campo das análises sobre arquitetura, há uma tendência de procurar particularidades em cada um dos estilos nacionais europeus - como fez, por exemplo, Adrián Gorelik (2005GORELIK, Adrián. Das Vanguardas à Brasília: Cultura Urbana e Arquitetura na América Latina. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.). Contudo, pesquisas mais recentes, como a de López-Duran (2018LÓPEZ-DURÁN, Fabiola. Eugenics in The Garden: Transatlantic Architecture and the Crafting of Modernity. Austin: University of Texas Press, 2018.)5 5 O presente artigo se fundamenta no trabalho já elaborado por López-Durán em Eugenics in the Garden (2018). Ali, a arquiteta esmiúça documentalmente as relações entre eugenia e os principais nomes do Movimento Moderno. Além disso, ela aponta como as experiências urbanísticas e arquitetônicas no Sul Global traduziram os gestos eugênicos idealizados no final do século XIX. , apontam as similitudes em detrimento das diferenças nos textos sobre as teorias urbanas entre a França e a Inglaterra. Existe uma base comum (neo-lamarckista e darwinista social) no desenvolvimento dessas ciências que versavam sobre espacialidade e pensavam as cidades.

A chegada dessas práticas urbanas ao Sul Global foi atravessada por várias perspectivas. Não há, necessariamente, uma exclusiva influência do modernismo francês em Brasília, assim como, em Joanesburgo, o pragmatismo inglês não foi a única plataforma adotada. Nesse sentido, é bom lembrar que a arquitetura moderna se pretendia, antes e depois da Segunda Guerra, como um “estilo internacional”.

É com foco na história transnacional da arquitetura moderna que procuramos entender a segregação racial como movimento global e as influências eugênicas nos espaços urbanos. Segregação que é sempre acompanhada de uma política da espacialidade colonial que, por sua vez, alimenta o capitalismo por meio do fluxo de pessoas entre o centro e as regiões periurbanas.

Compreender a modernização no ocidente, tema caro à historiografia e à sociologia contemporânea desde Marx e Weber, não é apenas entender as mudanças sociais, econômicas e culturais que levaram a Europa à condução desse movimento global. É também atentar-se ao movimento filosófico da modernização e à imposição de um “eu transparente” do homem moderno (Silva, 2007SILVA, Denise Ferreira da. Toward a Global Ideia of Race. Minneapolis: University of Minnesota Press , 2007., pp. 1 3-219), a lógica contínua de reprodução da ordem ontológica do mundo que alimenta estruturas raciais refletidas, neste caso, nas espacialidades.

A princípio, uma história que conecte esses pontos no Atlântico em 1955 parece algo impossível do ponto de vista dos eventos políticos. Se o Brasil caminhava para a consolidação de uma democracia, a África do Sul fortalecia as políticas ultranacionalistas e ditatoriais do apartheid. Porém, em ambos os casos, o nacional-desenvolvimentismo produziu efeitos semelhantes no ordenamento espacial, valendo-se de um longo histórico na divisão racial do trabalho. Afinal, seria inocente acreditar que o racismo na África do Sul tenha se iniciado apenas em 1948, e que as estruturas raciais no Brasil foram superadas com a abolição em 1888 ou com a reabertura democrática em 1945.

Na verdade, podemos remontar esse diálogo transnacional das divisões raciais do trabalho até mesmo ao último quartel do século XIX, quando o sistema de exploração do diamante no Brasil escravista serviu de modelo para o engenheiro de minas Thomas C. Kitto na criação das compounds sul-africanas. As compounds, por sua vez, são consideradas as estruturas que deram origem ao apartheid no ornamento territorial urbano (Turrell, 1984TURRELL, Rob. Kimberley’s Model Compounds. The Journal of African History, n. 25, issue 1, pp. 59-75, 1984., p. 9 ; Lemos, 2022LEMOS, Guilherme Oliveira. No Dilacerar do Concreto: as histórias dos apartheids entre as satélites de Brasília e as townships de Joanesburgo (1955-1971). Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais - Universidade de Brasília. Brasília, 2022., p. 143).

Essas dinâmicas não se restringiram ao século XIX. Elas avançaram no século XX. Em ambos os países, os setores privados do capitalismo tardio nos anos 1950 atuaram na manutenção das estruturas imperialistas que permearam regiões pouco habitadas dos países colonizados. Estabeleceu-se, por meio dos planejamentos regionais e urbanos, uma extensão do “exército industrial de reserva” (Mandel, 1978MANDEL, Ernest. O Capitalismo Tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1978., p. 12 ), com divisões raciais do trabalho (Nkosi, 1987NKOSI, Morley Z. American Mining Engineers and the Labor Structure in the South African Gold Mines. African Journal of Political Economy, v. 1, n. 2, pp. 63-80, 1987.).

HISTÓRIA TRANSNACIONAL DO APARTHEID ENTRE JOANESBURGO E BRASÍLIA: O EVENTO JOANESBURGO

Em agosto de 1952, o jornal The Star reportava o encontro de Verwoerd6 6 Hendrik Verwoerd foi eleito primeiro-ministro em 1958. Seu governo é marcado pelo enrijecimento do regime e pela perseguição aos opositores políticos. - à época ministro do Native Affairs [Assuntos Nativos] - com grupos e indivíduos interessados nas remoções forçadas na cidade de Joanesburgo. A proposta de A. J. Archibald, técnico no estudo de planejamento, consistia na produção de casas com custo máximo de £200, utilizando necessariamente a mão de obra não-europeia. O financiamento de £3.000.000 viria de um dos mais importantes nomes da indústria mineradora, Ernest Oppenheimer, dono da Anglo-American.

A relação entre as mineradoras e Joanesburgo é indissociável. A cidade surgiu na explosão do ciclo do ouro no Planalto de Witwatersrand, no final do século XIX, pouco depois das explorações diamantíferas na vizinha Kimberly. O interesse das mineradoras no reordenamento urbano na década de 1950 está conectado à busca por ampliação dos lucros na exploração (Freund, 2019FREUND, Bill. Twentieth-Century South Africa: A Developmental History. New York: Cambridge University Press. 2019. ; Lemos, 2022LEMOS, Guilherme Oliveira. No Dilacerar do Concreto: as histórias dos apartheids entre as satélites de Brasília e as townships de Joanesburgo (1955-1971). Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais - Universidade de Brasília. Brasília, 2022.).

No mesmo mês do ano 1952, outro jornal local, o Rand Daily Mail, reportava a manchete “Rotival Explains his Master Plan for Development of Rand” [Rotival Explica seu Plano para o Desenvolvimento do Rand] (Rand Daily Mail, 1952RAND DAILY MAIL. Coleção South Africa Institute of Rece Racalitons; Caixa U259.16.3, Joanesburgo (Historical Papers Research Archive at the University of the Witwatersrand). 1952.), após o encontro entre consultores e membros do governo. A primeira proposta do urbanista francês Maurice Rotival, destacada pela matéria, apontava o estabelecimento das 500.000 casas para nativos, tanto na região do Far East Rand como no sudoeste de Joanesburgo, com a reorientação das townships de Pimville, Orlando e Moroka - complexo de townships que formam hoje Soweto.

Mas afinal, quem foi Maurice Rotival? O arquiteto e urbanista francês figura no rol dos modernistas do CIAM (Congrés Internationaux d’Arquiteture Moderne). Antes disso, porém, ele estava entre os membros fundadores da Société Française des Urbanistes (SFU), em 1919, constituída pelo desdobramento da Société Française des Architectes Urbanistes (SFAU), fundada em 1914. Ambas são oriundas da Section d’Hygiène Urbaine et Rurale do Musée Social (1894) (Hein, 2002HEIN, Carola. Maurice Rotival: French Planning on a World-scale (Part I). Planning Perspectives, v. 1 , n. 3, pp. 24-265, 2002., p. 263). Esses grupos, fundados sob o neo-lamarckismo, esperavam corrigir os problemas humanos por meio da transformação do ambiente e, após a Segunda Guerra, essa perspectiva não se alterou substancialmente.

Assim como parte dos seus contemporâneos, Rotival imaginava a cidade como um organismo e o arquiteto como médico. A melhor forma de conduzir seu crescimento seria, em sua perspectiva, uma cidade controlada pelas elites (Hein, 2002HEIN, Carola. Maurice Rotival: French Planning on a World-scale (Part I). Planning Perspectives, v. 1 , n. 3, pp. 24-265, 2002., p. 250). Pioneiro no uso de computadores nos cálculos de planejamento, Rotival estava mais preocupado com o aprimoramento das práticas urbanísticas por meio da estatística e da análise de dados se comparado a outros colegas modernistas do CIAM.

O uso dessas ferramentas de precisão, e porque não de controle, é pertinente às expectativas do urbanista em relação às funções do planejamento. Para ele, a manutenção da população sobre a ordem moral e social deveria ser o princípio que orienta o urbanista, para além das razões estéticas. No contexto da Guerra Fria e das descolonizações, a intenção do urbanista era combater o avanço comunista sobre as cidades ocidentais, e “dessa forma... podemos elevar a moral da população trabalhadora nas grandes cidades e impedir que os habitantes se tornem revolucionários” (Rotival apud Hein, 2002HEIN, Carola. Maurice Rotival: French Planning on a World-scale (Part I). Planning Perspectives, v. 1 , n. 3, pp. 24-265, 2002., p. 254).

Para o governo sul-africano, aprofundado em um regime fechado e segregado, Rotival parecia atender às expectativas de controle. Suas experiências no plano de Caracas (Venezuela), em 1936, e New Haven (Estados Unidos), em 1941, lançaram o urbanista no cenário mundial. Quando Rotival chega em Joanesburgo em 1952, ele já era professor associado na faculdade de arquitetura e urbanismo da Universidade de Yale. Mas, para além do prestígio, parece que o alinhamento anticomunista dialogava com a ideologia africânder de extrema direita recém-chegada ao poder em 1948.

Quando foi pelos burocratas sul-africanos consultado em 1952, Rotival previa um “White Corridor” [Corredor Branco] entre Joanesburgo e a cidade de Vereeniging: um espaço destinado apenas ao desenvolvimento industrial e às casas para pessoas brancas. No entendimento do urbanista, a região poderia prosperar com o planejamento a partir da potência de exploração das minas de carvão mineral (Rand Daily Mail, 1952RAND DAILY MAIL. Coleção South Africa Institute of Rece Racalitons; Caixa U259.16.3, Joanesburgo (Historical Papers Research Archive at the University of the Witwatersrand). 1952.).

Esse plano não poderia ser pensado sem as parkways, que, concomitantemente, proporcionam integração industrial e segregação racial, dado que as estradas construídas ao redor da cidade são uma barreira entre o centro e as periferias e, independentemente do argumento técnico que se dê sobre a preservação das águas ou o desenvolvimento da indústria mineradora, seus efeitos são similares, como veremos adiante no caso de Brasília.

O plano de Rotival, finalizado em 1955, serviu de base para que, no final dos anos 1950 e durante os anos de 1960, as estradas em Joanesburgo formassem uma rede viária de integração e segregação. Segundo Mabin (2013MABIN, Alan. The Map of Gauteng: Evolution of a City-region in Concept and Plan. Joanesburgo: GCRO, 2013., p. 22), o Red Report, plano regional para o PWV (referência à Pretoria, Witwatersrand e Vereenging) - principal documento de ordenamento para região -, segue quase os mesmos traços daquilo que foi projetado pelo urbanista francês.

Nesse documento, as mineradoras não escondem o interesse no planejamento para elevar as produções. Já a argumentação dos burocratas é próxima à velha crítica elaborada por Ebenezer Howard: crescimento rápido e desordenado como um acidente (NRDC, 1957NRDC. A Planning Survey of the Southern Transvaal: The Pretoria-Johannnesburg-Vereening Area (Red Report). Pretoria: Government Print, 1957., p. 6). No entanto, como já apontamos, essa concentração não acontece acidentalmente. O processo de expansão colonial da fronteira agrícola originou o êxodo rural. Desde o Natives Land Act (Lei de Terras Nativas), de 1913, os povos originários foram confinados em pequenas porções de terra, o que levou à miséria muitos agricultores tradicionais e, consequentemente, empurrou suas famílias para o êxodo rural e o “refúgio” (Ntsbeza; Hall, 2007NTSBEZA, Lungisile; HALL, Ruth. The Land Question in South Africa: The Challenge of Transformation and Redistribution. Cape Town: HSRC Press, 2007., p. 3).

É nesse sentido que a cidade se torna “atrativa”, pois se apresenta como uma solução-problema de uma questão inexistente antes dos colonizadores brancos. Entretanto, na lógica dos relatores do comitê, a cidade seria atrativa em si mesma graças à oportunidade de empregos na indústria mineradora e no comércio.

Esses deslocamentos dentro e fora da cidade não ocorreram casualmente. Os agentes do estado e os entes privados articularam as townships para as áreas pouco habitadas e que estavam para além dos cinturões de ouro de Witwatersrand (Mapa 1), de modo que poderiam servir como um estoque da mão de obra. Se o desemprego no meio rural e a conurbação são problemas - gerados pelo processo colonial -, a justificativa em termos burocráticos para desafogar a densidade populacional é, consequentemente, realocar e remover as famílias negras como commodities.

Assim, a expansão urbana seguiu a descentralização das áreas residenciais e industriais, com remoções para áreas “bem além da cidade”, como diz o relatório:

O processo de crescimento externo, no entanto, pode prosseguir de forma mais espasmódica pela descentralização de áreas residenciais e indústrias para localidades ou cidades-satélites bem além da área construída da cidade (NRDC, 1957NRDC. A Planning Survey of the Southern Transvaal: The Pretoria-Johannnesburg-Vereening Area (Red Report). Pretoria: Government Print, 1957., p. 6). 7 7 No original: “The process of outward growth however may proceed more spasmodically by the decentralization of residential areas and industries to localities or satellite towns well beyond the city’s built-up area. But, by whatever process it grows, knowledge of these processes and their control by the method of land-use zoning in conformity with a preconceived pattern which takes cognizance of the emerging land-use structure, is the essence of town and regional planning.” (Sublinhado pelo autor).

Mapa 1
Produção Mineradora no Planalto de Witwatersrand em 1956.

O planejamento tinha aparentemente como objetivo melhorar a vida das pessoas que estavam em situação de vulnerabilidade dentro da cidade. Porém, o apartheid institucionalizado nasceu direcionado aos interesses do nacional-desenvolvimentismo sul-africano e da descentralização das cidades (remoções forçadas), sob a justificativa da otimização dos usos do território para evitar a conurbação e favorecer a indústria. Esse aproveitamento estava, em Joanesburgo, a serviço do capital minerador. Em Brasília, como veremos, estava à serviço da especulação imobiliária. O modelo inglês das cidades-satélites enquadra-se no processo de modernização e descentralização, comprimindo pessoas na fronteira entre a cidade e o campo.

Para a indústria mineradora, a realocação de determinadas áreas representava a garantia de lucros com a manutenção dos custos de produção, uma preocupação evidente dos relatores, ao constatarem o ouro como a principal fonte de renda de Witwatersrand. O relatório detalha os índices de produção de ouro de 1898 a 1955. Nesse caso é interessante perceber que a região conhecida como Central Rand era responsável por 91.29% da extração entre 188 e 189 , e que, com o passar do tempo, essa exploração foi se expandindo para Leste e para Oeste, seguindo o movimento das remoções e da reordenação de Joanesburgo. De 1911 a 1923, a região Far East Rand teve um salto de 6.44% para 28.95% na produção de ouro no planalto de Witwatersrand, chegando em seu ápice em 1949, com 51.9 % da produção (NRDC, 1957NRDC. A Planning Survey of the Southern Transvaal: The Pretoria-Johannnesburg-Vereening Area (Red Report). Pretoria: Government Print, 1957., p. 12).

O planejamento regional e urbano na região ajustava-se e servia, antes de tudo, aos interesses do nacional-desenvolvimentismo. Nota-se que foram exatamente essas regiões que mais receberam remoções forçadas do centro para o sudoeste, dando origem à Soweto (South West Townships) e Benini. As townships abasteceram com mão de obra as minas em pleno crescimento graças à prévia divisão racial do trabalho. Pessoas que historicamente tiveram sua humanidade questionada por teorias eugênicas deveriam receber menos, como sonhou Galton em sua novela. Além disso, as empresas transferiram a responsabilidade do antigo sistema de compounds para o Estado, as townships.

O COTIDIANO BRASÍLIA

Como vimos, o modelo de cidade-satélite estava amplamente compartilhado pelos urbanistas em meados do século XX. Apresentava-se como modo de descentralização e solução aos centros urbanos. Destacamos que o conceito de cidade-satélite, apesar de não ter sido utilizado por Ebenezer Howard, foi desenvolvido por alguns dos defensores da Cidade-Jardim, nos planos de Londres, Joanesburgo ou Brasília (Derntl, 2020DERNTL, Maria Fernanda. Brasília e seu território: a assimilação de princípios do planejamento inglês aos planos iniciais de cidades-satélites. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 22, n. 4 , pp. 123-146, 2020., p. 132).

A capital brasileira, localizada no Planalto Central, é também ordenada por esse princípio descentralizador. Uma cidade circundada por cidades-satélites, entre as quais Ceilândia, é, provavelmente, a mais conhecida no cenário nacional, pelas referências cinematográficas e musicais8 8 Filmes premiados como Branco Sai, Preto Fica (2017) e A Cidade é Uma Só (2013), do cineasta Adirley, Queiroz, retratam a realidade dos projetos segregacionistas que se desdobram na cidade-satélite. Seu nome tem origem na sigla CEI (Centro de Erradicação de Invasões), e aparece citada pelos Racionais MC’s na música “Capítulo 4, Versículo 3”. . Ponto central do Distrito Federal, a cidade planejada por Lúcio Costa, com edifícios de Oscar Niemeyer, é símbolo do modernismo brasileiro e monumento a céu aberto que celebra o mito da democracia racial e de um suposto país meta-racial (Lemos, 2022LEMOS, Guilherme Oliveira. No Dilacerar do Concreto: as histórias dos apartheids entre as satélites de Brasília e as townships de Joanesburgo (1955-1971). Tese (Doutorado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais - Universidade de Brasília. Brasília, 2022., p. 4).

Contudo, Brasília guarda duas marcas importantes de serem registradas. A primeira é que em suas imediações está localizada a maior favela do Brasil, o Sol Nascente, fruto de assentamentos espontâneos no final da Ceilândia, que surgiram nos anos 19909 9 Os últimos dados preliminares do censo IBGE 2023 apontam que a nova cidade superou a Rocinha (RJ) em número de habitações (cf. Portela, 2023). . Além disso, segundo relatório da OCDE (2018OCDE. Divided Cities: Understanding Intra-urban Inequalities. OECD Publishing: Paris, 2018. , p. 29), Brasília é uma das cidades mais segregadas do mundo, já que possui índices de segregação maiores que Emufuleni (cidade próxima a Vereenging e a mais segregada da África do Sul) e Memphis (nos Estados Unidos).

As explicações para tais dados podem ser encontradas no processo de formação e ordenamento da cidade. O histórico da crescente industrialização nos anos 1930-1940, com a influência dos IAPs na construção-civil (Holston, 2010HOLSTON, James. A Cidade Modernista: Uma Crítica de Brasília e sua Utopia. São Paulo: Cia das Letras, 2010., p. 248); o aprofundamento do desenvolvimentismo nos anos 1950, no segundo governo Vargas, com investimentos na indústria de base, constituíram o pano de fundo do megaempreendimento que foi Brasília.

A transferência do Distrito Federal para o Planalto Central ficou novamente prevista no art. 4º da nova Constituição, com a redemocratização em 1946. Esta não seria executada sem a influência racionalista do éthos moderno que despontava na arquitetura. Logo, uma série de estudos e planos foram realizados, quase todos sob a influência dos modelos de cidades-satélites inglesas. Anteriores ao plano de Costa, esses estudos e os técnicos que os elaboraram exerceram uma forte influência na construção da capital.

Assim, identifica-se que ao menos quatro estudos e comissões científicas para planejamento influenciaram na construção da nova capital. A mais famosa foi liderada por Luís Cruls (1892-1893 e 1895). Houve ainda os estudos de Djalma Polli Coelho (1946-1948), Aguinaldo Caiado de Castro (1953-54) e José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (1954-56). Para a análise, focamos no último documento conhecido como Comissão de Localização da Nova Capital Federal (CLNCF). Isso porque consta no documento a presença de uma figura importante no ordenamento de Brasília: Saturnino de Brito Filho, o técnico responsável pelo esquema de água e esgoto tanto no plano de Albuquerque quanto no plano de Costa (como descobrimos com documentação inédita ainda não trabalhada pela historiografia).

Porém, antes de apresentarmos Saturnino Filho e suas intenções nos planos para Brasília, chamamos a atenção para um alerta do relator feito no preâmbulo do documento, que diz respeito à rentabilidade do projeto da nova capital por meio da venda e da redistribuição das terras desapropriadas. Para ele, o lucro resultante das vendas caberia ao governo, pois a valorização dos terrenos seria proveniente das obras públicas realizadas. Mas era preciso ter-se atenção ao plano de venda desses terrenos, uma vez que deveria ser “cuidadosamente traçado, executado e entregue a pessoas idôneas” (Albuquerque, 1955ALBUQUERQUE, José Pessoa Cavalcanti de. Relatório Anual Comissão de Localização da Nova Capital Federal (CLNCF). Rio de Janeiro, 1955. Disponível em: Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/18295 . Acesso em: 5 out. 2023.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/i...
, p. xi).

Aqui nasce um princípio econômico norteador de Brasília: a especulação imobiliária. E, dado o histórico de criminalização da população negra no Brasil (Flauzina, 2008FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo Negro Caido no Chão: o Sistema Penal e o Projeto Genocida do Estado Brasileiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.), esse elemento de “idoneidade” desenhava o esboço das bases econômicas do Distrito Federal. Tinha por um lado o braço do Estado na aplicação das obras públicas de infraestrutura e, por outro, uma seleção acurada daqueles que deveriam ser os donos da terra ou das propriedades.

Mais tarde, quando da ocupação das áreas centrais de Brasília (o Plano Piloto), a prioridade das habitações foi definida por um sistema de pontos. Os funcionários que poderiam ter acesso à moradia foram “escolhidos segundo os critérios de mais longo período de trabalho, maiores ganhos salariais, maior número de dependentes e função exercida” (Bertone, 198 apud Derntl, 2020DERNTL, Maria Fernanda. Brasília e seu território: a assimilação de princípios do planejamento inglês aos planos iniciais de cidades-satélites. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 22, n. 4 , pp. 123-146, 2020., p. 141). Assim, Brasília orientava-se como um sonho galtoniano em Kantsaywhere.

Mas essa segregação racial não seria possível, mais uma vez, sem as parkways e o argumento da ecologia colonial. O “Esquema de Água e Esgoto da Nova Capital” assinado por Saturnino de Brito Filho no plano CLNCF de 1955 fornece essas diretrizes do ordenamento territorial.

Uma das preocupações de Saturnino Filho dizia respeito aos ajuntamentos humanos que poderiam surgir ao longo dessa via de entrada e saída - e que de fato surgiram durante a construção sendo o mais famoso da época a Vila do IAPI removida para Ceilândia em 19 0. Tomando o exemplo de Belo Horizonte ele alertava para o que ele chamava de “lamentável” das expansões desordenadas e clamava pela criação de áreas verdes na estrada entre Planaltina e Luziânia de modo a “estabelecer em ambos os lados de tal estrada um grande bosque, ficando, se isso se fizer, a área de edificação da atualmente prevista para a Capital, contornada totalmente por espaços livres verdejantes (Albuquerque, 1955ALBUQUERQUE, José Pessoa Cavalcanti de. Relatório Anual Comissão de Localização da Nova Capital Federal (CLNCF). Rio de Janeiro, 1955. Disponível em: Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/18295 . Acesso em: 5 out. 2023.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/i...
, p. 84).

Saturnino traduzia os aspectos da Cidade-Jardim, circundada por espaços verdejantes. E, por mais que o projeto de Penna Firme, urbanista da comissão, não tenha sido o executado, o conselho de Saturnino de Brito Filho foi atendido, com a instalação do Parque Nacional de Brasília a Noroeste dessa via. Esse, contudo, não foi o único conselho que Brasília tomou de Saturnino:

Escolho a evitar é a formação de favelas, que brotam sempre como cogumelos nas orlas das aglomerações importantes, especialmente nos morros. As que se estabelecem durante a fase de construção da cidade, deverão ser feitas sob condição de destruição imediata logo após os operários em residências populares apropriadas. O memorial do Estudo Preliminar do arquiteto Penna Firme refere-se à propagação de cidades satélites nas adjacências das grandes vias de tráfego. Será necessário determinar a distância em km a que poderão estabelecer esses novos núcleos (Albuquerque, 1955ALBUQUERQUE, José Pessoa Cavalcanti de. Relatório Anual Comissão de Localização da Nova Capital Federal (CLNCF). Rio de Janeiro, 1955. Disponível em: Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/18295 . Acesso em: 5 out. 2023.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/i...
, p. 85).

Nos anos seguintes, a interferência desse sanitarismo, que carrega uma prática urbana social e racialmente excludentes, foi aplicada sob supervisão do próprio Saturnino, conforme verificamos nas atas de reunião do conselho superior da Novacap e nos jornais Brasília. Ele se tornou, por meio da ESB (Escritório Saturnino de Brito), o consultor do sistema de água e esgoto do Distrito Federal desde maio de 1957 (Jornais Brasília, 1957JORNAIS BRASÍLIA. Fundo Novacap; Brasília, ano I, jul. 1957, n. 7, p. 4. Brasília (Arquivo Público do Distrito Federal). 1957. , p. 4) - com contrato que perdurou até, pelo menos, 1959, com a aprovação de um aditivo no contrato (Atas Novacap, 1959ATAS NOVACAP. Fundo Novacap; Caixa NOV-B-2-3-0056 (1)d. Brasília (Arquivo Público do Distrito Federal). 1959., p. 99). Ou seja, por mais que o plano executado por Lúcio Costa não indicasse cidades-satélites, o corpo técnico que compunha as execuções do projeto não escondia suas intenções de executar remoções forçadas.

Em sequência, as decisões tomadas pela Novacap, sob o argumento de preservação das águas da capital, carimbaram o ordenamento territorial do Distrito Federal pela lógica periferia-centro, destinando as cidades-satélites para além da “Faixa de Segurança Sanitária” ou “Faixa Sanitária”, a depender da documentação. Logo que surgem as primeiras ocupações espontâneas, em 1958, os burocratas se adiantaram para tomar as medidas já sugeridas por Saturnino sobre a criação de cidades-satélites.

A menção à Faixa Sanitária é anterior à criação do Departamento de Terras e Agricultura (DTA), que assina o Mapa 2 - o departamento foi fundado entre fevereiro e março de 1957 (Jornais Brasília, 1957JORNAIS BRASÍLIA. Fundo Novacap; Brasília, ano I, mar. 1957, n. 7, p. 15. Brasília (Arquivo Público do Distrito Federal). 1957., p. 15). Ela, contudo, já aparecia no plano de abastecimento de Benjamim Cabello (Derntl, 2020DERNTL, Maria Fernanda. Brasília e seu território: a assimilação de princípios do planejamento inglês aos planos iniciais de cidades-satélites. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 22, n. 4 , pp. 123-146, 2020., p. 138). A delimitação da faixa, porém, foi solicitada pelo conselho da Novacap em 1958 ( , 1958JORNAIS BRASÍLIA. Fundo Novacap; Brasília, ano II, mar. 1958, n. 21, p. 28. Brasília (Arquivo Público do Distrito Federal). 1958., p. 28), e estabeleceu as áreas edificáveis e não edificáveis dentro desse perímetro urbano (Lemos, 2017LEMOS, Guilherme Oliveira. De Soweto à Ceilândia: siglas de segregação racial. Paranoá: cadernos de arquitetura e urbanismo, n. 18, pp. 102-114, 2017., p. 110). Sua delimitação se deu pela rodovia DF-001, a primeira de Brasília. Por um lado, a faixa ratificou a especulação imobiliária no Distrito Federal, ao definir um excedente de terras dentro desse perímetro (superfluidade). E, ao mesmo tempo, na lógica de sanitização dos centros urbanos, determinou o lugar que deveria ser ocupado por todas as formas de vida visando o bom funcionamento da cidade10 10 Por meio da definição da faixa estabeleceram-se os terrenos que seriam vendidos para angariar fundos à construção de Brasília, como lembra Tavares (1995, p. 35). A relação entre a área, conhecida hoje como setor de mansões do Parkway, e a Faixa Sanitária ficam evidentes quando olhamos também para a documentação das Atas do Conselho da Novacap: “Aprovou, ainda, o conselho a inclusão do serviço de arruamento das mansões em uma das cinco tarefas anteriormente autorizadas para Faixa Sanitária e dentro do mesmo sistema”. Ver: Atas Novacap (1958, p. 133). .

Mapa 2
Faixa de Segurança Sanitária.

Na verdade, como já alertamos, a especulação imobiliária ocorreu nesse duplo processo: superfluidade espacial e a reificação humana em termos sociais-biológicos - consequentemente, raciais e generificados, dada a relação indissociável dessas categorias no Ocidente durante a colonização (Oyěwùmí, 1997OYĚWÙMÍ, Oyèrónké. The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses. London: University of Minnesota Press, 1997.). Um antigo processo do capitalismo/colonialismo que, modernizado nas cidades do século XX, trabalha na dinâmica da superfluidade e da indispensabilidade de coisas, espaços e pessoas. É nesse sentido, portanto, que apontamos o colonial-moderno: lógica que, surgida no colonialismo, se atualizou em linguagens modernizadoras para a manutenção das estruturas que beneficiam alguns cidadãos e excluem outros.

Em Brasília, portanto, a Faixa Sanitária foi mais rígida que o cinturão londrino de 1944 (Derntl, 2020DERNTL, Maria Fernanda. Brasília e seu território: a assimilação de princípios do planejamento inglês aos planos iniciais de cidades-satélites. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 22, n. 4 , pp. 123-146, 2020., p. 138), e próxima ao cinturão de Joanesburgo traçado por Rotival em 1952, dado que os perímetros de Joanesburgo e Brasília não permitiam a concomitância de atividades destinadas ao lazer. Tal fato implica nos atuais debates sobre direito à cidade.

Ao final dos anos 1950 e no decorrer dos 1960, as cidades-satélites ao redor de Brasília ganharam formas e reconfigurações a partir das remoções forçadas. Após Taguatinga (1958), Sobradinho (1959) e Núcleo Bandeirante (1960) são estabelecidas como novos núcleos satélites projetados pela Novacap. Ceilândia surgiria em 19 1, com os novos planos de remoção do governo militar.

Essas cidades-satélites seguiram modelo urbano planificado, com o núcleo central no Plano Piloto. Nas décadas seguintes, parte desse cinturão deu lugar à especulação imobiliária e o DF, entre os anos de 1980 e 1990, vê surgir outros assentamentos, como Águas Claras e Vicente Pires. Ambos são resultados do desmembramento da área rural de Taguatinga, mas o caráter de suas ocupações é distinto. O primeira surge com um incentivo aberto do governo em transformar essa área de ocupação em uma região que atendesse a classe média branca do DF, e o segundo é fruto de loteamentos e grilagem na área rural sem incentivo direto do Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise não estaria completa sem apontarmos os efeitos eugênicos presentes hoje em Brasília e Joanesburgo. Finalizamos com um paralelo dos mapas das duas cidades, criados por nós com instrumentos de geoprocessamento, considerando os dados dos Censos brasileiro e sul-africano nos respectivos anos de 2010 e 2011:

Mapa 3
Distribuição Racial e Faixa de Renda no Distrito Federal em 2010.

Mapa 4
Distribuição Racial e Faixa de Renda na Região Metropolitana de Joanesburgo em 2011.

Observa-se que, recentemente, as regiões projetadas para serem os cinturões verdes da Faixa de Segurança Sanitária passaram a ser ocupadas por setores brancos mais abastados do Distrito Federal. Este fato indica como a especulação imobiliária na região se dá por meio da gerência do Estado, que renuncia ao argumento da preservação ambiental a depender de quem a ocupa - como foram os casos de Águas Claras e Sudoeste, surgidas nos anos 1990. Além disso, observa-se também que as diferenças de renda entre as regiões majoritariamente negras e brancas são altas. Enquanto a população negra atinge no máximo de 5 a 10 salários-mínimos, a população branca chega aos 20 salários mínimos ou mais por mês conforme os dados do IBGE 2010IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. Brasília, DF: IBGE, 2010. (Mapa 3).

Fazendo um paralelo com Joanesburgo, vê-se algo semelhante. A região, transformada em símbolo do apartheid pelas mobilizações das townships de Soweto, apresenta um nível de segregação racial similar ao do Distrito Federal. Ali, contudo, a criação de um novo centro financeiro deslocou os investimentos imobiliários do Central Business District (CBD) no final dos anos 19 0 (Mabin, 2013MABIN, Alan. The Map of Gauteng: Evolution of a City-region in Concept and Plan. Joanesburgo: GCRO, 2013., p. 49) para a região de Sandton, hoje a área mais valorizada da região metropolitana. Nesse sentido, à medida que o sistema político do apartheid ia apresentando novas configurações, o antigo centro foi ocupado por pessoas negras, enquanto o novo centro, cuja área estava prevista para o cinturão-verde, foi ocupado por pessoas brancas.

Por fim, indicamos como uma história transnacional dos efeitos da eugenia no Sul-Global, tendo por base essas duas cidades, pode lançar luz a uma questão cara à história: o evento e o cotidiano. Se, por um lado, Joanesburgo se tornou um evento racial do mundo, e, portanto, anistia para outros lugares que operam na lógica racista (“ali sim há racismo!”), Brasília se apresenta como o evento de um país meta-racial, minimizando-se o cotidiano brutal do racismo brasileiro também atravessado pelas teorias eugênicas do início do século XX.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Pelo menos até 1932, quando aparecem as primeiras citações.
  • 2
    O termo utilizado por Geddes para os assentamentos urbanos periféricos e espontâneos é slum, que aqui traduzimos como favela. Optamos pela tradução de slum por favela devido à característica desenhada pelos próprios teóricos urbanistas, que diferenciam os assentamentos urbanos espontâneos (slum/favela) daqueles planejados (townships/citades satélites).
  • 3
    Fundada por Francis Galton e pela eugenista feminista Sybill Neville-Rolfe, a organização manteve seu nome até 1989, quando mudou para Galton Institute, ainda em funcionamento (Nadkarni, 2014NADKARNI, Asha. Eugenic Feminism: Reproductive Nationalism in United States and India. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2014., p. 24).
  • 4
    O termo usado por Howard em inglês é eye-sore, que, segundo o dicionário Cambridge, pode ser traduzido como “monstruosidade”, e tem um sentido específico: “uma construção, uma área, etc., que parece feia comparada com as coisas ao redor”.
  • 5
    O presente artigo se fundamenta no trabalho já elaborado por López-Durán em Eugenics in the Garden (2018). Ali, a arquiteta esmiúça documentalmente as relações entre eugenia e os principais nomes do Movimento Moderno. Além disso, ela aponta como as experiências urbanísticas e arquitetônicas no Sul Global traduziram os gestos eugênicos idealizados no final do século XIX.
  • 6
    Hendrik Verwoerd foi eleito primeiro-ministro em 1958. Seu governo é marcado pelo enrijecimento do regime e pela perseguição aos opositores políticos.
  • 7
    No original: “The process of outward growth however may proceed more spasmodically by the decentralization of residential areas and industries to localities or satellite towns well beyond the city’s built-up area. But, by whatever process it grows, knowledge of these processes and their control by the method of land-use zoning in conformity with a preconceived pattern which takes cognizance of the emerging land-use structure, is the essence of town and regional planning.” (Sublinhado pelo autor).
  • 8
    Filmes premiados como Branco Sai, Preto Fica (2017) e A Cidade é Uma Só (2013), do cineasta Adirley, Queiroz, retratam a realidade dos projetos segregacionistas que se desdobram na cidade-satélite. Seu nome tem origem na sigla CEI (Centro de Erradicação de Invasões), e aparece citada pelos Racionais MC’s na música “Capítulo 4, Versículo 3”.
  • 9
    Os últimos dados preliminares do censo IBGE 2023 apontam que a nova cidade superou a Rocinha (RJ) em número de habitações (cf. Portela, 2023PORTELA, Michele. Sol Nascente supera Rocinha em domicílios e se torna maior favela do país. 15 mar. 2023. Disponível em: Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/economia/ 2023/03/5080449-sol-nascente-supera-rocinha-em-habitantes-e-se-torna-maior-favela-do-pais.html . Acesso em: 5 out. 2023.
    http://www.correiobraziliense.com.br/eco...
    ).
  • 10
    Por meio da definição da faixa estabeleceram-se os terrenos que seriam vendidos para angariar fundos à construção de Brasília, como lembra Tavares (1995TAVARES, Joaquim Alfredo da Silva. Brasília Agrícola: sua história. Brasília: Editora Eletrônica, 1995., p. 35). A relação entre a área, conhecida hoje como setor de mansões do Parkway, e a Faixa Sanitária ficam evidentes quando olhamos também para a documentação das Atas do Conselho da Novacap: “Aprovou, ainda, o conselho a inclusão do serviço de arruamento das mansões em uma das cinco tarefas anteriormente autorizadas para Faixa Sanitária e dentro do mesmo sistema”. Ver: Atas Novacap (1958ATAS NOVACAP. Fundo Novacap; Caixa NOV-B-2-3-0056 (1)d. Brasília (Arquivo Público do Distrito Federal). 1958., p. 133).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2023
  • Aceito
    15 Ago 2023
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