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Desconstrução da tradição historiográfica sobre as “invasões holandesas”: caminhos para pensar a ocupação neerlandesa seiscentista

Deconstruction of the Historiographical Tradition of the “Dutch Invasions”: Ways to Think About the 17th Century Dutch Occupation

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre os processos de desconstrução historiográfica pelas vias do exame da colaboração dos luso-brasileiros e da ênfase na ação neerlandesa durante a sua ocupação das Capitanias do Norte da América Portuguesa. A construção histórica das denominadas “invasões holandesas” (1624-1654) ocorreu no século XIX devido a Varnhagen, que exaltava a experiência e a capacidade da resistência portuguesa em libertar a colônia do invasor. A crítica anticolonial do século XX construiu caminhos alternativos para pensar tal ocupação. No entanto, a força da tradição historiográfica Oitocentista ficou atestada mediante a dificuldade dos historiadores em ultrapassar a narrativa da invasão, conseguindo, sobretudo, converter o foco da resistência portuguesa em exaltação da resistência luso-brasileira. Apenas em meados do século XX, historiadores desconstruíram a tradição sobre as invasões, investindo no ponto de vista do colaboracionismo e destacando o protagonismo dos colonos.

Palavras-chave:
Invasões holandesas; tradição historiográfica; crítica anticolonial; resistência; colaboração

ABSTRACT

This article aims to reflect on the processes of historiographical deconstruction through the examination of the collaboration of the Luso-Brazilians and the emphasis on Dutch action during their occupation of the Northern Captaincies of Portuguese America. The historical construction of the so-called “Dutch invasions” (1624-1654) occurred in the 19th century due to Varnhagen, who exalted the experience and the capacity of the Portuguese resistance to liberate the colony from the invader. Twentieth-century anti-colonial criticism built alternative ways of thinking about such occupation. However, the strength of the nineteenth-century historiographical tradition was attested to by the difficulty historians had in moving beyond the narrative of the invasion, managing above all to convert the focus from Portuguese resistance to exaltation of Luso-Brazilian resistance. Only in the mid-twentieth century did historians deconstruct the tradition on the invasions, investing in the viewpoint of collaborationism and highlighting the protagonism of the settlers.

Keywords:
Dutch Invasions; Historiographic Tradition; Anticolonial Criticism; Resistance; Collaboration

1. INTRODUÇÃO: A TRADICIONAL ABORDAGEM DA RESISTÊNCIA

A tradição historiográfica brasileira do século XIX propagou o estudo do período de ocupação neerlandesa das Capitanias do Norte da América Portuguesa (1630-1654) sob o título de “invasões holandesas”. O grande arquiteto dessa construção historiográfica foi Francisco Adolfo de Varnhagen (1975VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil: antes de sua separação e independência de Portugal. 9ª Ed. 5º Vol. São Paulo; Brasília: Melhoramentos; Instituto Nacional do Livro, 1975 [1854]. [1854]), em História Geral do Brasil, obra publicada entre 1854 e 1857. A narrativa varnhageniana da História do Brasil esteve longe de representar uma visão unânime dentro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro oitocentista, mas acabou por se tornar paradigmática no que tange à história das invasões estrangeiras.

Enfatizando a ideia da América Portuguesa invadida, Varnhagen não se acanhou em exaltar os esforços de resistência lusitana para defender o território, em culpar um mulato da terra como o grande traidor, em negligenciar a capacidade da Companhia das Índias Ocidentais e em ressaltar o potencial libertador do movimento insurreto eclodido em 1645 (Costa, 2019COSTA, Regina de Carvalho Ribeiro da. O paradigma das “invasões holandesas”: a interpretação de Francisco Adolfo de Varnhagen. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 180, n. 480, pp. 91-120, mai./ago. 2019.). A temática ocupou o interesse do historiador oitocentista de tal forma que suas pesquisas originaram uma publicação particular sobre o assunto, a obra História das Lutas com os Holandeses no Brasil, originalmente publicada em 1871 (Varnhagen, 2002VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 até 1654. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2002 [1871].).

Se o paradigma das invasões escrito pela pena de Varnhagen (1975VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil: antes de sua separação e independência de Portugal. 9ª Ed. 5º Vol. São Paulo; Brasília: Melhoramentos; Instituto Nacional do Livro, 1975 [1854]. ; 2002) pontuou a capacidade de resistência portuguesa aos estrangeiros identificados como inimigos, em que pesem os avanços historiográficos da virada do século XIX para o século XX, foram exatamente estes trabalhos que tornaram paradigmática a narrativa varnhageniana.

Apesar das ponderações críticas presentes nas análises de Capistrano de Abreu (1988ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 7ª Ed. São Paulo: Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo, 1988 [1907]. [1907]), Sérgio Buarque de Holanda (1995HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras , 1995 [Original 1936]. [1936]) e José Antônio Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947]. [1947]) sobre a temática, os historiadores acabaram por reificar, cada abordagem a seu modo, tanto o caráter invasor quanto a ideia da resistência (Costa, 2022COSTA, Regina de Carvalho Ribeiro da. A penetração do paradigma das “invasões holandesas”: construções historiográficas da primeira metade do século XX. Anos 90, Porto Alegre, v. 29, pp. 1-16, 2022.). Expoente da análise de um “Tempo dos flamengos”, Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) foi um dos nomes empenhados em estudar a interação dos neerlandeses com os atores coloniais e revelar os aspectos históricos de uma pretensa colonização flamenga das capitanias do Norte.

Aos poucos, a ênfase na resistência portuguesa vai se transformando na importância da resistência luso-brasileira, com destaque para o papel da memória regional que sublinha o protagonismo dos agentes da Colônia em resistir e expulsar o chamado invasor. Ainda assim, tais trabalhos continuaram operando na lógica da resistência. Coube à produção historiográfica desenvolvida em meados do século XX, no bojo da crítica anticolonial, questionar esta chave interpretativa e propor outros modelos de análise para aquele episódio histórico.

Por um lado, a temática despertou interesse de historiadores estrangeiros, os quais destacaram a ação neerlandesa, isto é, a capacidade da Companhia das Índias Ocidentais de manter uma dominação por vinte e quatro anos em território colonial português sob administração filipina. Por outro lado, a história regional se encarregou de desmontar o discurso dos culpados pela perda do território, na visão do paradigma varnhageniano, e apontar a colaboração dos colonos com a ocupação neerlandesa. Analisar como tal desconstrução do paradigma das invasões holandesas foi operada por nomes selecionados da historiografia de meados do século XX dedicada à temática neste período é o objetivo do presente artigo.

Para tanto, a abordagem privilegiará pesquisas de conhecida relevância para a área de História do Brasil holandês, cuja seleção seguirá o critério de análise narrativa do papel dos protagonistas do episódio, iniciando pelo exame das interpretações que contestam a ênfase na resistência produzida pela historiografia tradicional, seja pela exaltação da colaboração luso-brasileira, seja pelo destaque na ação neerlandesa de conquista do território.

Por fim, descortina-se o caminho historiográfico apontado pelos historiadores das décadas de 1980 e 1990 em diante, ao apostarem no fatiamento do grande objeto da ocupação neerlandesa no Brasil Colonial, investigando assuntos menores. Os capítulos das coletâneas escolhidas ilustram o rumo das pesquisas atuais.

A recusa de grandes narrativas ou modelos gerais explicativos sobre este episódio histórico em prol de análises microtemáticas a partir de uma profusão de fontes, pesquisadas em arquivos europeus e brasileiros, vem conseguindo cruzar o limite estabelecido pelo velho binômio resistência versus colaboração, despertando assim um crescente interesse sobre o Brasil holandês.

2. A EXALTAÇÃO DA COLABORAÇÃO LUSO-BRASILEIRA

Apesar da resistência da historiografia tradicional, em maior ou menor grau, novos historiadores vêm se empenhando, por meio de pesquisa histórica, na desconstrução da memória que deprecia o período de ocupação holandesa no Brasil como parte de uma narrativa historiográfica anticolonial do século XX. Neste sentido, caminharam historiadores que, ao recuperarem o protagonismo colonial ou propriamente das instituições holandesas na dominação flamenga, acabaram por questionar a culpabilização de Calabar pela perda do território português.

Assim, saindo da perspectiva da traição, Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].), em Olinda Restaurada, obra publicada em 1975, elencou outros culpados que poderiam ser responsabilizados pela perda dos territórios do Norte da colônia em função de sua colaboração com os neerlandeses. Neste terreno, o historiador e diplomata brasileiro apontou para a culpa dos índios, baseando-se nas indicações de testemunhas do conflito, como o Frei Manoel Calado e o comandante Conde de Bagnuolo.

A acusação aos índios faria, pois, todo sentido se pensadas as alianças militares estabelecidas com os holandeses em tempos de dominação. Nesta interpretação, não teria sido possível somente a Calabar ensinar as artimanhas da guerra colonial aos flamengos, por isso, atrair e conservar as amizades com os índios sempre pareceu tão importante aos holandeses.

As culpas que recaiam sobre os nativos eram, sobretudo, a de ensinarem a “trilhar os caminhos e veredas da região” (Mello, E., 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 201), afinal, conheceriam os indígenas todo o território e teriam a vantagem da livre circulação, servindo ainda como vigias das táticas e das estratégias preparadas pelos inimigos. De modo que, do ponto de vista da guerra colonial, possuir índios como aliados era um privilégio disputado por ambos os lados do confronto, uma vez que agregaria um auxílio de grande monta às forças militares.

Entretanto, Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) considerou que seria injusto acusar apenas o gentio de ter sido o principal instrumento de que os holandeses se dispuseram para se apoderarem de Pernambuco. Neste bojo, o historiador ressaltou a miríade de indivíduos que contribuíram com os holandeses nesta tarefa. Os flamengos serviram-se dos senhores de engenho, lavradores de cana, cristãos-novos, escravos e mestiços, os quais podem ser considerados tão culpados da derrota portuguesa quanto os índios e o próprio Calabar. Nas palavras do historiador: “num ou outro momento, todos estes grupos foram acusados de quinta-colunismo” (Mello, E. 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 202).

Por um lado, não era mais possível tratar de traidor no singular, como antes o fizera Varnhagen em relação a Calabar1 1 Calabar era “maldito” a cada avanço flamengo no território, segundo a narrativa da guerra por Varnhagen (1975; 2002). . Deste modo, o que Evaldo Cabral inaugurou, seguindo muito da linha interpretativa de José Antônio Gonsalves de Mello2 2 Preocupado em analisar as interações dos holandeses com a sociedade colonial, José Antônio Gonsalves de Mello (2007 [1947]) foi um dos primeiros a tratar do colaboracionismo dos luso-brasileiros com os neerlandeses. Apesar da originalidade, o historiador não desenvolve muito a temática. Coube a Evaldo Cabral de Mello (2007 [1975]) seguir por esta via. , foi a constituição de uma espécie de sociologia da colaboração, ao apontar para os grupos coloniais responsabilizados pela vitória holandesa. Foi uma perspectiva inovadora, ao atrair as atenções para a complexidade social subjacente ao conflito, algo que fora por muito tempo ignorado pela historiografia nacional, exatamente por insistir no binômio litigante portugueses e holandeses como únicos envolvidos.

Por outro lado, ao lançar luz sobre o fenômeno da cooperação, o historiador indicava que a participação dos atores coloniais no conflito havia sido mais decisiva que a própria capacidade holandesa de vencer a guerra. Neste contexto, aparece o revés da perspectiva da colaboração tal qual fora apontada por Evaldo Cabral, uma vez que apresenta o perigo iminente de silenciar as relações particulares dos sujeitos com os holandeses, as quais se constituíram em formas distintas de participação na guerra.

Ademais, ao isolar os indivíduos sob o ponto de vista de grupos sociais, dentro dos quais conviviam uma multiplicidade de interesses dos mais diversos, a interpretação historiográfica desvia a ênfase da análise para o empenho efetivo dos holandeses, no sentido de vencerem o conflito e se apoderarem do território. No final, a memória pátria que exaltava apenas a perspectiva da resistência continuava persistindo nesta interpretação que naturalizava a colaboração, em contrapartida da negligência da abordagem da atividade bélica flamenga.

Contudo, é preciso reconhecer que era um caminho original para pensar a inserção dos personagens coloniais e desconstruir a culpabilização de Calabar. Segundo o historiador: “entre os ‘pícaros da terra’, Domingos Fernandes, o Calabar, não foi o único a pagar com a vida: em 1636, arcabuzava-se certo Cosmo de Almeida, ‘um mulato da Paraíba, grande homem de cavalo e agora grande traidor’” (Memória do que..., 1555Memória do que tem sucedido em Pernambuco desde 4 de julho [de 1636] que se tem mandado ao Sr. Matias de Albuquerque. Lisboa: Biblioteca Nacional de Lisboa, Fundo Geral, 1555.).

Na análise de Evaldo Cabral de Mello, a colaboração dos negros se dava pela via dos escravos fugidos; a dos cristãos-novos por meio de conluio com portugueses e correspondentes em Amsterdã, a partir do qual era possível persuadir ataques contra as capitanias do Brasil; a dos mestiços, por meio de sua capacidade prática como soldados na guerra; e a de alguns pilotos portugueses e espanhóis, por meio da deserção ou da espionagem, abastecendo os holandeses de informações essenciais. Nesta ótica, até os religiosos teriam colaborado com os flamengos, sobretudo em caso de conversão ao calvinismo.

Se era para perceber os culpados da perda do território, como apontou Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].), todos os supracitados podiam ser acusados de traição, uma vez que sua participação no conflito comprometeu o sucesso da resistência. De acordo com Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975].), os “invasores” não demoraram a verificar o suporte que poderiam obter se cooptassem elementos coloniais às suas forças.

Nesta linha, não é difícil imaginar que os próprios holandeses tivessem percebido a tempo a oportunidade de se apoderar do terreno a partir dos serviços dos naturais da terra, de quem a agilidade e a mobilidade eram muito admiradas. Deste modo, tal intepretação supõe mesmo que os holandeses reconheceram a capacidade decisiva dos colonos na guerra.

A respeito do colapso da resistência, matéria muito tratada pelos cronistas da época, cuja investigação seguiram os trabalhos historiográficos, é preciso lembrar do personagem que respondeu formalmente pela derrota: Matias de Albuquerque. O comandante das forças portuguesas foi chamado de volta a Lisboa para prestar contas da perda da capitania. Para substituí-lo, chegou a Pernambuco D. Luís de Rojas y Borgia, oficial espanhol veterano nas guerras da Flandres.

Enquanto o novo comandante fazia o que podia no Brasil, Matias de Albuquerque era preso em Portugal, após breve passagem pela Bahia. O ex-general da resistência permaneceu preso no Castelo de São Jorge até a data da restauração portuguesa, em 1640, responsabilizado pelo desastre da perda de Pernambuco. Portanto, a seu tempo, Matias de Albuquerque era considerado culpado pela vitória holandesa.

Na tentativa de uma biografia sobre o personagem, Belisário Pimenta recuperou, em 1944, a dificuldade da missão da qual Matias de Albuquerque havia sido incumbido pelo Conde-Duque de Olivares. De acordo com Pimenta (1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944.), o general conseguiu sustentar com firmeza uma luta fadada ao fracasso, sobretudo porque a capacidade defensiva de Pernambuco teria sido bem menor que a superioridade técnica dos holandeses. Apesar de experiente, as guerras pernambucanas arruinaram com a carreira de Albuquerque, que:

De organizador inteligente, sabedor e “precatado” que se impunha pela atitude própria de seriedade e confiança, passou a ser o comandante de tropas vencidas, passou a ser o chefe caído na desgraça e a quem se iria exigir que, dos restos que o acompanhavam, constituísse a força suficiente para desforra completa, sem se olhar às circunstâncias que o levaram a tal situação de inferioridade (Pimenta, 1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944., p. 16).

Embora tenha respondido pela perda, o general não era culpabilizado pelos contemporâneos. Pimenta (1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944.) demonstra que Matias de Albuquerque grassava de respeito e de estima entre os seus companheiros de luta, com exceção do Conde de Bagnuolo, com quem nunca possuiu grande afinidade. De qualquer forma, o general é exaltado no estudo de Pimenta (1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944., pp. 22-23), para o qual sua astúcia deve-se à moral levantada de sua tropa e à resistência de seu Arraial do Bom Jesus.

O autor do pequeno estudo de cariz monográfico chegou a explicar que os críticos contemporâneos oscilavam na dúvida sobre quem deveria ser responsabilizado pela conquista holandesa: Calabar, “o mestiço que revelou as qualidades necessárias de ‘estrategista mais distinto entre os chefes holandeses e pernambucanos’” (Pimenta, 1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944., pp. 23-24), ou o general Albuquerque, que fraquejou no plano de defesa e na execução da resistência. Belisário Pimenta ainda enfatiza a resistência e a perspectiva portuguesa tão fortemente enraizadas pela historiografia nacional.

Deste modo, a recuperação do general não teria outro fim que não fosse o de louvar os feitos de Matias de Albuquerque. Na análise do autor, graças à sua capacidade intelectual e ao seu obstinado caráter, a Albuquerque, que comandou bravamente por cinco anos a resistência, caberia o mérito de “dar ‘forma e princípio’ à luta que se arrastou, depois, por largos anos, não só pela coesão moral que provocou com o seu exemplo, como pela consciência que se ia formando, paralelamente, de unidade nacional” (Pimenta, 1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944., p. 29).

Assim, Belisário Pimenta (1944PIMENTA, Belisário. Matias de Albuquerque: notas para uma biografia. Coimbra: Coimbra Editora, 1944.) reclama da busca desmedida por culpados que levou à condenação de todos os trabalhos, uma vez que, no final, só predominaram desastres. Contudo, tal regra só valeria para casos como o de Matias de Albuquerque, afamado general, que teve seu reconhecimento ainda em vida, tendo sido convidado a voltar ao combate em Portugal, integrando as forças do exército restaurador, o que lhe valeu o título de 1º Conde de Alegrete.

Entretanto, nem todos tiveram a mesma sorte de Matias de Albuquerque. Os demais colonos foram condenados pelos próprios cronistas da guerra, responsabilizados pela perda do território, sobretudo pela colaboração prestada aos flamengos. Ainda na fresta aberta por Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) em investigação dos “culpados”, segundo Frei Manoel Calado (2004CALADO, Frei Manoel. O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade. 5ª ed. Recife: CEPE, 2004 [1648]. [1648], pp. 66-67), a culpa era dos índios, tapuias ou potiguaras: “causa e principal instrumento de os holandeses se apoderarem de toda a capitania de Pernambuco e de a conservarem por tanto tempo”.

No entanto, a culpabilização dos potiguaras não funciona, uma vez que o grupo de indígenas se dividiu desde o início. O próprio confronto entre as lideranças de Antônio Felipe Camarão e de Pedro Poti demonstrou uma fissura no interior do grupo, tendo alguns potiguaras lutado ao lado dos holandeses, mas também tendo muitos deles permanecidos fiéis à resistência. De acordo com Ronaldo Vainfas (2008VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras , 2008., p. 93), o que Calado teria esquecido ao condenar todos os potiguaras foi dos índios da resistência, liderados por homens como Martim Soares Moreno e Manoel de Moraes logo nos primeiros tempos da guerra.

Em relação aos tapuias, também não é possível atribuir a derrota ao seu apoio aos flamengos. Apesar da inegável aliança da tribo do chefe Janduí e outros “infernais aliados”, como os considerou o historiador Erns van den Boogaart (1979BOOGAART, Erns van den. Infernal Allies: The Dutch West India Company and the Tarairiu - 1631-1654. In: SIEGEN, J. M. et al. (Orgs.). Johan Maurits van Nassau-Siegen, 1604-1679: A Humanist Prince in Europe and Brazil: Essays on the Occasion of the Tercentenary of his Death. The Hague: The Government Publishing Office, 1979. pp. 519-538., pp. 519-538), trata-se de um grupo particular, os tarairius, e não de todos os tapuias. Ademais, sua colaboração aos flamengos só ocorreu de modo sintomático na época da insurreição pernambucana, quando lutaram ao lado do potiguar Antônio Paraopaba nos massacres de Cunhaú e Uruaçu, em 1645, e não no momento da conquista holandesa.

Quanto aos mestiços, foram acusados por muitos contemporâneos das guerras pernambucanas de culpados pela derrota da resistência, a exemplo do oficial espanhol André Marín (1633MARÍN, André. Carta de André Marín a D. Juan de Zufre, 18.10.1633; Guerra Antígua, 1117. Valladolid (Archivo General Geral de Simancas). 1633.), que apontou para a cumplicidade dos “pícaros da terra” (Mello, E., 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 202) aos holandeses, sobretudo no ensino dos caminhos do território. Um argumento que conferiu força a esta acusação foi mesmo a traição de Calabar.

Entretanto, atribuir aos mestiços a derrota é reiterar a tradição historiográfica construída no século XIX, que lastimava a mestiçagem no Brasil3 3 Desde o tempo das guerras, cronistas luso-brasileiros já relacionavam com desdém a traição de Calabar à sua mulatice, mas foi no século XVIII, a propósito de uma escrita memorialista, na qual a historiografia nacionalista do século XIX muito se embasou, que Calabar foi condenado em virtude de sua natureza mestiça. . Em Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco, obra de 1757, de autoria do pernambucano e beneditino D. Domingos de Loreto Couto (1981COUTO, Domingos do Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1757]. [1757], p. 138), a atuação de Calabar era assim retratada: “se entre nós servira como mulato, pelejara como branco, e esperara como prudente, corresponderão os prêmios a seus méritos [...]”. Segundo o beneditino, Calabar era a única mancha negra no céu das lealdades pernambucanas.

Na intepretação de Loreto Couto (1981COUTO, Domingos do Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1757]., p. 137), a singularidade do mulato tinha raiz em sua infâmia, fruto de uma traição soberba e orgulhosa, cuja motivação estava relacionada à ambição, “um desejo imoderado de honras não merecidas”. De modo que, sendo Calabar um mulato, obcecado para ter acesso a grandes honras que de outra forma não lhes seriam de direito, o desertor desejou fazer a própria sorte e escolher o caminho que lhe parecia mais interessante.

Assim, a condição de mestiço explicaria a traição de Calabar que, nas palavras de Loreto Couto (1981COUTO, Domingos do Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1757]., p. 134): “[...] pouco satisfeito da sua fortuna, buscou ambicioso e soberbo entre os holandeses no prêmio da traição, o aumento que lhe impedia entre os nossos a vileza do nascimento [...]”. Nesta perspectiva, Calabar, “vil instrumento da ruína de muitas praças”, entregou Pernambuco nas mãos dos holandeses e se fez, “para com o seu Príncipe, e Pátria, infame, atrevido, e traidor” (Couto, 1981COUTO, Domingos do Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1757]., p. 140).

Os trechos em destaque, citações diretas de Loreto Couto (1981COUTO, Domingos do Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Ed. fac-similada. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981 [1757].), são bastante representativos das histórias memorialísticas escritas no século XVIII, baseadas, primordialmente, no discurso dos cronistas luso-brasileiros. No caso analisado, houve uma associação, do ponto de vista da narrativa da história das guerras pernambucanas, da traição de Calabar, grande crime praticado, à sua natureza mestiça. Culpado à sua época por deserção, Calabar foi novamente condenado pela memória dos séculos posteriores por sua mestiçagem.

De toda forma, procurar culpados produziu intepretações que valorizam a resistência portuguesa e que, portanto, exaltam a condenação de Calabar como responsável pela perda das capitanias do Norte da colônia4 4 A execução do personagem aparece, nesta via de raciocínio, como um grande ato de vingança e justiça por seus feitos, conduzidas por parte de Matias de Albuquerque. . Convém ressaltar a percepção de Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) do caso, considerando todos os contatos comprometedores que o desertor possuía, dos dois lados da guerra, informações que faziam de si um arquivo vivo. Por saber muito no contexto bélico, a execução de Calabar pode ser vista como uma “queima de arquivo” (Mello, E., 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 292).

Nesta perspectiva, a culpa de Calabar não estava na “vileza de seu nascimento”, como atribuiu Loreto Couto, mas no perigo que representava a determinados informantes, pessoas da resistência, cuja relação com as autoridades neerlandesas era de conhecimento do desertor. Na confissão do traidor, realizada pelo Frei Manoel Calado (2004CALADO, Frei Manoel. O Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade. 5ª ed. Recife: CEPE, 2004 [1648]., p. 67), tudo indica que Calabar revelou “coisas pesadas”, das quais Matias de Albuquerque tratou de calar “por não se levantar alguma poeira da qual se originasse muitos desgostos e trabalhos”.

Desta maneira, ao ameaçar a integridade de nomes importantes, sua cabeça era muito procurada, pelo alto valor que possuía, o que explicaria a urgência suspeita com que o personagem fora julgado, condenado e executado em 22 de julho de 1635. Neste ponto de vista, a abordagem pondera a participação de Calabar em função de sua circularidade entre os dois mundos, considerando-o um mediador. Além de Calabar, muitos outros colonos ocuparam semelhante função e colaboraram, de forma explícita ou velada, com os holandeses.

De volta ao rol dos culpados pela perda do território, além dos mestiços, os cristãos-novos foram veementemente acusados de facilitar a conquista flamenga. Os argumentos de tal incriminação baseiam-se em testemunhos de época, como é o caso de Lope de Vega, citado por Ronaldo Vainfas (2008VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras , 2008., p. 94), autor do poema laudatório da resistência portuguesa de 1625 na Bahia, “El Brasil restituído”. A obra divulgou o colaboracionismo cristão-novo aos holandeses, perpetuando a crença mais ou menos difundida de que os cristãos-novos eram tradicionais aliados dos flamengos.

Primeiramente, é preciso considerar que há uma grande confusão entre os judeus de Amsterdã e os cristãos-novos do Brasil. A este respeito, Vainfas (2010VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém Colonial: judeus portugueses no Brasil holandês. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. , p. 88) considerou que ambos estariam envolvidos com os holandeses em alguma medida, como explicita em: “os chamados ‘judeus da Holanda’, ligados por laços familiares e comerciais aos cristãos-novos do mundo ibérico, eram peças-chave para a infiltração holandesa no Atlântico”. Entretanto, eram grupos profundamente distintos5 5 A diferença entre os cristãos-novos do Brasil e os judeus portugueses da Holanda era não apenas de prática religiosa, mas também de organização política. Ao passo que havia, de fato, uma dimensão institucional na organização dos judeus portugueses de Amsterdã, “nenhuma organização comunitária, nenhuma atuação politicamente coordenada” (Vainfas, 2010, p. 91) existia entre os cristãos-novos no mundo ibérico. , de modo que os cristãos-novos não podem ser acusados por conspirar com os holandeses porque não eram organizados politicamente para tal.

Ademais, documentos da época comprovam que os cristãos-novos sempre apoiaram a resistência baiana, não apenas no primeiro ataque holandês, em maio de 1624, contando com os nomes como os de Mateus Lopes Francisco e Diogo Lopes Ulhoa para a defesa, como durante a investida planejada por Nassau, em abril de 1638, quando Diogo Muniz Teles desempenhou um papel de relevo na proteção da cidade (Vainfas, 2010VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém Colonial: judeus portugueses no Brasil holandês. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. , p. 92).

Neste sentido, em torno de 25% do contingente local arregimentado para a defesa de Salvador em 1625 era composto de cristãos-novos. Ronaldo Vainfas (2010VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém Colonial: judeus portugueses no Brasil holandês. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. , p. 92) conta que até mesmo a armada do Conde da Torre, enviada em 1639 com o objetivo de restaurar o domínio espanhol em Pernambuco, foi parcialmente financiada por cristãos-novos. Desta maneira, não há como sustentar a hipótese da conspiração cristã-nova contra os portugueses, uma vez que há muitos mais casos de cristãos-novos pegando em armas ou financiando diretamente a defesa da Bahia do que apoiando os holandeses na conquista de Pernambuco.

Quanto aos laços comerciais com os judeus portugueses de Amsterdã, também isso precisa ser matizado, uma vez que não podemos sobrepesar a responsabilidade pecuniária desse grupo na Companhia das Índias Ocidentais (WIC)6 6 Segundo Vainfas (2010), a sociedade acionária da WIC era formada principalmente a partir dos capitais holandeses, particularmente dos comerciantes de Flandres que haviam fugido para Amsterdã, vindos do Brabante, sobretudo de Antuérpia, devido à intolerância religiosa. Enquanto isso, os recursos financeiros dos judeus portugueses de Amsterdã participavam apenas em 1% dos capitais da WIC (Vainfas, 2008, p. 35). . Os números indicam que a colaboração dos judeus também não foi de grande monta, como a historiografia costumava os responsabilizar. Portanto, até mesmo a acusação de financiamento da conquista flamenga precisa ser relativizada.

Houve ainda o argumento da incúria metropolitana na defesa do Brasil, considerando que a metrópole no tempo dos ataques flamengos ao litoral da América Portuguesa era a Espanha, a quem a Coroa lusitana estava unida dinasticamente. Os cronistas luso-brasileiros e, posteriormente, a própria historiografia acusou Madri de negligência, o que pode ser contestado por meio da enumeração de todas as armadas enviadas pelos Habsburgo com o objetivo de socorrer o território da América (Costa, 2021COSTA, Regina de Carvalho Ribeiro da. O socorro hispânico às Capitanias açucareiras do Norte (1624-1640): tentativas navais de recuperação do Brasil holandês. Navigator, Rio de Janeiro, v. 17, n. 33, pp. 29-52, 2021.).

Desde a famosa “Jornada dos Vassalos”, enviada em 1625, sob o comando do almirante D. Fradique de Toledo Osório, para socorrer a Bahia, até a esquadra comandada por D. Fernão de Mascarenhas, conde da Torre, em 1639, foram cinco tentativas ordenadas pelo governo espanhol de envio de armadas hispano-portuguesas destinadas a recuperar as capitanias açucareiras da América portuguesa, todas sem sucesso7 7 As grandes esquadras comandadas por D. Fradique de Toledo Osório, D. Antônio de Oquendo, D. Luís de Rojas y Borgia, D. Fernão de Mascarenhas, além de menores esforços de socorro, demonstram que Madri não permaneceu inerte diante dos ataques holandeses no território americano. . Tais expedições restauradoras, ainda que malfadadas, derrubam a ideia de negligência por parte da metrópole espanhola. Também a acusação de Madri como culpada pela perda do território não tem comprovação factível.

Desta maneira, ao trabalhar na perspectiva da colaboração dos colonos, Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) não trata do problema geral, e acaba reproduzindo, em certa medida, a memória da resistência. De acordo com o historiador, na dominação batava do Brasil, em grande parte do tempo a realidade foi de guerra, e não de paz. Neste sentido, examina o emprego dos recursos locais nas “guerras pernambucanas do açúcar” ou “guerras holandesas no Brasil”8 8 De acordo com Mello, E. (2007, p. 14), foram “guerras do açúcar” porque o açúcar foi não apenas o objetivo da conquista, mas também financiou a maior parte das guerras pernambucanas no século XVII. , conforme o historiador fez ao comparar ambos os períodos bélicos, aos quais denominou de guerra de resistência (1630-1636) e de guerra de restauração (1645-1654). Observe-se o trecho em destaque:

A dependência dos recursos locais, a preponderância dos efetivos da terra e a experiência puramente colonial dos seus chefes deram à guerra de restauração aquela fisionomia própria, autônoma, já brasileira, que não escapa a quem a compara à resistência, em que ainda prevaleceu a mistura desenxabida de cosmopolitismo e localismo, de guerra europeia e guerra do Brasil (Mello, E., 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 14).

Em sua análise, Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) adota, com muita frequência, o termo “Brasil holandês”, evitando denominar o período histórico em estudo de “invasão holandesa”, conforme nomenclatura de Varnhagen (1975VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil: antes de sua separação e independência de Portugal. 9ª Ed. 5º Vol. São Paulo; Brasília: Melhoramentos; Instituto Nacional do Livro, 1975 [1854]. ). No entanto, a expressão oitocentista escapa e aparece em algumas passagens, como quando explica que: “a invasão holandesa afetara as relações da Coroa com o donatário de Pernambuco e o de Itamaracá [...]” (Mello, E., 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 35), ou quando se refere ao ataque neerlandês propriamente dito, ocorrido em 1630 (Mello, E., 2007MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: Ed. 34, 2007 [1975]., p. 289).

Assim, a supracitada abordagem de Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].), a qual elenca o rol dos considerados culpados pela perda das capitanias açucareiras, parece oportuna na tentativa de desconstruir os mitos que envolvem a presença dos holandeses durante a dominação no Brasil, embora não realize uma análise a respeito da abordagem do contraste entre a resistência e a colaboração, desconstruindo apenas a plêiade de traidores apontados pela historiografia precedente.

3. A ÊNFASE NA AÇÃO NEERLANDESA

Para além deste olhar nacional, historiadores estrangeiros trabalharam com a temática no decurso do século XX, entre eles os próprios Hermann Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921]. [1921]) e Charles Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957]. [1957]). É necessário perceber a mudança da perspectiva na interpretação desses historiadores estrangeiros que, ao enredarem o episódio da ocupação flamenga ao contexto europeu, acabam por não endossar a conotação negativa da “invasão” construída por Varnhagen.

Na narrativa da ocupação holandesa, Hermann Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) destaca o ponto de vista da organização interna da Companhia das Índias Ocidentais, isto é, conta a história pelo lado dos flamengos. O motivo principal está relacionado às fontes selecionadas pelo historiador, em sua maioria documentos administrativos do governo holandês no Brasil. Deste modo, a ênfase da narrativa é deslocada das situações coloniais para apresentar “teatro da guerra europeia”, inserindo o período de dominação flamenga no Brasil na história moderna europeia, como: “um capítulo da história colonial do século XVII”, subtítulo da obra9 9 Por isso, o primeiro capítulo é intitulado “História externa da empresa holandesa no Brasil”, no qual o historiador discute o aparecimento das expedições neerlandesas, relacionando-as à “luta pela independência dos Países Baixos contra Felipe II” (Wätjen, 2004, p. 66). .

Nesse sentido é que a resistência não é objeto de investigação de Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].), e sim a ação dos holandeses no Brasil, um episódio inédito convertido numa experiência colonizadora absolutamente singular. De modo muito particular, o episódio da própria queda do Arraial do Bom Jesus em 1635, posto principal da defesa luso-brasileira, que significaria a vitória inicial dos holandeses, fato muito lamentado pela historiografia tradicional na procura por culpados, ganhou uma nova interpretação em O Domínio Colonial Holandês no Brasil10 10 Embora só tenha sido traduzida para a língua portuguesa em 1938, data da publicação realizada pela Companhia Editora Nacional, a obra de Hermann Wätjen foi originalmente publicada em alemão em 1921. .

Na narrativa de Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].), atingir o Arraial significaria desbaratar o próprio sistema de defesa, adquirindo um sentido libertador em relação aos moradores, ao pôr um termo às batalhas. Segundo o historiador: “este feito de armas dos Holandeses libertou Recife e Antônio Vaz do perigo de ataques de surpresa da parte do Interior e tornou a Companhia senhora do centro de produção açucareira, a já mencionada ‘Várzea’” (Wätjen, 2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921]., p. 129). Nestes termos, os holandeses são retratados como libertadores de Pernambuco, uma completa inversão da interpretação historiográfica tradicional.

Ao passo que Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) exalta Nassau, lastima a eclosão da revolta em 1645, que aparece como a derradeira e infeliz página final da ocupação holandesa, a qual terminou com a expulsão dos holandeses das terras brasileiras. No que concerne à questão militar, é perceptível que os “inimigos”, na narrativa de Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].), são os portugueses, referência inversa da narrativa de Varnhagen, para quem os inimigos foram sempre os holandeses.

Quanto à motivação do conflito, as dívidas dos colonos teriam pouco valor na argumentação do historiador. Com base em documento de época, o historiador emite parecer dos holandeses quando da vitória da revolta: “culpados são somente a Companhia e aqueles funcionários seus a quem foi confiado na metrópole o abastecimento da Nova Holanda” (Wätjen, 2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921]., p. 271). Assim, o historiador não reconheceria o mérito dos insurretos, mas atribuiria a perda da colônia à própria incapacidade administrativa, entre outros motivos endógenos da Companhia das Índias Ocidentais.

Portanto, Hermann Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) trabalha a dominação holandesa no Brasil a partir do binômio contextual externo e interno, discutindo os fatores militares, políticos e diplomáticos relacionados ao conflito e os acontecimentos pela perspectiva dos holandeses. Embora não desista de pretensões generalizadoras em sua narração, o historiador particulariza o episódio da experiência flamenga e rompe, como se procurou demonstrar, com o modelo lusófilo varnhageniano em muitos aspectos.

Assim como Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].), Charles Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) conta uma história linear, na ordem cronológica dos acontecimentos, iniciando sua história em 1621, ano de criação da West-Indische Compagnie (WIC) ou Companhia das Índias Ocidentais, uma das empresas comerciais organizadas com capitais holandeses e flamengos voltadas para a expansão mercantil. Em relação à escolha do Brasil por parte desta companhia acionária, de uma perspectiva externa, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) considera ter sido mesmo estratégica.

Ao historicizar o ataque holandês, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) também o considera como um capítulo da história europeia, no entanto, consegue realizar um exame mais minucioso das condições internas e externas que subsidiaram a experiência holandesa no Brasil. Do ponto de vista das relações diplomáticas, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957]., p. 21) aponta que a perda do Brasil, ainda que ocupando uma posição subalterna no conjunto dos domínios hispânicos11 11 Convém lembrar que o período de ataque dos neerlandeses ao litoral da América Portuguesa, grosso modo, entre 1624 e 1637, uma vez que a vinda do Conde de Nassau neste ano teria consolidado a dominação da Companhia das Índias Ocidentais, foi o momento em que a Coroa portuguesa estava unida à espanhola no episódio da União dinástica. Como salientam os historiadores, foi exatamente esta agregação que transformou os territórios ultramarinos portugueses, não só a América, em alvo de conquista da companhia neerlandesa. , terminaria por enfraquecer a Coroa espanhola.

Desta forma, Boxer recupera a dimensão conflitiva da ocupação dos holandeses no Brasil e transforma a invasão em luta pela posse de Pernambuco. De fato, parece que o termo “invasão” caiu mesmo em desuso, como podemos verificar pelos historiadores do novecentos. Em Os Holandeses no Brasil12 12 A obra de Charles Boxer foi originalmente publicada pela Oxford University Press em 1957. , o autor utilizou as palavras ataque, captura, cerco, expedição, tomada, conquista, posse, colonização e agressão todas as vezes que abordou as investidas flamengas no território. Por outro lado, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) se referiu aos holandeses como “invasores” em mais de uma ocasião.

Na interpretação do historiador, a história desse período deve ser contada a partir da iniciativa e do esforço holandês de tomar posse do Brasil enquanto colônia sua, em contrapartida à resistência dos atores coloniais e da metrópole afetada. Neste sentido, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) não rompe tanto com a tradição historiográfica. No entanto, há uma ênfase na descrição das estratégias de ataque e de defesa de ambos os lados, sobressaindo aspectos de ordem política, econômica, diplomática e militar.

A narrativa de Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) é recheada de desertores e de informantes de ambos os lados do conflito, demonstrando que a mudança de lado era uma prática comum à época. Por meio destes trânsfugas, a informação circulava no contexto da guerra no plano interno, chegando inclusive ao âmbito externo, matéria apontada por Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) de maneira inovadora. Apesar desta abordagem moderna, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) continua trabalhando com a questão da resistência, de modo a narrar a “valentia” com a qual as forças luso-brasileiras lutaram contra os avanços holandeses, tendo feito tudo o que estava ao seu alcance.

A despeito da insurreição pernambucana, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) narrou o episódio com minúcia, desde os primeiros planos do movimento, conforme seu interesse já denotado pela questão bélica. O historiador discute a autoria, o vazamento e o início da revolta. Avaliando a circulação das notícias, Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957]., p. 230) expõe que as informações teriam sido veiculadas por cristãos-novos, por judeus ortodoxos e pelos próprios senhores locais.

Em conformidade com a abordagem do conflito inicial pela posse de Pernambuco, Boxer analisa a dualidade das relações internacionais envolvidas e do contexto interno. Por um lado, o historiador tratou amplamente das questões diplomáticas, demonstrando as hesitações de D. João IV em apoiar o movimento, o que significaria um rompimento declarado com a Holanda.

Do ponto de vista interno, o historiador se preocupou em apresentar a organização do movimento, que possuiu várias lideranças, inclusive a indígena e a negra para os contingentes auxiliares, representadas nas pessoas, respectivamente, de Antônio Felipe Camarão e de Henrique Dias, cujas forças estariam subordinadas a um comando geral partilhado entre João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros.

Apesar de verticalizar a abordagem das guerras, seja a resistência inicial, seja a revolta final, ambas tratadas com riqueza de detalhes, é notável a ênfase de Boxer ao ponto de vista flamengo. Tal como em O Domínio Colonial Holandês no Brasil (Wätjen, 2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].), a obra de Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) realçou a dimensão política e diplomática desta permanência, cadenciando as ambivalências externas e internas referentes ao contexto do período.

Ao destacarem o desempenho dos holandeses em solo colonial, Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) e Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].) acabaram por construir narrativas muito diferentes das tradicionais abordagens da “invasão holandesa”. Ambos os historiadores estrangeiros, cujas obras datam de meados do século XX, romperam, em certa medida, com o modelo de interpretação construído por Varnhagen (1975VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil: antes de sua separação e independência de Portugal. 9ª Ed. 5º Vol. São Paulo; Brasília: Melhoramentos; Instituto Nacional do Livro, 1975 [1854]. ; 2002), segundo o qual o Brasil é herdeiro português.

No entanto, é preciso considerar que Hermann Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) e Charles Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].), o primeiro alemão, o segundo britânico, partiram de uma perspectiva europeia, nunca brasileira, muito menos nacionalista13 13 A nação brasileira definitivamente não foi uma questão a ser esboçada nas narrativas de Wätjen (2004) e Boxer (1961), tal como preocupara claramente Varnhagen (1975; 2002) no século anterior, cujo discurso sobre a História Pátria muitas vezes exprime certa confusão contextual. . Desta maneira, limitaram-se a avaliar as circunstâncias específicas do século XVII, contando uma história na qual o Brasil é realocado na categoria colonial, uma vez que seus objetos de estudo foram, fundamentalmente, a atuação holandesa nesta colônia e, em menor escala, sua interação com a sociedade14 14 Foram preocupações destes historiadores abordar o projeto, os investimentos, a ocupação, a dominação, a permanência, as estratégias militares, o desenvolvimento econômico, as relações diplomáticas, a política dos holandeses - mas não a invasão -, de modo a destacar o ineditismo deste episódio histórico. .

Seja como for, tais matérias, nas obras de Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) e Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].), ainda que não sigam o modelo geral da historiografia nacionalista, terminaram por construir histórias de um ponto de vista generalizante, recortando, metodologicamente, o período em estudo em assuntos menores, sobretudo pela ordem cronológica, tratados nos capítulos, para alcançar uma abordagem completa da dominação holandesa no Brasil.

4. O FATIAMENTO DO OBJETO COMO FORMA DE DESCONSTRUÇÃO HISTORIOGRÁFICA

Há uma grande dificuldade de evadir da tradição ao tratar da História da dominação holandesa no Brasil. Como demonstrado, é possível argumentar contra praticamente todas as acusações de culpas da derrota luso-brasileira, mas houve um grande obstáculo, por parte da historiografia debruçada sobre o período, em ultrapassar a visão bipartida do fenômeno que, entre resistência e colaboração, escamoteia a grande complexidade do contexto histórico.

É latente que a contraposição entre resistência e colaboração não explica praticamente nada sobre o episódio histórico em análise, primeiramente porque esquece de um lado muito importante, o da ação holandesa. Em segundo lugar, tal tipo de dualidade termina por reiterar o discurso da tradição historiográfica nacionalista. De acordo com Manoel Luiz Salgado Guimarães (2011GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Historiografia e Nação no Brasil: 1838-1857. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011., p. 251), os esforços empreendidos pelo IHGB possuíam um forte interesse pelo conhecimento do passado, um conhecimento imbricado com a ação política, “o que tornava muito fluido o limite entre mitologia nacional e ciência”.

Em oposição ao modelo de História do Brasil de matriz varnhageniana, surgem as novas abordagens, oriundas do amadurecimento da pesquisa neste campo, o qual tende a libertar o conhecimento histórico das amarras das memórias oficiais. Novos estudos historiográficos permitem o avanço do saber histórico exatamente por renunciar a modelos gerais e realizar uma espécie de fatiamento do objeto.

Obviamente, a lista de autores estrangeiros da segunda metade do século XX até hoje, tratando do tema da ocupação neerlandesa no Brasil, é tão extensa que o presente trabalho não visa a exaurir, podendo-se apenas citar alguns nomes. De fato, os estudos de Benjamin Teensma (1999TEENSMA, Benjamin N. (Org.). Brasil Holandês. Rio de Janeiro: Index, 1999. 3 vols.) e sua coletânea de fontes sobre o período do Brasil Holandês; de Ernst van den Boogaart (1986BOOGAART, Ernst van den. The Servant Migration to New Netherland, 1624-1664. In: EMMER, P. C. Colonialism and Migration; Indentured Labour Before and After Slavery: Comparative Studies in Overseas History, 7. Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 1986. pp. 55-81.) sobre as correntes migratórias para a Nova Holanda; de Yosef Kaplan (1996KAPLAN, Yosef. Judíos Nuevos en Amsterdam: Estudios sobre la história social e intelectual del judaísmo sefardí em siglo XVII. Barcelona: Gedisa Editorial, 1996.) sobre os judeus novos em Amsterdã; e de Jonathan Israel (1995ISRAEL, Jonathan. The Dutch Republic: Its Rise, Greatness, and Fall, 1477-1806. Oxford: Clarendon University Press, 1995. ) sobre a guerra da independência e formação das Províncias Unidas dos Países Baixos forneceram valiosas contribuições às pesquisas sobre o período histórico.

Entre o final do século XX e o início do século XXI destacam-se duas coletâneas que procuraram agrupar sínteses de pesquisas de objetos particulares do período. A primeira, organizada por Paulo Herkenhoff (1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do Negro nas Índias Ocidentais. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 122-159.), é composta por autores brasileiros e estrangeiros sobre a história da dominação neerlandesa. Intitulada O Brasil e os Holandeses e publicada em 1999, a obra é resultado de uma parceria da Fundação Biblioteca Nacional com a editora Sextante Artes.

Publicada em celebração da restauração da crônica de Gaspar Barléu (1974BARLÉU, Gaspar. História dos Feitos Recentemente Praticados durante oito anos no Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1974.), intitulada História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil e noutras partes sob o governo do ilustríssimo João Maurício, Conde de Nassau, a coletânea reúne textos que investigam o campo cultural da história da ocupação holandesa (Herkenhoff, 1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do Negro nas Índias Ocidentais. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 122-159., pp. 13-14). Recentemente, tem se desenvolvido uma espécie de colaboração notavelmente profícua entre historiadores holandeses e brasileiros no estudo da matéria em voga.

Faz parte da coletânea (Herkenhoff, 1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do Negro nas Índias Ocidentais. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 122-159.) o estudo de Evaldo Cabral de Mello sobre a presença holandesa no Brasil. No capítulo, Cabral de Mello (1999MELLO, Evaldo Cabral de. Os Holandeses no Brasil. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 20-41.) sintetiza um pouco de suas minuciosas pesquisas na área, cujas publicações inovaram a abordagem de muitos temas. Nesta linha, o historiador problematiza o imbróglio do açúcar, matéria trabalhada em Olinda Restaurada, cujo negócio não era uma especialidade propriamente neerlandesa, mas se tornou não só a causa de uma guerra luso-holandesa em solo colonial, como seu principal financiador. De fato, os holandeses contaram com a expertise da comunidade sefardita de origem portuguesa estabelecida em Amsterdã para lidar com este comércio.

Também foi assunto desenvolvido por Evaldo Cabral de Mello (1999MELLO, Evaldo Cabral de. Os Holandeses no Brasil. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 20-41.) o imaginário da restauração pernambucana na perspectiva da história das mentalidades, matéria esmiuçada em Rubro Veio (2008 [1986]). No capítulo da coletânea, o historiador defendeu como a defesa do território contra os holandeses ensejou a formulação simbólica de um sentimento nativista integrador a partir do “rubro veio” pernambucano.

O capítulo de José Antônio Gonsalves de Mello (1999MELLO, José Antônio Gonsalves de. Companhia das Índias Ocidentais. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 42-63.) tematiza a Companhia das Índias Ocidentais, explicando com minúcia sua administração, desde os órgãos superiores, como o Conselho Político, a diretoria delegada, o Alto e Secreto Conselho e o Alto Governo, até os demais órgãos internos, como o Conselho de Justiça, o Conselho de Finanças, a Câmara dos Escabinos e os escoltetos, os Conselhos de Guerra e Naval, a Contadoria e a Tesouraria, o Serviço de Assistência e de Saúde, a administração dos indígenas, entre outros cargos. O valioso estudo de Gonsalves de Mello desvela, assim, o funcionamento de uma das mais importantes companhias de comércio da primeira metade do século XVII, abrindo um frutífero campo de pesquisas.

A análise de Max Justo Guedes sobre a cartografia holandesa do Brasil aponta a grandiosidade da obra cartográfica de astrônomos, geógrafos, capitães, pilotos e marinheiros neerlandeses em meio às atividades náuticas desenvolvidas a serviço da Companhia das Índias Ocidentais. O artigo de Justo Guedes (1999GUEDES, Max Justo. A Cartografia Holandesa do Brasil. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 64-85.), especialista em história da Marinha brasileira, defende a necessidade da Holanda de obter conhecimentos geográficos sobre aquela região do território português, de tal forma que empenhou seus homens a registrar, em uma série magnífica de cartas, as informações conseguidas sobre a vida cotidiana por meio da observação local.

O exame de José Luiz Mota Menezes sobre os planos, traçados urbanísticos, imagens e edificações reconstrói a história da urbanização do Recife. De acordo com Mota Menezes (1999MENEZES, José Luiz Mota. Arquitetura e Urbanismo. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 86-103., p. 89), a forma de conceber o núcleo urbano foi o primeiro choque cultural da região, pois, enquanto “o irregular sempre predominou sobre o regular” nas construções portuguesas, os holandeses trouxeram engenheiros e mestres de fortificação munidos de princípios geométricos sobre “cidades regulares”, o que representava uma novidade na Europa. Entretanto, ao passo que há regiões em que o traçado urbano foi completamente marcado pelas mãos neerlandesas, como em Nova Maurícia, há partes da conquista onde a interferência holandesa foi praticamente nenhuma.

O artigo de Ronald Raminelli a respeito do habitus canibal discute a imagem do índio nas representações neerlandesas e defende que sua formulação é resultado de um duplo movimento, movido tanto pela guerra antropológica da conquista quanto pelo próprio olhar europeu à época. Isto significa que mais do que a representação do objeto, ou seja, o indígena, as imagens apontam a elaboração de uma certa visão de mundo a partir do outro. A análise das primeiras coleções etnográficas e do curioso gênero dos “livros de hábitos” pelo historiador revelou, para além de toda a representação do primitivismo e do barbarismo que foram lidos nas composições em exames anteriores, um verdadeiro “inventário das diferenças”, por meio do qual os europeus classificavam as comunidades (Raminelli, 1999RAMINELLI, Ronald. Habitus Canibal. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 104-121., p. 104).

De modo semelhante, o capítulo do organizador da coletânea, Paulo Herkenhoff (1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do Negro nas Índias Ocidentais. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 122-159.), pesquisou as representações do negro nas Índias Ocidentais nas obras de Gaspar Barléu, Frans Post e Albert Eckhout. De acordo com Herkenhoff (1999HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses, 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999., p. 132), a pintura neerlandesa cumpria funções estratégicas, e não apenas culturais, na política nassoviana. Para além do estranhamento, havia uma racionalidade nas gravuras que tematizam o negro no Brasil holandês, em tempo de problemática disponibilidade de mão-de-obra na região, que as impedia de expressarem meramente o exotismo, como no caso das representações do índio. As imagens de Barléu, por exemplo, apresentam sempre o negro trabalhando, indicando claramente a função do escravo no regime escravista em que os neerlandeses estavam imersos (Herkenhoff, 1999HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses, 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999., p. 139). No entanto, é importante destacar a existência de representação dos negros como militares, caso daqueles que possuíam reconhecido papel político, como Henrique Dias.

O capítulo de Nachman Falbel investiga as relações intelectuais e políticas entre Menasseh ben Israel, eminente rabino, filósofo, escritor e impressor também conhecido como Manoel Dias Soeiro, e o padre Antônio Vieira, defendendo que ambos ocupavam posição conciliatória muito parecida. Segundo Falbel (1999FALBEL, Nachman. Menasseh ben Israel e o Brasil. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes, 1999. pp. 160-175., p. 161), Menasseh ben Israel pode ser considerado um verdadeiro representante da comunidade judaica de Amsterdã frente às autoridades civis e personalidades da época, uma vez que se depreende de sua correspondência uma espécie de consciência da nação hebraica como herdeira dos valores da civilização ocidental. Por meio do personagem, o historiador esboça a altura da grandeza intelectual da cultura judaica entre os judeus portugueses emigrados para Amsterdã.

Também sobre o universo judaico, mas voltado para seu mundo espiritual e sua inserção política, o estudo de Leonardo Dantas Silva focaliza a Zur Israel. O autor narra a história da comunidade judaica do Brasil holandês por meio da análise da Rua dos Judeus, do prédio da primeira sinagoga estabelecida nas Américas, da literatura hebraica produzida naquele tempo e da emigração das quase 150 famílias judaicas que deixaram as capitanias açucareiras com a rendição das tropas da Companhia das Índias Ocidentais, em 1654. A análise deste tema não chega a ser original, visto que Gonsalves de Mello já havia dedicado vasto estudo em Gente da Nação (1999), no entanto, os assuntos tratados apontam a direção que as pesquisas temáticas vêm tomando nesta linha.

O capítulo de David Freedberg, especialista na arte holandesa seiscentista, aborda o avanço da ciência natural, do comércio e da cultura no período de ocupação neerlandesa por meio da análise da obra de Piso e Marcgraf. O historiador da arte observou que uma particularidade da cultura holandesa muito perceptível das obras produzidas pela missão nassoviana é o “casamento do viés clássico da cultura com a linha realista, científica, descritiva” (Freedberg, 1999FREEDBERG, David. Ciência, Comércio e Arte. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 192-217., p. 200). Neste tempo, Freedberg (1999FREEDBERG, David. Ciência, Comércio e Arte. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 192-217.) apontou que foi iniciativa do próprio Nassau custear tanto a pesquisa quanto a publicação, em 1648, de um marcante trabalho para história natural e etnografia da América do Sul, a Historia Naturalis Brasiliae. Para além do universo da arte, a produção desta obra mobilizou preocupações medicinal, artística, com o exotismo, com o comércio e com a história natural.

Na investigação desta seara, o trabalho de Luis Pérez Oramas com as obras de Frans Post e a invenção de uma “aura” da paisagem desloca a questão pictórica geral, representada pelo pintor, do domínio da iconografia para o da iconologia. O historiador é um dos primeiros a buscar um estudo sistemático da imagem nesta linha. Questionando a formação da “paisagem primígena do Novo Mundo” por Frans Post, defende que a “primeira paisagem”, apesar dos esforços do artista representar a “terra virginal”, já é uma “‘natureza habitada’, humanamente ‘marcada’ pelo olhar que a reinventa em sua representação” (Pérez Oramas, 1999PÉREZ ORAMAS, Luis. Frans Post, Invenção e “Aura” da Paisagem. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 218-237., p. 218). Sem contestar a “primazia cronológica” do pintor, visto que Post foi o primeiro paisagista das terras americanas, Pérez Oramas (1999PÉREZ ORAMAS, Luis. Frans Post, Invenção e “Aura” da Paisagem. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 218-237., pp. 220-221) trabalha com a alteridade da paisagem e explica que a pintura de Post é uma espécie de utopia, porque a tentativa da primeira representação da natureza, movido por uma “obsessão tropical”, resvala em uma “paisagem impossível”.

Sobre o mesmo pintor, Beatriz e Pedro Corrêa do Lago levantaram toda a produção de obras de Post pintadas no ou sobre o Brasil, e apontaram que, ao recusar a narrativa fantasiosa sobre a América, o paisagista cria o primeiro fundo paisagístico da região. Segundo estes especialistas em iconografia, a qualidade da imagem pictórica do Brasil colonial formulada por Post fica atestada nas suas cerca de 160 pinturas a óleo sobre a paisagem brasileira, das quais pelo menos dezoito foram executadas durante sua presença em terras americanas, telas estas que foram oferecidas por Maurício de Nassau ao rei da França, Luís XIV, em 1679.

Assim, a coletânea é representativa das pesquisas em voga sobre o período exatamente pelos recortes microanalíticos dentro da temática do Brasil holandês, tais como a cartografia do período; as questões arquitetônicas e urbanistas envolvendo a presença de Nassau; os desenvolvimentos científicos e artísticos da chamada “missão nassoviana”; a existência da primeira sinagoga judaica das Américas; as representações do negro e do índio; dentre outros assuntos.

Ademais, há uma coletânea organizada pelo historiador pernambucano Marcos Galindo (2005GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2005.). O historiador, compilador de um guia de fontes do período, é um pesquisador conhecedor dos arquivos holandeses. A obra Viver e Morrer no Brasil Holandês conta com uma miscelânea de textos inéditos produzidos, mormente, por historiadores holandeses e, com menor participação, por historiadores brasileiros, reunindo artigos de Ernst van den Boogaart, Bejamin N. Teensma, Frans Leonard Schalkwijk, Lodewijk Hulsan e José Luiz Mota Menezes, entre outros.

Na obra, há estudos pormenorizando a existência de “índios evangélicos” na região, isto é, convertidos ao calvinismo, as descrições da conquista de Pernambuco e da costa do Brasil, as mudanças e continuidades em Recife e Olinda antes e após 1630, a situação de Fernando de Noronha, entre outros trabalhos que exprimem majoritariamente o olhar de historiadores estrangeiros sobre o episódio colonial.

Neste sentido, o capítulo de Ernst van den Boogaart trata da presença neerlandesa na ilha de Fernando de Noronha, rebatizada pelos holandeses como Pavônia, nome em homenagem ao arrendatário Michiel de Pauw. O historiador revelou que, de início, a ilha serviu de ponto de apoio temporário às atividades da Companhia das Índias Ocidentais, espécie de depósito de escravos e funcionários. Porém, a partir de 1634-1635, o caráter de ocupação da ilha mudou, o que significa que a Companhia não quis mais despovoar a ilha, passando a explorá-la até que, em 1645, o território passou a servir como uma espécie de “reformatório”, nas palavras de van den Boogaart (2005BOOGAART, Ernst van den. Morrer e Viver em Fernando de Noronha 1630-1654. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2005. pp. 17-46., p. 26), recebendo alguns degredados.

Foi exatamente neste tempo que o governo colonial neerlandês começou a enfrentar sérias dificuldades com o início da insurreição pernambucana, em especial nos anos das batalhas dos Guararapes (1648-1649). Como os habitantes das possessões neerlandesas da América estavam a passar fome, as autoridades neerlandesas discutiram a necessidade de manter a ocupação sobre a ilha, embora decidissem manter o posto, permitindo, inclusive, o estabelecimento de “colonos particulares” na região, que nada mais eram do que “pobres cidadãos livres do Brasil holandês” (Van den Boogaart, 2005BOOGAART, Ernst van den. Morrer e Viver em Fernando de Noronha 1630-1654. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2005. pp. 17-46., p. 34).

Segundo o historiador, com a medida, o objetivo do governo colonial era formar uma sociedade permanente de cidadãos livres na ilha. Entretanto, a capitulação do Recife pôs fim à experiência. Embora não seja possível conhecer a data exata em que os holandeses desocuparam a ilha, Van den Boogaart menciona a documentação que comprova a chegada de uma embarcação holandesa na ilha de Martinica oriunda de “Ferdinande” em 1654. Conforme o historiador, a ilha permaneceu despovoada até uma breve tentativa de colonização francesa na região, datada de 1736-1737, e, após este período, serviu de colônia penitenciária portuguesa.

O trabalho de José Luiz Mota Menezes propõe uma abordagem do período imediatamente anterior ao momento da entrada dos holandeses, a fim de elucidar o que eram Olinda e Recife e, sobretudo, o que encontraram os neerlandeses quando chegaram. Regressando ao tempo da América Portuguesa, o historiador trata desde a ocupação da capitania por Duarte Coelho, para desmontar a hipótese da acidentalidade quanto ao povoamento da região e defender a existência de um projeto colonizador, cujo interesse em Pernambuco estaria na proximidade e na capacidade da área de dar sustentabilidade à ocupação do território.

Segundo o historiador, as crônicas coloniais permitem perceber que havia, de fato, certa racionalidade e visão estratégica na escolha da região que representava um “lugar seguro”, um “porto abrigado” e uma “grande área destinada às hortas e ao criatório” (Menezes, 2005MENEZES, José Luiz Mota. Olinda e Recife antes de 1630. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 141-174., p. 149). Cotejando as memórias urbanas da capitania no início do século XVII, produzidas sob o tempo da união dinástica de Portugal à Monarquia hispânica, Mota Menezes percebeu a construção interrelacionada do Porto de Recife e da Vila de Olinda, bem como a dificuldade na fortificação da região, de acordo com testemunhos da época.

Por isso, a topografia registrada pelos holandeses por ocasião de sua chegada em 1630 expressa uma relação praticamente perfeita, em termos de dimensões urbanas, entre os assentamentos de Olinda e Recife (Menezes, 2005MENEZES, José Luiz Mota. Olinda e Recife antes de 1630. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 141-174., p. 165). A visão neerlandesa voltada para esta região específica contrasta, conforme a análise do historiador, com a denotada ausência de representações semelhantes do restante da capitania no momento da chegada.

Para além dos recortes geográficos dos trabalhos de Van den Boogaart e de Mota Menezes, o artigo de Benjamin N. Teensma que compõe a obra trata de um estudo sobre um médico sefardita português, Dr. Abraham Zacuto, cujos filhos, Moisés, Isaac e Jacob, integraram, em momentos distintos, como parte de uma comunidade de judeus portugueses que se estabeleceram no Brasil durante a dominação neerlandesa, a empresa exploratória e colonizadora da Companhia das Índias Ocidentais no litoral norte da América portuguesa.

Segundo o historiador, os judeus portugueses conseguiram muitos benefícios ao se estabeleceram em território holandês na América, tais como o controle do mercado bancário, do comércio a retalho, do negócio imobiliário, da cobrança de impostos, dos negócios do açúcar e dos escravos (Teensma, 2005TEENSMA, Benjamin N. Os filhos do Doutor Zacuto. Identificação de Isaac Russon. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 47-100. , p. 64). Em contrapartida, os judeus ofereciam o bilinguismo, ou seja, a capacidade de falarem os idiomas holandês e português, o que representava uma significativa vantagem em relação aos cristãos-velhos católicos e aos protestantes também estabelecidos na colônia holandesa no Brasil.

Na análise da família Zacuto, Teensma (2005TEENSMA, Benjamin N. Os filhos do Doutor Zacuto. Identificação de Isaac Russon. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 47-100. ) cotejou documentação dos arquivos holandeses e concluiu que Moisés e Jacob estiveram, de fato, no Recife holandês, apesar de não terem viajado juntos. Os irmãos Moisés e Jacob lucraram com negócios do açúcar e de escravos e a arrematação de dízimos, além de terem assinado regulamentos da Comunidade Judaica de Zur Israel, enquanto o filho Isaac, apesar das indicações de José Antônio Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].) em obra de 1947, nunca esteve em território americano neerlandês. Mais interessante, no entanto, é perceber que os irmãos carregavam um dos primeiros tratados de medicina que circulou no Brasil Colonial.

A obra, posteriormente publicada em Amsterdã em língua latina, contava com a autoria do pai, Dr. Abraham Zacuto, notável médico português do século XVII. Segundo o historiador, o manual redigido em português teria sido entregue pelo próprio pai a cada filho por ocasião de suas viagens, para o caso de emergência (Teensma, 2005TEENSMA, Benjamin N. Os filhos do Doutor Zacuto. Identificação de Isaac Russon. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 47-100. , p. 70). Deste modo, Teensma (2005TEENSMA, Benjamin N. Os filhos do Doutor Zacuto. Identificação de Isaac Russon. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 47-100. ) mistura a narrativa macroanalítica, em que contextualiza a história da emigração sefardita junto à ocupação neerlandesa, ao olhar microanalítico, examinando os dados biográficos da família Zacuto e até os detalhes contidos no manual de medicina, de grande valor prático à época.

Também o capítulo de Frans Leonard Schalkwijk revisita um tema já trabalhado por Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947].): a relação entre os holandeses e os indígenas. No entanto, a pesquisa amadurecida de Schalkwijk (2005SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil holandês. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 101-140.), da qual o artigo é fruto, particulariza a história da formação de um grupo de nativos brasilianos convertidos à Igreja cristã reformada do Brasil, sob as recentes influências da etno-história e da história religiosa.

De acordo com o historiador, a história desta missão protestante no Brasil acompanha a própria ocupação neerlandesa. A presença da Igreja reformada pode ser dividida em três períodos, a saber: a fase da preparação (1630-1636), quando foram enviados predicantes para atuarem como pastores e consoladores, professores e proponentes responsáveis pelo batismo dos brasilianos15 15 Schalkwijk (2005, p. 112) explica que houve uma discussão entre as autoridades da Igreja reformada quanto a aceitar ou não o batismo realizado pelo catolicismo. ; a fase da expansão (1637-1644), quando foram decididas as linhas de atuação do presbitério, com base nos serviços missionários de pregação, de educação, de produção de literatura e de diaconia; e a fase da conservação (1645-1654), chamada por Schalkwijk (2005SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil holandês. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 101-140., p. 129) de “época da paciência” ou da esperança, uma vez que a “brasilianização dos pregadores” estava em curso, de modo que os nomes de pregadores indígenas começaram a se destacar a partir de 1647.

Ao final do capítulo, Schalkwijk (2005SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil holandês. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 101-140.) apresenta um balanço do trabalho missionário da Igreja Reformada nas capitanias do Norte em seus aspectos quantitativos e qualitativos. Com base nos arquivos holandeses, o historiador informou a presença de 47 ministros nos anos de ocupação neerlandesa, destacando que 17% do trabalho pastoral se dirigia à catequização dos índios, número que subiu consideravelmente nos últimos anos do domínio. Ainda assim, Schalkwijk (2005SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil holandês. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 101-140.) aponta a sincera lealdade à causa evangélica por parte de muitos indígenas como sinal de êxito do Presbitério do Brasil.

Enfim, embora as coletâneas partam de uma perspectiva mais geral do ponto de vista da abordagem da história da dominação holandesa no Brasil, convém ressaltar que ambos os trabalhos, organizados por Herkenhoff (1999HERKENHOFF, Paulo. Representação do Negro nas Índias Ocidentais. In: HERKENHOFF, Paulo (Org.). O Brasil e os holandeses: 1630-1654. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Sextante Artes , 1999. pp. 122-159.), reunindo majoritariamente historiadores brasileiros, e por Galindo (2005GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2005.), constando de historiadores mormente estrangeiros, apresentaram contribuições bastante originais sobre temáticas específicas da área, a partir de pesquisas desenvolvidas por historiadores brasileiros e estrangeiros.

Considerando que a análise de todas as publicações sobre a ocupação neerlandesa seiscentista após as coletâneas especificadas seria tarefa que extrapola os objetivos do presente artigo, pode-se deter nos trabalhos recortados pelo critério de síntese analítica, uma vez que representam, por meio de seus capítulos, o fatiamento do grande objeto do domínio holandês no Brasil como um aspecto característico das produções das décadas de 1980 e 1990 em diante.

Tal fatiamento, como método de investigação, tem conseguido progressivamente ultrapassar o tradicional binômio resistência versus colaboração, presente desde as abordagens mais clássicas, justamente por expandirem o horizonte de análises sobre o tema. Por fim, é preciso considerar que as coletâneas espelham o estado atual da pesquisa histórica sobre a temática mais ampla do Brasil holandês, ou seja, sintetizam os resultados de pesquisa arquivística feita por historiadores brasileiros e estrangeiros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, faz-se necessário pontuar que é justamente a investigação dos recortes do período, como no caso das coletâneas apontadas, que tem levado os pesquisadores a desconstruir a memória nacional assentada no problema da dicotomia resistência versus colaboração. Tais trabalhos datam do final do século XX e da virada para o século XXI, e procedem, metodologicamente, ao fatiamento do objeto, recusando as histórias generalizantes em prol de recortes em temáticas dentro do período, realizando verdadeiras microanálises atentas às particularidades históricas da ocupação holandesa seiscentista do Brasil.

Neste sentido, a desconstrução do paradigma das invasões holandesas coube aos trabalhos no bojo da crítica anticolonial, passando a enfatizar a via contrária à da resistência, para explicar a experiência inédita de vinte e quatro anos de dominação de outra nação europeia que não a portuguesa, ou seja, a via da colaboração dos agentes coloniais. Percebendo a inércia de insistir no binômio resistência vs colaboração, e a persistência da tradição historiográfica nacional nesta dicotomia, as pesquisas desenvolvidas a partir da década de 1980 vêm apostando no fatiamento do objeto. No entanto, reconhecer que o conhecimento histórico é “indireto, indiciário, conjetural”16 16 Segundo a análise de Ginzburg (1990, p. 157), a forma de saber própria da história encontra suas raízes no paradigma indiciário baseado na semiótica. Nestes termos, o historiador, longe de partir de regras e generalizações frívolas, deve seguir pistas do passado para captar uma realidade histórica de maneira mais profunda. não significa eliminar as construções teóricas por completo17 17 A lição que Carlo Ginzburg (1990, p. 177) ensinou foi a de que: “se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por isso a ideia de totalidade deve ser abandonada”. .

Neste sentido, pode-se presumir que os mínimos indícios devem ser resgatados por funcionarem, verdadeiramente, como elementos reveladores de fenômenos mais gerais, de modo que só é possível atingir o geral a partir de sinais particulares18 18 A aplicação prática desta perspectiva pode mesmo ser encontrada na vasta produção deste historiador, uma vez que, à procura das particularidades, Ginzburg (1990) nunca isolou o indivíduo histórico, mas sempre considerou seu complexo processo de circularidade cultural. De modo que há, continuamente, uma fronteira intercambiável, no trabalho histórico, entre a atenção às singularidades e a capacidade de generalização, embora isso não resulte diretamente numa “especulação imaginosa sem provas factuais” (Vainfas, 1997, pp. 152-153). . O historiador italiano Carlo Ginzburg, que muito insistiu no rigor da pesquisa documental como fonte de legitimidade primeira da cientificidade da história, foi uma das referências mundiais na virada das pesquisas de historiadores estrangeiros e brasileiros em direção à microanálise.

Sem qualquer intenção de recuperar todas as influências teórico-metodológicas responsáveis por essa virada, e mesmo sem o objetivo de esgotar a pujante produção historiográfica vigente sobre a dominação holandesa no Brasil, a presente análise se encerra com as contribuições historiográficas das coletâneas explicitadas como representantes de uma geração de pesquisas voltada para o tema. Produzidas a partir da década de 1980/1990, ambas as publicações reúnem sínteses de trabalhos de pesquisadores nacionais e internacionais que vêm se debruçando sobre o episódio colonial da dominação neerlandesa a partir de recortes menores.

O fatiamento do objeto, tendência historiográfica desde os anos 1970, vem possibilitando análises mais específicas dentro do universo do chamado “Brasil holandês”, a partir de investigações sobre temas como a produção artística, as construções arquitetônicas, a representação do negro e do índio, a presença de uma comunidade judaica, as transformações na paisagem geográfica da região, entre outros recortes. Neste intuito, as coletâneas analisadas são representativas das novas abordagens metodológicas produzidas no final do Novecentos, bem como dos rumos que as pesquisas sobre o período estavam tomando.

Evidentemente, recuperar todos os trabalhos sobre a presença neerlandesa seiscentista a partir de então é tarefa exígua que deve ser deixada para uma próxima análise, uma vez que excede os objetivos propostos para o presente artigo. Neste trabalho, foi questionado como a historiografia do século XX lidou e, na medida do possível, tentou ultrapassar a narrativa enfática na resistência portuguesa construída a partir do paradigma varnhageniano.

Houve certa dificuldade em superar tal visão, latente na produção do início do século XX, que acabou emitindo abordagens em priorizavam ora a resistência, ora a colaboração luso-brasileira. Desta feita, pode-se concluir que os trabalhos de finais do Novecentos que vêm conseguindo, com algum sucesso, desconstruir o paradigma das “invasões holandesas” são justamente os que têm se proposto a enfrentar a problemática da abordagem da resistência versus colaboração, não por meio de construções generalizantes que pouco dizem a respeito do contexto histórico em estudo, mas por meio do fatiamento do objeto, que entende a História como uma ciência do particular.

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  • WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].
  • 1
    Calabar era “maldito” a cada avanço flamengo no território, segundo a narrativa da guerra por Varnhagen (1975VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil: antes de sua separação e independência de Portugal. 9ª Ed. 5º Vol. São Paulo; Brasília: Melhoramentos; Instituto Nacional do Livro, 1975 [1854]. ; 2002VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 até 1654. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2002 [1871].).
  • 2
    Preocupado em analisar as interações dos holandeses com a sociedade colonial, José Antônio Gonsalves de Mello (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947]. [1947]) foi um dos primeiros a tratar do colaboracionismo dos luso-brasileiros com os neerlandeses. Apesar da originalidade, o historiador não desenvolve muito a temática. Coube a Evaldo Cabral de Mello (2007MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. 3ª Ed. rev. São Paulo: Alameda, 2008 [1986]. [1975]) seguir por esta via.
  • 3
    Desde o tempo das guerras, cronistas luso-brasileiros já relacionavam com desdém a traição de Calabar à sua mulatice, mas foi no século XVIII, a propósito de uma escrita memorialista, na qual a historiografia nacionalista do século XIX muito se embasou, que Calabar foi condenado em virtude de sua natureza mestiça.
  • 4
    A execução do personagem aparece, nesta via de raciocínio, como um grande ato de vingança e justiça por seus feitos, conduzidas por parte de Matias de Albuquerque.
  • 5
    A diferença entre os cristãos-novos do Brasil e os judeus portugueses da Holanda era não apenas de prática religiosa, mas também de organização política. Ao passo que havia, de fato, uma dimensão institucional na organização dos judeus portugueses de Amsterdã, “nenhuma organização comunitária, nenhuma atuação politicamente coordenada” (Vainfas, 2010VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém Colonial: judeus portugueses no Brasil holandês. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. , p. 91) existia entre os cristãos-novos no mundo ibérico.
  • 6
    Segundo Vainfas (2010VAINFAS, Ronaldo. Jerusalém Colonial: judeus portugueses no Brasil holandês. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. ), a sociedade acionária da WIC era formada principalmente a partir dos capitais holandeses, particularmente dos comerciantes de Flandres que haviam fugido para Amsterdã, vindos do Brabante, sobretudo de Antuérpia, devido à intolerância religiosa. Enquanto isso, os recursos financeiros dos judeus portugueses de Amsterdã participavam apenas em 1% dos capitais da WIC (Vainfas, 2008VAINFAS, Ronaldo. Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras , 2008., p. 35).
  • 7
    As grandes esquadras comandadas por D. Fradique de Toledo Osório, D. Antônio de Oquendo, D. Luís de Rojas y Borgia, D. Fernão de Mascarenhas, além de menores esforços de socorro, demonstram que Madri não permaneceu inerte diante dos ataques holandeses no território americano.
  • 8
    De acordo com Mello, E. (2007MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do norte do Brasil. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007 [1947]., p. 14), foram “guerras do açúcar” porque o açúcar foi não apenas o objetivo da conquista, mas também financiou a maior parte das guerras pernambucanas no século XVII.
  • 9
    Por isso, o primeiro capítulo é intitulado “História externa da empresa holandesa no Brasil”, no qual o historiador discute o aparecimento das expedições neerlandesas, relacionando-as à “luta pela independência dos Países Baixos contra Felipe II” (Wätjen, 2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921]., p. 66).
  • 10
    Embora só tenha sido traduzida para a língua portuguesa em 1938, data da publicação realizada pela Companhia Editora Nacional, a obra de Hermann Wätjen foi originalmente publicada em alemão em 1921.
  • 11
    Convém lembrar que o período de ataque dos neerlandeses ao litoral da América Portuguesa, grosso modo, entre 1624 e 1637, uma vez que a vinda do Conde de Nassau neste ano teria consolidado a dominação da Companhia das Índias Ocidentais, foi o momento em que a Coroa portuguesa estava unida à espanhola no episódio da União dinástica. Como salientam os historiadores, foi exatamente esta agregação que transformou os territórios ultramarinos portugueses, não só a América, em alvo de conquista da companhia neerlandesa.
  • 12
    A obra de Charles Boxer foi originalmente publicada pela Oxford University Press em 1957.
  • 13
    A nação brasileira definitivamente não foi uma questão a ser esboçada nas narrativas de Wätjen (2004WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: um capítulo da história colonial do século XVII. 3ª Ed. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 2004 [1921].) e Boxer (1961BOXER, Charles Ralph. Os holandeses no Brasil: 1624-1654. Tradução de Olivério M. de Oliveira Pinto. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961 [1957].), tal como preocupara claramente Varnhagen (1975VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil: antes de sua separação e independência de Portugal. 9ª Ed. 5º Vol. São Paulo; Brasília: Melhoramentos; Instituto Nacional do Livro, 1975 [1854]. ; 2002) no século anterior, cujo discurso sobre a História Pátria muitas vezes exprime certa confusão contextual.
  • 14
    Foram preocupações destes historiadores abordar o projeto, os investimentos, a ocupação, a dominação, a permanência, as estratégias militares, o desenvolvimento econômico, as relações diplomáticas, a política dos holandeses - mas não a invasão -, de modo a destacar o ineditismo deste episódio histórico.
  • 15
    Schalkwijk (2005SCHALKWIJK, Frans Leonard. Índios evangélicos no Brasil holandês. In: GALINDO, Marcos (Org.). Viver e Morrer no Brasil holandês. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana , 2005. pp. 101-140., p. 112) explica que houve uma discussão entre as autoridades da Igreja reformada quanto a aceitar ou não o batismo realizado pelo catolicismo.
  • 16
    Segundo a análise de Ginzburg (1990GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. pp. 143-180., p. 157), a forma de saber própria da história encontra suas raízes no paradigma indiciário baseado na semiótica. Nestes termos, o historiador, longe de partir de regras e generalizações frívolas, deve seguir pistas do passado para captar uma realidade histórica de maneira mais profunda.
  • 17
    A lição que Carlo Ginzburg (1990GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. pp. 143-180., p. 177) ensinou foi a de que: “se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por isso a ideia de totalidade deve ser abandonada”.
  • 18
    A aplicação prática desta perspectiva pode mesmo ser encontrada na vasta produção deste historiador, uma vez que, à procura das particularidades, Ginzburg (1990GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. pp. 143-180.) nunca isolou o indivíduo histórico, mas sempre considerou seu complexo processo de circularidade cultural. De modo que há, continuamente, uma fronteira intercambiável, no trabalho histórico, entre a atenção às singularidades e a capacidade de generalização, embora isso não resulte diretamente numa “especulação imaginosa sem provas factuais” (Vainfas, 1997VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. pp. 127-162., pp. 152-153).
  • **
    Grande parte da pesquisa que embasou este artigo foi realizada ao longo de nosso Doutorado, desenvolvido no PPGH da Universidade Federal Fluminense, com bolsa da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2023
  • Aceito
    04 Abr 2023
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