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As fotografias antropológicas do príncipe Roland Bonaparte na era das Exposições humanas: raça, ciência e colonialismo do olhar

Prince Roland Bonaparte’s Anthropological Photographs in the Era of Human Exhibitions: Race, Science and the Colonialism of the Gaze

RESUMO

O presente artigo aborda um conjunto de fotografias antropológicas pertencente aos acervos do príncipe Roland Bonaparte (1858-1924), situados na Biblioteca Nacional da França e no Museu do Quai Branly. O sobrinho-neto do imperador Napoleão Bonaparte foi um dos mecenas mais atuantes nas sociedades científicas francesas do século XIX e início do XX. As centenas de fotografias por ele produzidas e colecionadas em álbuns serviram de substrato empírico para pesquisas de antropólogos e naturalistas da época que se empenharam em naturalizar e hierarquizar as diferenças raciais. Em linhas gerais, o escopo do artigo consiste em, primeiramente, indagar o papel desempenhado pela fotografia nas pesquisas antropológicas e na sustentação do arcabouço epistêmico do chamado racismo científico. Da mesma forma, o texto articula essa documentação à cultura visual do colonialismo europeu pautada na exibição de corpos racializados para fins de entretenimento e ciência.

Palavras-chave:
Fotografia; Roland Bonaparte; antropologia; raça; colonialismo

ABSTRACT

This article addresses a set of anthropological photographs belonging to the collections of Prince Roland Bonaparte (1858-1924) located at the National Library of France and the Quai Branly Museum. The great-nephew of Emperor Napoleon Bonaparte was one of the most active patrons of French scientific societies from the 19th and early 20th centuries. The hundreds of photographs he produced and collected in albums served as an empirical substrate for the research of anthropologists and naturalists of the time, who endeavored to naturalize and hierarchize racial differences. In general terms, the scope of the article consists of, firstly, investigating the role played by photography in anthropological research and in sustaining the epistemic framework of the so-called scientific racism. Likewise, the text links this documentation to the visual culture of European colonialism based on the display of racialized bodies for the purposes of entertainment and science.

Keywords:
Photography; Roland Bonaparte; Anthropology; Race; Colonialism

A técnica fotográfica, desde o seu nascedouro oficial, em 1839, esteve mergulhada em um cenário de importantes transformações e rearranjos epistêmicos que se desenrolaram, no Ocidente, antes mesmo do seu surgimento, mais especificamente desde o final do século XVIII. Essas transformações, conforme interpretação clássica de Foucault em As palavras e as coisas, consistiam no ordenamento descritível do domínio da empiricidade a partir da classificação taxonômica. Para o paradigma das ciências naturais na época clássica, os seres vivos estavam dispostos na natureza para serem apreendidos e nomeados em um grande quadro “das espécies, dos gêneros e das classes”. Desse modo, fazia-se necessário designar o lugar que cada ser ocupava “na disposição geral do conjunto” (Foucault, 1999 [1966]FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. 8ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 [1966]. , p. 219).

Em meio às mudanças operadas no âmbito do saber e do poder no início do século XIX, houve, de acordo com Jonathan Crary, uma transformação significativa na concepção e no estatuto do observador em relação a séculos anteriores (Crary, 2012CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.). O surgimento de uma variedade de instrumentos ópticos, anteriores mesmo à fotografia, aparece como “pontos de intersecção nos quais discursos filosóficos, científicos e estéticos imbricam-se a técnicas mecânicas, exigências institucionais e forças socioeconômicas” (Crary, 2012CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012., p. 217).

Crary oferece uma chave interpretativa interessante aos propósitos desse artigo na medida em que o autor, ao invés de abordar a história do observador como mero produto ou reflexo das transformações técnicas, artísticas ou do campo das representações visuais, toma-o como parte de uma engrenagem maior e mais ampla de constituição de saberes e poderes. Com base nessa premissa, o autor sustenta que os novos instrumentos ópticos surgidos no início do século XIX, tais como o estereoscópio e, mais tarde, a fotografia, tornaram-se possíveis graças a “um novo ordenamento do conhecimento sobre o corpo e da relação constitutiva desse saber com o poder social” (Crary, 2012CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012., p. 25). Sob esse viés, é possível pensar a estreita relação entre o surgimento da fotografia, o nascimento da antropologia e as teses raciais.

Para que se tenha uma ideia da proximidade dessa relação, basta lembrar que a Sociedade Etnológica de Paris foi fundada em 1839, mesmo ano em que François Arago, secretário da Academia francesa de ciências, anunciava o invento da fotografia por Niépce e Daguerre. Em seus quadros iniciais, a Sociedade Etnológica reuniu “naturalistas, historiadores, geógrafos e um bom número de saint-simonianos” (Jehel, 2001JEHEL, Pierre-Jérôme. Roland Bonaparte. abr. 2001. Disponível em: Disponível em: https://a-m-e-r.com/mots-regards/roland-bonaparte/ . Acesso em: 14 dez. 2023.
https://a-m-e-r.com/mots-regards/roland-...
, [s.n.], minha tradução). Alguns anos depois, em 1843, nascia, na Inglaterra, a Sociedade Etnológica de Londres. Ambas as sociedades surgiram em meio à corrida imperialista em territórios africanos e asiáticos. As fotografias produzidas por missionários religiosos, militares e viajantes nesses territórios se revestiam de grande interesse para os estudos dessas sociedades acadêmicas na medida em que serviam como meio de registrar e repertoriar diferentes culturas, muitas das quais sob a “tutela” colonial.

Nos anos seguintes, o modelo biológico das ciências naturais e médicas foi progressivamente se impondo a ponto de provocar cisões nessas instituições. De acordo com Pinney (2011PINNEY, Christopher. Photography and Anthropology. London: Reaktion Books, 2011.), no caso da sociedade londrina, essa ruptura teria ocorrido principalmente em razão de programas “explicitamente racistas” de alguns de seus membros (Pinney, 2011PINNEY, Christopher. Photography and Anthropology. London: Reaktion Books, 2011., p. 21, minha tradução), a exemplo do explorador e militar Richard Francis Burton e do médico James Hunt, que, em 1863, fundaram a Sociedade Antropológica de Londres. Hunt, em um dos seus primeiros discursos pronunciados na recém-formada sociedade, tratou do tema O lugar do negro na natureza (Hunt, 1866HUNT, James. The Negro’s Place in Nature: A Paper Read Before the London Anthropological Society. New York: Van Evrie, Horton & Co., 1866.). O título e o conteúdo de sua palestra não deixam dúvidas quanto aos propósitos da antropologia física em seu nascedouro, que, entre outros aspectos, buscou reunir elementos que supostamente pudessem provar a ideia de inferioridade dos não-europeus, especialmente da população negra. Conforme bem resume Schwarcz (1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras , 1993.), os “estudos antropológicos” seguiam preceitos poligenistas amparados nas ciências físicas e biológicas, e as “análises etnológicas” guardavam um viés humanista e monogenista (Schwarcz, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras , 1993., p. 53).

Na França, essa cisão entre etnólogos e antropólogos teria ocorrido até mesmo antes, em 1859, por iniciativa do médico anatomista Paul Broca, que também se empenhou em defender teses de inferioridade racial e de gênero. A antropologia se apresentaria naquele momento como um “braço da história natural” (Friedberg, 1992FRIEDBERG, Claudine. Ethnologie, anthropologie: les sociétés dans leurs “natures”. In: JOLIVET, Marcel (Dir.). Sciences de la nature, sciences de la société: Les passeurs de frontières. Paris: CNRS Éditions, 1992. pp. 155-166. , p. 3, minha tradução), aplicando seus métodos, outrora voltados à fauna e à flora, ao estudo dos seres humanos, “sem distinção muito clara entre o biológico e o cultural” (Friedberg, 1992FRIEDBERG, Claudine. Ethnologie, anthropologie: les sociétés dans leurs “natures”. In: JOLIVET, Marcel (Dir.). Sciences de la nature, sciences de la société: Les passeurs de frontières. Paris: CNRS Éditions, 1992. pp. 155-166. , p. 3). A adoção de métodos positivistas e naturalistas era advogada por esses cientistas como um meio de os imunizar contra uma suposta “contaminação” da objetividade científica por aspectos subjetivos, culturais e políticos.

No entanto, em realidade, essa imparcialidade tão alardeada estava muito distante da prática e dos discursos desses antropólogos e naturalistas. Muitos de seus estudos, como veremos mais adiante, empenharam-se em realizar contorcionismos na aplicação de fontes empíricas para alegar pressupostos de inferioridade racial, compondo uma vertente hegemônica de pensamento na segunda metade do século XIX.

Contorcionismo talvez seja uma palavra suave para uma prática disseminada de manipulações de dados, de procedimentos e justificativas que tentavam emplacar opções ideológicas racistas sob a égide de um discurso de “ciência imparcial”. Em seus livros, Stephen Jay Gould disseca grande parte das incoerências, das analogias forçadas, dos argumentos distorcidos, das conclusões confusas e de outros estratagemas praticados pela ciência das raças ou pelo chamado racismo científico. Nos dizeres do autor, “alguns argumentos históricos são tão intrinsecamente ilógicos ou implausíveis” que o seu desaparecimento “deveria ser algo tão irrevogável quanto a extinção das espécies” (Gould, 2004GOULD, Stephen Jay. O sorriso do Flamingo: reflexões sobre história natural. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes , 2004., p. 255).

Embora as falácias e incoerências das teses racialistas tivessem sido desconstruídas e invalidadas no meio científico de forma mais sistemática na metade do século XX, elas foram largamente absorvidas pela imprensa popular (Gould, 2003GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes , 2003., p. 74; McClintock, 2010McCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.), compondo apropriações e imaginários racistas que ganharam uma duração bem mais longeva no senso comum.

É sob esse cenário que Anténor Firmin, intelectual negro, diplomata e jurista haitiano pertencente aos quadros da Sociedade de Antropologia de Paris, redigiu uma obra de mais de 600 páginas na qual se contrapôs às teses de inferioridade racial abertamente defendidas por seus colegas. Ao longo do seu texto, o intelectual haitiano expôs grande parte das incoerências, das “conclusões pretensiosas” (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. De l’égalité des races humaines. Paris: Lib. Cotillon, 1885., p. 42) e dos recursos falaciosos de cientistas como Paul Broca, figura central nas instituições científicas da época e professor de cirurgia clínica em Paris, que se valia de moldes de crânios e fotografias para ilustrar suas conclusões e conceituações sobre hierarquias raciais nas quais o homem branco estava no topo.

Ao longo dos capítulos, o intelectual haitiano tenta desconstruir os principais resultados das pesquisas raciológicas praticadas pela Sociedade de Antropologia:

Seria-me fácil empurrar para longe o exame dos argumentos que o ilustre fundador da Sociedade de Antropologia de Paris invocou, uns após outros, a fim de provar uma distância específica entre o homem da Europa e o homem da África. Para atender às necessidades da sua tese, ele procura constantemente rebaixar a raça negra (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. De l’égalité des races humaines. Paris: Lib. Cotillon, 1885., p. 83, minha tradução).

A obra de Firmin foi desconsiderada e invisibilizada por antropólogos da época que aparentemente não se preocuparam em repercutir ou debater seus argumentos. Os poucos momentos em que os protestos do jurista haitiano foram escutados ocorreram presencialmente, durante algumas sessões da Sociedade de Antropologia. Firmin questionava o fato de que se para aqueles naturalistas as potencialidades intelectuais de um povo eram biologicamente inatas e independiam da cultura ou do meio social, como explicar terem-no aceitado, ele, um homem negro, para fazer parte daquela renomada instituição? Revoltou-lhe as indagações do colega Arthur de Bordier, que perguntou se suas habilidades intelectuais não seriam em razão de uma ascendência branca, chegando ao ponto de convidá-lo a se submeter a mensurações cranianas (Marques; Kosby, 2020MARQUES, Pâmela Marconatto; KOSBY, Marília Flôor. Anténor Firmin, Jean Price-Mars, Jacques Roumain: Antropólogos haitianos repovoando as narrativas históricas da Antropologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 103, pp. 1-20, 2020., p. 4).

Em meio a este cenário, documentos visuais foram mobilizados para alimentar, mediante um discurso à época tido como científico, ideologias nacionalistas, racialistas e etnocêntricas. Fraudes conscientes ou autoenganos de naturalistas e antropólogos caminharam juntos na exposição de preconceitos pautados em “medições de ossos e somas de dados” (Gould, 2003GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes , 2003., p. 43). O mesmo pode ser dito do tratamento das imagens, em especial, as fotográficas. Considerada, nos tempos de sua criação, como prova inconteste do real, ou “serva das ciências e das artes” (Baudelaire, [1859]BAUDELAIRE, Charles. O público moderno e a fotografia. Carta ao Sr. Diretor da Revue française sobre o Salão de 1859. [20 jun. 1859]. Disponível em Disponível em https://www.entler.com.br/textos/baudelaire2.html . Acesso em: 28 dez. 2023.
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, 1988, p. 73), a fotografia também foi utilizada e produzida de modo nada imparcial, constituindo-se em uma das peças-chave da maquinaria do racismo científico.

Desse modo, ao se institucionalizar como disciplina autônoma, com práticas e modelos herdados das ciências naturais, a antropologia física buscou, na fotografia, uma das bases essenciais para sua empreitada e inserção no mundo científico da época.

Essa antropologia, no entanto, pode ser pensada como resultado de um “projeto da imaginação visual”. Centrava-se, portanto, bem mais no “ver” do que no “ler” (Grimshaw, 2001GRIMSHAW, Anna. The Ethnographer’s Eye: Ways of Seeing in Modern Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001., p. 13, minha tradução). Para nutrir essa imaginação antropológica, não faltaram imagéticas racializadas respaldadas em gravuras, desenhos e tabelas com linhas evolutivas, ilustrações e, como não poderia faltar, fotografias: ver era sinônimo de conhecer.

Em meio a um cenário epistêmico em que imperava a hegemonia da visão (Levin, 1993LEVIN, David Michael (Ed.). Modernity and the Hegemony of Vision. Berkeley: University of California Press, 1993.) ou o ocularcentrismo (Jay, 1993JAY, Martin. Downcast Eyes: The Denigration of Vision in Twentieth-Century French Thought. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1993.), a fotografia esteve, desde os seus primórdios, entrelaçada com o fazer antropológico (Edwards, 1992EDWARDS, Elizabeth (Ed.). Anthropology and Photography, 1860-1920. New Haven: Yale University Press with the Royal Anthropological Institute, 1992. ; Pinney, 2011PINNEY, Christopher. Photography and Anthropology. London: Reaktion Books, 2011.), se consolidando como meio preferencial de produção de conhecimento durante o “momento naturalista” das ciências humanas (Blanckaert, 2000BLANCKAERT, Claude. 1800 - Le moment “naturaliste” des sciences de l’homme. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, n. 3, pp. 117-160, 2000., minha tradução). Para uma melhor compreensão deste momento histórico e para melhor ilustrar esse cenário, abordarei um dos mais importantes conjuntos documentais formados por fotografias antropológicas do último quartel do século XIX: a coleção do príncipe Roland Bonaparte, uma das documentações mais representativas para investigações acerca dos processos de “institucionalização da raça” (Bernon, 2018BERNON, Thomas. La science des races: la Société Ethnologique de Paris et le tournant colonial (1839-1848). La Révolution française, n. 15, pp. 1-55, 2018., p. 55, minha tradução) e estruturação de uma visualidade colonial/imperialista. Dessa coleção, foram trabalhados, para fins deste artigo, álbuns de fotografias produzidas no Jardim da Aclimatação e expostas na ocasião da Exposição Universal de 1889, como Hottentots e Kalmouchs, e álbuns com fotografias produzidas no decorrer da referida exposição, como Village accréen e Nègres.

ROLAND BONAPARTE, UM MECENAS EM TEMPOS DO RACISMO CIENTÍFICO

Em 1924, mais de três milhões de amostras de centenas de espécies de plantas recolhidas mundo afora, ressecadas e armazenadas em álbuns, ocuparam 22 vagões de trem de Paris a Lyon. O destino era a Universidade lionesa que, a partir desta data, abrigaria o herbário do Príncipe Roland Napoleão Bonaparte (1858-1924), sexto príncipe de Canino e Musiggnano e sobrinho-neto do imperador Napoleão I. A doação do maior herbário privado do mundo por ocasião do falecimento de Roland Bonaparte, naquele ano, foi concedida por sua filha, a princesa Marie Bonaparte. Outras 500 mil amostras foram endereçadas ao Museu de História Natural de Paris.

Mas não foram só as plantas que ocuparam os interesses do príncipe e as gavetas das dezenas de estantes situadas no sobrado construído em um glamoroso endereço na capital francesa. Além do herbário, quatro salas ricamente decoradas, em um logradouro próximo ao Arco do Triunfo, foram ocupadas por mais de 100.000 volumes (Cordier, 1924CORDIER, Henri. Le Prince Roland Bonaparte. La Géographie, pp. 4-13, 1924., p. 531), além de milhares de fotografias catalogadas como “coleções antropológicas”. As obras dos aposentos da biblioteca foram concluídas em 1896, e as do herbário, em 1899 (De Lorenzo, 2010DE LORENZO, Catherine. A “Veritable Scientific Sanctuary”? Imagining the Library of Roland Bonaparte. In: CHAPMAN, Michael; OSTWALD, Michael (Orgs.). Proceedings of the 27th International SAHANZ conference. Australia: The University of Newcastle, 2010. pp. 115-120.). Após a morte de Bonaparte, milhares de obras, somadas a um conjunto de aproximadamente 17 mil fotografias, ficaram sob tutela da Sociedade de Geografia de Paris. Em 1942, foram realocadas, assim como todo o acervo da referida sociedade, na Biblioteca Nacional da França. Álbuns de fotografias antropológicas foram doados para o Museu de História de Etnologia do Trocadeiro, que depois se transformou em Museu do Homem, em 1937. Com a fundação do Museu do Quai Branly, em 2006, as coleções do Museu do Homem, compostas por negativos fotográficos de vidro e suas tiragens guardadas em álbuns de fotografias, incluindo álbuns de fotografias antropológicas de Bonaparte, foram para este novo espaço, juntamente com outras coleções do antigo Museu de Artes da África e da Oceania, originalmente criado para preservar objetos e fotografias obtidos durante conquistas coloniais na África e na Ásia.

Figura 1:
Roland Bonaparte, em 1909 (Agence de presse Meurisse, 1909AGENCE DE PRESSE MEURISSE. Roland Bonaparte [Photographie de presse]. Paris, 1909. Paris (Gallica/Bibliotèque Nationale de France). 1909.).

Quando em vida, munido de uma considerável fortuna, herdada após a morte precoce de sua esposa Marie Félix-Blanc, em 1882, o sobrinho-neto do imperador francês Napoleão I resolveu investir boa parte de suas posses em viagens, aquisições de coleções etnográficas, fotográficas, bibliográficas e posteriormente botânicas, além de injetar somas importantes em bolsas, fomentos e quitação de despesas de sociedades científicas. Uma nota publicada na revista Nature, em dezembro de 1911, informava o leitor que Roland Bonaparte iria doar 250.000 francos para a Academia de Ciências em Paris (Prince Bonaparte’s Aids..., 1911PRINCE BONAPARTE’S AIDS to Scientific Work. Nature, n. 88, pp. 219-220, Dec. 14, 1911. ). Desde 1906, o príncipe havia pleiteado e conseguido a vaga de livre acadêmico: posto destinado a personalidades que prestaram serviços à ciência ou que apresentavam notório saber sem, no entanto, portarem formação acadêmica na área. Entre as sociedades científicas das quais fez parte, seja como membro, como diretor ou mesmo como patrocinador e doador de coleções e acervos, estava a Sociedade de Antropologia de Paris, da qual se tornou membro em 1884, a Sociedade de Geografia de Paris, onde ocupou a presidência entre 1910 até o ano da sua morte, a Sociedade de Economia Social, a Sociedade Astronômica da França e até mesmo sociedades literárias e de Belas Artes.

Ainda em fins do século XIX, Roland Bonaparte já era conhecido nos corredores das academias científicas como um dos maiores produtores de acervos fotográficos de populações de diferentes partes do mundo. Em razão deste vasto material, chegou a ser escolhido, anos depois, mais precisamente em 1919, para presidente da Sociedade Francesa da Fotografia, da qual compunha o quadro de sócio desde 1900. No discurso de transmissão da posse da presidência da instituição, Henri Deslandres, então presidente, destacou a contribuição de Bonaparte com os mais de “7000 retratos produzidos por ele na América e nas Índias para fixar o caráter dos povos ainda mal conhecidos” (Deslandres, 1919DESLANDRES, M., Discours de transmission de la présidence, Bulletin de la Société Française de Photographie, 24 mai 1919. , apud Jehel, 1994-1995JEHEL, Pierre-Jérôme. Photographie et anthropologie en France au XIXe siècle. Dissertation (Master) - Universidade Paris VIII. Saint-Denis, 1994-1995., p. 48, minha tradução).

Com efeito, muitos destes retratos foram produzidos em viagens, como a que Bonaparte fizera à Lapônia (1884BONAPARTE, Roland. Les habitants de Suriname: notes recueillies à l’exposition coloniale d’Amsterdam en 1883. Paris: Imprimerie de A.Quantin, 1884.), porém, uma parte considerável foi obtida em visitas a exposições coloniais e etnológicas. Os numerosos álbuns catalogados pelo príncipe foram utilizados em vários estudos produzidos por antropólogos naturalistas que compuseram o núcleo duro do racismo científico (cf. Hamy, 1886HAMY, Ernest-Théodore. Note ethnographique sur les Bosjesmans. Bulletins de la Société d’anthropologie de Paris, tome 9, série 3, pp. 567-570, 1886.; Le Bon, 1879LE BON, Gustave. Sur les Nubiens du Jardin d’acclimatation. Bulletins de la Société d’anthropologie de Paris , v. IV, pp. 590-592, 1879.; Topinard, 1885TOPINARD, Paul. Présentation de trois Australiens vivants. Bulletins de la Société d’anthropologie de Paris , tome 8, pp. 683-698, 1885.).

Nos anos 1880, a antropologia desenvolvida por Paul Broca e a geografia foram as áreas do conhecimento que mais atraíram o interesse do sobrinho de Napoleão (Cordier, 1924CORDIER, Henri. Le Prince Roland Bonaparte. La Géographie, pp. 4-13, 1924., p. 527). A atenção devotada aos estudos antropológicos pautados na cartilha das diferenças raciais foi despertada, em grande parte, durante uma visita que fizera à Exposição Internacional e Colonial de Amsterdam, em 1883, quando recolheu notas e fotografias de diferentes povos ali presentes e expostos. Como resultado desse evento, escreveu a obra Os Habitantes do Suriname (1884), em que descreveu etnograficamente diferentes grupos da então Guiana holandesa, expostos no evento europeu. Na década de 1870, exposições como essa foram abraçadas pela Sociedade Antropológica de Paris “com o mesmo entusiasmo que o grande público” (Schneider, 2011SCHNEIDER, William. Jardins d’acclimatation, zoos et naturalization. In: BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; SNOEP, Nanette Jacomijn (Orgs.). Exhibitions: L’invention du sauvage. Paris: Actes du Sud-Musée du Quai Branly , 2011. pp. 130-151., p. 132).

Na apresentação de sua obra, o príncipe não esconde seu entusiasmo diante da ciência praticada naquela época, ao incorporar a crença na ideia de progresso e ode à civilização europeia. O livro de Bonaparte foi apresentado em 1884, aos membros do Museu de História Natural, por Armand de Quatrefages, autor de Crania Ethnica (1873). O então professor de antropologia do referido museu entre 1855 e 1892 foi um dos “pais” do mito supremacista branco. De modo geral, Quatrefages seguiu a tese do naturalista Friedrich Blumenbach (1752-1840) acerca dos determinismos geográfico e ambiental na definição de raças supostamente mais ou menos aptas. Essa visão escalonária serviu de base para uma assustadora tese de degenerescência dos não brancos.

Não é preciso ir muito longe para inferir o quanto essas teses foram vulgarizadas e absorvidas pela classe política, tornando-se o apanágio das investidas colonialistas e impregnando a imaginação e a percepção política e social acerca de corpos e sujeitos não europeus e não brancos.

Roland Bonaparte foi um dos apoiadores desta empresa e desse modelo de pensamento aceito à época como “científico”. Na introdução de Les Habitants du Suriname (1884) (Os Habitantes do Suriname), após saudar a nascente ciência antropológica e as iniciativas de Paul Broca e seus colegas, fez questão de salientar que “as sociedades, que, como os seres vivos, devem se transformar sob pena de perecer, necessitam de guias que as impeçam de se perderem nos momentos críticos de sua evolução” (Bonaparte, 1884BONAPARTE, Roland. Les habitants de Suriname: notes recueillies à l’exposition coloniale d’Amsterdam en 1883. Paris: Imprimerie de A.Quantin, 1884., p. 11, minha tradução).

As palavras do príncipe ilustram bem o modo como a fotografia foi utilizada na qualidade de registro de um “passado vivo”, ou seja, a crença na futura supressão ou no aniquilamento cultural e biológico de grupos humanos diante do processo “civilizador/colonizador”. Essa crença levou antropólogos a considerar aquelas culturas como peças “vivas” de um museu que as aguardava: afinal, sob essa ótica, o futuro não lhes pertenceria a não ser na condição de assimiladas, suprimidas ou apagadas.

A título de exemplo, em uma consulta a um dos textos publicados na Revue d’anthropologie do ano de 1888 é possível observar algumas instruções sobre como a nascente ciência antropológica deveria ser apresentada na Exposição Universal de 1889. Em uma delas, a recomendação era de que os expositores se concentrassem em mostrar as “aplicações da fotografia compósita, insistindo sobre os tipos selvagens mais inferiores que desaparecem a cada dia [...]” (Exposition Universelle de 1889, 1888EXPOSITION UNIVERSELLE DE 1889: Section des Sciences Anthopologiques. In: Revue d’anthropologie. Tome III. Paris: Reinwald. 1888. pp.117-118., pp. 117-118, minha tradução).

Nessa época, boa parte dos cientistas, em especial os franceses, não saía dos seus gabinetes para observação em campo. Quando deixavam seus laboratórios era, no mais das vezes, para visitar exposições universais, nacionais ou coloniais, museus e o Jardim da Aclimatação. Concebido por Geoffroy Saint-Hilaire em meados do século XIX, e implantado na floresta de Bolonha (Bois de Boulogne), nos arredores de Paris, em 1859, o Jardim da Aclimatação nasceu com o objetivo de ser um centro de estudo de botânica e zoologia (Maxwell, 1999MAXWELL, Anne. Colonial Photography and Exhibitions: Representations of the “Native” and the Making of European Identities. London; New York: Leicester University Press, 1999.). Nos primeiros anos, o local funcionava como espaço de observação científica e atração popular com a presença de elefantes, rinocerontes e girafas, chegados do continente africano. Contudo, a busca por outras opções que pudessem atrair o público e elevar o número de visitantes passou a incluir humanos como forma de angariar mais espectadores. Era o verão de 1877, e um grupo de núbios que acompanhou os animais chegados da Somália e do Sudão foi incorporado ao Jardim para serem, eles também, itens de exposição. O responsável pela exposição, um empresário italiano, mais precisamente veneziano, viveu alguns anos na Núbia e se transformou em mediador e intérprete do grupo.

Essa mudança no modelo de exibição do Jardim gerou controvérsias, embora boa parte dos integrantes da Sociedade de Antropologia tenha saudado, inicialmente sem maiores constrangimentos, a exibição de corpos humanos em um zoológico. É nesse momento que o Jardim da Aclimatação se transforma, segundo Schneider, em um “modelo absoluto da amálgama entre naturalização e exibição humana” (Schneider, 2011SCHNEIDER, William. Jardins d’acclimatation, zoos et naturalization. In: BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; SNOEP, Nanette Jacomijn (Orgs.). Exhibitions: L’invention du sauvage. Paris: Actes du Sud-Musée du Quai Branly , 2011. pp. 130-151., p. 132, minha tradução), ou, como salienta Maxwell (1999MAXWELL, Anne. Colonial Photography and Exhibitions: Representations of the “Native” and the Making of European Identities. London; New York: Leicester University Press, 1999., p. 17), em uma tentativa de equilibrar “educação científica e entretenimento”, na medida em que estabelecia uma “animalização científica do outro” (Koutsoukos, 2020KOUTSOUKOS, Sandra Sofia Machado. Zoológicos humanos: gente em exibição na era do imperialismo. Campinas: Unicamp, 2020., [s.n.]). Esse “outro”, bem entendido, compreendia populações da África, da Ásia, das Américas (populações ameríndias), da Oceania e até mesmo grupos humanos de partes do leste e sul europeus.

No caso da primeira exposição desse tipo na França, com a presença dos núbios, os organizadores propagandeavam o evento como uma “oportunidade” que se abriria aos cientistas de estudar um grupo tão grande de “populações originárias” do continente africano (Schneider, 2011SCHNEIDER, William. Jardins d’acclimatation, zoos et naturalization. In: BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; SNOEP, Nanette Jacomijn (Orgs.). Exhibitions: L’invention du sauvage. Paris: Actes du Sud-Musée du Quai Branly , 2011. pp. 130-151., p. 133, minha tradução).

Uma amostra disso são as palavras do cientista Charles Letourneau, membro da Sociedade de Antropologia de Paris, que publicou um relatório em 1880 sobre a exposição dos núbios no Jardim da Aclimatação. Na abertura do detalhado relatório, o cientista salienta que: “A sociedade quis me encarregar de examinar do ponto de vista etnológico e sociológico os núbios situados no Jardim da Aclimatação um pouco como animais selvagens” (Letourneau, 1880LETOURNEAU, Charles. Sur les Nubiens du Jardin d’acclimatation, Bulletins de la Société d’anthropologie de Paris , v. II, pp. 655-660, 1880., p. 655, minha tradução). Já em uma sessão da Sociedade de Antropologia ocorrida nove anos depois, o médico e antropólogo Paul Topinard destacava quão “proveitosas” tinham sido essas duas caravanas de núbios que estiveram em Paris, entre 1877 e 1878, e em Berlim, entre 1878 e 1879: “Os estudiosos antropologistas dessas duas capitais aproveitaram-se amplamente dessas duas Exposições” (Topinard, 1889TOPINARD, Paul. La stéatopygie des Hottentotes du Jardin d’acclimatation. Revue d’Anthropologie, n. 2, pp. 194-199, 1889., p. 554, minha tradução).

O príncipe Bonaparte foi um dos que defendiam a exposição de seres humanos para fins científicos. Quando escreveu o seu Les Habitants de Suriname (Os Habitantes do Suriname), fruto de sua visita à exposição colonial de Amsterdã, destacou a presença de iniciativas semelhantes na França, como a do Jardim da Aclimatação:

Até recentemente, só se podia estudar os diferentes grupos étnicos na superfície do globo por meio dos relatos de viajantes mais ou menos experientes e habilitados na observação dos fatos antropológicos. As viagens feitas com cientistas há muito preparados para esses estudos foram e ainda são raras. Por isso, é com alegria que vimos certos empresários trazer para a Europa (com espírito de lucro, é verdade) representantes dos diferentes povos da terra. Esses homens poderiam então ser estudados cientificamente por cientistas competentes e fornecer bons resultados (Bonaparte, 1884BONAPARTE, Roland. Les habitants de Suriname: notes recueillies à l’exposition coloniale d’Amsterdam en 1883. Paris: Imprimerie de A.Quantin, 1884., p. VI, minha tradução).

As palavras do mecenas das ciências da raça são reveladoras do cenário das pesquisas antropológicas no qual fotografias de viajantes e observações de povos em exposições, feiras e nos chamados “zoos humanos” (Bancel, 2004BANCEL, Nicolas et al. Zoos humains: au temps des exhibitions humaines. Paris: La Découverte, 2004.; Rothfels, 2008ROTHFELS, Nigel. Savages and Beasts: The Birth of the Modern Zoo. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2008., Koutsoukos; 2020KOUTSOUKOS, Sandra Sofia Machado. Zoológicos humanos: gente em exibição na era do imperialismo. Campinas: Unicamp, 2020.)1 1 As exibições humanas no Jardim zoológico da Aclimatação levaram estudiosos contemporâneos do tema a nomearem esses lugares de “zoológicos humanos”. foram utilizadas por “cientistas de poltrona” (armchair scientists) com o intuito de realizarem suas mensurações e tecerem suas conclusões.

Nesse sentido, a fotografia emerge como parte de um conjunto de políticas de exibição (Macdonald, 1998MACDONALD, Sharon (Ed.). The Politics of Display: Museums, Science, Culture. London; New York: Routledge, 1998., minha tradução) que ofereceu terreno para que discursos sobre as raças se tornassem “visíveis e perceptíveis” (Voelker, 2017VOELKER, Emily L. Unfixing the Frame: Visualizing Histories of Transcultural Contact, Exchange & Performance in Prince Roland Bonaparte’s Peaux-Rouges (1884). Transatlantica [Online], n. 2, 2017. , p. 3). Quatrefages, entusiasta da coleção de Bonaparte, considerava as fotografias como “verdadeiras peças de estudo” (Quatrefages, 1867QUATREFAGES, M. A. de. Rapport sur les progrès de l’anthropologie. Paris: Impr. Impériale, 1867. , apud Dias, 1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994., p. 43, minha tradução), chegando inclusive a publicar, em 1875, a pedido da Sociedade de Geografia, um conjunto de instruções aos viajantes no qual orientava, na mesma linha de Paul Broca, a captura de imagens de indivíduos de face e perfil. As demais poses, nas palavras de Broca, não possuíam “utilidade alguma” (Broca, 1865BROCA, Paul. Instructions générales pour les recherches et observations anthropologiques (anatomie et physiologie). Paris: V. Masson et fils, 1865., pp. 66-67, apud Dias, 1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994., p. 38). No caso de indivíduos de corpo inteiro, o sujeito deveria estar “nu tanto quanto possível” e manter uma distância precisa entre o corpo e o instrumento de captura da imagem de modo a possibilitar a eficácia das mensurações (Broca, 1865BROCA, Paul. Instructions générales pour les recherches et observations anthropologiques (anatomie et physiologie). Paris: V. Masson et fils, 1865., pp. 66-67, apud Dias, 1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994., p. 38).

A FOTOGRAFIA DOS “TIPOS RACIAIS” E O OLHAR COLONIALISTA

A fotografia, quando tomada como prova fidedigna, transformou-se também em arma imperialista em diferentes níveis e atribuições (Ryan, 1997RYAN, James R. Picturing Empire: Photography and the Visualization of the British Empire. Chicago: University of Chicago Press, 1997.). No mesmo compasso em que ela se transformou em instrumento auxiliar na conquista de corpos e territórios, também foi uma das tecnologias mais desejadas por cientistas da então nova ciência racial. Para nutrir “a construção imaginária das diferenças raciais” (Poole, 1997POOLE, Deborah. Vision, Race, and Modernity: A Visual Economy of the Andean Image World. Princeton: Princeton University Press, 1997., p. 134, minha tradução), os “papas” do racismo científico se agarraram às suas coleções de daguerretótipos e posteriormente fotografias em formato carte de visite para comporem o panóptico dos “tipos” humanos.

Eugène Trutat, naturalista e fotógrafo, publicou na seção “Zoologia”, em 1884, que o “estudo das diferentes raças humanas é hoje uma questão da ordem do dia, e não há viajante que possa se dispensar de recolher tudo que possa servir a esclarecer qualquer um dos mil detalhes da Etnografia” (Trutat, 1884TRUTAT, Eugène. La Photographie appliquée à l’histoire naturelle. Paris: Gauthier-Villars, 1884., pp. VI-VII, minha tradução). Para Trutat, assim como para uma parte considerável dos cientistas da época, a fotografia era um meio preciso de reprodução do real, servindo, inclusive, como meio de oferecer “a segurança da precisão” aos desenhistas. Nessa época, as gravuras ainda eram muito presentes nas ilustrações de livros e revistas. Seu valor como atestado científico dependeria cada vez mais de ser uma cópia de uma prova fotográfica. Trutat afirmava que muitos desenhistas que acompanhavam viajantes, apesar de estarem in loco, “não sabiam ver” (Trutat, 1884TRUTAT, Eugène. La Photographie appliquée à l’histoire naturelle. Paris: Gauthier-Villars, 1884., pp. VI-VII). Citava, para isso, o exemplo de um artista que desenhou homens brancos para depois serem coloridos com pele negra ou vermelha. Para o autor, a objetiva da câmera, por outro lado, não se enganava, oferecendo assim um meio seguro de detecção minuciosa das diferenças dos corpos.

Em um período em que a impressão fotográfica ou a fotolitografia ainda não era o meio de eleição dos editores de livros em razão dos custos e da técnica, as fotografias originais eram reproduzidas nas publicações em gravuras elaboradas com base em fotografias. Nesse sentido, as fotografias da coleção de Roland Bonaparte eram bastante disputadas por editores e gravuristas, além de antropólogos e naturalistas. Para atender a esta demanda e ser aceito nas sociedades científicas da época, o sobrinho de Napoleão costumava ser minucioso e perfeccionista na oferta de materiais que pudessem auxiliar as pesquisas destes naturalistas.

Entre os que se valeram de sua farta coleção fotográfica, formada por retratos captados, na maioria, em perambulações do príncipe por feiras etnológicas, exposições coloniais e “zoológicos humanos”, estavam os já citados cientistas Paul Topinard, Armand de Quatrefages, além de Ernest Hamy, Gustave Le Bon e outros. Boa parte desses estudiosos tomaram por base fotografias captadas na Exposição Colonial de Amsterdam. Um exemplo são as fotografias de australianos (populações nativas) obtidas por Bonaparte nesta exposição e empregadas por Paul Topinard em suas pesquisas (Topinard, 1885TOPINARD, Paul. Présentation de trois Australiens vivants. Bulletins de la Société d’anthropologie de Paris , tome 8, pp. 683-698, 1885.).

Os retratos dispostos em luxuosos álbuns não eram, em sua maioria, produzidos por Bonaparte. Além do fotógrafo contratado, no caso da Exposição Colonial de Amsterdã, em 1883, outros fotógrafos mais conhecidos também foram convidados pelo príncipe, a exemplo de Maurice Bucquet, presidente do Foto-clube de Paris, que elaborou 11 retratos reunidos sob o título de “Negros da África”, produzidos em uma das exposições de seres humanos no Jardim da Aclimatação, da capital francesa.

Um outro álbum da coleção Roland Bonaparte, datado de 1884, reúne fotografias dos já citados “núbios”, obtidas em uma das exposições da caravana na capital alemã. Essas fotografias foram editadas e vendidas pelo fotógrafo berlinense Carl Günter, um dos contratados pela Sociedade de Antropologia de Berlim.

A rede de colaboradores para a coleção de álbuns de Bonaparte incluía também cientistas como John Beddoe, antropólogo britânico, fundador da Sociedade de Etnologia e presidente do Instituto antropológico inglês entre 1889 e 1891, que enviou cópias em negativos de “retratos étnicos” de habitantes do sudoeste africano juntamente com uma carta a Topinard, na qual ele pede que as entregue ao príncipe, na esperança de que ele queira adicioná-las à sua coleção (Beddoe, 1889BEDDOE, John. Carta de John Beddoe a Paul Topinard. 8 phot. de types ethniques du Sud-Ouest africain envoyées en 1889 par au docteur Topinard pour le prince Roland Bonaparte, avec lettre d’envoi. Bristol, 19 set. 1889. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1889.).

De modo geral, o projeto “foto-antropológico” de Bonaparte (Jehel, 1994-1995JEHEL, Pierre-Jérôme. Photographie et anthropologie en France au XIXe siècle. Dissertation (Master) - Universidade Paris VIII. Saint-Denis, 1994-1995.) compartilhava as mesmas premissas de pensamento de cientistas como Quatrefages e Étienne Serres, professor de anatomia comparada do Museu de História Natural: como já mencionado, ambos eram entusiastas do caráter heurístico das fotografias para compor o quadro visível dos traços distintivos das raças humanas (Dias, 1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994.; Samain, 2001SAMAIN, Étienne. Quando a fotografia (já) fazia os antropólogos sonharem: O jornal La Lumière (1851-1860). Revista de Antropologia, v. 44, n. 2, pp. 89-126, 2001.). Quatrefages chegou a fazer pedidos a Roland Bonaparte para que o príncipe lhe cedesse cópias das fotografias produzidas durante visita à Exposição Colonial de Amsterdã, publicadas no livro Les Habitants de Suriname (1884).

Em resposta, Bonaparte agradeceu o pedido do professor do Museu de História Natural em uma carta enviada em 1885: “É com prazer que farei essa reprodução que será uma prova de que minha obra não foi inútil para a antropologia” (Bonaparte, 1885BONAPARTE, Roland. Carta de Roland Bonaparte a Armand de Quatrefages. Correspondance d’Armand de Quatrefages de Bréau. Paris, 31 mar. 1885. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1885., minha tradução). Na sequência, aproveitou o interesse do cientista para disponibilizar outros “clichês étnicos”, salientando que cumprira as recomendações dos antropólogos de modo a validar esse material: “cada sujeito foi fotografado de frente e perfil” (Bonaparte, 1885BONAPARTE, Roland. Carta de Roland Bonaparte a Armand de Quatrefages. Correspondance d’Armand de Quatrefages de Bréau. Paris, 31 mar. 1885. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1885.). Para Bonaparte, na esteira do pensamento naturalista da época, as fotografias, para serem consideradas de valor científico, deveriam objetificar os fotografados, adotando padrões de captura das imagens destituídas de contextualização.

Figura 2:
Roland Bonaparte/G. Roche. Sessão de antropometria em Finmarck, Lapônia, 1884. Collection du prince Roland Bonaparte (Musée du Quai Branly, 1884MUSÉE DU QUAI BRANLY. Collection du prince Roland Bonaparte, 1884.).

Sob esse aspecto, Bonaparte buscou diferenciar as fotos de cunho antropológico daquelas de cunho “pitoresco”: “Eu tenho também uma grande série de clichês representativos, do ponto de vista pitoresco, um certo número de tipos negros do Alto Nilo; Dinkas, Schoulouks, Momboutous, Bares, Akkas etc.” (Bonaparte, 1885BONAPARTE, Roland. Carta de Roland Bonaparte a Armand de Quatrefages. Correspondance d’Armand de Quatrefages de Bréau. Paris, 31 mar. 1885. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1885., minha tradução).

Boa parte desses cientistas, em especial os do Museu de História Natural, se valia de uma rede de amizades e colaborações para receber fotografias e amostras que pudessem ser utilizadas em suas pesquisas de gabinete. Como bem atesta Dias (1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994.), os financiamentos para viagens eram escassos e acompanhados de pouca motivação por parte de uma boa parcela desses cientistas. Para os cientistas do Museu de História Natural de Paris, fortemente orientado pelo fundador da Sociedade de Antropologia, Paul Broca, bastavam-lhes crânios e uma boa sala laboratorial. Esse comportamento levou a uma separação entre os que colhiam informações e artefatos in loco (administradores, viajantes, aventureiros, militares etc.) e “homens de ciência” que não saíam dos seus gabinetes. Nos EUA, por outro lado, o pesquisador Louis Agassiz, de Harvard, recebera um importante patrocínio do empresário Nathaniel Thayer para a expedição científica no Brasil (Machado; Huber, 2010MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo; HUBER, Sacha (Orgs.). (T)Races of Louis Agassiz: Photography, Body, and Science, Yesterday and Today/Rastros e Raças de Louis Agassiz: Fotografia, Corpo e Ciência, Ontem e Hoje. São Paulo: Capacete, 2010., p. 73).

Esse tipo de fomento privado era mais exceção que regra no mundo das ciências. Nem todos eram aristocratas ricos como o Conde de Buffon ou Alexander von Humboldt, que, no século XVIII, haviam dispendido suas fortunas em viagens científicas por terras distantes. Os antropólogos físicos de meados do século XIX, defensores de objetificações, séries e metrificações somáticas, não tinham o mesmo pendor pelas viagens tal como os naturalistas do século anterior, da Ilustração do século XVIII, cujo apreço estava em ver com os próprios olhos e narrar experiências com povos, paisagens e culturas distantes.

Aliás, como bem assinala Morel (2018MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: Guerra, imagens e resistência indígena. São Paulo: HUCITEC, 2018., p. 290), essa ciência dos naturalistas ilustrados e viajantes do Antigo Regime era alvo de críticas provenientes dos “novos cientistas da Antropologia física” que a denunciavam como muito descritiva, literária e pouco objetiva. Dessa forma, os antropólogos da Academia de Ciências, na segunda metade do século XIX, do alto de seus laboratórios, em muitos casos, terceirizavam a prática de obter materiais (crânios, fotografias) orientando viajantes para seguirem os padrões exigidos pela ciência positivista da época. Em outras palavras, para essa geração havia bem menos interesse em imergir e interagir com culturas locais e mais propensão à objetificar e desprover de agência corpos que ali estavam para serem mensurados, classificados e escalonados.

Nesse sentido, antropólogos estudiosos das raças humanas, artífices do racismo científico e defensores da frenologia e da craniologia étnica acionavam seus prestigiosos contatos para receberem cópias de fotografias, crânios, peças e outros insumos para as suas pesquisas. Tomemos mais uma vez o exemplo de Quatrefages. Em meio a várias cartas que recebera estava a do então imperador do Brasil, D. Pedro II. O monarca dos trópicos reportava ao naturalista francês que havia recebido os exemplares de sua então recente publicação Crania Étnica e destacava a beleza das litografias presentes no referido livro (Alcântara, 1875ALCÂNTARA, D. Pedro de. Carta de D. Pedro de Alcântara a Armand de Quatrefages. Correspondance d’Armand de Quatrefages de Bréau. Rio de Janeiro, 15 mar. 1875. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1875.).

D. Pedro II era um aficionado pelas ciências e manteve relações epistolares com cientistas defensores da tese da inferioridade das raças não brancas: do poligenista Agassiz ao monogenista Quatrefages (cf. Fraguas, 2013FRAGUAS, Alessandra Bettencourt Figueiredo. D. Pedro II e o campo científico: novas perspectivas sobre a trajetória do imperador. Revista do IHGB. Rio de Janeiro, a. 174, n. 459, pp. 125-152, abr./jun. 2013.; cf. Domingues; Sá, 2003DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol; SÁ, Magali Romero. Controvérsias Evolucionistas no Brasil do Século XIX. In: DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol.; SÁ, Magali Romero; GLICK, Thomas (Orgs.). A recepção do Darwinismo no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. pp. 97-126.). O prestígio do monarca no meio das ciências naturais era tanto que chegou a ser eleito membro estrangeiro da Academia de Ciências de Paris (Domingues; Sá, 2003DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol; SÁ, Magali Romero. Controvérsias Evolucionistas no Brasil do Século XIX. In: DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol.; SÁ, Magali Romero; GLICK, Thomas (Orgs.). A recepção do Darwinismo no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003. pp. 97-126., p. 101). Na mesma carta a Quatrefages, o imperador brasileiro declarava seu interesse pelas pesquisas do cientista, agradecendo ao professor do Museu de História Natural pela atenção em responder-lhe aos questionamentos: “Vossa senhoria já teve a ocasião de satisfazer a minha curiosidade científica e vossa benevolência me fará adquirir ideias bem claras sobre a persistência da raça” (Alcântara, 1875ALCÂNTARA, D. Pedro de. Carta de D. Pedro de Alcântara a Armand de Quatrefages. Correspondance d’Armand de Quatrefages de Bréau. Rio de Janeiro, 15 mar. 1875. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1875., minha tradução). Como presente de agradecimento, Pedro II informava que havia separado uma coleção de crânios e outros objetos, organizados pelo diretor do Museu de História Natural do Rio de Janeiro, Ladislau Neto, para serem enviados ao cientista francês (Alcântara, 1875ALCÂNTARA, D. Pedro de. Carta de D. Pedro de Alcântara a Armand de Quatrefages. Correspondance d’Armand de Quatrefages de Bréau. Rio de Janeiro, 15 mar. 1875. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1875.).

Sob esse cenário, as fotografias se transformavam em “modelos de etnicidade” (Alvarado, 2004ALVARADO, Margarita. La imagen fotográfica como artefacto: de la carte de visite a la tarjeta postal étnica. Revista Chilena de Antropología Visual, n. 4, pp. 240-252, 2004. , [s.n.]). Classificados e objetivados, os indivíduos perdiam seus traços de subjetividade para servirem como representantes-tipos de uma determinada “raça”. A partir dessa compreensão, antropólogos se empenhavam em criar métodos cada vez mais detalhados de captura e enquadramento fotográficos, de modo a garantir uma suposta pureza ou homogeneidade que suprimissem as singularidades e evidenciassem as regularidades.

FOTOGRAFIAS ANTROPOLÓGICAS NA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE PARIS (1889)

A Exposição Universal de 1889, considerada pela historiografia como um dos ápices da promoção do modelo de ciência e técnica da sociedade industrial ocidental (Pesavento, 1997PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições Universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.; Barbuy, 1996BARBUY, Heloisa. O Brasil vai a Paris em 1889: um lugar na Exposição Universal. Anais do Museu Paulista, v. 4, n. 1, pp. 211-261, 1996.; Turazzi, 1995TURAZZI, Maria Inez. Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo. Rio de Janeiro: Rocco, 1995.) apanágio da ideologia do progresso, “exhibitio universal da civilização burguesa” (Hardman, 2005HARDMAN, Francisco Foot. Trem fantasma: a ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. 2ª Ed. Rev. e Ampl. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 62), também foi a consagração do modelo racial de vitrinização dos corpos, transformando-se em apanágio do imperialismo/colonialismo (Bancel, 2004BANCEL, Nicolas et al. Zoos humains: au temps des exhibitions humaines. Paris: La Découverte, 2004.; Blanchard, 2020BLANCHARD, Pascal. Les mondes coloniaux et exotiques dans les grandes expositions parisiennes. Un demi-siècle de présences (1855-1907), Dix-Neuf, v. 24, issues 2-3, pp. 146-163, 2020.). Em meio ao paradigma óptico da etnografia (Tomas, 1987TOMAS, David G. An Ethnography of the Eye: Authority, Observation, and Photography in the Context of British Anthropology 1839-1900. Dissertation (Doctor of Philosophy) - Department of Anthropology, McGill University. Montréal, Quebec, 1987.), ou ao “ocularcentrismo” das práticas antropológicas (Grimshaw, 2001GRIMSHAW, Anna. The Ethnographer’s Eye: Ways of Seeing in Modern Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.), as coleções acumuladas por Bonaparte encontraram o cenário ideal para serem exibidas ao público. Era a segunda ocasião em que a seção de “antropologia anatômica”, como foi intitulada à época, participava de uma exposição internacional (Catalogue général officiel, 1889CATALOGUE GÉNÉRAL OFFICIEL: exposition rétrospective du travail et des sciences anthropologiques. Section I. Anthropologie. Ethnographie. Exposition universelle internationale de 1889 à Paris. Lille: Imprimerie L. Danel, 1889., p. 23). A primeira vez teria ocorrido durante a Exposição de 1878, na mesma cidade, porém, com um espaço bem mais modesto.

Em 1889, os antropólogos físicos tiveram ao seu dispor um pavilhão das ciências antropológicas em que estiveram expostos 234 crânios humanos, 115 bustos em gesso, além de máscaras e “figuras inteiras das raças”, a exemplo de bonecos de cera e manequins. Também fizeram parte da exposição 77 peças ou modelagens de cérebros e uma quinzena de mãos (Catalogue général officiel, 1889CATALOGUE GÉNÉRAL OFFICIEL: exposition rétrospective du travail et des sciences anthropologiques. Section I. Anthropologie. Ethnographie. Exposition universelle internationale de 1889 à Paris. Lille: Imprimerie L. Danel, 1889., p. 28).

Figura 3:
Entrada do pavilhão de ciências antropológicas da Exposição Universal de Paris, em 1889. Na entrada, duas reproduções do artista Charles Toché a partir de fotografias de Paul Topinard e Roland Bonaparte: do lado esquerdo, uma mulher “hottentote” (khoisan) chamada Esther, e do lado direito, um australiano de nome Billy (Exposition Universelle Paris 1889, 1889EXPOSITION UNIVERSELLE PARIS 1889. 10 phot. des objets exposés à la section I, “Anthropologie, ethnographie, archéologie”, don Eugène de Rozière, 1889., p. 2).

Em meio a estes objetos, as fotografias ganhavam atenção especial. De acordo com a descrição da coleção do príncipe Bonaparte apresentada na Exposição de 1889, foram exibidas 733 fotografias de face e de perfil que retratavam “indígenas”, como europeus chamavam as populações nativas de diferentes partes do mundo. Uma vitrine foi reservada para as fotos antropológicas e as demais poderiam ser consultadas em álbuns sobre uma mesa. As únicas fotos da coleção produzidas no local de origem dos fotografados foram as dos lapões, tiradas durante uma viagem de Bonaparte à região escandinava, em 1884. As demais foram produzidas durante exposições coloniais, “zoológicos humanos” e casas de espetáculos, alguns anos antes. Entre as fotografias estavam as de face e de perfil de javaneses, além de hindus e surinameses, fotografados durante a Exposição de Amsterdã, em 1883. Também foram expostas fotografias dos kalmouks, produzidas durante a exibição destes no Jardim da Aclimatação, em Paris, assim como outros indígenas norte-americanos da reserva Omaka, que também foram exibidos neste espaço, em 1885, recebendo o rótulo genérico de “peles vermelhas”. Durante a Exposição foram fotografados alguns participantes das vilas expositivas, tais como senegaleses, egípcios, javaneses, árabes e kabylas e outros, que totalizaram 498 pessoas, selecionadas por serem, nas palavras impressas no catálogo, “mais autênticas e mais interessantes” (Catalogue général officiel, 1889CATALOGUE GÉNÉRAL OFFICIEL: exposition rétrospective du travail et des sciences anthropologiques. Section I. Anthropologie. Ethnographie. Exposition universelle internationale de 1889 à Paris. Lille: Imprimerie L. Danel, 1889., p. 63).

Figuras 4 e 5:
Moça kalmouk de nome Kiski, com idade de 15 anos, descrita na legenda do álbum, conforme o descritivo da época, como pertencente a uma “raça pura”. Fotografia do álbum Kalmouks (1884KALMOUKS. Collection anthropologique du prince Roland Bonaparte, 1884. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1884.).

Figuras 6 e 7:
Mulher ganense não identificada. Fotografia do álbum Village accréen (vila acreana ou ganense), com 37 fotografias antropológicas da região de Acra (Gana) apresentadas na Exposição Universal de 1889, em Paris (Village accréen, 1889VILLAGE ACCRÉEN. Album de 37 photographies anthropologiques de la région d’Accra présentée à l’exposition universelle de 1889 à Paris. Des collections du prince Roland Bonaparte. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1889.).

Em meio a centenas de fotos, foi possível constatar a presença de um álbum com o título “Negros”, no qual constavam quatro fotos, também de busto e de perfil, de um homem nascido no Brasil com o nome de Manoel Rosa, 45 anos, e de uma mulher não identificada, também brasileira.

Na fotografia, Manoel Rosa apresenta-se em trajes de chauffeur, inclusive posa segurando um chapéu, próprio da vestimenta desses profissionais. Na gola do casaco ou do terno, um bordado com uma coroa. Já a mulher, sem identificação, portava roupas à moda europeia, com várias joias. Pelo número reduzido de imagens, no caso apenas duas pessoas fotografadas, a fotografia pode ter sido produzida durante algum encontro fortuito durante a Exposição Universal. Diferente de uma parte dos africanos do continente - parte, porque outros africanos “assimilés” também visitaram o evento como turistas ou empreendedores -, eles não estariam no evento para figurarem em “vilas” ou em espaços expositivos, mas provavelmente estavam na condição de visitantes, acompanhando algum integrante da legação brasileira, haja vista a fotografia de Manoel Rosa em traje de trabalho.

Outro detalhe é a coroa bordada na vestimenta, sugerindo que ele estava a serviço de alguma autoridade do Império. O que se conhece da relação de Roland Bonaparte com o Brasil é sua amizade com Frederico José de Santa-Anna Nery, um dos organizadores da Comissão Brasileira na Exposição Universal de 1889, e que havia convidado o príncipe, dois anos antes, para prefaciar seu livro (cf. Nery, 1889NERY, Frederico José de Santa-Anna. Folk-lore brésilien: poésie populaire, contes et légendes, fables et mythes, poésie, musique, danses et croyances des indiens, accompagné de douze morceaux de musique. Préface du Prince Roland Bonaparte. Paris: Perrin éditeurs, 1889.). Outra hipótese é que fossem funcionários do príncipe Roland, pois a coroa bordada da gola do terno assemelha-se ao timbre das cartas enviadas por Bonaparte.

Figuras 8 e 9:
Manoel Rosa, 45 anos, nascido no Brasil. Fotografias de face e de perfil do álbum Nègres, de autoria do príncipe Roland Bonaparte, composto por 4 fotografias produzidas durante a Exposição Universal de 1889 (Nègres, 1889NÈGRES. Exposition de 1889. 4 phot. anthropologiques de Noirs du Brésil, une femme et un homme de 45 ans nommé Manuel Rosa, 1889, des collections du prince R. Bonaparte]. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1889.).

Figuras 10 e 11:
Mulher não identificada, nascida no Brasil. Fotografias de face e de perfil do álbum Nègres, de autoria do príncipe Roland Bonaparte, composto por 4 fotografias produzidas durante a Exposição Universal de 1889 (Nègres, 1889NÈGRES. Exposition de 1889. 4 phot. anthropologiques de Noirs du Brésil, une femme et un homme de 45 ans nommé Manuel Rosa, 1889, des collections du prince R. Bonaparte]. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1889.).

Juntamente a esses álbuns, fotografias de populações originárias australianas obtidas na exposição de Berlim em 1884 também figuraram na coleção de Bonaparte e foram apresentadas ao público no pavilhão de antropologia, durante a Exposição. Por fim, retratos dos então chamados “bosquímanos” - em inglês bushmen (homens do mato), termo genérico que englobava uma pluralidade de povos da África Austral (sãs, khoisans e outros) -, obtidos na ocasião em que foram apresentados como atração na casa de espetáculos Folies Bergères, revelam a relação estreita entre a indústria do entretenimento e a produção visual para fins supostamente científicos.

Essa imbricação entre voyerismo racial e ciência é também percebida na prática fotográfica. Um exemplo pode ser encontrado nas fotografias de mulheres e homens khoisan que se encontravam no Jardim da Aclimatação em 1888, e que foram produzidas durante a visita de Bonaparte ao local. Em seu álbum, destinado aos antropólogos e naturalistas, retratos de corpos desnudos adotavam poses antropométricas.

Durante a Exposição de 1889, esses e outros álbuns tornaram-se uma das atrações. No das fotografias dos “hotentotes”, algumas fotos fugiam à cartilha do modelo científico: as mesmas mulheres retratadas em dípticos de frente e perfil foram também fotografadas em poses que sugeriam outros usos/olhares para essas fotos: em um desses retratos, uma mulher, descrita como “mestiça” de “hotentote” com boer - provavelmente a mesma mulher que estivera no Jardim da Aclimatação e também se apresentara na casa na Folies Bergères, chegando a ser alvo de mensurações corporais feitas por Topinard em seu estudo (Topinard, 1889TOPINARD, Paul. La stéatopygie des Hottentotes du Jardin d’acclimatation. Revue d’Anthropologie, n. 2, pp. 194-199, 1889.) -, é fotografada nua, com os braços levantados e apoiados na nuca, em pose típica do erotismo do “nu colonial” (Corbey, 1988CORBEY, Raymond. Alterity: The Colonial Nude. Critique of Anthropology, v. 8, issue 3, pp. 75-92, 1988.). Em outra foto, três mulheres, antes enquadradas em posições antropológicas de busto, perfil e corpo inteiro, são fotografadas juntas, apoiadas sobre os ombros, de frente e de costas (Hottentots,1889HOTTENTOTS. Album de 19 phot. anthropologiques de femmes hottentotes présenté à l’exposition universelle de 1889 à Paris. Des collections du prince R. Bonaparte. Paris (Gallica/Biblioteca Nacional da França). 1889., [s.n.]). A mais nova, descrita como adolescente de 16 anos em outra foto de rosto, cobre as partes íntimas revelando um olhar de inegável constrangimento. Em meio a essas fotografias, crianças foram fotografadas, como a pequena Betty, nomeada de menina “hotentote”, que posou para a câmera sentada em uma cadeira com um traje de pele de animal.

Figura 12:
Fotografia de uma família provavelmente khoisan, em exposição no Jardim da Aclimatação, pertencente ao álbum Hottentots, n. 23, com 25 fotografias antropométricas e retratos em grupo durante a Exibição Etnográfica de Hotentotes, em 1888 (Hottentots, 1888HOTTENTOTS. Collection anthropologique du Prince Roland Bonaparte. N. 23. Contient 25 photographies montées sur carton comprenant des portraits anthropométriques (hommes, femmes et enfants posant nus en pied sur fond neutre), et des portraits de groupe au jardin d’Acclimatation à Paris. Evénement: Exhibition ethnographique de Hottentots 1888. Paris (Musée du Quai Branly). 1888.).

Durante a Exposição de 1889, quando os álbuns de Bonaparte foram exibidos para a consulta pública, o sobrinho-neto de Napoleão I tratou de produzir novas fotos para álbuns futuros. A Exposição, durante seus seis meses de duração, expôs, não muito longe da Torre Eiffel, uma de suas principais atrações: as vilas negras. Seguindo o modelo do Jardim da Aclimatação, essas vilas consistiam em cenários que simulavam paisagens da África do Norte e Ocidental em que viviam populações que recentemente tinham travado guerras de resistência às invasões europeias e/ou foram dominadas e incorporadas como colônias ou protetorados europeus. Famílias de senegaleses, angolanos, kabylas, ashantis2 2 Utilizei a sequência de nomes das vilas conforme descritas na programação da Exposição de 1889. e outros moraram seis meses naquelas vilas, expostos aos olhos de milhares de visitantes que faziam fila para assisti-los em atividades cotidianas.

Em meio a esses visitantes, lá estava o príncipe Bonaparte, capturando imagens de frente e perfil, em geral sob um fundo neutro, daqueles homens, mulheres e crianças presentes na exposição. Nesses espaços também havia encenações que emulavam guerras com europeus, de modo a constituir uma espetacularização e ode às guerras coloniais e, consequentemente, à vitória europeia. A Exposição Universal, sob esse contexto, também atuou como uma das principais propagandas do eurocentrismo imperialista (Blanchard; Boëstsch; Snoep, 2011BLANCHARD, Pascal; BOËTSCH, Gilles; SNOEP, Nanette Jacomijn (Orgs.). Exhibitions: L’invention du sauvage. Paris: Actes du Sud-Musée du Quai Branly, 2011., p. 213).

As fotografias de Bonaparte alimentaram, assim, uma prática científica que mesclava exibição e classificação de raças. A preocupação desse arquivo visual consistia em, principalmente, fornecer supostos indícios que se enquadrassem na ideologia supremacista branca e europeia.

IMPASSES SOBRE OS USOS DA FOTOGRAFIA NA ANTROPOLOGIA FÍSICA

Embora a ideia de que as fotografias eram um meio preciso e eficaz para as mensurações e classificações científicas fosse uma máxima defendida por muitos cientistas e bastante aplicada na antropologia das décadas de 1860 e 1870 (Edwards, 1990EDWARDS, Elizabeth. Photographic “types”: The Pursuit of Method. Visual Anthropology, v. 3, pp. 235-258, 1990.), tal pressuposto não mais poderia ser defendido com tanta ênfase nas décadas seguintes. Nesse período, como bem salientam Dias (1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994.) e Maresca (2011MARESCA, Sylvain, Spécimens ou individus? Les usages incertains du portrait photographique. L’Homme, n. 198-199, pp. 67-87, 2011.), a fotografia como base para a antropometria, e, por conseguinte, a ideia de uma eficácia dos retratos para a representação dos tipos humanos (Edwards, 1990EDWARDS, Elizabeth. Photographic “types”: The Pursuit of Method. Visual Anthropology, v. 3, pp. 235-258, 1990.) sofriam questionamentos e suspeições, assim como o conceito de “tipos humanos”. Na década de 1890, o cientista Paul Topinard teceu duras críticas ao uso da fotografia compósita na antropologia criminal. De acordo com suas palavras:

Depositou-se grandes esperanças nestes últimos anos sobre a fotografia compósita: dez, cem pessoas foram resumidas no mesmo teste, apenas destacando as características, era a média mais maravilhosa que se poderia sonhar. Infelizmente as esperanças foram frustradas, os sujeitos sucessivamente expostos e as diversas partes dos sujeitos não impressionam semelhantemente a placa: 10 crânios fotografados de 1 a 10 ou de 10 a 1 não deram os mesmos resultados (Topinard, 1891TOPINARD, Paul. L’Homme dans la Nature. Paris, Félix Alcan, 1891., p. 68, apud Dias, 1994DIAS, Nélia. Photographier et mesurer: Les portraits anthropologiques. Romantisme, n. 84, pp. 37-49, 1994., p. 48, minha tradução).

Assim como Topinard, outros cientistas expuseram as falibilidades da fotografia como técnica de captura do real e meio de serializar e metrificar evidências físicas de seres humanos. Primeiramente, a tentativa de obter conclusões perenes por meio do registro de individualidades complexas transformou-se em uma equação difícil de resolver. Como bem aponta Maresca (2011MARESCA, Sylvain, Spécimens ou individus? Les usages incertains du portrait photographique. L’Homme, n. 198-199, pp. 67-87, 2011.), era mais fácil, sob aquela lógica antropométrica, destacar as regularidades dos traços físicos de um “tipo” humano do que apresentar “a fisionomia única de cada nativo retratado” a partir da fotografia (Maresca, 2011MARESCA, Sylvain, Spécimens ou individus? Les usages incertains du portrait photographique. L’Homme, n. 198-199, pp. 67-87, 2011., pp. 3-4).

A fotografia de “tipos” humanos, ao propor reduzir o indivíduo em spécimen (Edwards, 1990EDWARDS, Elizabeth. Photographic “types”: The Pursuit of Method. Visual Anthropology, v. 3, pp. 235-258, 1990., p. 241), buscava suprimir ao máximo qualquer traço contextual ou subjetivo da imagem, no intuito de obter uma justaposição de exemplos que levaria os cientistas a definir caracteres estáveis de um grupo racial. Para atingir esse suposto objetivo, obtinham fotos de fontes diversas, de fotógrafos cujas regras de obtenção de captura da imagem não seguiam padrões definidos, apesar das tentativas de alguns cientistas, como Thomas Huxley e John Lamprey, de elaborar métodos para orientar os fotógrafos (Edwards, 2001EDWARDS, Elizabeth. Raw Histories: Photographs, Anthropology and Museums. London: Routledge, 2001., p. 135; Pinney, 2011PINNEY, Christopher. Photography and Anthropology. London: Reaktion Books, 2011., p. 29).

Essas fotos, portanto, propunham-se a capturar imagens de indivíduos supostamente “desindividualizados”, ou seja, sujeitos objetificados como “representantes” de um tipo racial: ora, essa definição sobre quem seria o representante ideal para ser tomado como padrão era uma escolha meramente subjetiva de quem produzia a imagem, o que a priori invalidava a “imparcialidade” tão almejada.

Paul Topinard, em seus estudos sobre os “hotentotes” (1889), chegara à conclusão de que não havia tipos raciais puros; todos passavam por misturas e variações. Nesse sentido, de que valeria a fotografia como registro invariável de uma definição de tipo que se apresentava mais abstrata que real? A crítica se voltava para os usos da fotografia na antropologia métrica - outra expressão usada à época - e não a uma recusa total de seu uso, ao menos naqueles anos incipientes da ciência antropológica. O próprio Topinard, nesta mesma publicação, afirma que se apoiou em fotografias produzidas por viajantes para refutar a pureza racial deste grupo. No entanto, o antropólogo defendia um uso mais impressionista e descritivo da fotografia e não “exato”, como defendiam alguns de seus colegas.

Como bem aponta Jehel (1994-1995JEHEL, Pierre-Jérôme. Photographie et anthropologie en France au XIXe siècle. Dissertation (Master) - Universidade Paris VIII. Saint-Denis, 1994-1995.), Topinard se envolveu em debates acalorados com aqueles que defendiam a fotografia como prova irrefutável ou suporte fiável de mensurações físicas. Em um desses embates, afirmou que a imagem fotográfica apresentava um forte componente ilusório. Afirmava que um europeu, por exemplo, poderia ser fotografado “fantasiado” com vestimentas e acessórios de um outro povo e enganar o espectador. O cientista chega a testemunhar que fora vítima de enganos desse tipo. Em certa ocasião, encontrou uma fotografia que o levou a crer ser de um indígena3 3 Nesse caso, o termo indígena é uma tradução de “indien” e provavelmente se refere às populações indígenas das Américas. No caso, não se trata dos “indígenas” africanos, termo que os europeus usavam para se referir aos povos africanos nativos, não assimilados e sob tutela colonial. . O interlocutor, porém, disse-lhe em tom jocoso que se tratava de um europeu vestido de “índio” (Topinard, 1893TOPINARD, Paul. L’anthropologie aux Etats-Unis. L’Anthropologie, mai-juin 1893, pp. 301-351., apud Jehel, 1994-1995JEHEL, Pierre-Jérôme. Photographie et anthropologie en France au XIXe siècle. Dissertation (Master) - Universidade Paris VIII. Saint-Denis, 1994-1995., p. 60).

Essas e outras inquietações acerca da fidedignidade do retrato foram, aos poucos, afetando o modo como os antropólogos se valeram das fotografias para elaborar e ilustrar suas conclusões. Esse pode ser um fator importante para supor algumas das razões que levaram o príncipe Roland Bonaparte a deixar de investir seus esforços em fornecer subsídios visuais para uma prática que se tornava menos prestigiada em alguns setores da antropologia, a exemplo da fotografia compósita tão utilizada por Francis Galton (1879GALTON, Francis. Composite Portraits, Made by Combining Those of Many Different Persons into a Single Resultant Figure. Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, n. 8, pp. 132-144, 1879.) ou da fotografia antropométrica, cujos métodos foram difundidos por Thomas Huxley e John Lamprey (1869LAMPREY, John. On a Method of Measuring the Human Form for Students of Ethnology. Journal of the Ethnological Society, pp. 84-85, 1869.). No entanto, apesar de estar cada vez mais desprestigiada, a fotografia se manteve em uso nos estudos de somatomorfologia4 4 Estudo das formas e estruturas corporais. e no campo da antropologia criminal, na esteira dos trabalhos de Alphonse Bertillon (Poolle, 1997).

Outra razão para que o príncipe Bonaparte, na virada para o século XX, tenha preferido dedicar-se a investir em colecionar amostras vegetais para o seu herbário - como mostrado no início deste artigo -, ao invés de produzir novas coleções fotográficas de cunho antropológico e etnográfico, pode estar relacionada à popularização e à facilitação do uso da técnica fotográfica. Como bem aponta Aquino (2016AQUINO, Lívia. Picture ahead: a Kodak e a construção do turista-fotógrafo. São Paulo: Edição do Autor, 2016.), em 1888, a empresa de George Eastman, criador da Kodak, coloca em circulação a primeira câmera de uso simplificado. Com o lema “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”, o processo de captura fotográfica tornou-se menos dispendioso e menos dependente de fotógrafos profissionais. Desse modo, provedores de fotografias como Bonaparte já não eram tão necessários em um tempo em que cientistas e turistas já poderiam se deslocar com um aparelho fotográfico à mão.

Na década de 1890, o príncipe dispensou pouco interesse pelas fotografias antropológicas, preferindo dedicar-se a fotografar glaciares nos Alpes e nos Pireneus, bem como paisagens, além de investir maciçamente na construção de sua biblioteca e de seu gigantesco herbário.

CONCLUSÃO

As coleções de fotografias antropológicas do príncipe Roland Bonaparte, atualmente distribuídas no Museu do Quai Branly e na Biblioteca Nacional da França, com cópias de álbuns em instituições congêneres como o Smithsonian Museum e outros museus espalhados pelo mundo, representam uma peça-chave para os estudos sobre história, usos e circuitos sociais da fotografia. De modo mais específico, neste artigo, buscou-se evidenciar, a partir do estudo da formação dessas coleções, como a fotografia, em suas primeiras décadas de existência, foi apropriada, apesar de suas múltiplas finalidades, como sustentáculo de teses propaladas pelo chamado racismo científico, endossando assim um colonialismo escópico que, em outras palavras, refere-se tanto à centralidade do visual na tênue fronteira entre a ciência antropológica Oitocentista e a indústria do entretenimento quanto à propaganda colonialista que se ancorou na produção de imagens racializadas e estereotipadas sobre populações majoritariamente não brancas.

A documentação primária auxiliou a contextualizar a produção, a recepção e a repercussão dessas imagens nos meios científicos da época, e sua consequente circulação e exibição em espaços destinados ao grande público, a exemplo das Exposições Universais e Coloniais. Da mesma forma, com base nessas fontes, foi possível pensar tanto os usos sociais do retrato fotográfico quanto seu paulatino desprestígio na qualidade de “prova” para as teses raciais da antropologia. A relativa perda de importância da fotografia, em alguns setores acadêmicos da época, como meio “irrefutável” de ilustrar postulados raciológicos, está relacionada às próprias críticas erigidas por cientistas a determinadas crenças inerentes às teses racialistas, a exemplo da crítica de Paul Topinard à ideia de pureza dos “tipos raciais”, evidenciada no final da década de 1880. Com base nesse cenário de transformações técnicas e científicas do final do século XIX, foi possível, na última parte do artigo, aventar algumas razões para explicar o fato de o príncipe Roland Bonaparte ter desistido de incrementar sua coleção de fotografias antropológicas nos anos de 1890.

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  • 1
    As exibições humanas no Jardim zoológico da Aclimatação levaram estudiosos contemporâneos do tema a nomearem esses lugares de “zoológicos humanos”.
  • 2
    Utilizei a sequência de nomes das vilas conforme descritas na programação da Exposição de 1889.
  • 3
    Nesse caso, o termo indígena é uma tradução de “indien” e provavelmente se refere às populações indígenas das Américas. No caso, não se trata dos “indígenas” africanos, termo que os europeus usavam para se referir aos povos africanos nativos, não assimilados e sob tutela colonial.
  • 4
    Estudo das formas e estruturas corporais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2023
  • Aceito
    10 Ago 2023
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