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Aplicação de esterco bovino e uréia na couve e seus reflexos nos teores de nitrato e na qualidade

Cattle manure and urea use on kale and their influence on the quality and nitrate content

Resumos

O excesso de nitrato nos alimentos é indesejável devido à sua conversão a nitrito, composto conhecido por participar de reações formadoras de compostos cancerígenos e modificadores da hemoglobina.A influência da aplicação de esterco bovino, uréia e a associação destes nos teores de N-NO3- presente nos tecidos foliares de couve (Brassica oleracea var. acephala) foi avaliada, com o objetivo de verificar o efeito de fontes e doses diferentes de nitrogênio no acúmulo deste composto. Para tanto, um experimento foi conduzido a campo, de março a agosto de 1995, na Embrapa Agrobiologia.O delineamento experimental adotado foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições e seis tratamentos: adubação com esterco bovino (20 t/ha), aplicação de N-uréia (900 kg/ha), associação de esterco (20 t/ha) com doses crescentes de N-uréia (225; 450 e 900 kg/ha) e testemunha. O espaçamento foi de 0,6 m entre plantas, 0,6 m entre linhas e 0,8 m entre fileiras duplas, perfazendo um total de 24 parcelas com 9,6 m² cada. Verificou-se que as plantas adubadas exclusivamente com esterco apresentaram nos limbos foliares, menores conteúdos de nitrato que aquelas que receberam uréia complementar (17,6 mg/g M.F. e 303 a 579 mg/g M.F.), respectivamente. Enquanto os teores de N-NO3- nos pecíolos de todos os tratamentos foram pelo menos três vezes maiores que os observados nos limbos foliares (1.830 e 561 mg/g M.F.), respectivamente. AOMS recomenda uma dose diária aceitável (DDA) de 53,3 mg de N-NO3-, para um adulto de 65 kg, isto é, a quantidade máxima deste composto que pode ser ingerida diariamente, através dos alimentos e da água. Considerando-se os dados obtidos no experimento, seria necessário o consumo de 2,67 kg de couve (limbos foliares) quando produzida apenas com esterco (20 t/ha) e 0,18 kg quando adubadas com esterco (20 t/ha) + 111 kg/ha de uréia (próximo a dosagem recomendada pelo Manual de Adubação do Rio de Janeiro), para atingir a DDA. Devido aos menores teores de nitrato encontrados na couve adubada exclusivamente com esterco, conclui-se que este adubo proporcionou um produto de melhor qualidade para consumo.

Brassica oleracea var. acephala; nitrogênio; matéria orgânica; compostos cancerígenos


High levels of nitrate in food is undesirable, as it may be easily converted to nitrite, which is a well known carcinogenic compound that can also interfere with hemoglobin activity. The objective of this study was to evaluate the influence of different forms of N-fertilizer (cattle manure, urea and a mixture of both) on the N-NO3- concentration observed on leaf tissues of kale (Brassica oleracea var. acephala). A field experiment was conducted from March until August 1995, at the Embrapa-Agrobiology Research Center. The experiment was laid out in a randomized block design, with six treatments: cattle manure addition (20 t/ha), urea addition (900 kg/ha), mixtures of cattle manure (20 t/ha) with increasing urea levels (225, 450 and 900 kg/ha) and a control. A total of four replicates was used. The distance between plants in a row and between single rows was 0.6 m, and 0.8 m was the distance between double rows. A total of 24 plots with 9.6 m² each was used. Plants growing solely on cattle manure showed lower nitrate contents on leaf blades than those receiving additional urea (17.6 mg/g F. M. and 303 mg/g F. M.), respectively. Petiole N-NO3- contents for all treatments were three times higher than the ones observed in leaf blades (1830 and 561 mg/g F. M.), respectively. According to WHO, the Daily Acceptable Intake (DAI) for an adult weighting 65 kg is 53.3 mg of N-NO3-, which represents the maximum quantity this compound that can be swallowed daily, through food and water. From the results obtained, the DAI would be reached after consumption of 2.67 kg of kale (leaf blade) cultivated under cattle manure fertilization, or just 0.18 kg of kale cultivated under cattle manure and urea (111 kg/ha) fertilization, which approximates to the urea dosage recommended in the "Manual de Adubação de Rio de Janeiro". As a result of the lower nitrate contents found in kale growing solely on cattle manure, it was concluded that the cattle manure fertilization improved the quality of the product.

Brassica oleracea var. acephala; nitrogen; organic matter; carcinogenic compound


PESQUISA

Aplicação de esterco bovino e uréia na couve e seus reflexos nos teores de nitrato e na qualidade

Cattle manure and urea use on kale and their influence on the quality and nitrate content

Valéria Cristina P. Zago1 1 Endereço atual: Embrapa-Agrobiologia, C.Postal 74505, 23851-970Seropédica-RJ ; Marcus R. Evangelista; Dejair L. de Almeida; José Guilherme M. Guerra; Maria Cristina P. Neves; Norma G. Rumjanek

Embrapa Agrobiologia, C. Postal 74505, 23.851-970 Seropédica-RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Embrapa Agrobiologia E-mail: agrob@cnps.embrapa.br

RESUMO

O excesso de nitrato nos alimentos é indesejável devido à sua conversão a nitrito, composto conhecido por participar de reações formadoras de compostos cancerígenos e modificadores da hemoglobina.A influência da aplicação de esterco bovino, uréia e a associação destes nos teores de N-NO3- presente nos tecidos foliares de couve (Brassica oleracea var. acephala) foi avaliada, com o objetivo de verificar o efeito de fontes e doses diferentes de nitrogênio no acúmulo deste composto. Para tanto, um experimento foi conduzido a campo, de março a agosto de 1995, na Embrapa Agrobiologia.O delineamento experimental adotado foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições e seis tratamentos: adubação com esterco bovino (20 t/ha), aplicação de N-uréia (900 kg/ha), associação de esterco (20 t/ha) com doses crescentes de N-uréia (225; 450 e 900 kg/ha) e testemunha. O espaçamento foi de 0,6 m entre plantas, 0,6 m entre linhas e 0,8 m entre fileiras duplas, perfazendo um total de 24 parcelas com 9,6 m2 cada. Verificou-se que as plantas adubadas exclusivamente com esterco apresentaram nos limbos foliares, menores conteúdos de nitrato que aquelas que receberam uréia complementar (17,6 mg/g M.F. e 303 a 579 mg/g M.F.), respectivamente. Enquanto os teores de N-NO3- nos pecíolos de todos os tratamentos foram pelo menos três vezes maiores que os observados nos limbos foliares (1.830 e 561 mg/g M.F.), respectivamente. AOMS recomenda uma dose diária aceitável (DDA) de 53,3 mg de N-NO3-, para um adulto de 65 kg, isto é, a quantidade máxima deste composto que pode ser ingerida diariamente, através dos alimentos e da água. Considerando-se os dados obtidos no experimento, seria necessário o consumo de 2,67 kg de couve (limbos foliares) quando produzida apenas com esterco (20 t/ha) e 0,18 kg quando adubadas com esterco (20 t/ha) + 111 kg/ha de uréia (próximo a dosagem recomendada pelo Manual de Adubação do Rio de Janeiro), para atingir a DDA. Devido aos menores teores de nitrato encontrados na couve adubada exclusivamente com esterco, conclui-se que este adubo proporcionou um produto de melhor qualidade para consumo.

Palavras-chave: Brassica oleracea var. acephala, nitrogênio, matéria orgânica, compostos cancerígenos .

ABSTRACT

High levels of nitrate in food is undesirable, as it may be easily converted to nitrite, which is a well known carcinogenic compound that can also interfere with hemoglobin activity. The objective of this study was to evaluate the influence of different forms of N-fertilizer (cattle manure, urea and a mixture of both) on the N-NO3- concentration observed on leaf tissues of kale (Brassica oleracea var. acephala). A field experiment was conducted from March until August 1995, at the Embrapa-Agrobiology Research Center. The experiment was laid out in a randomized block design, with six treatments: cattle manure addition (20 t/ha), urea addition (900 kg/ha), mixtures of cattle manure (20 t/ha) with increasing urea levels (225, 450 and 900 kg/ha) and a control. A total of four replicates was used. The distance between plants in a row and between single rows was 0.6 m, and 0.8 m was the distance between double rows. A total of 24 plots with 9.6 m2 each was used. Plants growing solely on cattle manure showed lower nitrate contents on leaf blades than those receiving additional urea (17.6 mg/g F. M. and 303 mg/g F. M.), respectively. Petiole N-NO3- contents for all treatments were three times higher than the ones observed in leaf blades (1830 and 561 mg/g F. M.), respectively. According to WHO, the Daily Acceptable Intake (DAI) for an adult weighting 65 kg is 53.3 mg of N-NO3-, which represents the maximum quantity this compound that can be swallowed daily, through food and water. From the results obtained, the DAI would be reached after consumption of 2.67 kg of kale (leaf blade) cultivated under cattle manure fertilization, or just 0.18 kg of kale cultivated under cattle manure and urea (111 kg/ha) fertilization, which approximates to the urea dosage recommended in the "Manual de Adubação de Rio de Janeiro". As a result of the lower nitrate contents found in kale growing solely on cattle manure, it was concluded that the cattle manure fertilization improved the quality of the product.

Keywords: Brassica oleracea var. acephala, nitrogen, organic matter, carcinogenic compound.

A atenção mundial das ciências agrícola e nutricional tem focalizado atualmente, a controvérsia concernente à qualidade versus quantidade dos alimentos produzidos, e que juntamente com os problemas ambientais emergentes, que decorrem da utilização dos recursos naturais de forma predatória, têm conduzido a pesquisa agrícola à busca de alternativas que possam substituir o uso de insumos agrícolas-industriais, de elevados custos energéticos, econômicos e sociais.

A utilização de fertilizantes é um dos vários fatores que pode influenciar a composição química dos vegetais e, consequentemente, sua qualidade biológica. Diversos estudos têm comprovado que o uso excessivo de fertilizantes nitrogenados aumenta o acúmulo de nitrato nos vegetais (Pereira et al., 1989; Rodrigues, 1990; Almeida, 1991; Ricci,1993). Tal problemática tem recebido especial atenção em alguns países, visto que, o excesso de nitrato na dieta, com sua posterior conversão a nitrito, pode conduzir a formação de compostos cancerígenos e, indiretamente, inibir o transporte de oxigênio no sangue, alteração metabólica conhecida como metahemoglobinemia. Recém-nascidos formam o principal grupo de risco devido a baixa acidez estomacal deste, levando a uma rápida conversão do nitrato a nitrito.

Uma estimativa da ingestão média de nitrato revelou que para um consumidor normal, os vegetais representam um quarto do total de nitrato ingerido (Walker, 1975). Também para Reinink & Blom-Zandstra (1989); Laitinen et al., (1993) e Meach et al., (1994), a principal fonte de nitrato na alimentação humana origina-se da ingestão de olerícolas.

A exigência de alta disponibilidade de nitrogênio pelas hortaliças é uma das condições responsável pela utilização de altas doses de fertilizantes nitrogenados ao longo do ciclo de cultivo. O presente trabalho teve como objetivo a avaliação dos efeitos da aplicação de uréia, esterco e suas associações, nos teores de N-NO3- nas folhas de couve.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido no campo experimental da Embrapa agrobiologia, Seropédica-RJ, num Planossolo, com as seguintes características químicas: pH em água (1:2,5) = 4,7; Al trocável = 3 mmolc/dm3; Ca + Mg trocável = 15 mmolc/dm3; 34 mg/dm3de P extraível; 22 mg/dm3 de K extraível; 3 g/kg de C; 5,2 g/kg de M.O. (Embrapa, 1979); 0,4 g/kg de N (Bremmer & Mulvaney, 1982).

O preparo inicial do solo constou de aração e gradagem, com aplicação de 750 kg/ha de calcário dolomítico (PRNT = 80%), com teores de 38% de CaO e 10% de MgO, um mês anterior ao plantio definitivo no campo. A área experimental era coberta, anteriormente, com vegetação espontânea, predominantemente de Indigofora hirsuta, leguminosa herbácea, incorporada ao solo durante a aração.

O delineamento experimental adotado foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições e seis tratamentos: testemunha (sem esterco e sem uréia); adubação orgânica (20 t/hade esterco bovino); adubação orgânica + uréia na dose 1 (20 t/hade esterco + 225 kg/ha de N-uréia); adubação orgânica + uréia na dose 2 (20 t/hade esterco + 450 kg/ha de N-uréia); adubação orgânica + uréia na dose 3 (20 t/hade esterco + 900 kg/ha de N-uréia) e uréia na dose-3 (900 kg/ha de N-uréia).

As mudas foram formadas a partir de sementes de couve, do grupo Geórgia, em canteiro adubado com esterco bovino curtido e, transplantadas para o local definitivo um mês após a semeadura. O espaçamento foi de 0,6 m entre plantas, 0,6 m entre linhas e 0,8 m entre fileiras duplas, perfazendo um total de 24 parcelas com 9,6 m2 cada.

A aplicação de uréia foi parcelada e aplicada em cobertura, quinzenalmente, até o final do experimento, sendo a aplicação inicial 15 dias após o transplantio das mudas para o campo. O esterco foi aplicado em uma única dosagem e incorporado na cova de plantio, juntamente com 100 kg de K2O/ha, na forma de KCl. A análise química do esterco apresentou os seguintes teores de nutrientes (g/kg de matéria seca): N=9,29; P=2,67; K=8,25; Ca=3,84; Mg=3,08; Cu=0,01; Zn=0,7; B=0,02; Fe=1,77; Mo=<0,1; Mn=0,31; M.O.= 152,8; C=84,7 com umidade (65o C)=39,11% e pH em água(1:2,5)=6,8. A irrigação foi do tipo aspersão convencional, com turno de rega médio diário, sendo o controle da lâmina feito através do tempo de irrigação. A condução do experimento se deu em período de baixa precipitação.

Realizaram-se três amostragens no período inicial de produção de folhas de couve, sendo estas: um, cinco e quinze dias após a segunda adubação em cobertura com uréia (30 dias após o transplantio), onde os tratamentos receberam, até aquele momento, as quantidades equivalentes a 50 kg/ha (dose 1), 100 kg/ha (dose 2) e 200 kg/ha (dose 3) de uréia.

Foram amostradas duas folhas inferiores completamente desenvolvidas, das quatro plantas centrais da parcela. Estas foram separadas em "limbo foliar" e "pecíolo + nervura central". Após homogeneização deles, retirou-se uma amostra de cinco gramas do material fresco ("limbo foliar" e "pecíolo + nervura central"), para extração alcoólica (Magalhães et al., 1992), onde procedeu-se à separação da fração polar (metanólica) para retenção dos compostos solúveis, fração apolar (cloroformio) e resíduo do tecido foliar. A partir do extrato metanólico obtido determinou-se N-NO3- (Cataldo et al., 1975).

Os procedimentos estatísticos constaram de análises de variância pelo teste F. Nas fontes de variação, onde houve diferença significativa, aplicou-se o teste de Tukey a 5%, para comparação de médias.

A análise de variância, para as três coletas, foi feita em esquema "split-plot", sendo os seis tratamentos na parcela e as coletas na subparcela. Visando isolar alguns efeitos, os cinco graus de liberdade relativos ao efeito de tratamento foram desdobrados nos seguintes contrastes ortogonais: a testemunha contra os outros tratamentos que receberam alguma fonte de nitrogênio (1 grau de liberdade); os tratamentos que receberam esterco contra aquele que recebeu somente uréia (1 grau de liberdade); análise de regressão (termos linear, quadrático e cúbico) dos tratamentos que receberam esterco + doses crescentes de uréia (três graus de liberdade) (Tabela 3).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As plantas que receberam apenas esterco bovino (trat. 2) apresentaram nos limbos foliares e nos pecíolos + nervura central, teores de N-NO3- similares aos das plantas testemunhas (Tabelas 1 e 2). As concentrações de N-NO3- nos limbos foliares mostraram interação entre as amostragens. De modo geral, os tratamentos apresentaram concentrações mais altas de N-NO3- no quinto dia após a aplicação da uréia, observando-se a partir daí uma diminuição neste parâmetro, com exceção do tratamento 5, onde os teores de N-NO3- aumentaram a partir do quinto dia após a aplicação de uréia e o tratamento 6, que recebeu somente aplicação de uréia, sendo que os teores de N-NO3- foram maiores no primeiro dia, caindo no quinto e voltando a subir no décimo quinto dia após a aplicação de uréia (Tabela 1).

Após o primeiro dia da aplicação, o teor de N-NO3- observado nas plantas que receberam adubação complementar com uréia, na dose próxima à recomendada para a cultura (50 kg/ha de N-uréia) pelo Manual de Adubação do Estado do Rio de Janeiro (Almeida et al., 1988), foi cerca de 50 vezes maior do que aquele observado para o tratamento que recebeu apenas esterco, observando-se um declínio nesta taxa ao longo do período para cerca de 8 vezes (Tabela 1).

Os dados referentes aos teores N-NO3- nos pecíolos não mostraram interação, sendo que o tratamento com esterco foi inferior aos tratamentos que receberam adubação complementar com uréia, não diferindo, no entanto, daquele que recebeu exclusivamente uréia (Tabela 2). Outros trabalhos também relatam teores de nitrato maiores em plantas adubadas com adubos industriais em relação a adubos orgânicos em diferentes olerícolas: cenoura (Lecterc, 1987); alface (Pereira et al., 1989; Rodrigues, 1990; Almeida, 1991; Ricci, 1993); cenouras, alho-poró e vagem (Bosh et al., 1991); alface, rabanete, repolho, beterraba, cenoura, salsa, aipo e batata (Rutkowska, 1993). Enquanto Silva (1985) e Lyons et al. (1994) não observaram diferenças significativas quanto aos teores de nitrato para vegetais produzidos com esterco adubos minerais.

Pôde-se observar também que, apesar das quantidades de nitrogênio presentes no tratamento que recebeu exclusivamente esterco (equivalente a 186 kg de N/ha, trat. 2) e naquele onde a adubação foi apenas com uréia (equivalente a 200 kg de N/ha, trat.6) terem sido próximas, o conteúdo de N-NO3- nos limbos foliares das plantas com uréia, no primeiro dia após a aplicação de uréia, foi cerca de 80 vezes maior do que as plantas que receberam apenas esterco, observando-se um declínio nesta taxa ao longo do período (Tabela 1). Isto parece ser em parte, devido ao nitrogênio do esterco tornar-se disponível às plantas de forma mais gradual (Rodrigues, 1990; Kiehl, 1993). Além disso, é possível que outros nutrientes presentes no esterco, também possam ter importante papel no metabolismo de acúmulo de nitrogênio, na forma de nitrato.

O potássio, por exemplo, participa da ativação das enzimas assimilatórias de amônia e transporte de aminoácidos. Altos níveis de potássio resultam em aumentos na taxa de transferência de compostos nitrogenados solúveis para frações insolúveis devido ao efeito deste nutriente na síntese de proteínas (Hagin et al., 1990). Nas plantas adubadas exclusivamente com esterco, os teores de potássio foram maiores (41 e 75 g/kg), nos limbos foliares e nos pecíolos, quando comparadas àquelas que receberam além de esterco, adubação complementar com uréia em doses crescentes ou apenas uréia, que apresentaram valores variando de 22 a 35 e 48 a 66 g/kg, nos limbos e pecíolos, respectivamente.

Outro elemento importante na assimilação do nitrogênio é o Mo, visto ser este micronutriente um componente essencial da nitrato redutase que favorece a redução nos teores de nitrato dos tecidos vegetais (Mondy & Munshi, 1993; Pansenhagen et al., 1996).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde da FAO, a Dose Diária Aceitável (DDA) para nitrato é de no máximo 325 mg de NaNO3, que corresponde a 53,5 mg de N-NO3-, por dia, para um adulto de 65 kg de peso (Olmedo & Bosh,1988). Para atingir os valores recomendados pela OMS e, usando os dados médios da concentração de N-NO3- nos limbos foliares, nas amostragens realizadas (0,02 mg de N/g M.F., trat.2 e 0,3 mg de N/g M.F., trat.3), no período inicial de produção de folhas, calculou-se as quantidades de couve que teriam que ser consumidas para atingir 100% da DDA. Desta forma, chegou-se as quantidades de 2,70 kg de couve, quando esta foi produzida apenas com esterco e 0,20 kg, quando as plantas foram crescidas suplementadas com esterco + 50 kg/ha de N-uréia (dose próxima à recomendada para a cultura, pelo Manual de Adubação do Rio de Janeiro (Almeida et al., 1988). Estes valores foram calculados sem considerar os teores contidos nos pecíolos, que elevariam muito a concentração de N-NO3-, principalmente nos tratamentos que receberam uréia (Tabela 2). Se acrescentássemos os teores de N-NO3- presente nos pecíolos, a DDA estaria contida em apenas 0,06 kg de couve adubada com apenas esterco e 0,02 kg de couve adubada com esterco + 50 kg/ha de N-uréia.

Considerando-se que um adulto consuma em média uma porção de 60 gramas de couve fresca ou cozida (limbos foliares), estaria ingerindo 1,2 mg de N-NO3- de couveproduzida apenas com esterco e, aproximadamente 18 mg de N-NO3- quando as plantas forem adubadas com uréia, numa quantidade aproximada àquela recomendada pelo Manual de Adubação do Rio de Janeiro (Almeida et al., 1988). Porém, o consumo comum de couve envolve as nervuras centrais que foram, neste experimento, analisadas juntamente com os pecíolos, desta forma, os valores acima estão subestimados. Levando-se em conta os altos teores de nitrato encontrados nos pecíolos de couve, é recomendável a retirada destes, no momento da preparação dos alimentos, principalmente em se tratando do consumo infantil, como forma de evitar os efeitos tóxicos.

Estes resultados são importantes, visto o perigo que o nitrato oferece à saúde humana, pela transformação deste em nitrito durante o armazenamento das hortaliças, seu preparo e por ação da saliva e do estômago, devido à ação de microrganismos (Ahrens, 1983). O nitrito tem a propriedade de formar nitrosaminas, que são substâncias comprovadamente carcinogênicas. Em crianças recém - nascidas, o nitrito pode levar à chamada cianose, isto é, uma deficiência na absorção de oxigênio pelo sangue (Vogtmann & Wagner, 1987).

A preocupação com a concentração de nitrato e nitrito em vegetais tem levado alguns países europeus a fixarem limites máximos aceitáveis. A Yusgoslavia, por exemplo, estabelece o máximo de 50 ppm de KNO3 para alimentos infantis preparados com vegetais, enquanto na Suíça admite-se o valor máximo de 4,0 g de NO3-/kg para alface. Já na Holanda, para culturas de inverno e verão, os máximos estabelecidos são de 4,5 e 2,5 g de NO3-/kg de matéria fresca, respectivamente (Olmedo & Bosch, 1988; Gunes et al., 1996). No entanto, no Brasil não existe legislação específica que regulamente os teores máximos permissíveis de nitrato e nitrito em alimentos vegetais.

Dentro do contexto sócio-econômico agrícola do Estado do Rio de Janeiro, com 80% da população rural formada por pequenos agricultores, em sua maioria de baixa renda e visando um mercado em expansão, em busca de produtos com melhor qualidade biológica, a utilização de recursos disponíveis dentro da propriedade, como o uso de estercos animais, pode ser uma alternativa a mais para uma maior independência do produtor e oferta de alimentos mais saudáveis.

AGRADECIMENTOS

Aos pesquisadores Marco Antônio Leal e Marcelo Grandi Teixeira, pelo auxílio nas análises estatísticas e a Rojane Chapeta Peixoto pelo apoio técnico.

LITERATURA CITADA

Aceito para publicação em 20 de agosto de 1999

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 1999
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