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Perfil dos consumidores de hortaliças da cidade de Santo Antônio do Descoberto - GO

Profile of vegetable consumers of Santo Antônio do Descoberto town, Goiás State, Brazil

Resumos

A cidade de Santo Antônio do Descoberto está localizada a 46 km de Brasília e grande parte da sua população vive abaixo da linha de pobreza. Neste trabalho, o perfil e o padrão de consumo de hortaliças na cidade foi avaliado. Setenta e três consumidores freqüentadores do Mercado Municipal e 30 de uma região periférica (Bairro do Queiroz) foram entrevistados para a coleta de informações sobre hortaliças adquiridas no dia, número de indivíduos na família e renda familiar. No Mercado Municipal, 92% das famílias adquiriam hortaliças semanalmente e consumiam os produtos em no máximo três dias. Trinta e cinco por cento das famílias tinham renda que as situava baixo da linha de pobreza. Alface, tomate e batata eram os produtos mais comumente consumidos. Por outro lado, na região periférica, 86% das famílias entrevistadas estavam abaixo da linha de pobreza e apenas 44% delas adquiriam hortaliças semanalmente. Alface e cebola eram os produtos mais consumidos e nenhuma família comprava tomate, provavelmente devido ao preço elevado deste produto. O tipo e freqüência de hortaliças adquiridos são influenciados pela renda familiar, com as famílias mais pobres consumindo menos.

mercado; renda; socioeconomia


Santo Antônio do Descoberto is located 46 km away from Brasília and the great majority of its population lives under the poverty line. In this work, vegetable consumption and consumers profile of Santo Antônio do Descoberto town were evaluated. Seventy consumers in the Municipal Market and 30 in a peripheral region ('Bairro do Queiroz') were interviewed. Information about vegetables bought in that day, number of people in the family and family income were obtained. The results showed that 92% of the families interviewed at the Municipal Market bought vegetables weekly and consumed them in nearly three days; 35% of the families were under the poverty line. Lettuce, tomato and potato were the most consumed vegetables. On the other hand, in the peripheral region, only 44% of the families bought vegetables weekly; 86% of the families were under the poverty line. Lettuce and onion were the main vegetables consumed in the region. None of the families consumed tomato, probably due to its high cost. The type and frequency of vegetable consumption was influenced by the families' income, where poor families consumed less vegetables.

market; income; socioeconomics


PESQUISA

Perfil dos consumidores de hortaliças da cidade de Santo Antônio do Descoberto - GO1 1 Projeto financiado pelo CNPq. Edital MCT/MESA/CNPq/CT Agronegócio 001/2003.

Profile of vegetable consumers of Santo Antônio do Descoberto town, Goiás State, Brazil

Marina Castelo BrancoI; Jorge M NogueiraII; Rodrigo C dos SantosIII

IEmbrapa Hortaliças, C. Postal 218, 70359-970 Brasília-DF

IIUnB-Depto. Economia, Brasília-DF

IIIEstudante Faculdade da Terra de Brasília e Bolsista CNPq; E-mail: marina@cnph.embrapa.br

RESUMO

A cidade de Santo Antônio do Descoberto está localizada a 46 km de Brasília e grande parte da sua população vive abaixo da linha de pobreza. Neste trabalho, o perfil e o padrão de consumo de hortaliças na cidade foi avaliado. Setenta e três consumidores freqüentadores do Mercado Municipal e 30 de uma região periférica (Bairro do Queiroz) foram entrevistados para a coleta de informações sobre hortaliças adquiridas no dia, número de indivíduos na família e renda familiar. No Mercado Municipal, 92% das famílias adquiriam hortaliças semanalmente e consumiam os produtos em no máximo três dias. Trinta e cinco por cento das famílias tinham renda que as situava baixo da linha de pobreza. Alface, tomate e batata eram os produtos mais comumente consumidos. Por outro lado, na região periférica, 86% das famílias entrevistadas estavam abaixo da linha de pobreza e apenas 44% delas adquiriam hortaliças semanalmente. Alface e cebola eram os produtos mais consumidos e nenhuma família comprava tomate, provavelmente devido ao preço elevado deste produto. O tipo e freqüência de hortaliças adquiridos são influenciados pela renda familiar, com as famílias mais pobres consumindo menos.

Palavras-chave: mercado, renda, socioeconomia.

ABSTRACT

Santo Antônio do Descoberto is located 46 km away from Brasília and the great majority of its population lives under the poverty line. In this work, vegetable consumption and consumers profile of Santo Antônio do Descoberto town were evaluated. Seventy consumers in the Municipal Market and 30 in a peripheral region ('Bairro do Queiroz') were interviewed. Information about vegetables bought in that day, number of people in the family and family income were obtained. The results showed that 92% of the families interviewed at the Municipal Market bought vegetables weekly and consumed them in nearly three days; 35% of the families were under the poverty line. Lettuce, tomato and potato were the most consumed vegetables. On the other hand, in the peripheral region, only 44% of the families bought vegetables weekly; 86% of the families were under the poverty line. Lettuce and onion were the main vegetables consumed in the region. None of the families consumed tomato, probably due to its high cost. The type and frequency of vegetable consumption was influenced by the families' income, where poor families consumed less vegetables.

Keywords: market, income, socioeconomics.

O município de Santo Antônio do Descoberto está localizado a 46 km de Brasília. Em 2000, a população total da cidade era de 51.897 habitantes, sendo que 48.398 destes se localizavam na área urbana. A população da cidade era composta predominantemente de jovens; 26% tinham menos de nove anos e 68% menos de 29 (Governo do Distrito Federal, 2002). O grau de instrução da população do município é baixo. Segundo levantamento do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, em 2004 haviam 32.653 eleitores e 71,86% destes tinham no máximo o primeiro grau incompleto (TRE-GO, 2004). Atualmente, Santo Antônio é considerada uma "cidade dormitório" e calcula-se que diariamente cerca de 10.000 pessoas se dirigem ao Distrito Federal para prestação de serviço. A população da cidade é pobre. Na área central existe água tratada nas residências. Na periferia, que vem se expandido rapidamente nos últimos anos, as residências são atendidas por poços artesianos (Ministério do Meio Ambiente, s.d.).

Não existem estudos sobre as condições de alimentação da população na cidade, mas sabe-se que este ítem responde por parte considerável dos rendimentos das famílias pobres. O IBGE (2004) constatou que para famílias com renda até R$ 400,00, a alimentação consumiu 32,68% da renda. No entanto, os padrões alimentares das famílias carentes não são iguais; preferências do consumidor, composição familiar e renda influenciam estes padrões. Por exemplo, famílias mais pobres tendem a ter um menor consumo de hortaliças (Homem de Melo et al., 1988; Roux et al., 2000; Vilela & Henz, 2000).

Tendo em vista as condições sócio-econômicas precárias de Santo Antônio do Descoberto, o objetivo deste trabalho foi fazer um estudo do mercado consumidor de hortaliças do município. Para isso foram entrevistados consumidores que freqüentavam o Mercado Municipal, o qual comercializa cerca de 70% das hortaliças da cidade, e consumidores que viviam no Bairro do Queiroz, localizado na periferia de Santo Antônio. Este local era uma antiga fazenda que foi loteada. O bairro não conta com ruas asfaltadas. As residências possuem água fornecida pela SANEAGO ou água bruta proveniente de cisterna. Algumas residências possuem fossas para o escoamento do esgoto sanitário. A segurança do local é precária. Segundo os moradores, após às 19 h é perigoso sair de casa devido à violência urbana. O Mercado Municipal está situado à cerca de 7 km do bairro.

MATERIAIS E MÉTODOS

Consumidores do Mercado Municipal de Santo Antônio do Descoberto

Nos dias 2706/2004 e 11/07/2004 foram entrevistados, respectivamente, 40 e 33 consumidores escolhidos aleatoriamente na saída do mercado. Foram obtidas informações sobre os tipos e quantidades de hortaliças adquiridas no dia, freqüência de compra, número de indivíduos na família, bem como a renda familiar total (Castelo Branco, 2005).

Em 27/06/2004, os entrevistados responderam qual era a faixa de renda da família (0 a R$ 260,00; R$ 261,00 a R$ 520,00; R$ 520,00 a R$ 780,00 ou mais de R$ 780,00). A exceção foram 12 indivíduos que indicaram a renda familiar exata. Ocorre porém que a renda por faixas não permitia a determinação da renda per capita familiar. Verificou-se que a faixa de renda era importante para se determinar as famílias que se encontravam abaixo da linha de pobreza (0,5 salário mínimo per capita) ou na indigência (renda mensal per capita de 0,25 salário mínimo) (IPEA/IBGE, 2004). Por isso, o questionário empregado no dia 11/07 sofreu uma alteração: neste dia perguntou-se diretamente aos entrevistados o valor exato da renda auferida pela família. Neste dia também foram obtidas informações sobre o número de crianças menores de 15 anos presentes nas famílias, a fim de verificar qual população, adultos ou crianças, era mais afetada pela pobreza. Todos os dados obtidos foram tabulados e quando apropriado, empregou-se estatística descritiva na análise.

Consumidores do Bairro do Queiroz

A fim de avaliar o consumo de hortaliças pela população deste bairro, foi escolhido ao acaso um quarteirão do local, o qual era composto por 39 residências. Para a obtenção de dados sobre tipos e quantidades de hortaliças adquiridas, freqüência de compra de hortaliças e local, número de membros da família e renda, todas as 39 residências foram visitadas, mas em apenas 30 delas foram encontrados moradores, os quais responderam o questionário. O questionário empregado nesta avaliação foi aplicado no dia 06/07/2004. Os dados foram tabulados e a estatística descritiva foi empregada na análise.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As 73 famílias entrevistadas no Mercado Municipal eram pouco numerosas; 82% da amostra tinha até cinco membros. Com relação a renda familiar, 34,7% das famílias estavam abaixo da linha de pobreza (0,5 salário mínimo per capita) e 18,4 abaixo da linha de indigência (renda per capita inferior a 0,25 salários mínimos) (Tabela 1). No Bairro do Queiroz, as famílias eram mais numerosas; 48% tinham no máximo cinco membros e 21% tinham entre sete e onze membros. A realidade econômica das famílias era pior. Famílias com renda abaixo da linha de pobreza representaram 86% da amostra, e destas 54% estavam abaixo da linha de indigência, número este quase 100% superior ao observado no Mercado Municipal (Tabela 1). Entre as 15 famílias do Bairro do Queiroz com renda abaixo da linha de indigência, nove complementavam a renda familiar com recursos provenientes de programas de transferência de renda do Governo Federal ou Estadual (Bolsa Escola ou Renda Cidadã) e duas viviam exclusivamente de um destes programas. Os valores recebidos variavam de R$ 15,00 a R$ 65,00. Os programas de transferência de renda têm como objetivo reduzir a pobreza momentânea da população e reduzir a pobreza futura, se aliado à condições que melhorem o capital humano, como acesso a educação e saúde pública. Teoricamente estes programas são dirigidos a famílias carentes (Bourguignon et al., 2003). Por exemplo, para ser elegível para o Programa Bolsa Família, em 2004 as famílias deveriam estar em situação de extrema pobreza, com renda mensal per capita até R$ 50,00 ou deveriam ser famílias pobres e extremamente pobres com crianças e jovens entre 0 e 16 incompletos com renda mensal até de R$ 100,00 per capita (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, s.d.). No entanto, no Bairro do Queiroz foi observado que duas famílias com renda per capita superior a 0,75 salário mínimo (R$ 195,00 na época) eram beneficiadas por um destes programas. Isto indicava que famílias não incluídas no critério governamental eram atendidas. Os fatores que determinaram este problema não foram identificados.

Outro fator que demonstrou a pobreza das famílias do Bairro do Queiroz foi a avaliação do emprego das famílias. Da população economicamente ativa da amostra, 25% estavam desempregados e 41% tinham emprego informal. No município eles eram pedreiros, faxineiros, lavadeiras, carroceiros, catadores de lata e papelão, ajudantes de obra, trabalhadores diaristas em fazendas. Um tomava conta de veículos em Brasília e o outro era ajudante de caminhão no Distrito Federal. Desse modo, constatou-se que grande parte dos empregos informais era encontrada na própria cidade, talvez pela impossibilidade desta população arcar com os custos do transporte para o DF. Uma grande reivindicação da população local é a implantação do pólo industrial para a criação de empregos no município (Ministério do Meio Ambiente, s.d.). Os trabalhadores com emprego formal representaram 19,6% da amostra. Do total de 10 trabalhadores, apenas três trabalhavam no município, e os demais no DF, ou seja, estes indivíduos usavam a cidade apenas como dormitório.

Tanto no Mercado Municipal como no Bairro do Queiroz, foi observado que as crianças eram mais afetadas pela pobreza do que os adultos (Tabela 1). O problema era mais acentuado no Bairro do Queiroz, onde 85% das crianças viviam em famílias com nível de renda per capita abaixo da linha de indigência. Tais níveis de pobreza permitem inferir que os níveis de desnutrição devem ser maiores nas crianças do Bairro quando comparado ao nível de desnutrição das crianças das famílias entrevistadas no Mercado Municipal. Isto porque os níveis de desnutrição diminuem significativamente com as melhorias dos padrões de vida (Wagstaff & Watanabe, 2000). Esta inferência será constatada a seguir, quando mostrarmos o consumo de alimentos, e mais especificamente de hortaliças, pelas famílias dos dois locais.

No que se refere a aquisição de hortaliças, a maior parte das famílias que freqüentavam o Mercado Municipal comprava estes produtos pelo menos uma vez por semana (Figura 1). Alface e tomate, seguidos de batata, cenoura e coentro, eram as hortaliças mais consumidas (Figura 2). O padrão de consumo de hortaliças desta população não difere de padrão de consumo do país. A alface é a folhosa mais consumida no Brasil. Na cidade de São Paulo, cada habitante consome quase 2 kg por ano e 40% dos gastos com hortaliças são empregados na aquisição de alface (Ceasa Campinas, s.d.). Olerícolas como brócolis, feijão-vagem, espinafre, agrião, mostarda, abobrinha, pepino, chuchu, quiabo e jiló foram adquiridas por menos de seis famílias. O clima era desfavorável para a produção quiabo e jiló no período de levantamento de dados desta pesquisa. Com isto, a disponibilidade no mercado era restrita, provavelmente devido ao preço elevado destes produtos. Informações obtidas junto a donos de "sacolões" da cidade mostraram que na época de inverno, a oferta destes produtos diminui e com isso os preços se elevam. No verão, o consumo aumenta, acompanhando a redução dos preços (Castelo Branco, 2005).



O gasto médio com hortaliças das famílias entrevistadas no Mercado Municipal foi de R$ 5,97 no dia 11/06 e de R$ 6,09 no dia 11/07. A percentagem da renda familiar gasta com hortaliças neste dia variou de 0,12% a 3,85%, com média de 1,11%. Isto significa que, considerando-se quatro semanas em um mês, uma família poderia gastar em média 4,44% da sua renda com hortaliças. Algumas famílias relataram que as hortaliças adquiridas no Mercado Municipal não eram suficientes para o consumo diário. Geralmente as famílias consumiam o volume adquirido em dois ou três dias e nos outros dias não consumiam estes alimentos, ainda que o desejassem. Este resultado não é novo, como descrito por Lima et al. (1989) em Minas Gerais, onde observaram que famílias com renda de até dois salários mínimos tinham um consumo insuficiente de hortaliças e poderiam incluir mais destes alimentos em suas refeições, se tivessem renda disponível para tal.

A limitação do consumo de hortaliças expõe crianças e adultos a uma série de doenças, inclusive a cegueira. Roncada et al. (1981), por exemplo, observaram em algumas comunidades do estado de São Paulo um consumo per capita de 10 a 83 g diária de hortaliças e consideraram este consumo insignificante. Em Cuba, o programa de horta urbana do Estado planeja que a população do país atinja um consumo de mais de 200 g per capita diário de hortaliças (Companión et al., 2001). Devido ao baixo consumo de hortaliças, os autores verificaram deficiência de caroteno e vitamina A na população, sendo as maiores deficiências observadas em crianças com idade inferior a 10 anos. Isto fazia com que estas estivessem mais expostas à cegueira.

Algumas poucas famílias entrevistadas no Mercado Municipal adquiriam hortaliças mais de uma vez por semana em "sacolões" ou em pequenos mercados espalhados pela cidade (Figura 1). Nestes casos, os consumidores buscavam sempre os menores preços. Uma família, com um membro trabalhando em um mercado do Distrito Federal, adquiria hortaliças também no local de trabalho. Famílias que adquiriam hortaliças duas vezes por mês ou tinham consumo irregular representaram menos de 10% da amostra (Figura 1). A família de consumo irregular o fazia porque tinha no quintal uma pequena horta com alface, chuchu e cebolinha.

No Bairro do Queiroz, o consumo de hortaliças pelas famílias era bastante inferior; apenas 34% das famílias consumiam estes produtos semanalmente (Figura 1). Entre as famílias que consumiam hortaliças toda semana, uma o fazia porque a mulher recolhia alface, batata e cebola descartados pelos atacadistas aos domingos no Mercado Municipal. Uma outra família tinha uma horta em casa com pimenta, alface, quiabo, chuchu e couve e adquiria semanalmente no Mercado Municipal os produtos que não plantava. No entanto, o gasto com água para irrigação das hortaliças gerava problemas. A conta devida a companhia estadual de água se tornava mais elevada quando as hortaliças eram irrigadas. Sem irrigação, a conta era em média de R$ 11,00; com esta prática, o valor chegava a até R$ 31,00 por mês, ou seja, um aumento de quase 200%. A alternativa para a redução da conta de água era o emprego da água usada para a lavagem da roupa. No município é comum o uso de sabão de fabricação caseira, em diferentes pontos da cidade. Como se desconhece a composição destes produtos, não se sabe o nível de resíduos que estes poderiam deixar nas hortaliças consumidas pela família.

Algumas famílias do Bairro do Queiroz adquiriam hortaliças mais de uma vez por semana (Figura 1). Neste caso, isto era geralmente feito porque a ausência de geladeira impedia a conservação dos produtos. Outras famílias adquiriam hortaliças apenas uma vez por mês (Figura 1). Uma família tinha esse nível de consumo porque a mulher ia a CEASA/DF recolher restos de cenoura, beterraba e berinjela e nestas ocasiões chegava a obter até 5 kg destas hortaliças. As folhosas não eram recolhidas devido à rápida deterioração das mesmas.

Famílias que compravam esporadicamente hortaliças ou que nunca adquiriam estes produtos representaram 30% da amostra (Figura 1). Nestes casos, a família destinava a renda para a aquisição de produtos básicos como arroz, feijão, macarrão, óleo e farinha. Seis famílias relataram que, devido ao trabalho informal, em muitas ocasiões não dispunham de nenhuma renda, o que fazia com que não pudessem nem adquirir os produtos básicos para o consumo do dia. Estas famílias eram bastante numerosas, chefiadas por mulheres e freqüentemente com adolescentes de 13 a 15 anos que, no momento da entrevista, se encontravam grávidas do primeiro, segundo ou terceiro filho. Isto significava que esta parcela da população vivia em estado de fome crônica, que ocorre quando a alimentação habitual não proporciona energia suficiente para a manutenção do organismo (Monteiro, 2003).

Alface era a hortaliça mais consumida pela população do Bairro do Queiroz, a exemplo do observado com os consumidores do Mercado Municipal. Em seguida vinham cebola, batata, coentro e cebolinha. Nenhuma das famílias adquiria tomate, ao contrário dos consumidores do Mercado Municipal, onde esta hortaliça era a segunda mais consumida (Figura 2). A disponibilidade de renda da população e o custo deste produto podem explicar este resultado, fenômeno este já observado por Brumfield et al. (1993).

Os resultados do consumo de hortaliças das famílias do Mercado Municipal e das famílias do Bairro do Queiroz confirmam que a disponibilidade de renda e os preços das hortaliças são fatores determinantes tanto da quantidade como da qualidade adquirida de cada alimento (Roncada,1975; Castro et al., 2005). Isto foi confirmado por Lima et al. (1989) que analisaram a cesta básica da população de Ponte Nova (MG). Os autores encontraram, por exemplo, que famílias na faixa de renda de até dois salários mínimos consumiam 7 g e 3 g per capita diária de tomate e cenoura, respectivamente. Este valor subia para 25 g e 8 g per capita por dia para tomate e cenoura para famílias com renda superior a 20 salários mínimos.

Outras duas observações realizadas no trabalho de campo confirmam a importância da disponibilidade de renda para o consumo de hortaliças. A primeira foi proporcionada por comerciantes do Mercado Municipal que indicaram que o consumo da população era maior nas duas primeiras semanas do mês, já que com os salários recebidos, a disponibilidade de renda era maior. Esta falta de disponibilidade de renda para consumo da quantidade de alimentos necessários para a sobrevivência já foi constatada pelo IBGE (2004), que verificou que 85% das famílias brasileiras tinham alguma dificuldade para chegar ao fim do mês com a renda disponível e 47% considerou insuficiente a quantidade de alimento consumida habitualmente.

A segunda observação sobre a importância da disponibilidade de renda para o consumo de hortaliças foi proporcionada pela quantidade de alface vendida no Mercado Municipal. Em avaliações realizadas com os comerciantes do local, foi estimado que eram vendidas semanalmente 5.000 cabeças de alface. Considerando que o Mercado Municipal comercializava 70% das hortaliças do município, e, considerando que a população da cidade girava ao redor de 70.000 habitantes, têm-se que em média era consumida 0,07 cabeça de alface/habitante/semana. Em Curitiba, por exemplo, foi estimado que o consumo médio de alface deveria ser de 0,03 cabeças/pessoa/dia (Silva & Schwonka, 2001).

Em resumo, os resultados deste trabalho confirmaram a existência de famílias extremamente carentes no município de Santo Antônio do Descoberto, ou seja, famílias onde as necessidades elementares de alimentação não eram satisfeitas. No que se refere ao consumo de hortaliças foi constatado que o consumo destes produtos foi afetado pela renda, com famílias mais pobres consumindo menos destes produtos. A ausência de consumo freqüente de hortaliças deve afetar o estado de saúde da população de Santo Antônio do Descoberto já que as hortaliças são fontes de micro-nutrientes, fundamentais para a manutenção de condições adequadas de vida (Lock et al., 2005). Neste sentido, políticas públicas visando propiciar o acesso direto ou indireto a estes produtos pode contribuir para a melhoria do estado de saúde das famílias carentes.

Recebido para publicação em 13 de março de 2006; aceito em 24 de agosto de 2006

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  • 1
    Projeto financiado pelo CNPq. Edital MCT/MESA/CNPq/CT Agronegócio 001/2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      24 Ago 2006
    • Recebido
      13 Mar 2006
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