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Manejo de milheto para plantio direto de alface no verão com ou sem levantamento de canteiros

Pearl millet crop management for no-tillage crisphead lettuce in the summer with or without beds

Resumos

Avanços como o menor revolvimento do solo e uso de coberturas vegetais são importantes para a introdução de sistemas mais sustentáveis de produção de hortaliças. O objetivo deste trabalho foi avaliar épocas de dessecação de milheto para o plantio direto de alface americana no verão, com ou sem levantamento de canteiros, além de mulching plástico preto e prateado. O delineamento experimental foi em blocos ao acaso com quatro repetições, no esquema de parcelas subdivididas, sendo o manejo do solo (presença ou ausência de canteiros) a parcela principal e as diferentes coberturas do solo [milheto dessecado aos 28, 42, 56 e 70 dias após a emergência (DAE), mulching plástico preto e prateado, solo descoberto e vegetação espontânea dessecada aos 70 DAE], as subparcelas, em dois cultivos sucessivos. Os resultados permitem concluir que o excesso de palha do milheto dessecado tardiamente promove drástica redução no estande da alface, o que se reflete em baixa produtividade. Todavia, quando dessecado até 42 DAE (10 t/ha de palha) promove boa produtividade da alface e cobertura do solo para esta época de cultivo, além dos benefícios de controle da erosão e redução de custo com mecanização no segundo ciclo. No primeiro cultivo, no mulching plástico, as altas temperaturas do período promoveram redução do estande da cultura, com efeito mais pronunciado no manejo sem canteiro, o que não foi verificado no segundo cultivo, onde as temperaturas foram ligeiramente menores.

Lactuca sativa; Pennisetum glaucum; palha; mulching plástico


Advances as low soil tillage and cover crops are important to introduce more sustainability on vegetable production. The objective of this study was to evaluate Pearl millet desiccation time for no-tillage crisphead lettuce, silver and black plastic mulching in the summer, with or without beds. The experiment was arranged in a randomized block design with four replications in a split-plot scheme. The main plot was constituted by the soil management (presence or absence of beds) and the subplots were constituted by the different covers (millet dried at 28, 42, 56 and 70 days after emergence, silver and black plastic mulching, unmulched soil and spontaneous vegetation dried at 70 DAE), in two successive cultivations. The results showed that the excess of straw provided by millet dried later promotes drastic reduction in lettuce stand, reflecting in low productivity. However, when dried at 42 DAE (10 t/ha of straw) it promotes good ground cover and productivity, as well as benefits of erosion control and reducing the cost with mechanization in the second cycle. In the first cultivation, the high temperatures in the plastic mulching promoted reduction of lettuce final stand, especially in the treatment of absence of beds. In the second cultivation, this is not verified, which can be attributed to the end of the summer season, due to the lower temperatures.

Lactuca sativa; Pennisetum glaucum; straw; plastic mulching


No Brasil, a partir do início dos anos 90, a demanda e o mercado de alface americana apresentaram aumento que passou de 9% em 1995 para mais de 34% em 2010. Esse crescimento é atribuído ao aumento das redes de lanchonetes fast food e à maior demanda pelos consumidores que já conheciam esse produto no exterior (Sala & Costa, 2012SALA FC; COSTA CP. 2012. Retrospectiva e tendência da alfacicultura brasileira. Horticultura Brasileira 30: 187-194.).

Por se tratar de uma hortaliça de inverno, diversas são as dificuldades na produção em condições de verão, época chuvosa e com elevadas temperaturas (Mota et al., 2003MOTA JH; YURI JE; FREITAS SAC; RODRIGUES JUNIOR JC; RESENDE GM; SOUZA RJ. 2003. Avaliação de cultivares de alface americana durante o verão em Santana da Vargem-MG. Horticultura Brasileira 21: 234-237.). Filgueira (2000FILGUEIRA FAR. 2000. Novo manual de olericultura. Viçosa: UFV. 402p.) relata que durante a primavera-verão, quando ocorre maior densidade pluviométrica associada a elevadas temperaturas, o cultivo da alface em determinadas regiões do Brasil é inviabilizada, o que consequentemente eleva seu custo.

O Brasil fez importantes avanços no plantio direto para as grandes culturas, porém na horticultura há predominância de elevado revolvimento do solo, principalmente em culturas como a alface, onde a prática de levantamento de canteiros é comum (Oliveira et al., 2006OLIVEIRA NG; DE-POLLI H; ALMEIDA DL; GUERRA JGM. 2006. Plantio direto de alface adubada com "cama" de aviário sobre coberturas vivas de grama e amendoim forrageiro. Horticultura Brasileira 24: 112-117.).

A busca por sustentabilidade dos recursos naturais nos sistemas de produção em olericultura tem norteado pesquisas relacionadas ao plantio direto de hortaliças em palha de coberturas vegetais. Trabalhos de plantio direto com diversas olerícolas como tomate (Kieling et al., 2009KIELING AS; COMIN JJ; FAYAD JA; LANA MA; LOVATO PE. 2009. Plantas de cobertura de inverno em sistema de plantio direto de hortaliças sem herbicidas: efeitos sobre plantas espontâneas e na produção de tomate. Ciência Rural 39: 2207-2209.; Silva et al., 2009SILVA AC; HIRATA EK; MONQUERO PA. 2009. Produção de palha e supressão de plantas daninhas por plantas de cobertura, no plantio direto do tomateiro. Pesquisa Agropecuária Brasileira 44: 22-28.), berinjela (Castro et al., 2005CASTRO CM; ALMEIDA DL; RIBEIRO RLD; CARVALHO JF. 2005. Plantio direto, adubação verde e suplementação com esterco de aves na produção orgânica de berinjela. Pesquisa Agropecuária Brasileira 40: 495-502.), cebolinha (Araujo Neto et al., 2010ARAUJO NETO SE; GALVÃO RO; FERREIRA RLF; PARMEJIANI RS; NEGREIROS JRS. 2010. Plantio direto de cebolinha sobre cobertura vegetal com efeito residual da aplicação de composto orgânico. Ciência Rural 40: 1206-1209.), coentro (Tavella et al., 2010TAVELLA LB; GALVÃO RO; FERREIRA RLFF; NETO SEAN; NEGREIROS JRS. 2010. Cultivo orgânico de coentro em plantio direto utilizando cobertura viva e morta adubado com composto. Revista Ciência Agronômica 41: 614-618.), batata (Fontes et al., 2007FONTES PCR; NUNES JCS; FERNANDES HC; ARAÚJO EF. 2007. Características físicas do solo e produtividade da batata dependendo de sistemas de preparo do solo. Horticultura Brasileira 25: 355-359.), entre outras hortaliças, tem sido objeto de estudo.

Deve-se ressaltar que em hortaliças, é complexo o estabelecimento de um sistema de plantio direto em longo prazo à semelhança do que ocorre em grãos. Tem-se verificado o plantio de culturas sobre a palha, sem revolvimento do solo (aração e gradagem ou encanteiramento), porém não permanentes, devido às características intrínsecas à olericultura: mercado muito dinâmico, com mudanças na tomada de decisão, baixa produção de palha pela grande maioria das hortícolas, adaptabilidade restrita ao plantio sem revolvimento para espécies como cenoura e batata, muitas unidades produtivas com área restrita e, consequentemente, uso intensivo da propriedade (Melo et al., 2010MELO RAC; MADEIRA NR; PEIXOTO JR. 2010. Cultivo de brócolos de inflorescência única no verão em plantio direto. Horticultura Brasileira28: p.23-28.). Assim, mesmo que o produtor consiga utilizar plantio direto em plantas de cobertura apenas no verão, isso implicará em benefícios em relação à redução de processos erosivos, com perda de solo e nutrientes, além da rotação de culturas com plantas de cobertura.

No Brasil, as principais cultivares de alface americana disponíveis no mercado apresentam limitações de cultivo em determinadas regiões e épocas de plantio. O pendoamento precoce devido a temperaturas elevadas, afeta a formação da cabeça e a alta pluviosidade tem limitado seu cultivo no período de verão devido a perdas ocasionadas por doenças fúngicas e bacterianas (Sala & Costa, 2012SALA FC; COSTA CP. 2012. Retrospectiva e tendência da alfacicultura brasileira. Horticultura Brasileira 30: 187-194.). Em regiões quentes ocorre florescimento precoce e para contornar esta situação, as plantas são colhidas antes do máximo desenvolvimento das folhas e da cabeça em si. De acordo com Ferreira et al. (2009FERREIRA RLF; ARAÚJO NETO SE; SILVA SS; ABUD EA; REZENDE MIFL; KUSDRA JF. 2009. Combinações entre cultivares, ambientes, preparo e cobertura do solo em características agronômicas de alface. Horticultura Brasileira 27: 383-388.), em região de clima quente, como no Rio Branco-AC, a cobertura do solo com casca de arroz ou plástico prateado contribuiu para minimizar os efeitos climáticos prejudiciais ao cultivo da alface em campo.

De acordo com Souza & Resende (2003SOUZA JL; RESENDE P. 2003. Manual de horticultura orgânica. Viçosa: Aprenda Fácil. 564p.), por meio da cobertura do solo, ocorre influência positiva nas qualidades físicas, químicas e biológicas do solo, bem como a diminuição da erosão, criando condições ótimas para o crescimento radicular.

Os trabalhos publicados com cobertura do solo na cultura da alface, em sua maioria, são relacionados a materiais que são transportados até o canteiro (Andrade Junior et al., 2005ANDRADE JÚNIOR VC; YURI JE; NUNES UR; PIMENTA FL; MATOS CSM; FLORIO FCA; MADEIRA DM. 2005. Emprego de tipos de cobertura de canteiro no cultivo da alface. Horticultura Brasileira 23: 899-903.; Carvalho et al., 2005CARVALHO JEC; ZANELLA F; MOTA JH; LIMA ALS. 2005. Cobertura morta do solo no cultivo de alface cv. Regina 2000, em Ji-Paraná/RO. Ciência e Agrotecnologia 29: 935-939.; Oliveira et al., 2008OLIVEIRA FF; GUERRA JGM; ALMEIDA DL; RIBEIRO RLD; ESPINDOLA JAA; RICCI MSF; CEDDIA MB. 2008. Avaliação de coberturas mortas em cultura de alface sob manejo orgânico. Horticultura Brasileira 26: 216-220.) ou cultivados e incorporados ao solo (Fontanetti et al., 2006FONTANÉTTI A; CARVALHO GJ; GOMES LAA; ALMEIDA K; MORAES SRG; TEIXEIRA CM. 2006. Adubação verde na produção orgânica de alface americana e repolho. Horticultura Brasileira 24: 146-150.). Esses trabalhos trazem grande contribuição para o cultivo da folhosa, todavia, são necessários trabalhos que avaliem o plantio direto da cultura em plantas de cobertura cultivadas nos canteiros sem incorporação, com redução do revolvimento do solo, o que propiciaria um sistema mais sustentável.

O objetivo deste trabalho foi avaliar épocas de dessecação de milheto para o plantio direto de alface americana no verão com ou sem levantamento de canteiros, além de mulching plástico preto e prateado.

MATERIAL E MÉTODOS

Os experimentos foram instalados no município de Álvares Machado-SP, em área tradicionalmente cultivada com hortaliças, a campo aberto. O município apresenta altitude de 480 m e de acordo com a classificação de Koeppen, clima Aw, tropical chuvoso com inverno seco e mês mais frio com temperatura média superior a 18ºC. O mês mais seco tem precipitação inferior a 60 mm e com período chuvoso que se atrasa para o outono (Cepagri, 2013CEPAGRI. 2013, 30 de abril. Meteorologia Unicamp. Disponível em http://www.cpa.unicamp.br/outras-informacoes/clima_muni_016.html/
http://www.cpa.unicamp.br/outras-informa...
).

Foram realizados dois plantios consecutivos de alface na mesma área (final de janeiro e início de março). Em fevereiro e março/2012, temperaturas máximas acima de 32ºC foram verificadas em 22 e 17 dias, respectivamente. Nos meses de outubro, novembro e dezembro/2011 e janeiro, fevereiro, março e abril/2012, a temperatura máxima absoluta diária foi de 34,0; 35,0; 35,2; 34,4; 36,0; 34,2 e 33,0ºC e a temperatura mínima absoluta de 11,0; 14,2; 17,8; 17,0; 19,6; 13,0 e 18,0ºC, respectivamente.

Para caracterização da área experimental e recomendação da adubação foram realizadas análises química e física do solo. Os ensaios foram instalados em solo classificado como Argissolo Vermelho-Amarelo, classificação textural areia-franca, com 7,1% de argila, 6,3% de silte e 86,6% de areia. As características químicas foram pH em CaCl2 de 5,6; matéria orgânica de 18 g/dm3; saturação de bases de 62%; teores de P, Zn, Fe, Mn, Cu e B de 31,0; 3,9; 30,0; 10,1; 12,7 e 0,37 mg/dm3 e de K, Ca, Mg e H + Al de 3,1; 23,0; 7,0 e 20,0 mmolc/dm3, respectivamente.

Os tratamentos foram dispostos em esquema de parcelas subdivididas, sendo o fator da parcela principal, manejos de plantio [1) com canteiro ou 2) sem canteiro] e o das subparcelas, diferentes coberturas do solo [1) milheto dessecado aos 28 dias após a emergência, DAE; 2) milheto dessecado aos 42 DAE; 3) milheto dessecado aos 56 DAE; 4) milheto dessecado aos 70 DAE; 5) mulching plástico preto; 6) mulching plástico prateado; 7) sem plantas de cobertura, sendo capinada durante todo o ciclo da alface; 8) vegetação espontânea dessecada aos 70 DAE]. O delineamento experimental foi de blocos ao acaso, com quatro repetições.

Os canteiros de todos os tratamentos foram preparados simultaneamente. Utilizou-se a cultivar de alface americana Lucy Brown. Foi realizada correção do solo com calcário dolomítico, de acordo com análise do solo, sendo incorporado nos canteiros ou solo (de acordo com o tratamento). A adubação de plantio foi de 150 g/m2 de canteiro com termofosfato Yoorin e 220 g/m2 da formulação NPK 04-14-08. Na adubação de cobertura utilizou-se 35 g/m2 de uréia e de cloreto de potássio, por meio de fertirrigação (gotejamento) (Raij et al., 1996RAIJ B.; CANTARELLA H.; QUAGGIO JA; FURLANI AMC. (eds). 1996. Recomendações de adubação e calagem para o Estado de São Paulo. 2 ed. Campinas: IAC, p.22-27. (Boletim 100).).

O milheto foi semeado a lanço, na densidade de 25 kg/ha (75% de germinação), sendo as sementes incorporadas com rastelo superficialmente nos canteiros. O manejo químico do milheto foi realizado com glyphosate (1.440 g/ha do i.a.), aos 14 dias antes do transplante da alface. Foi aplicado paraquat (600 g/ha do i.a.), um dia antes do transplante da alface, visando o controle das plantas daninhas emergidas neste período de 14 dias (entre a dessecação e o transplante).

O milheto foi semeado em 28/10/11, 11/11/11, 25/11/2011 e 09/12/2011, sendo dessecado em 11/01/2012. O transplante da alface foi realizado em 25/01/2012, ou seja, com o milheto dessecado em diferentes fases (28, 42, 56 e 70 DAE). Nas parcelas onde o milheto foi semeado tardiamente, as unidades experimentais foram mantidas limpas por meio de capina manual. As parcelas com mulching plástico foram mantidas livres de plantas daninhas até o transplante da alface, quando o mulching foi colocado. No tratamento com plantas daninhas, estas não foram controladas a partir da data da primeira semeadura do milheto, sendo as plantas espontâneas deste tratamento dessecadas no mesmo dia da dessecação do milheto.

As plantas de milheto dessecadas que permaneceram "em pé" foram "deitadas" para o plantio da alface. Os tubos de gotejamento foram instalados na semeadura das plantas de cobertura para permanecerem abaixo da camada de palha; todavia a irrigação foi acionada a partir do transplante da alface. As dimensões da parcela foram 2,1 m de comprimento e 1,2 m de largura. O espaçamento das plantas de alface foi de 30x30 cm. A unidade experimental foi constituída por quatro linhas de alface com sete plantas cada, totalizando 28 plantas. A área útil da parcela foram as duas linhas centrais de alface, desprezando-se duas plantas de cada extremidade.

A palha do milheto proveniente dos diferentes tratamentos foi avaliada por meio de um quadro de 50x50 cm por ocasião do transplante da alface e na colheita dos dois cultivos.

Foi avaliada a produtividade da alface (massa da matéria fresca) utilizando-se todas as plantas da área útil. A massa da matéria fresca foi obtida cortando-se as plantas da área útil rente ao solo, logo abaixo das folhas basais, sem as folhas sujas, senescentes e doentes. O diâmetro do caule, envergadura da planta, diâmetro da cabeça e número de folhas foram avaliados em cinco plantas da parcela útil.

A colheita da alface foi realizada em 28/02/2012. O segundo plantio de alface foi realizado em 09/03/2012, nas mesmas parcelas. As plantas infestantes foram dessecadas com glyphosate para o segundo plantio da alface. A colheita do segundo cultivo foi realizada em 09/04/2012. Todas as avaliações realizadas no primeiro cultivo foram repetidas no segundo cultivo.

Os dados foram submetidos à análise de variância, sendo as médias dos manejos e coberturas do solo comparadas pelo Teste de Tukey a 5% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No primeiro cultivo, houve interação entre coberturas e manejos do solo para o estande (Tabela 1). No manejo em que a alface foi transplantada em canteiros, os maiores estandes foram observados nos tratamentos com milheto dessecado aos 28 e 42 dias após a emergência (DAE), filme plástico prateado e sem cobertura de solo. Os tratamentos com elevada quantidade de palha de milheto (dessecação aos 70 e 56 DAE, aproximadamente 30 e 19 t/ha de palha, respectivamente) apresentaram redução no estande. Todavia, no manejo em que a alface foi transplantada sem levantamento de canteiros houve um melhor estande da alface, o que foi atribuído à melhor acomodação da palha em relação ao manejo com canteiro.

Tabela 1.
Estande e massa da matéria fresca da alface americana cv. Lucy Brown, em dois cultivos sucessivos sobre diferentes coberturas e manejos de solo (stand and fresh weight of crisphead lettuce cv. Lucy Brown, in two consecutive crops under different cover crops and soil management). Presidente Prudente, APTA, 2012.

O excesso de palha prejudicou o estabelecimento das mudas de alface, pois a palha promoveu sombreamento nas mudas. Todavia, os filmes plásticos apresentaram o pior estande da alface, assim como o tratamento com palha de plantas daninhas no manejo sem canteiro. No primeiro cultivo, no tratamento sem canteiro, houve maior mortalidade de mudas nos filmes plásticos devido à elevada temperatura proporcionada pelo plástico e excesso de umidade (com o plástico há redução da evaporação de água no solo), o que pode ter propiciado a formação de um microclima com temperaturas acima do ideal para a cultura nestes tratamentos, o que prejudicou o estabelecimento das mudas. De acordo com Taiz & Zeiger (2013TAIZ L; ZEIGER E. 2013. Fisiologia vegetal. Porto Alegre: Artmed, 918p.), o excesso de água nos poros do solo reduz a disponibilidade de O2. Quando as temperaturas são baixas e as plantas estão dormentes, a depleção de O2 é muito lenta e as consequências são relativamente inofensivas, todavia, quando as temperaturas são altas, o consumo pelas raízes, fauna do solo e microorganismos pode esgotar o O2 do solo em pouco tempo.

No segundo cultivo, não houve efeito dos tipos de cobertura e nem do manejo do solo no estande. Esse resultado é explicado pela decomposição e melhor acomodação da palha em todos os tratamentos com a cobertura de milheto. O milheto dessecado aos 70 DAE apresentou 20,6 t/ha de palha após o primeiro cultivo, a qual foi reduzida para 12,7 t/ha após o segundo cultivo, o que minimizou o efeito do sombreamento sobre as mudas. Quanto ao plástico, no segundo cultivo (final do verão) a temperatura foi menor o que favoreceu o estabelecimento das mudas mesmo com o mulching plástico.

Em relação à massa da matéria fresca da alface (Tabela 1) houve interação entre coberturas e manejos do solo no primeiro cultivo. No manejo com canteiro, as plantas de alface com maior massa de matéria fresca foram observadas nos tratamentos sem cobertura do solo e com palha de milheto dessecado aos 28 e 42 DAE, ou seja, o excesso de palha prejudicou o desenvolvimento da cultura. No manejo sem canteiro foi observada a mesma tendência. Os filmes plásticos não foram eficientes nessa época de cultivo, o que pode ser atribuído ao excesso de calor do verão, época em que foi cultivada a alface, sendo a baixa média de massa da matéria fresca nestes tratamentos atribuída também à redução do estande. Carvalho et al. (2005CARVALHO JEC; ZANELLA F; MOTA JH; LIMA ALS. 2005. Cobertura morta do solo no cultivo de alface cv. Regina 2000, em Ji-Paraná/RO. Ciência e Agrotecnologia 29: 935-939.) ressaltam que a utilização de plástico em regiões com temperaturas elevadas pode ocasionar um excessivo aumento na temperatura do solo. No tratamento com palha de plantas espontâneas houve elevada infestação de invasoras, o que prejudicou o desenvolvimento da cultura, especialmente no manejo com canteiro, o que aumentou a incidência de podridões promovidas pelo microclima causado pelas plantas invasoras que sombrearam a cultura.

No segundo cultivo não houve efeito do manejo do solo para a massa da matéria fresca da alface. Entre os tratamentos, somente o milheto dessecado aos 70 DAE diferiu da testemunha, o que é atribuído ao excesso de palha que prejudicou o desenvolvimento da cultura. Os tratamentos com plástico foram eficientes nesta época de cultivo (final de verão), o que reforça a importância das condições climáticas do período de cultivo para o sucesso desse tipo de cobertura em regiões quentes. A região em que foi desenvolvido o trabalho apresenta temperaturas altas no verão; assim esse tipo de cobertura deve ser utilizado com critério e em estações do ano com temperaturas mais amenas. Silva et al. (2001)SILVA WCM; NASCIMENTO MF; RICIERI RP; AMORIM RCF; GRIGOLETO MW. 2001. Temperatura do solo e sua influência na alface. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOMETEOROLOGIA, 3. Anais... Maringá: Sociedade Brasileira de Biometeorologia (CD-ROM). verificaram que no inverno, a modificação no microclima através do plástico agrícola (que mantém a temperatura do solo ligeiramente superior), é um fator de aumento da produção para a cultura da alface nesta estação.

Houve interação entre os fatores principais para o diâmetro da cabeça e envergadura de plantas no primeiro cultivo (Tabela 2). No tratamento sem canteiro verificou-se menor diâmetro da cabeça com mulching plástico preto e palha de plantas daninhas em relação ao tratamento com canteiro, sendo esse resultado também observado para a envergadura da planta. Os maiores diâmetros foram verificados no tratamento sem cobertura e nos tratamentos com menor quantidade de palha (milheto dessecado aos 28 e 42 DAE). No segundo cultivo houve apenas efeito da cobertura do solo, sendo que o tratamento com milheto dessecado aos 70 DAE apresentou desempenho inferior. Para a envergadura da planta não houve diferença entre os tratamentos no segundo cultivo, sendo o manejo sem canteiro com desempenho ligeiramente inferior.

Tabela 2.
Diâmetro da cabeça e envergadura de plantas de alface americana cv. Lucy Brown, em dois cultivos sucessivos sobre diferentes coberturas e manejos de solo (head diameter and canopy spread of crisphead lettuce cv. Lucy Brown, in two consecutive crops under different cover crops and soil management). Presidente Prudente, APTA, 2012.

As variáveis diâmetro do caule e número de folhas são apresentadas na Tabela 3. Os maiores diâmetros do caule foram verificados no tratamento sem cobertura e cobertura com milheto dessecado aos 28 e 42 DAE, no manejo com canteiro. No manejo sem canteiro, além desses tratamentos, o milheto dessecado aos 56 DAE também apresentou maior diâmetro. Os tratamentos com maior quantidade de palha apresentaram menor diâmetro, o que pode ser atribuído a um efeito de estiolamento da cultura para atravessar a camada de palha. Todavia, na comparação dos manejos, foi verificado maior diâmetro no manejo sem canteiro (melhor acomodação da palha) e do plástico preto no manejo com canteiro, o que confirma o que foi discutido para as variáveis estande e peso da matéria fresca. No segundo cultivo não houve diferença no diâmetro do caule entre os tratamentos.

Tabela 3.
Diâmetro do caule e número de folhas de plantas de alface americana cv. Lucy Brown, em dois cultivos sobre diferentes coberturas e manejos de solo (stem diameter and number of leaves of crisphead lettuce cv. Lucy Brown, in two consecutive crops under different cover crops and soil management). Presidente Prudente, APTA, 2012.

Para o número de folhas houve interação entre manejos e coberturas do solo, sendo verificada a mesma tendência das demais variáveis no primeiro cultivo. No segundo cultivo destacaram-se as coberturas com plástico, sendo que menor número de folhas foi verificado para os tratamentos com excesso de palha e com palha de plantas espontâneas.

Com base nos resultados obtidos, é possível concluir que o excesso de palha do milheto dessecado tardiamente promove drástica redução no estande da alface, o que reflete em queda na produtividade. Todavia, quando dessecado aos 42 DAE (10 t/ha de palha) promove boa produtividade da alface e cobertura do solo nesta época de cultivo, além dos benefícios em termos de controle da erosão e redução de custo para preparo de solo para o segundo cultivo. No primeiro cultivo, provavelmente as altas temperaturas promoveram redução do estande da cultura nos tratamentos com mulching plástico, o que foi mais pronunciado no manejo sem canteiro. No segundo cultivo não houve diferença na produtividade em relação ao manejo com ou sem canteiro no tratamento com o mulching plástico, o que pode ser atribuído à época de final do verão, onde as temperaturas foram ligeiramente menores.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro da FAPESP (Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para a realização deste trabalho.

  • ANDRADE JÚNIOR VC; YURI JE; NUNES UR; PIMENTA FL; MATOS CSM; FLORIO FCA; MADEIRA DM. 2005. Emprego de tipos de cobertura de canteiro no cultivo da alface. Horticultura Brasileira 23: 899-903.
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  • FERREIRA RLF; ARAÚJO NETO SE; SILVA SS; ABUD EA; REZENDE MIFL; KUSDRA JF. 2009. Combinações entre cultivares, ambientes, preparo e cobertura do solo em características agronômicas de alface. Horticultura Brasileira 27: 383-388.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2014
  • Aceito
    24 Mar 2015
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