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Amiloidose renal em cão Shar-Pei: Relato de Caso

Renal amyloidosis in a Shar-Pei dog: A case report

Resumos

O presente relato descreve os achados clínicos e anatomopatológicos de um caso de amiloidose renal em um cão macho de nove anos da raça Shar-Pei. O animal apresentava quadro clínico de esporotricose e de insuficiência renal e exames positivos para erlichiose e leishmaniose. No dia anterior ao óbito, o cão apresentou apatia, desidratação e anúria. À necropsia foram observados inúmeros pontos milimétricos esbranquiçados localizados no córtex renal e hepatização do lobo diafragmático esquerdo. O achado histológico mais importante foi deposição de material eosinofílico, amorfo e acelular localizado nos tufos glomerulares que se corou positivamente pelo vermelho congo (amilóide). Observaram-se nefrite supurada multifocal, espessamento da cápsula de Bowman e broncopneumonia supurada crônica, com fibrose intensa. A origem da amiloidose, no presente caso, poderia ser hereditária, assemelhando-se à amiloidose familiar descrita em cães da raça Shar-Pei, ou ser devida à inflamação supurada crônica e/ou leishmaniose.

Cão; amiloidose; rins; Shar-Pei


The clinical and pathological findings of a case of renal amyloidosis in a nine-year-old male Shar-Pei dog were described. Clinically, there were signs of sporotrichosis and renal insufficiency, besides being positive to leishmaniasis and ehrlichiosis. On the day before death, the animal became apathetic, dehydrated and anuric. On gross examination, there were several whitish millimetric spots seen widespread in both renal cortices and consolidation of the left diaphragmatic pulmonary lobe. The most important microscopic finding was a deposition of amorphous acellular material on the glomerular tufts which stained positively by congo red stain. Other changes were multifocal suppurative nephritis, thickening of the Bowman capsule and chronic suppurative bronchopneumonia. The origin of the amyloidosis in this case could be hereditary, being similar to familiar amyloidosis described in Shar-Pei breed, or due to chronic suppurative inflammation and/or leishmaniasis.

Dog; amyloidosis; kidneys; Shar-Pei


Amiloidose renal em cão Shar-Pei: Relato de Caso

[Renal amyloidosis in a Shar-Pei dog: A case report]

J.L. Reis Jr., F.L. Silva, M.A. Rachid, R.H.G. Nogueira* * Autor para correspondência E-mail: giraorh@vet.ufmg.br

Escola de Veterinária da UFMG

Caixa Postal 567

30123-970 - Belo Horizonte, MG

Recebido para publicação, após modificações, em 4 de maio de 2001.

RESUMO

O presente relato descreve os achados clínicos e anatomopatológicos de um caso de amiloidose renal em um cão macho de nove anos da raça Shar-Pei. O animal apresentava quadro clínico de esporotricose e de insuficiência renal e exames positivos para erlichiose e leishmaniose. No dia anterior ao óbito, o cão apresentou apatia, desidratação e anúria. À necropsia foram observados inúmeros pontos milimétricos esbranquiçados localizados no córtex renal e hepatização do lobo diafragmático esquerdo. O achado histológico mais importante foi deposição de material eosinofílico, amorfo e acelular localizado nos tufos glomerulares que se corou positivamente pelo vermelho congo (amilóide). Observaram-se nefrite supurada multifocal, espessamento da cápsula de Bowman e broncopneumonia supurada crônica, com fibrose intensa. A origem da amiloidose, no presente caso, poderia ser hereditária, assemelhando-se à amiloidose familiar descrita em cães da raça Shar-Pei, ou ser devida à inflamação supurada crônica e/ou leishmaniose.

Palavras-chave: Cão, amiloidose, rins, Shar-Pei

ABSTRACT

The clinical and pathological findings of a case of renal amyloidosis in a nine-year-old male Shar-Pei dog were described. Clinically, there were signs of sporotrichosis and renal insufficiency, besides being positive to leishmaniasis and ehrlichiosis. On the day before death, the animal became apathetic, dehydrated and anuric. On gross examination, there were several whitish millimetric spots seen widespread in both renal cortices and consolidation of the left diaphragmatic pulmonary lobe. The most important microscopic finding was a deposition of amorphous acellular material on the glomerular tufts which stained positively by congo red stain. Other changes were multifocal suppurative nephritis, thickening of the Bowman capsule and chronic suppurative bronchopneumonia. The origin of the amyloidosis in this case could be hereditary, being similar to familiar amyloidosis described in Shar-Pei breed, or due to chronic suppurative inflammation and/or leishmaniasis.

Keywords: Dog, amyloidosis, kidneys, Shar-Pei.

INTRODUÇÃO

O termo amiloidose é usado para descrever um grupo de doenças que se caracteriza pela deposição extracelular de material eosinofílico, amorfo, de natureza protéico-fibrilar (DiBartola et al., 1990). Esse material pode se acumular em diversos órgãos e tecidos, especialmente nas membranas basais, causando compressão de células parenquimatosas e comprometimento do suprimento sangüíneo (Jones et al., 1997).

A proteína encontrada na amiloidose pode conter fragmentos da cadeia leve de imunoglobulinas derivadas de plasmócitos, conhecida como proteína de cadeia leve (AL). O outro tipo descrito é a proteína amilóide associada (AA), que não é derivada de imunoglobulinas, mas sim de uma proteína precursora, conhecida como proteína-soro-amilóide associada (SAA), sintetizada pelo fígado em resposta a lesões teciduais (Jones et al., 1997).

A amiloidose pode ser primária, quando ocorre devido à produção de imunoglobulinas anormais como conseqüência de discrasias de plasmócitos (Jones et al., 1997). A secundária ou reativa, que é o tipo mais freqüente, está associada a processos inflamatórios crônicos como blastomicose, lúpus eritematoso sistêmico (Slauson et al., 1970; DiBartola et al., 1990), poliartrite reumatóide, tuberculose (Slauson et al., 1970), leishmaniose (George et al., 1976) e também a doenças neoplásicas (DiBartola et al., 1990).

Amiloidose tem sido associada à senilidade (DiBartola et al., 1989) e também a fatores hereditários (amiloidose familiar), já tendo sido observada em seres humanos, em algumas raças de cães, como o Shar-Pei (DiBartola et al.,1990), e de gatos, como o Abyssinian (Boyce et al., 1984).

O objetivo deste trabalho é relatar os achados clínicos e anatomopatológicos de um caso de amiloidose renal em um cão macho, de nove anos de idade, da raça Shar-Pei.

CASUÍSTICA

De acordo com o histórico, houve suspeita clínica de esporotricose quando o animal tinha aproximadamente sete anos, tendo sido submetido a tratamento com cetoconazol (Cetoconazol, Neo-Química) por oito meses, durante o qual apresentou sinais de complicação renal. Após esse período houve vários episódios de recorrência das feridas cutâneas, sendo repetido o tratamento com cetoconazol.

Nessa mesma época o cão apresentou resultado positivo para erlichiose em esfregaço sangüíneo, tendo sido submetido a tratamento com cloridrato de oxitetraciclina (Terramicina, Laboratórios Pfizer Ltda) e propionato de imidocarb (Imizol, Pitman-Moore Brasil Ltda) por aproximadamente um mês. Em seguida foi realizada sorologia para leishmaniose visceral com resultado positivo (1:160). O animal foi inicialmente tratado com flunixin meglumine (Banamine, Schering-Plough Veterinária) e allopurinol (Allopurinol, Asta Medica) por 28 dias. Após um intervalo de aproximadamente cinco meses, foi instituída terapia com anfotericina B (Amphocil, Zeneca) e allopurinol que foi suspensa devida à elevação da taxa de creatinina sérica. Após um intervalo de quatro meses, foi novamente submetido a terapia com flunixin meglumine e allopurinol. Nesse período a taxa de creatinina apresentava-se elevada (1,7 mg/dl) e nos dias subseqüentes o animal apresentou apatia que evoluiu para desidratação e anúria. Foi então instituída fluidoterapia parenteral (Ringer lactato) e administrada uma dose maciça de furosemida (Lasix, Hoechst Marion Roussel), porém o resultado não foi o esperado. Pouco tempo depois o animal morreu.

À necropsia observaram-se inúmeros pontos milimétricos, esbranquiçados na córtex renal, e hepatização do lobo pulmonar diafragmático esquerdo.

Para exame histológico foram colhidos fragmentos de pulmões, coração, rins, fígado, baço e intestino delgado, os quais foram fixados em formalina tamponada a 10%, incluídos em parafina e corados pela técnica de hematixilina/eosina. Cortes histológicos de fígado e rins foram corados pela técnica de vermelho congo (Luna, 1968).

À microscopia, os rins apresentavam deposição de material amorfo, eosinofílico, acelular e de aspecto vítreo nos glomérulos (Fig. A), que se corava em róseo pelo vermelho congo, confirmando tratar-se de amilóide (Fig. B). Observou-se também espessamento da cápsula de Bowman (Fig. B), além da presença de cilindros hialinos no interior de alguns túbulos renais. Havia nefrite supurada multifocal (Fig. A), focos de fibrose no interstício e congestão moderada da região medular. No baço observou-se depleção dos elementos linfóides. Os pulmões apresentavam broncopneumonia supurada crônica com intensa fibrose. Havia também enterite linfoplamocitária moderada e no coração, espessamento moderado da íntima das arteríolas e hemorragias subendocárdicas focais.



DISCUSSÃO

A amiloidose secundária ou reativa está associada a processos infecciosos, doenças inflamatórias crônicas ou neoplasias (George et al., 1976). Apesar da patogenia dessa afecção ainda apresentar alguns pontos obscuros, acredita-se que deva ser devido à produção prolongada da proteína SAA pelo fígado, em resposta a danos teciduais e/ou à sua degradação defeituosa na circulação, por meio de fagócitos mononucleares, levando à deposição tecidual dessa proteína na forma insolúvel (Jones et al., 1997).

A amiloidose renal possui grande significado clínico pelo fato de causar doença renal crônica irreversível e síndrome nefrótica. Nestas situações, não ocorre regeneração efetiva dos néfrons lesados devido à deposição progressiva de amilóide nos glomérulos com conseqüente fibrose (Osborne et al., 1969; Slauson et al., 1970; Watson, 1971; Clements et al., 1995).

É importante salientar que cães da raça Shar-Pei podem apresentar predisposição para o desenvolvimento de amiloidose. Segundo DiBartola et al. (1990), que relataram a presença de amilóide em 14 cães dessa raça, a amiloidose teria um caráter hereditário (amiloidose familiar), semelhante ao que ocorre no homem (Loeven et al., 1994).

Além disso, pode ocorrer desenvolvimento de amiloidose renal do tipo reativa, como conseqüência de broncopneumonia e/ou leishmaniose. George et al. (1976) também relataram associação de amiloidose glomerular e leishmaniose visceral.

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  • *
    Autor para correspondência
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2002
    • Data do Fascículo
      Ago 2001

    Histórico

    • Recebido
      04 Maio 2001
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