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Ocorrência de bactérias do gênero Aeromonas em queijo-de-minas frescal artesanal

Occurrence of the genus Aeromonas in minas frescal cheese

Resumos

Foram analisadas 160 amostras de queijo-de-minas frescal artesanal, adquiridas no comércio varejista dos municípios de Poços de Caldas - MG e Jaboticabal - SP, a fim de verificar a ocorrência de bactérias do gênero Aeromonas no produto. Oitenta e duas (51,2%) encontravam-se contaminadas pelos microrganismos, com populações que variavam de 5,0×10³ a 4,0×10(5) UFC/grama. Foram identificadas as espécies Aeromonas hydrophila, Aeromonas caviae, Aeromonas schubertii, além de cepas consideradas atípicas. Os resultados evidenciam que bactérias do gênero Aeromonas podem ser veiculadas através do queijo tipo minas frescal artesanal e devem servir de alerta aos serviços de saúde pública.

Aeromonas; queijo-de-minas frescal; artesanal


One hundred and sixty samples of homemade minas frescal cheese, obtained at the retail trade in the municipalities of Poços de Caldas-MG and Jaboticabal-SP, were analyzed for occurrence of the genus Aeromonas. Eighty two samples (51.2%) were contaminated by these microorganisms with populations that ranged from 5.0 x 10³ to 4.0 x 10(5) CFU/g. The species Aeromonas hydrophila, Aeromonas caviae, Aeromonas schubertii, were identified, along with atypical strains. The results show that Aeromonas bacteria genus can be transmitted through the homemade minas frescal cheese and they should serve of alert to the public health services.

Aeromonas; minas frescal cheese; homemade cheese


Ocorrência de bactérias do gênero Aeromonas em queijo-de-minas frescal artesanal

[Occurrence of the genus Aeromonas in minas frescal cheese]

C.C.C. Bulhões1, O.D. Rossi Júnior2

1Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária

Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP-Jaboticabal

2Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP-Jaboticabal

Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, km 05

14884-900 - Jaboticabal - SP

Recebido para publicação em 31 de agosto de 2001

Recebido para publicação, após modificações, em 25 de março de 2002

E-mail: rossijr@fcav.unesp.br

RESUMO

Foram analisadas 160 amostras de queijo-de-minas frescal artesanal, adquiridas no comércio varejista dos municípios de Poços de Caldas - MG e Jaboticabal - SP, a fim de verificar a ocorrência de bactérias do gênero Aeromonas no produto. Oitenta e duas (51,2%) encontravam-se contaminadas pelos microrganismos, com populações que variavam de 5,0×103 a 4,0×105 UFC/grama. Foram identificadas as espécies Aeromonas hydrophila, Aeromonas caviae, Aeromonas schubertii, além de cepas consideradas atípicas. Os resultados evidenciam que bactérias do gênero Aeromonas podem ser veiculadas através do queijo tipo minas frescal artesanal e devem servir de alerta aos serviços de saúde pública.

Palavras-chave: Aeromonas, queijo-de-minas frescal artesanal

ABSTRACT

One hundred and sixty samples of homemade minas frescal cheese, obtained at the retail trade in the municipalities of Poços de Caldas-MG and Jaboticabal-SP, were analyzed for occurrence of the genus Aeromonas. Eighty two samples (51.2%) were contaminated by these microorganisms with populations that ranged from 5.0 x 103 to 4.0 x 105 CFU/g. The species Aeromonas hydrophila, Aeromonas caviae, Aeromonas schubertii, were identified, along with atypical strains. The results show that Aeromonas bacteria genus can be transmitted through the homemade minas frescal cheese and they should serve of alert to the public health services.

Keywords: Aeromonas, minas frescal cheese, homemade cheese

INTRODUÇÃO

A maioria dos casos de toxinfecção alimentar no homem é atribuída à Salmonella sp., Staphylococcus aureus e Clostridium perfringens. Sabe-se contudo que uma porção substancial dos casos é determinada por espécies não rotineiramente avaliadas durante a investigação de surtos.

Nos últimos anos houve crescente interesse em identificar as causas de gastrenterites humanas, e particularmente, estudar o papel das enterotoxinas e de outros fatores de virulência que induzem uma resposta na forma de doença. Isso tem proporcionado expansão da lista de bactérias classificadas como potenciais causadoras de toxinfecção alimentar, entre elas as do gênero Aeromonas (Buchanan & Palumbo, 1985), as quais têm recebido atenção como possíveis novos enteropatógenos, comprovadamente implicados como agente de gastrenterites humanas (Buchanan, 1984; Nandari & Bottone, 1990; Reina et al., 1991; Wadstrom & Ljung, 1991; Ghanem et al., 1993)

A maioria dos estudos referentes às gastrenterites causadas por Aeromona spp. estabelece a água como principal veículo de transmissão do agente (Seidler et al., 1980; Neves et al., 1990), considerando-a como importante via de contaminação dos alimentos (Callister & Agger, 1987).

O leite cru, que no Brasil é produzido em situações de higiene nem sempre adequadas, pode representar sério risco à saúde pública por utilizar água não tratada na sua fabricação. Esse problema é agravado pela sua comercialização informal (clandestino) ou a de seus subprodutos, particularmente o queijo-de-minas frescal artesanal.

Produzido e comercializado clandestinamente ele é muito comum nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. É um produto de massa macia, não submetido à pasteurização e à cura. Seu alto teor de água, aliado à quase sempre deficientes condições higiênicas de processamento, manipulação, transporte e estocagem, o tornam bastante susceptível a microrganismos patogênicos e deteriorantes.

O presente trabalho foi realizado com os objetivos de determinar a ocorrência de diferentes espécies e a população de bactérias do gênero Aeromonas em queijo-de-minas frescal artesanal comercializado nos municípios de Poços de Caldas, MG e Jaboticabal, SP.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisadas 160 amostras de queijo-de-minas frescal artesanal, colhidas em diferentes pontos de venda no comércio varejista dos municípios de Poços de Caldas, MG e Jaboticabal, SP, 80 unidades em cada cidade, objetivando a maior representatividade possível da situação de comercialização informal do produto.

As amostras (700 gramas) foram colhidas e embaladas na sua forma tradicional de venda, ou seja, sacos plásticos comuns, lacrados com fecho metálico, sem qualquer identificação. Acondicionadas em caixas de material isotérmico contendo cubos de gelo, foram transportadas para o laboratório de microbiologia de alimentos de origem animal do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Câmpus de Jaboticabal, UNESP, onde se realizaram as análises microbiológicas.

O enriquecimento seletivo das amostras de queijos foi realizado pela incubação a 28oC por 24 horas de um homogeneizado de 10 gramas da amostra em 90 ml de caldo tripticase soja (TSB), adicionado de ampicilina (30 mg/l) (Abeyta Junior et al., 1990).

Alíquotas das culturas de enriquecimento foram semeadas, com auxílio de alça de níquel-cromo, em ágar vermelho de fenol-amido-ampicilina (Majeed et al., 1990; Palumbo et al., 1985) e em ágar dextrina-ampicilina (Havelaar & Vonk, 1988). Após incubação à 28oC por 24 horas, cinco colônias sugestivas, ou seja, grandes e circundadas por um halo amarelo de hidrólise do amido ou da dextrina, foram semeadas em ágar tríplice-açúcar-ferro (TSI) e submetidas às provas de motilidade, catalase e oxidase, seguindo esquema adotado por Popoff (1984), Neves et al. (1990) e Hudson & Lacy (1991).

A caracterização das espécies foi realizada seguindo o esquema proposto por Popoff (1984) acrescido de outras provas recomendadas por Abeyta Junior et al. (1990), isto é: produção de indol, hidrólise de esculina e de arginina, descarboxilação de ornitina, produção de ácido a partir de inositol, fermentação de salicina, de sacarose, de manitol e de arabinose, e produção de acetoína (VP) e de gás a partir da glicose.

As cepas que apresentaram reação distinta da classificação proposta por Popoff (1984) em apenas uma prova bioquímica foram classificadas como atípicas, conforme adotado por Majeed et al. (1989).

As contagens foram realizadas em ágar dextrina ampicilina, através da semeadura em superfície de volumes de 0,2 ml de diluições decimais de cada amostra em água peptonada a 0,1%. Após incubação a 28oC por 24 horas foram contadas colônias características e até cinco delas submetidas às provas de motilidade, catalase e oxidase para confirmação do gênero (Popoff, 1984).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As Tab. 1 e 2 apresentam o número de amostras positivas para o gênero Aeromonas nos dois municípios pesquisados. O número de amostras positivas foi de 82 (51,2%) (Tab. 3). Estes resultados foram superiores aos encontrados por Freitas et al. (1993), que obtiveram positividade em 32% das amostras de queijo fresco colhidas em supermercados no Rio de Janeiro, e por Pin et al. (1994), que detectaram baixa ocorrência (20,0%) em amostras de leite cru e em queijos. Percentuais inferiores de amostras positivas foram também encontrados por Melas et al. (1999) na Grécia, de 10,2% e 8,3% em queijos dos tipos "Anthotyros" e "Manouri", respectivamente. Esses últimos autores consideram que a contaminação ocorre após o processamento dos queijos, pois no seu processo de elaboração são alcançadas temperaturas de 82 a 92oC por até 30 minutos, letal às espécies de aeromonas. Na elaboração do queijo tipo minas frescal artesanal não são atingidas essas temperaturas elevadas, o que sugere que a contaminação que se inicia durante a obtenção do leite (Kirov et al., 1993b), pode se estender durante todo o processamento, justificando o elevado percentual de amostras positivas encontrado no presente estudo.

O percentual de amostras positivas pouco variou segundo o local de colheita. Os valores foram de 58,3 a 60,7% nos estabelecimentos de Poços de Caldas, e de 41,6 a 50,0% nos de Jaboticabal. Isso permite concluir que o tipo de estabelecimento comercial apresenta pouca influência sobre o número de amostras positivas.

Quanto à população de Aeromona spp., verifica-se que em Poços de Caldas ela variou de 5,0×103 a 4,3×104 UFC/grama, e em Jaboticabal de 3,4×104 a 4,0×105 UFC/grama. Variações entre 1,0×102 e 5,0×105 UFC/grama encontradas em diferentes produtos foram descritas por Callister & Agger (1987) e por Palumbo et al. (1985). Particularmente no leite cru, Melas et al. (1999) encontraram população variando de 3,0×102 a 5,0×103 UFC/grama.

Alguns estudos demonstram que as bactérias do gênero Aeromonas a 5oC são capazes de quadruplicar sua população em curto espaço de tempo, indicando crescimento psicrotrófico competitivo em grande variedade de alimentos, incluindo o leite cru (Palumbo et al., 1989; Kirov et al.; 1993a; Kirov et al., 1993b). Essas informações são confirmadas pelo presente estudo que mesmo em queijos mantidos sob refrigeração são encontradas populações elevadas de aeromonas. É importante ressaltar que cepas de Aeromonas hydrophila mantidas sob temperatura de refrigeração (5oC), comumente utilizada no armazenamento e conservação de alimentos perecíveis, são capazes de produzir enterotoxinas e hemolisinas (Majeed et al., 1990).

Dentre as espécies encontradas (Tab. 3) em Poços de Caldas citam-se Aeromonas hydrophila, Aeromonas caviae, Aeromonas schubertii e cepas consideradas atípicas. Em Jaboticabal, A. hydrophila, A. caviae e cepas atípicas. É importante salientar que não foram encontradas cepas da espécie A. sobria comum em grande parte dos alimentos de origem animal. A espécie A. schubertii é considerada de baixa ocorrência. Alguns estudos consideram as espécies A. hydrophila, A. sobria e A. caviae predominantes dentre as espécies isoladas de leite e sub-produtos (Kirov et al., 1993b; Santos et al., 1996).

Os resultados evidenciam que bactérias do gênero Aeromonas podem ser veiculadas através do queijo tipo minas frescal artesanal, produto largamente consumido pela população brasileira. Os resultados devem também servir de alerta aos serviços de saúde pública, tendo em vista que esses microrganismos podem se multiplicar em produtos refrigerados. Além de diminuir a qualidade do produto contaminado, a presença dos microrganismos coloca em risco a saúde do consumidor, principalmente pela presença da espécie A. hydrophila, considerada a de maior potencial patogênico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2002
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