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Efeito da endogamia sobre a maturidade sexual e fecundidade do escargot da espécie Helix aspersa

Effect of inbreeding on sexual maturity and fertility of edible snail Helix aspersa

Resumos

Estudou-se o efeito da endogamia sobre a maturidade sexual e fecundidade de escargot da espécie Helix aspersa, em três gerações consecutivas de irmãos perfeitos. Os animais foram criados em laboratório com temperatura entre 20 e 25ºC e umidade relativa entre 70 e 90%. O efeito da endogamia foi negativo para as duas características. Quando o valor de F aumentou de 0,25 para 0,50, o percentual de animais sexualmente maduros aos 120 dias diminuiu de 59 para 18% e o número de animais nascidos por postura diminuiu de 94 para 53. Para evitar o efeito negativo, recomenda-se o início de uma criação com pelo menos 100 reprodutores não aparentados, introduzindo-se novas matrizes após a 10ª geração.

Helix aspersa; escargot; endogamia; reprodução


The effect of inbreeding on two reproductive traits (number of birth per clutch and percentage of sexually mature animals per clutch) on three consecutive generations of full sibs of edible snail raised under laboratory conditions (20-25ºC temperature; 70-90% relative humidity) was studied. Inbreeding effect was negative for both traits. When F values increased from 0.25 to 0.50, percentages of sexually mature animals after 120 days from birth, decreased from 59 to 18% and the number of birth per clutch decreased from 94 to 53. Population size of at least 100 non related mating snail replaced after 10 generations to avoid inbreeding effect is recommended.

Helix aspersa; edible snail; inbreeding; reproduction


ZOOTECNIA E TECNOLOGIA E INSPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL

Efeito da endogamia sobre a maturidade sexual e fecundidade do escargot da espécie Helix aspersa

Effect of inbreeding on sexual maturity and fertility of edible snail Helix aspersa

E.D.R. SoaresI; J.L.A. ArmadaII; H.D. SilvaII; M.B. PereiraII; G.R. LeitãoII; P.C.N. AzevedoII

IAluna de doutorado do curso de Pós-graduação em Fitotecnia da UFRRJ Rodovia BR 465, km 7 23890-000 - Seropédica, RJ

IIDepartamento de Genética da UFRRJ

RESUMO

Estudou-se o efeito da endogamia sobre a maturidade sexual e fecundidade de escargot da espécie Helix aspersa, em três gerações consecutivas de irmãos perfeitos. Os animais foram criados em laboratório com temperatura entre 20 e 25oC e umidade relativa entre 70 e 90%. O efeito da endogamia foi negativo para as duas características. Quando o valor de F aumentou de 0,25 para 0,50, o percentual de animais sexualmente maduros aos 120 dias diminuiu de 59 para 18% e o número de animais nascidos por postura diminuiu de 94 para 53. Para evitar o efeito negativo, recomenda-se o início de uma criação com pelo menos 100 reprodutores não aparentados, introduzindo-se novas matrizes após a 10a geração.

Palavras-chave:Helix aspersa, escargot, endogamia, reprodução

ABSTRACT

The effect of inbreeding on two reproductive traits (number of birth per clutch and percentage of sexually mature animals per clutch) on three consecutive generations of full sibs of edible snail raised under laboratory conditions (20-25ºC temperature; 70-90% relative humidity) was studied. Inbreeding effect was negative for both traits. When F values increased from 0.25 to 0.50, percentages of sexually mature animals after 120 days from birth, decreased from 59 to 18% and the number of birth per clutch decreased from 94 to 53. Population size of at least 100 non related mating snail replaced after 10 generations to avoid inbreeding effect is recommended.

Keywords:Helix aspersa, edible snail, inbreeding, reproduction

INTRODUÇÃO

A criação de escargot no Brasil teve início na região Sul na época da colonização do País pelos imigrantes italianos. O mercado atual do molusco encontra-se em expansão, podendo ser utilizado não só na alimentação como também nas indústrias de cosméticos e farmacológica. São escassos os estudos sobre a cultura dessa espécie, principalmente quanto ao melhoramento genético com a finalidade de se obter estírpes mais adaptadas às condições ambientais do País e de maior valor produtivo e reprodutivo.

Lazaridou-Dimitriadou et al. (1998), ao estudarem a maturidade sexual do escargot da espécie Helix aspersa durante sete gerações sucessivas, observaram que os animais da geração G1 atingiram-na aos quatro meses de idade, e os da geração G5 alcançaram o tamanho adulto mais tardiamente e, em conseqüência, a postura ocorreu mais tarde, sugerindo que a endogamia poderia ter influência sobre essa característica.

Estudos realizados por Albuquerque de Matos e Serra (1984) demonstraram que a fecundidade e a fertilidade do escargot tenderam a diminuir com o aumento da endogamia. Albuquerque de Matos (1989) afirmou que o acasalamento endogâmico produziu efeitos deletérios que se manifestaram na fecundidade, fertilidade e viabilidade em acasalamentos sucessivos entre irmãos durante três ou quatro gerações em H. aspersa.

Este trabalho teve como objetivo estudar o efeito da endogamia sobre a maturidade sexual e fecundidade em uma população de escargots da espécie H. aspersa durante três gerações sucessivas e estimar os riscos econômicos causados pela endogamia.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi desenvolvido no laboratório de genética animal do Departamento de Genética da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A temperatura da sala de criação foi mantida por meio de um aparelho de ar refrigerado entre 20 e 25ºC e a umidade relativa entre 70 e 90% com a utilização de um umidificador artesanal.

Os animais foram mantidos em caixas de polietileno com dimensões de 22,4×14,7×11,4cm e 48×32×18cm para reprodução e crescimento, respectivamente. Diariamente eram verificadas a ração, a água e a fonte de cálcio. A ração foi à base de uma mistura balanceada composta por milho, farelo de soja, premix vitamínico, calcário, óleo vegetal, fosfato bicálcio e farinha de ostra (Soares, 2001).

A população base, G0, foi constituída de animais adultos, provenientes de criadores da região de Nova Friburgo, RJ. Dessa população foram retirados ao acaso, e colocados em caixas de reprodução, animais virgens com pesos entre 6 e 7 gramas, os quais formaram 15 pares considerados como "casais". A descendência de cada casal formou uma família de irmãos perfeitos (G1).

Para a reprodução na G1 foram retirados, ao acaso, e colocados em caixas individuais dois casais de cada uma das 15 famílias de irmãos perfeitos. A descendência de cada casal constituiu uma família endogâmica e todas, no conjunto, formaram a geração 2 (G2). Para a reprodução na G2 e na G3 foram retirados, ao acaso, respectivamente, 22 e 16 casais provenientes das famílias que produziram prole.

Na G1, os animais eclodidos foram mantidos na mesma caixa de crescimento. Isso provocou crescimento em diferentes densidades populacionais, já que o número de animais eclodidos varia muito de uma postura para outra.

Embora as densidades (100 a 200 animais/m2) estivessem dentro da recomendada por Jess e Marks (1995), observou-se que, para as condições do experimento, houve efeito significativo de densidade. Diante disso, os dados da G1 não foram utilizados para evitar o efeito da densidade populacional, o que certamente comprometeria os resultados deste trabalho.

De G2, G3 e G4 foram retirados ao acaso 30 animais de cada postura entre 8 e 10 dias após eclosão, e colocados em caixa de crescimento (0,60m2), onde permaneceram até completarem 120 dias de idade.

O coeficiente de endogamia (F) foi obtido de acordo com a equação usada para acasalamentos contínuos entre irmãos perfeitos (Briquet Jr., 1967). Assim, foram determinados os níveis de endogamia para cada geração, sendo: G0 e G1 igual a zero; G2= 25%; G3= 37,5% e G4= 50%. Analisaram-se os dados das gerações G2, G3 e G4 de apenas sete famílias, pois as demais foram perdidas com o aumento da endogamia. Dessa forma, a geração G2 foi utilizada como o controle da G3 e esta como controle da G4 para fins de comparação com relação ao aumento da endogamia.

Para testar a homogeneidade da variância e a normalidade dos dados utilizou-se o teste de COCHRAN e LILLIEFORS respectivamente com o uso do programa SAEG 5.0.

Os dados da característica fecundidade (número de animais nascidos por postura), por não apresentarem distribuição normal, foram transformados de acordo com a equação X'= (x+1)(1/2). Fez-se análise da variância no delineamento experimental inteiramente ao acaso, com fatorial 3×7 (gerações ´ famílias), com duas repetições.

A característica maturidade sexual foi avaliada como o percentual de animais sexualmente maduros aos 120 dias de vida, ou seja, aqueles com a borda da concha virada nessa idade. Para estes dados utilizou-se o teste do qui-quadrado em tabela de contingência.

Para cada característica foram feitas análises de regressão linear de acordo com o modelo matemático Yij=µ+b xi+Eij, em que: Yij=valor observado; µ=coeficiente linear; b=coeficiente angular e Eij=erro experimental.

As análises de variância e de regressão e o teste de médias foram feitos por meio do programa ESTJABOT (Sistema para análise estatística V 1.0, UNESP). Para comparação das médias utilizou-se o teste Tukey com 5% de significância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O percentual de maturidade sexual determinado aos 120 dias de vida foi de 59% na G2, mas diminuiu significativamente, com o aumento da endogamia, para 29% e 18% em G3 e G4, respectivamente. Pelo teste do qui-quadrado (c2) foi observada diferença significativa entre G2, G3 e G4, c2=120,30 (P<0,001). Quando se desdobrou o teste para comparar G2 com G3+G4, o valor do c2 foi de 108,35 (P<0,001) e para a comparação G3 com G4, c2=11,20 (P<0,001).

Foi observado que parte dos animais que não atingiram a maturidade aos 120 dias de vida em G4, o fizeram mais tardiamente, chegando em alguns casos a 270 dias de vida. A diminuição no percentual da maturidade sexual com o aumento da endogamia pode ser atribuída à menor taxa de crescimento dos animais como conseqüência do aumento da homozigose. Estes resultados estão de acordo com os obtidos por Lazaridou-Dimitriadou et al. (1998).

O coeficiente de regressão para o percentual de maturidade sexual (R2= 0,94) aos 120 dias de vida mostrou que a depressão foi de 1,64% para cada 1% de aumento no coeficiente de endogamia. O decréscimo entre as gerações foi aproximadamente duas vezes entre G2/G3, 1,6 vezes entre G3/G4 e três vezes entre G2/G4.

Quanto à fecundidade, nas três gerações endogâmicas houve diferença significativa (P<0,05) entre as famílias e entre as gerações, enquanto que a interação família ´ geração não foi significativa (P>0,05). O coeficiente de variação foi de 12,6%.

A Tab. 1 mostra redução na média do número de animais nascidos de todas as famílias em G3 e G4, porém a depressão endogâmica não foi significativa em nenhuma das famílias nas respectivas gerações, provavelmente atribuída ao pequeno número de graus de liberdade da média das famílias. Também observou-se redução quando se comparou a média total das sete famílias nas diferentes gerações. Neste caso, a depressão foi significativa apenas para o contraste G2 com G4. Apesar desse teste mostrar que G3 não diferiu das demais gerações, a regressão na análise de variância mostrou diminuição linear (R2= 0,989) no número de animais nascidos com o aumento do coeficiente de endogamia.

Tabela 1
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A depressão endogâmica observada na fecundidade foi aproximadamente 1,65 animais para cada 1% de aumento no coeficiente de endogamia, tornando-se evidente que as famílias continham genótipos com alto grau de heterozigose, o que, em conjunto com genes dominantes, teria levado à ocorrência de depressão. Lazaridou-Dimitriadou et al. (1998) observaram que a endogamia pode exercer um papel importante na fecundidade mesmo quando cada geração provém do acasalamento entre animais originados de posturas diferentes na geração anterior. Da mesma forma, Albuquerque de Matos e Serra (1984) mostraram que a fecundidade tende a diminuir com o aumento da endogamia, pelo acasalamento entre irmãos. Esses autores observaram em cada geração valores médios de: G0= 158,8, G1= 101,33, G2= 79,86 e G3= 44,67 filhos. Esses valores foram menores do que os observados neste trabalho quando comparados com as gerações correspondentes, provavelmente devido às diferenças na constituição genética inicial de cada população e no ambiente.

Foram feitas simulações para as características estudadas supondo sete diferentes grupos de animais, cada grupo simulando um plantel, iniciado e mantido com número fixo de animais, inicialmente diferentes, não aparentados e não endogâmicos. Foram simulados plantéis com 10, 30, 50, 70, 90, 100 e 110 indivíduos, com acasalamento ao acaso dentro do grupo, durante 10 gerações sucessivas, sempre com o mesmo número de indivíduos.

Os níveis de endogamia para cada grupo e gerações foram obtidos pela equação apresentada por Falconer (1989).

Um vez que as médias de cada característica tem comportamento linear em relação ao coeficiente de endogamia (Falconer, 1989), foi possível efetuar as simulações para as características por meio da relação entre os coeficientes de endogamia calculados para cada grupo de animais e os valores de depressão por endogamia dessas características.

Com base nos valores obtidos para a depressão por endogamia das características estudadas, pode-se afirmar que o valor de endogamia de 5% já é suficiente para causar prejuízos econômicos aos helicicultores. Assim, com base na simulação feita, verificou-se que em criações mantidas com 10 reprodutores, o prejuízo com a endogamia iniciou-se na primeira geração, prevendo-se diminuição de 8,2% no número de animais que atingiram a maturidade sexual e de 6,15% na fecundidade. Nas criações com 100 reprodutores esse mesmo nível de endogamia só é atingido na 10a geração, com perda de 8,0% na maturidade sexual e 6,0% na fecundidade.

Estes resultados confirmam as recomendações feitas por Albuquerque de Matos e Serra (1984) de que o número mínimo recomendado para o início desta atividade é de 100 reprodutores.

Pode-se concluir que houve redução do percentual de animais com maturação sexual aos 120 dias de idade na ordem de 65% e redução na média da fecundidade por postura de 94 para 53 animais, quando o grau de endogamia aumentou de 25% para 50%, apontando algumas recomendações sobre o manejo reprodutivo de H. aspersa: 1- para criatórios iniciados com 100 reprodutores, introduzir matrizes provenientes de outros produtores a cada 10 gerações, ou seja, a cada cinco anos (considerando-se duas gerações ao ano); 2- ao iniciar um criatório com mínimo de 50 reprodutores não aparentados, introduzir animais oriundos de outros criatórios, com origens genéticas diferentes, a cada cinco gerações, ou a cada dois anos e meio; 3- monitorar o parentesco dos animais destinados à reprodução nas populações, direcionando os acasalamentos com o intuito de manter baixo o nível de endogamia.

AGRADECIMENTOS

Ao Curso de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFRRJ pelo apoio, e à Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pela bolsa de estudo concedida à primeira autora.

Recebido para publicação em 26 de março de 2002

Recebido para publicação, após modificações, em 16 de julho de 2003

E-mail: armada@ufrrj.br

  • Albuquerque de Matos, R.M. Contributions of genetics to snail farming and conservation. In: Slugs and snails in world agriculture. BCPC Monograph, v.41, p.11-18, 1989.
  • Albuquerque de Matos, R.M.; Serra, J.A. Taxonomic polymorphism and intrinsic factors in Helix aspersa Brotéria-Genética, v.5, p.181-220, 1984.
  • Briquet Júnior, R. Melhoramento genético animal São Paulo: EDUSP, 1967.
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  • Lazaridou-Dimitriadou, M.; Alpoyanni, E.; Baka, M. et al. Growth, mortality and fecundity in successive generations of Helix aspersa Müller cutured indoors and crowding effects on fast- medium - and slow - growing snails of the same clutch. J. Molluscan Studies, v.64, p.67-74, 1998.
  • Lush, J.L. Melhoramento genético dos animais domésticos Rio de Janeiro: USAID, 1964.
  • Soares, E.D.R. Efeito da endogamia em caracteres de importância econômica de escargot da espécie Helix aspersa. 2001. 59f. Dissertação (Mestrado em Biologia Animal) - Instituto de Biologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2004
  • Data do Fascículo
    Out 2003

Histórico

  • Revisado
    16 Jul 2003
  • Recebido
    26 Mar 2002
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