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Reação farmacodérmica decorrente do uso do levamisol: relato de caso

Pharmacodermic adverse reaction due to levamisole: a case report

Resumos

Relata-se a ocorrência de um caso de farmacodermia pelo levamisol e discute-se sobre a manifestação clínica e o estabelecimento do diagnóstico dessa reação cutânea adversa. O animal desenvolveu lesões exsudativas na face, com resolução espontânea após a suspensão do fármaco.

cão; levamisol; farmacodermia


This paper reports the occurrence of a case of pharmacodermic adverse reaction due to levamisole, and provides a discussion about its clinical manifestation and the establishment of the diagnosis of this cutaneous side effect. After receiving levamisole, exsudative lesions developed on the animal's face and recovered spontaneously after this drug was discontinued.

dog; levamisole; pharmacodermic reaction


MEDICINA VETERINÁRIA

Reação farmacodérmica decorrente do uso do levamisol: relato de caso

Pharmacodermic adverse reaction due to levamisole: a case report

M.G. SousaI; I.C. TalieriI; A.T.B. JorgeI; M.T. CostaII

IDoutorando – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária – UNESP –Jaboticabal Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane, S/N 14884-900 – Jaboticabal, SP

IIDepartamento de Clínica e Cirurgia Veterinária – FCAV – UNESP – Jaboticabal, SP

RESUMO

Relata-se a ocorrência de um caso de farmacodermia pelo levamisol e discute-se sobre a manifestação clínica e o estabelecimento do diagnóstico dessa reação cutânea adversa. O animal desenvolveu lesões exsudativas na face, com resolução espontânea após a suspensão do fármaco.

Palavras-chave: cão, levamisol, farmacodermia

ABSTRACT

This paper reports the occurrence of a case of pharmacodermic adverse reaction due to levamisole, and provides a discussion about its clinical manifestation and the establishment of the diagnosis of this cutaneous side effect. After receiving levamisole, exsudative lesions developed on the animal's face and recovered spontaneously after this drug was discontinued.

Keywords: dog, levamisole, pharmacodermic reaction

INTRODUÇÃO

Reações cutâneas decorrentes de hipersensibilidade a fármacos em cães são raras. Em humanos, cita-se que tais reações são comuns (Mason, 1990; Affolter e Shawn, 1993; Fitzpatrick et al., 1993). As drogas causadoras de hipersensibilidade cutânea podem ser administradas por via oral, tópica, por via injetável ou ainda inalação (Fitzpatrick et al., 1993).

As reações adversas cutâneas são classificadas em previsíveis, quando são dose- dependente e se relacionam a ações farmacológicas do medicamento, e em imprevisíveis, as quais são independentes da dose e se relacionam à resposta imune ou à suscetibilidade do indivíduo (Scott et al., 1996).

As manifestações cutâneas a fármacos podem envolver as reações imunológicas dos tipos I, II, III e IV, ou, ainda, outros processos cujo papel é atribuído a mecanismos imunológicos não totalmente elucidados, tais como eritema multiforme e necrólise epidérmica tóxica (Scott et al., 1996).

É reconhecido que a ocorrência de uma reação farmacodérmica pode mimetizar diferentes dermatoses (Wilkinson e Harvey, 1996) e que, portanto, torna-se fundamental o adequado conhecimento dos medicamentos administrados a qualquer paciente que venha a apresentar dermatopatia (Fitzpatrick et al., 1993). As lesões cutâneas podem se desenvolver após dias ou anos de uso do medicamento, ou, ainda, após sua suspensão (Fitzpatrick et al., 1993; Scott et al., 1996).

Vários fármacos podem levar ao desenvolvimento de farmacodermias, entretanto alguns estão mais freqüentemente relacionados ao desenvolvimento de erupções cutâneas (Mason, 1990; Suspected..., 1992).

A identificação do agente etiológico da farmacodermia pode ser difícil, visto que muitos pacientes recebem diversos medicamentos simultaneamente (Affolter e Von Tscharner, 1993). Para diagnóstico de erupção causada por medicamentos, o único teste confiável é a suspensão do fármaco com remissão da lesão. Subseqüentemente, a readministração do medicamento de forma proposital, embora perigosa, poderá determinar se ocorrerá reprodução das lesões indesejáveis (Mason, 1990; Scott el al., 1996).

O levamisol é um fármaco pertencente ao grupo dos imidazotiazóis, com propriedades imunomoduladoras, e que tem sido utilizado no tratamento de desordens imunológicas (Purzyc e Calkosinski, 1998). Tais propriedades são atribuídas ao incremento de reatividade imunológica mediada por células, traduzidas pelo aumento da diferenciação e proliferação dos linfócitos T, da responsividade aos antígenos e da atividade dos linfócitos efetores (Brunner e Muscoplat, 1980; Bonamin e Paulino, 1996; Andrade e Santarém, 2002).

Embora seja um anti-helmíntico, o levamisol pode aumentar o efeito protetor de algumas vacinas e a remissão tumoral. Sua ação depende da dose e da via de administração (Purzyc e Calkosinski, 1998). Além disso, já foi utilizado em humanos com doenças reumáticas, hipersensibilidade e neoplasias (Scott et al., 1996). Cita-se, ainda, seu uso nas infecções recidivantes envolvendo a pele ou tecidos moles e, também, nos estados de imunodeficiência primária e secundária (Rosenkrantz, 1989; Barta, 1992).

O levamisol é citado como causa potencial de erupção cutânea, eritema multiforme e necrólise epidérmica tóxica (Scott et al., 1996). Hodinka et al. (1979) observaram que alguns dos pacientes humanos tratados com levamisol para artrite reumatóide manifestaram urticária e apresentaram IgE sérica elevada.

O objetivo deste trabalho foi relatar a ocorrência de um caso de farmacodermia pelo uso do levamisol em um cão, descrevendo suas manifestações clínicas e o estabelecimento do diagnóstico.

CASUÍSTICA

Uma cadela da raça Fila Brasileiro, com oito meses de idade, foi atendida pelo serviço de clínica médica do Hospital Veterinário da UNESP, Campus de Jaboticabal, SP. O proprietário queixava-se do surgimento de episódios eméticos, apatia, hiporexia, secreção ocular bilateral de aspecto mucoso.

Ao exame físico, constatou-se que o animal apresentava mucosas congestas, linfonodos submandibulares e poplíteos aumentados, coxins hiperqueratóticos, febre e, à palpação abdominal, presença de líquido nas alças intestinais.

Hemograma foi realizado, e os resultados mostravam leucopenia com linfopenia relativa e absoluta, além de trombocitopenia moderada. A pesquisa de hemoparasitos foi negativa.

Pela avaliação oftálmica, verificou-se decréscimo da produção lacrimal, obtendo-se valores de 12mm/min para o olho direito e 10mm/min para o olho esquerdo no teste da lágrima de Schirmer. À tonometria de aplanação, a pressão intra-ocular revelou-se abaixo dos valores normais, com 10mmHg em ambos os olhos.

A suspeita clínica de cinomose foi confirmada após realização de teste imunológico para diagnóstico de cinomose1 1 Immunocomb ® – Biogal Laboratories – Israel , o qual se revelou positivo (título 3).

Subseqüentemente, instituiu-se tratamento, composto de doxiciclina2 2 Vibramicina ® - Laboratórios Pfizer – São Paulo (5mg/kg BID), metoclopramida3 3 Plasil ® - Aventis Pharma – São Paulo (0,4mg/kg TID), ranitidina4 4 Antak ® - Glaxo Wellcome – Rio de Janeiro (2mg/kg BID), vitamina E5 5 Ephynal ® - Roche – São Paulo (400mg SID), vitamina C6 6 Cewin ® - Sanofi-Synthelabo – Rio de Janeiro (500mg BID), polivitamínico do complexo B7 7 Complexo B – Roche – São Paulo e levamisol8 8 Ascaridil ® - Janssen-Cilag Farmacêutica – São Paulo (1mg/kg, VO, a cada 3 dias), além de medicação oftálmica, composta de substituto artificial da lágrima9 9 Lacrima ® - Alcon Laboratórios do Brasil – São Paulo (1 gota em cada olho 6 vezes ao dia) e colírio à base de dexametasona, sulfato de neomicina e sulfato de polimixina B em associação10 10 Maxitrol ® - Alcon Laboratórios do Brasil – São Paulo .

Dois dias após o início da medicação, o animal foi novamente trazido ao Hospital Veterinário, devido ao surgimento de lesão exsudativa e hemorrágica na região periocular bilateral (Fig. 1-A), perilabial e cervical ventral, além de otite com as mesmas características exsudativas. Sendo assim, optou-se por suspender a medicação, exceto os colírios.


Decorridos cinco dias, o paciente retornou apresentando melhora significativa das lesões (Fig. 1-B). Procedeu-se à reintrodução da medicação suspensa, com exceção do levamisol, e não se observou recidiva das lesões durante o transcorrer do tratamento.

DISCUSSÃO

O caso clínico apresentado demonstra a ocorrência de um episódio farmacodérmico. A suspeita de farmacodermia baseou-se na ocorrência abrupta de lesões cutâneas, coincidentemente com a administração da medicação, conforme relatado por Fitzpatrick et al. (1993).

De acordo com citações de Mason (1990) e Scott et al. (1996), procedeu-se ao estabelecimento do agente etiológico da reação farmacodérmica por meio da retirada dos medicamentos em uso. Como o animal fazia uso concomitante de vários medicamentos, houve necessidade de retirada de todos, aspecto já sugerido por Affolter e Von Tscharner (1993), seguindo-se melhora das lesões dermatológicas após cinco dias.

Conforme recomendado por Mason (1990), procedeu-se à reintrodução da medicação, exceto o levamisol, pela possibilidade da ocorrência de farmacodermia durante o uso desse fármaco (Hodinka et al., 1979). A suspensão do uso do medicamento, neste caso, foi suficiente para abolir as lesões decorrentes dessa reação de hipersensibilidade. Torna-se importante, portanto, o rápido reconhecimento da sua manifestação, de modo a possibilitar adequada intervenção clínica.

CONCLUSÃO

O levamisol pode desencadear reações farmacodérmicas em cães.

Recebido para publicação em 9 de março de 2004

Recebido para publicação, após modificações, em 26 de agosto de 2004

E-mail: marlos98@yahoo.com

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  • 1
    Immunocomb
    ® – Biogal Laboratories – Israel
  • 2
    Vibramicina
    ® - Laboratórios Pfizer – São Paulo
  • 3
    Plasil
    ® - Aventis Pharma – São Paulo
  • 4
    Antak
    ® - Glaxo Wellcome – Rio de Janeiro
  • 5
    Ephynal
    ® - Roche – São Paulo
  • 6
    Cewin
    ® - Sanofi-Synthelabo – Rio de Janeiro
  • 7
    Complexo B – Roche – São Paulo
  • 8
    Ascaridil
    ® - Janssen-Cilag Farmacêutica – São Paulo
  • 9
    Lacrima
    ® - Alcon Laboratórios do Brasil – São Paulo
  • 10
    Maxitrol
    ® - Alcon Laboratórios do Brasil – São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      26 Ago 2004
    • Recebido
      09 Mar 2004
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