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Efeitos cardiovasculares e neuroendócrinos do butorfanol e da buprenorfina em cães anestesiados pelo desfluorano

Cardiovascular and neuroendocrine effects of butorphanol and buprenorphine in dogs anesthetized with desflurane

Resumos

Avaliaram-se os efeitos do butorfanol e da buprenorfina sobre variáveis cardiovasculares e neuroendócrinas em cães anestesiados com desfluorano, utilizando-se 30 cães adultos, machos e fêmeas, distribuídos em três grupos denominados grupo butorfanol (GBT), grupo buprenorfina (GBP) e grupo-controle (GCO). A anestesia foi induzida com propofol (8mg/kgIV) e nos animais intubados administrou-se desfluorano (1,5CAM). Após 30 minutos, nos cães do GBT, aplicou-se butorfanol (0,4mg/kgIM); nos do GBP, buprenorfina (0,02mg/kgIM); e nos do GCO, solução de NaCl a 0,9% (0,05ml/kgIM). Avaliaram-se: freqüência cardíaca; pressões arteriais sistólica, diastólica e média; débito cardíaco; pressão venosa central; cortisol; hormônio adrenocorticotrópico; noradrenalina; e glicose. As colheitas dos dados foram feitas aos 30 minutos após o início da administração do desfluorano (M0), 15 minutos após a administração do opióide ou placebo (M15), e a cada 15 minutos após M15 (M30, M45, M60 e M75). Para a avaliação neuroendócrina utilizaram-se os momentos M-30 (antes da administração dos fármacos), M0, M15 e M45. Na freqüência cardíaca houve diferença entre M0 e M15 (129 e 111bat/min) em GBT, e entre M0 e M30 (131 e 112bat/min) em GBP. Na pressão arterial média, a diferença foi entre M0 (86mmHg) e todos os momentos que se seguiram (todos os valores foram menores que 72mmHg), em GBT. A pressão arterial diastólica foi menor em todos os momentos (<53mmHg) quando comparada com a do M0 (67mmHg), em GBT. Na pressão arterial sistólica, a diferença foi entre M0 e M15 e M30 (112 versus 93 e 94mmHg, respectivamente) em GBT. A inclusão dos opióides determinou discreta redução nos parâmetros cardiovasculares, enquanto o desfluorano interferiu na função neuroendócrina elevando os níveis plasmáticos de glicose.

cão; anestesia; opióides; desfluorano; hormônios


The effects of butorphanol and buprenorphine on cardiovascular and neuroendocrine variables in dogs anesthetized with desflurane were studied. Thirty adult healthy, males and females, mongrel dogs were distributed in three groups denominated butorphanol group (BTG), buprenorphine group (BPG) and control group (COG). The anesthetic induction was done using propofol (8mg/kg, IV), and immediately, the dogs were intubated and submited to desflurane anaesthesia (1.5 MAC). After 30 minutes, the BTG animals received butorphanol (0.4mg/kg IM), the BPG animals buprenorphine (0.02mg/kg IM) and the COG animals saline solution at 0.9% (0.05 ml/kg IM). Heart rate; systolic, diastolic and mean arterial blood pressures; cardiac output; venous central pressure; cortisol; ACTH; noradrenalin; and glucose were measured. The measurements were recorded at 30 minutes after beginning the inhalatory anaesthesia (M0) and at 15 minutes after opioid or saline administration (M15). Also a serial measurements were carried out in 15-minute intervals after M15 (M30, M45, M60 and M75). For neuroendocrine evaluation measurements were recorded before desflurane administration (M-30), and at M0, M15 AND m45. For heart rate there were differences between M0 and M15 (129 and 111 beats/min) in BTG, and between M0 and M30 (131 and 112 beats/min), in BPG. For mean arterial blood pressure there were differences between M0 (86mmHg) and all the recorded measurements (all measurements were lower than 72mmHg), in BTG. All recorded diastolic arterial blood pressures were lower than 53mmHg and different of the recorded measure M0 (67mmHg), in BTG. For systolic arterial blood pressure there were differences between M0 and M15 and M30 (112 vs 93 and 94mmHg, respectively), in BTG. Opioids administration determined discrete reduction in cardiovascular parameters while desflurane caused alterations in neuroendocrine function, increasing plasmatic levels of glucose.

dog; anesthesia; opioids; desflurane; hormones


MEDICINA VETERINÁRIA

Efeitos cardiovasculares e neuroendócrinos do butorfanol e da buprenorfina em cães anestesiados pelo desfluorano

Cardiovascular and neuroendocrine effects of butorphanol and buprenorphine in dogs anesthetized with desflurane

A.P. SouzaI; N. NunesII; P.S.P. SantosII; C.T. NishimoriII; D.P. PaulaII; R.M.N. SilvaI

IUnidade Acadêmica de Medicina Veterinária - UFCG Av. Universitária, s/n 58700-970 - Patos, PB

IIFaculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias - UNESP - Jaboticabal, SP

RESUMO

Avaliaram-se os efeitos do butorfanol e da buprenorfina sobre variáveis cardiovasculares e neuroendócrinas em cães anestesiados com desfluorano, utilizando-se 30 cães adultos, machos e fêmeas, distribuídos em três grupos denominados grupo butorfanol (GBT), grupo buprenorfina (GBP) e grupo-controle (GCO). A anestesia foi induzida com propofol (8mg/kgIV) e nos animais intubados administrou-se desfluorano (1,5CAM). Após 30 minutos, nos cães do GBT, aplicou-se butorfanol (0,4mg/kgIM); nos do GBP, buprenorfina (0,02mg/kgIM); e nos do GCO, solução de NaCl a 0,9% (0,05ml/kgIM). Avaliaram-se: freqüência cardíaca; pressões arteriais sistólica, diastólica e média; débito cardíaco; pressão venosa central; cortisol; hormônio adrenocorticotrópico; noradrenalina; e glicose. As colheitas dos dados foram feitas aos 30 minutos após o início da administração do desfluorano (M0), 15 minutos após a administração do opióide ou placebo (M15), e a cada 15 minutos após M15 (M30, M45, M60 e M75). Para a avaliação neuroendócrina utilizaram-se os momentos M-30 (antes da administração dos fármacos), M0, M15 e M45. Na freqüência cardíaca houve diferença entre M0 e M15 (129 e 111bat/min) em GBT, e entre M0 e M30 (131 e 112bat/min) em GBP. Na pressão arterial média, a diferença foi entre M0 (86mmHg) e todos os momentos que se seguiram (todos os valores foram menores que 72mmHg), em GBT. A pressão arterial diastólica foi menor em todos os momentos (<53mmHg) quando comparada com a do M0 (67mmHg), em GBT. Na pressão arterial sistólica, a diferença foi entre M0 e M15 e M30 (112 versus 93 e 94mmHg, respectivamente) em GBT. A inclusão dos opióides determinou discreta redução nos parâmetros cardiovasculares, enquanto o desfluorano interferiu na função neuroendócrina elevando os níveis plasmáticos de glicose.

Palavras-chave: cão, anestesia, opióides, desfluorano, hormônios

ABSTRACT

The effects of butorphanol and buprenorphine on cardiovascular and neuroendocrine variables in dogs anesthetized with desflurane were studied. Thirty adult healthy, males and females, mongrel dogs were distributed in three groups denominated butorphanol group (BTG), buprenorphine group (BPG) and control group (COG). The anesthetic induction was done using propofol (8mg/kg, IV), and immediately, the dogs were intubated and submited to desflurane anaesthesia (1.5 MAC). After 30 minutes, the BTG animals received butorphanol (0.4mg/kg IM), the BPG animals buprenorphine (0.02mg/kg IM) and the COG animals saline solution at 0.9% (0.05 ml/kg IM). Heart rate; systolic, diastolic and mean arterial blood pressures; cardiac output; venous central pressure; cortisol; ACTH; noradrenalin; and glucose were measured. The measurements were recorded at 30 minutes after beginning the inhalatory anaesthesia (M0) and at 15 minutes after opioid or saline administration (M15). Also a serial measurements were carried out in 15-minute intervals after M15 (M30, M45, M60 and M75). For neuroendocrine evaluation measurements were recorded before desflurane administration (M-30), and at M0, M15 AND m45. For heart rate there were differences between M0 and M15 (129 and 111 beats/min) in BTG, and between M0 and M30 (131 and 112 beats/min), in BPG. For mean arterial blood pressure there were differences between M0 (86mmHg) and all the recorded measurements (all measurements were lower than 72mmHg), in BTG. All recorded diastolic arterial blood pressures were lower than 53mmHg and different of the recorded measure M0 (67mmHg), in BTG. For systolic arterial blood pressure there were differences between M0 and M15 and M30 (112 vs 93 and 94mmHg, respectively), in BTG. Opioids administration determined discrete reduction in cardiovascular parameters while desflurane caused alterations in neuroendocrine function, increasing plasmatic levels of glucose.

Keywords: dog, anesthesia, opioids, desflurane, hormones

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de novos fármacos e associações anestésicas representa, para o anestesiologista, a possibilidade de acesso a recursos que podem minimizar os riscos inerentes a processos anestésicos rotineiros, com menor comprometimento cardiovascular e, conseqüentemente, redução do risco cirúrgico. Os fármacos opióides apresentam como atributo principal a analgesia. Tal característica proporciona aos pacientes conforto nos períodos trans e pós-cirúrgico, e pode determinar redução da quantidade do anestésico geral utilizado. Entretanto, esses agentes tendem a causar alterações fisiológicas que merecem ser estudadas.

O butorfanol é um opióide agonista-antagonista sintético (Hosgood, 1990), que exerce seus efeitos principalmente em receptores opióides kappa (k), com potência analgésica três a cinco vezes maior que a da morfina, e atividade antagonista equipotente à nalorfina (Thurmon et al., 1996). Produz graus variados de analgesia e sedação, com mínima depressão cardiovascular e respiratória (Pibarot et al., 1997). Há diminuição da atividade cardiovascular de cães, pois o fármaco produz redução da freqüência cardíaca, da pressão sangüínea arterial (Quandt et al.,1994) e do débito cardíaco (Tyner et al.,1989).

A buprenorfina é um opióide com potência analgésica aproximadamente 30 vezes maior que a da morfina (Thurmon et al., 1996), que determina alívio da dor moderada a grave, associada a procedimentos cirúrgicos abdominais, torácicos e ortopédicos (Górniak, 2002). Um dos efeitos hemodinâmicos conseqüentes da administração desse opióide, em cães, é a diminuição significativa da freqüência cardíaca, provavelmente por aumento do tono vagal, e alterações discretas na pressão sangüínea sistêmica (Stepien et al.,1995). A buprenorfina pode ser utilizada pelas vias intravenosa (IV) ou intramuscular (IM), pois as variações clínicas observadas são consideradas mínimas (Souza et al., 2004).

O desfluorano, um anestésico volátil halogenado fluorinado, é utilizado na rotina cirúrgica desde 1992 (Weiskopf et al., 1992). O baixo coeficiente sangue/gás do desfluorano (0,42) permite rápido aumento ou diminuição da concentração alveolar, o que torna rápidas a indução e a recuperação do paciente (Eger, 1992). No sistema cardiovascular, esse anestésico induz queda da pressão arterial média e aumento da freqüência cardíaca (Clarke et al., 1996), bem como depressão da contratilidade do coração e conseqüente redução do débito cardíaco (Pagel et al., 1991). A administração de desfluorano em cães pré-medicados com a associação fentanil-droperidol bloqueou a bradicardia produzida por tal associação, bem como promoveu retardo na condução elétrica atrial, ventricular e átrio-ventricular caracterizada por alterações eletrocardiográficas nas ondas P, QRS e no intervalo PR (Santos et al., 2001).

Este estudo teve o objetivo de avaliar a manifestação de alterações na fisiologia cardiovascular e endócrina oriundas da adição dos opióides butorfanol e buprenorfina à anestesia inalatória pelo desfluorano, em cães.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 30 cães adultos, machos e fêmeas, clinicamente saudáveis, com peso aproximado de 11,5kg, distribuídos aleatoriamente em três grupos de igual número, previamente denominados grupo butorfanol (GBT), grupo buprenorfina (GBP) e grupo-controle (GCO). Após jejum alimentar de 12 horas e restrição hídrica de duas horas, foram coletados 8ml de sangue da veia jugular para a determinação basal dos hormônios e da glicose. Os animais foram induzidos à anestesia com 8mg/kg de propofol1 1 DIPRIVAN – Zeneca Farmacêutica do Brasil Ltda. – São Paulo, SP, Brasil. , IV e, em seguida, intubados com sonda de Magill. A sonda foi coaptada ao aparelho de anestesia volátil para administração do desfluorano2 2 SUPRANE – Zeneca Farmacêutica do Brasil Ltda. – São Paulo, SP, Brasil , por meio de circuito anestésico com reinalação parcial de gases3 3 OHMEDA – mod. Excel 210SE – Datex Ohmeda – Miami, EUA , dotado de vaporizador termocompensado, microprocessado e calibrado para o agente anestésico4 4 OHMEDA – mod. TEC 6 – Datex Ohmeda – Miami, EUA , tendo como fluxo diluente o oxigênio (30ml/kg/min).

O desfluorano foi fornecido na concentração de 1,5CAM (concentração alveolar mínima), considerando-se a CAM como sendo equivalente a 7,2V% (Clarke et al., 1996), mensurada em equipamento digital5 5 OHMEDA – mod. RGM 5220 – Datex Ohmeda – Miami, EUA , cujo sensor foi adaptado à extremidade da sonda orotraqueal, conectado ao circuito anestésico.

Em seguida, foi feita uma incisão na pele do terço superior da face interna do membro pélvico (direito ou esquerdo), de extensão suficiente para exposição da artéria femoral e introdução de cateter para posterior mensuração da pressão arterial e colheita de amostra de sangue.

No terço médio da região cervical, foi introduzido um cateter 14G na veia jugular, que serviu de guia para a introdução do cateter de Swan-Ganz, como citado por Santos (2003).

Após 30 minutos do início da anestesia inalatória, foram administrados, por via intramuscular, butorfanol6 6 TORBUGESIC – Fort Dodge Saúde Animal Ltda. – São Paulo, SP, Brasil (0,4mg/kg) aos animais do GBT, buprenorfina7 7 TEMGESIC – Ind. Quim. e Farm. Schering-plough S/A, São Paulo, SP, Brasil (0,02mg/kg) aos do GBP e solução de NaCl à 0,9% (placebo), no volume de 0,05ml/kg, aos do GCO.

Avaliaram-se: freqüência cardíaca (FC), obtida em monitor de eletrocardiografia computadorizado8 8 TEB – mod. ECGPC software versão 1.10 – São Paulo,SP, Brasil , pelo cálculo do intervalo R-R; pressões arteriais sistólica, média e diastólica (PAS, PAM e PAD, respectivamente), obtidas pela cateterização da artéria femoral esquerda ou direita, cuja leitura foi feita em monitor digital computadorizado9 9 DIXTAL 2010 – Dixtal do Brasil, Manaus, AM, Brasil ; débito cardíaco (DC), obtido pela técnica de termodiluição após introdução do cateter de Swan-Ganz pela veia jugular (esquerda ou direita), previamente cateterizada, até o correto posicionamento na artéria pulmonar; e pressão venosa central (PVC) obtida utilizando-se o conduto do cateter de Swan-Ganz usado para administrar fluido a baixas temperaturas, o qual foi previamente posicionado na veia cava ou átrio, segundo técnica descrita por Nunes (2002). Os registros do DC e da PVC foram feitos no monitor digital utilizado para mensurar a pressão arterial.

Mensuraram-se, ainda, cortisol (COR), hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), noradrenalina (NOR) e glicose (GLI) a partir da amostra de sangue venoso colhido pela punção direta da veia jugular com o animal ainda acordado, e pelo cateter utilizado para a mensuração da PVC, após estar anestesiado. O cortisol e o ACTH foram analisados pela técnica de radioimunoensaio (RIE), a noradrenalina pela técnica da cromatografia líquida de alta pressão (HPLC) com detecção eletroquímica, e a glicose, pelo método de God-Ana, utilizando-se reagentes comerciais10 10 LABTEST – Belo- Horizonte, MG .

O registro das variáveis iniciou-se imediatamente antes da aplicação do opióide ou placebo (M0). Novas mensurações foram feitas 15 minutos após a aplicação dos fármacos (M15) e de 15 em 15 minutos após M15 (M30, M45, M60 e M75). Para a colheita das amostras de sangue necessárias à mensuração dos hormônios e da glicose, adotou-se um momento antes da administração de quaisquer fármacos (M-30) e os momentos M0, M15 e M45, utilizados para a mensuração dos demais parâmetros. Procedeu-se à análise de variância dos dados seguida do teste Tukey (P< 0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Observaram-se discretas variações na FC, mas as médias mantiveram-se dentro do considerado normal para a espécie (Tab. 1). Nos animais tratados com opióides houve redução da FC em M15 e M30 em relação ao M0, mas os valores não foram diferentes entre os grupos. A redução estaria diretamente relacionada à ação vagal observada quando do uso dessa classe de agentes (Martinez et al., 1997; Lucas et al., 2001). Outro fator que poderia estar relacionado ao pequeno decréscimo da FC seria a via de administração utilizada, intramuscular, se comparada à via intravenosa que, segundo a literatura, induziria efeitos depressores mais evidentes (Martinez et al., 1997; Lucas et al., 2001). No GCO a FC permaneceu estável, dentro dos níveis fisiológicos para a espécie, não sendo possível identificar acréscimo da atividade simpatomimética característica quando do uso desse fármaco (Picker et al., 2001). Esse efeito estaria mais intensificado nos pacientes em que são feitas alterações bruscas nas concentrações oferecidas (Brenet et al., 1998), o que não ocorreu neste estudo.

Em M15, a aplicação do butorfanol reduziu significativamente as variáveis PAS, PAD e PAM em relação ao GCO. Tal achado estaria relacionado à redução da resistência periférica total promovida pelo opióide, através de mecanismo de ação no sistema nervoso central (SNC), ou diretamente sobre a musculatura lisa dos vasos, como citado por White et al. (1990). Já os anestésicos inalatórios halogenados, como o halotano, isofluorano ou desfluorano, tendem a reduzir a pressão arterial (PA) de modo relacionado à dose empregada. Tal efeito não foi obtido ao longo do período experimental uma vez que não houve variação da concentração inspirada do desfluorano.

Na avaliação da PA do GBP, foi possível constatar que a adição do opióide não interferiu nos resultados, permanecendo a variável estável ao longo do período experimental. Este resultado é semelhante aos encontrados na literatura que ressaltam os discretos efeitos depressores cardiovasculares desse agente (Stepien et al., 1995). Entretanto, é válido conjecturar que o desfluorano, associado à buprenorfina, possa ter contribuído para a melhoria da estabilidade circulatória, pois, segundo Martinez et al. (1997), a utilização de isofluorano ou halotano promove redução significativa da PA, à qual estaria relacionada a diminuição do índice cardíaco secundariamente ao decréscimo da FC para o isofluorano ou pela redução da FC e do volume sistólico durante anestesia com halotano.

Com relação ao DC, não foram registradas diferenças entre os grupos que receberam opióides, quando comparados ao grupo-controle (Tab. 1), resultados semelhantes aos encontrados por Stepien et al. (1995). As principais alterações cardiovasculares observadas para os opióides estão associadas à via de administração utilizada, ressaltando o fato de a via IV causar variações mais intensas (Lucas et al., 2001). Martinez et al. (1997) utilizaram a via IV para administrar a buprenorfina e registraram redução nas variáveis cardiovasculares, entre elas o DC e o índice cardíaco. Essas alterações não foram observadas de forma significativa por Souza et al. (2004).

A diminuição da FC em GBT e GBP não interferiu significativamente no DC e isso deveu-se, provavelmente, à manutenção da contratilidade cardíaca e à redução da pós-carga, sem comprometimento do trabalho cardíaco, conforme também observado por Santos (2003), com o uso do butorfanol.

Em relação à PVC, os animais do GCO não apresentaram redução ou elevação significativa das médias durante o estudo. Este resultado difere do encontrado por Clarke et al. (1996), que obtiveram elevação dessa característica, a qual estaria relacionada à depressão do miocárdio, com efeito inotrópico negativo, o que pode ter acontecido em função de os autores terem empregado diferentes concentrações anestésicas, com as doses mais elevadas, em tese, afetando mais intensamente a contratilidade do miocárdio. Nos grupos tratados com opióides, as médias da PVC permaneceram mais estáveis ao longo do período experimental. Este achado pode estar relacionado à manutenção da contratilidade cardíaca associada à diminuição da resistência periférica, que desta forma reduziria a pós-carga, o que permitiu a manutenção do retorno venoso.

Em relação ao cortisol, não foram observadas variações significativas entre os grupos estudados (Tab. 2), isto é, não houve redução dos níveis desse hormônio, diferente do observado por Fox et al. (1998) e Souza et al. (2002). No GBT, 30 minutos após o início da anestesia (M0), registraram-se médias mais altas. Este resultado permite tecer as seguintes considerações: entre o momento basal (M-30) e o M0, foram feitas as intervenções cirúrgicas necessárias ao monitoramento das demais variáveis, como DC, PA e PVC, e estes estímulos cirúrgicos podem ter sido de intensidade suficiente para desencadear estresse agudo, que culminou na elevação dos níveis de cortisol, aspectos já observados por Willemse et al. (1993) e Souza et al. (2002) em gatos, e por Fox et al. (1998), em cães, não devidamente atenuados com o uso do butorfanol.

Tanto em felinos como em caninos, a quantificação do cortisol mostra ser um método exeqüível e de confiabilidade para a avaliação do estresse durante procedimentos anestésico, cirúrgico ou traumático (Pibarot et al., 1997; Fox, 1998).

A resposta ao estresse agudo pode ser particularmente acentuada pelas catecolaminas, pois cada neurônio simpático pré-ganglionar que supre a medula adrenal afeta as células cromafins, amplificando, dessa forma, o sinal de liberação hormonal (Guyton e Hall, 2002; Cunningham, 2004). Assim, é possível inferir a participação do desfluorano, fármaco com reconhecida atividade simpatomimética (Pacentine et al., 1995), como adjuvante na liberação e manutenção dos níveis de cortisol plasmático.

Não foram observadas reduções significativas nos níveis de ACTH, após iniciado o procedimento anestésico, como as obtidas por Marana et al. (2003) em mulheres submetidas à laparoscopia, quando do uso de anestesia volátil (isoflurano e sevoflurano) associada com fentanil. A importância de se avaliar a participação do ACTH nesse processo está relacionada ao estímulo da secreção do hormônio cortisol. Segundo Guyton e Hall (2002), qualquer tipo de estresse provoca aumento imediato da secreção de ACTH pela hipófise anterior, seguido por secreção acentuada de cortisol. Entretanto, a elevação dos níveis de cortisol plasmático funciona como um mecanismo de retroalimentação negativa para o ACTH (Cunningham, 2004), que tende a declinar rapidamente.

Em relação à noradrenalina plasmática, constatou-se que 30 minutos após o início do procedimento anestésico (M0), houve diminuição das médias em GBT e GBP e aumento delas em GCO. Entretanto, deve-se ressaltar que em M0 todos os grupos estavam sob efeito apenas do anestésico inalatório, com tais diferenças mais relacionadas às variações individuais que ao protocolo anestésico adotado.

Normalmente a noradrenalina secretada no sangue em situações de estresse permanece ativa durante 10 a 30 segundos (Guyton e Hall, 2002) e é, então, rapidamente degradada pelas enzimas monoaminoxidase e catecol-O-metiltransferase. Ademais, a resposta ao estresse cirúrgico é modulada por vários fatores, incluindo a magnitude da injúria, o tipo de procedimento e até o tipo de anestesia empregada (Marana et al., 2003), o que determina a dificuldade de se registrar, acuradamente, os seus níveis na circulação sistêmica. A literatura não informa quais seriam os níveis fisiológicos desse hormônio, que deve variar intensamente entre indivíduos, principalmente entre os pacientes que se estressam mais facilmente, como os gatos, resultando em níveis mais elevados (Moberg, 1987; Lin et al., 1993; Smith et al., 1996). Entretanto, é possível inferir que as concentrações observadas neste estudo tenham sido suficientes para determinar efeitos como o estímulo à secreção de cortisol, pois, após a sua liberação, a noradrenalina liga-se aos receptores dos órgãos efetores desse hormônio, conferindo estimulação adrenérgica prolongada (Cunningham, 2004).

Dessa forma, pode-se inferir que o tipo de anestésico volátil e/ou injetável utilizado nos diversos tipos de protocolos anestésicos afeta significativamente a liberação de catecolaminas em resposta ao estresse. Assim, a intensidade da resposta nodradrenérgica dependerá do fármaco utilizado, em que poderá ser observado efeito mais basal com aumento ou não dos níveis circulantes de catecolaminas (Marana et al., 2003).

Não houve diferença nos níveis sangüíneos de glicose entre os grupos estudados. Nestes, a administração do desflurano (M0) induziu a elevação significativa das médias, que, assim, permaneceram durante todo o período experimental. A inclusão dos opióides não determinou acréscimo aos valores registrados. Desse modo, é possível associar os efeitos simpatomiméticos do desfluorano (Pacentine et al., 1995), que elevariam os níveis de catecolaminas em órgãos efetores, entre eles o fígado. Neste, as catecolaminas induzem a ativação de enzimas, promovendo a glicogenólise e gliconeogênese hepática (Cunningham, 2004).

Os resultados obtidos com a metodologia proposta permitem concluir que a inclusão do butorfanol e da buprenorfina determina discretas alterações cardiovasculares e que não há contra-indicação de seu uso em pacientes hemodinamicamente estáveis. Outrossim, a anestesia pelo desfluorano interfere diretamente na função neuroendócrina, causando elevação da glicemia, a qual não é modificada pela adição dos opiódes.

AGRADECIMENTOS

Aos Laboratórios de Endocrinologia da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto (FMRP-USP), e de Análises Clínicas do Instituto do Coração (INCOR), pelas análises dos hormônios.

Recebido em 23 de março de 2005

Aceito em 3 de janeiro de 2007

Apoio: FAPESP

E-mail: almir@cstr.ufcg.edu.br

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Jan 2007
    • Recebido
      23 Mar 2005
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