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Uso do propofol na indução anestésica de cutias (Dasyprocta sp.)

Use of propofol in the induction of anesthesia in agouti (Dasyprocta sp.)

Resumos

Avaliou-se o emprego do propofol, por via intravenosa, como agente indutor anestésico em cutias (Dasyprocta sp), utilizando-se 10 fêmeas adultas, com pesos entre 1,5 a 2,0kg, criadas em cativeiro. Avaliaram-se as freqüências cardíaca e respiratória, a temperatura retal e a pressão arterial sistólica, antes da administração do propofol e logo após a anestesia dos animais. Foram mensurados o período hábil e de recuperação da anestesia. As médias das freqüências cardíaca e respiratória, temperatura retal e a pressão arterial sistólica basais foram de 220bcm, 92mrm, 38,95ºC e 110mmHg, respectivamente. Após a indução, as médias obtidas para essas variáveis foram de 214bcm, 84mrm, 39,05ºC e 80mmHg. As médias dos períodos hábil e de recuperação da anestesia foram de 10min e 45seg e 15min e 40seg, respectivamente. O propofol, quando utilizado em dose única, mostrou-se seguro, não alterando significativamente os parâmetros fisiológicos, podendo ser considerado um fármaco de escolha para a indução anestésica de cutias.

roedor; Dasyprocta sp.; propofol; anestesia intravenosa


The endovenous use of propofol as inductor agent of anesthesia in agouti (Dasyprocta sp.) was evaluated using ten adut females, weighing 1.5 to 2.0kg, kept in captivity. Heart and respiratory rates, rectal temperature, and systolic arterial blood pressure were measured before and after anesthesia. Time of anesthesia and time of recovering of the anesthesia were also measured. The averages of the heart and respiratory rates, rectal temperature and the systolic blood pressure were 220bpm, 92mpm, 38.95ºC, and 110Hgmm, respectively. After the induction, the averages obtained for those variables were of 214bpm, 84mpm, 39.05ºC, and 80mmHg, respectively. The averages of the time of anesthesia and time of its recovery were 10min 45sec and 15min 40sec, respectively. Propofol when used in only one dose, was considered safe, since it did not disturbe the physiological parameters. Thus, propofol can be considered an alternative drug for anesthesia induction in agouti.

rodent; Dasyprocta sp.; propofol; intravenous anesthesia


MEDICINA VETERINÁRIA

Uso do propofol na indução anestésica de cutias (Dasyprocta sp.)

Use of propofol in the induction of anesthesia in agouti (Dasyprocta sp.)

W.P. LeiteI; R.A. Barrêto JúniorII; G.F. QueirozIII; V.V. PaulaII, * * Autor para correspondência ( corresponding author) E-mail: valeria@ufersa.edu.br

IMédico veterinário autônomo

IIDepartamento de Ciência Animal - UFERSA - BR 110, Km 47 - 59625-900 - Mossoró, RN

IIIAluno de pós-graduação - FMVZ-USP - São Paulo

RESUMO

Avaliou-se o emprego do propofol, por via intravenosa, como agente indutor anestésico em cutias (Dasyprocta sp), utilizando-se 10 fêmeas adultas, com pesos entre 1,5 a 2,0kg, criadas em cativeiro. Avaliaram-se as freqüências cardíaca e respiratória, a temperatura retal e a pressão arterial sistólica, antes da administração do propofol e logo após a anestesia dos animais. Foram mensurados o período hábil e de recuperação da anestesia. As médias das freqüências cardíaca e respiratória, temperatura retal e a pressão arterial sistólica basais foram de 220bcm, 92mrm, 38,95ºC e 110mmHg, respectivamente. Após a indução, as médias obtidas para essas variáveis foram de 214bcm, 84mrm, 39,05ºC e 80mmHg. As médias dos períodos hábil e de recuperação da anestesia foram de 10min e 45seg e 15min e 40seg, respectivamente. O propofol, quando utilizado em dose única, mostrou-se seguro, não alterando significativamente os parâmetros fisiológicos, podendo ser considerado um fármaco de escolha para a indução anestésica de cutias.

Palavras-chave: roedor, Dasyprocta sp., propofol, anestesia intravenosa.

ABSTRACT

The endovenous use of propofol as inductor agent of anesthesia in agouti (Dasyprocta sp.) was evaluated using ten adut females, weighing 1.5 to 2.0kg, kept in captivity. Heart and respiratory rates, rectal temperature, and systolic arterial blood pressure were measured before and after anesthesia. Time of anesthesia and time of recovering of the anesthesia were also measured. The averages of the heart and respiratory rates, rectal temperature and the systolic blood pressure were 220bpm, 92mpm, 38.95ºC, and 110Hgmm, respectively. After the induction, the averages obtained for those variables were of 214bpm, 84mpm, 39.05ºC, and 80mmHg, respectively. The averages of the time of anesthesia and time of its recovery were 10min 45sec and 15min 40sec, respectively. Propofol when used in only one dose, was considered safe, since it did not disturbe the physiological parameters. Thus, propofol can be considered an alternative drug for anesthesia induction in agouti.

Keywords: rodent, Dasyprocta sp., propofol, intravenous anesthesia

INTRODUÇÃO

A cutia (Dasyprocta sp.), mamífero roedor da classe Mammalia, ordem Rodentia, família Dasyproctidae, apresenta as seguintes espécies: Dasyprocta agouti, cutia-dourada; Dasyprocata azarae, cutia-amarela; e Dasyprocta fuliginosa, cutia-preta (Deutsh e Puglia, 1990). O semi-árido nordestino, devido às suas características climáticas adversas dificulta a criação de algumas espécies domésticas. No entanto, oferece condições para o desenvolvimento da fauna silvestre, dentre esses, os roedores como a cutia. A criação e manejo desses animais em cativeiros legalizados, ou no seu habitat, podem contribuir para a preservação da espécie (Pachaly et al., 1999; Ribeiro et al., 2008). Isto facilitaria integrar programas de manejo e translocação de animais silvestres, bem como possibilitaria o estudo de suas particularidades fisiológicas e de exploração de seu potencial zootécnico (Mendes, 1987).

O emprego da anestesia em roedores vem-se tornando uma prática comum na medicina veterinária, contribuindo sobremaneira para a utilização de fármacos seguros e eficazes no tratamento de algumas espécies introduzidas como animais de companhia como: coelhos, furões e hamsters (Boussarie et al., 2002).

O propofol é um anestésico intravenoso de curta duração, largamente usado em animais domésticos (Selmi et al., 2005; Carareto et al., 2007), pertence ao grupo dos alquil-fenóis. Possui elevado grau de ligação às proteínas plasmáticas, rápida depuração e distribuição, o que facilita seu uso na indução e manutenção da anestesia, por possibilitar rápida recuperação (Spinosa et al., 2002).

Tendo em vista essas propriedades farmacológicas e a necessidade de se conhecer quais fármacos podem ser utilizados com segurança para anestesiar roedores, o presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos e a eficácia do propofol como possível agente indutor anestésico em cutias.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi realizado no Centro de Multiplicação de Animais Silvestres (CEMAS) da Universidade Federal Rural do Semi-árido, Mossoró, RN. O CEMAS é registrado junto ao IBAMA como criadouro científico sob o número 12.492-0004, criado em 12 de setembro de 1989 pela portaria ESAM 154-89.

Após a obtenção da aprovação do comitê interno de pesquisa, foram utilizadas 10 cutias (Dasyprocta sp.), fêmeas hígidas, adultas, com pesos entre 1,5 e 2,0kg. Os animais foram submetidos a jejum alimentar prévio de seis horas e hídrico de quatro horas. Cada animal foi capturado, ao acaso, pelo mesmo tratador diretamente do recinto, com o auxílio de um puçá de corda e, em seguida, transferido para um saco de pano, para pesagem.

Foi introduzido um cateter na veia safena medial, no qual foi conectada a seringa com propofol. Os animais receberam apenas o propofol para indução da anestesia. Os parâmetros vitais de freqüência cardíaca (FC), freqüência respiratória (FR), temperatura retal (TR) e pressão arterial sistólica (PAS) foram mensurados antes (M1) e após a indução anestésica (M2).

A freqüência cardíaca foi avaliada com o auxílio de um estetoscópio e a freqüência respiratória mediante a inspeção dos movimentos da parede torácica. A temperatura retal foi mensurada com um termômetro clínico de mercúrio e a pressão arterial sistólica obtida utilizando-se um Doppler Ultrassonic (Doppler ultrassonic modelo 811*- Parks medical Eletronics - Oregon, EUA) com o sensor fixado à região da artéria tibial e um manguito pediátrico nº 1 na região da coxa.

Para avaliar a ação do fármaco, foram observados os períodos hábil (PHA) e de recuperação da anestesia (PRA). O PHA foi definido como o tempo decorrido entre a ausência de resposta reflexa e o levantamento da cabeça, isto é, início e término da seda; o PRA como o tempo decorrido entre o levantamento da cabeça até o retorno à posição quadrupedal.

A posologia do fármaco foi determinada a partir da média do volume aplicado em todos os animais (ml), média do peso dos animais (kg) e concentração do fármaco estudado (mg.ml-1), utilizando-se a seguinte expressão numérica:

em que:

P representa a posologia (mg.kg-1); V o volume aplicado (ml); C a concentração (mg.ml-1) da droga; e p o peso do animal (kg).

Para as análises estatísticas usou-se o teste, não paramétrico, Wilcoxon pareado (P<0,05).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores obtidos antes e após a indução com propofol em cutias são apresentados na Fig. 1. A indução anestésica pelo propofol foi 8mg.kg-1, condizente com aquela utilizada em outros roedores: 7,5 - 15mg.kg-1 em coelhos e 7,5 - 10mg.kg-1 em ratos (Fantoni e Otsuki, 2004). Indicação de doses de fármacos para anestesiar roedores não são encontradas na literatura, mas, sabe-se que a indução de roedores pode ser realizada com cetamina, tiletamina-zolazepam ou anestésico inalatório, por meio de máscara ou caixa anestésica (Boussarie et al., 2002).


O tempo de anestesia foi de 10 minutos e 7 segundos, tempo maior que o obtido por Boussarie et al. (2002), 5 minutos, ao utilizarem o mesmo fármaco, em coelhos. O tempo de recuperação dos animais foi de 15 minutos e 7 segundos, que ocorreu de forma tranqüila, sem sinais de excitação ou desconforto.

Embora haja relatos de que o propofol deprime tanto a freqüência como a profundidade da respiração após a indução (Manica, 1997), neste estudo não se observou diminuição da FR. Este resultado confirma os já obtidos por Brammer et al. (1993) em ratos, isto é, a FR manteve-se estável. Aeschbacher e Webb (1993) observaram diminuição da FR em coelhos após indução em bolus de propofol, porém sem apnéia.

Não houve diferença na FC entre os dois tempos estudados. Este dado é comparável a estudos prévios em coelhos (Xu et al., 2000), contudo outros autores verificaram aumento da FC em ratos (Brammer et al., 1993; Krassioukov et al., 1993) e em coelhos (Blaker et al., 1988; Aeschbacher e Webb, 1993), de modo dose-dependente.

Também não se observou diferença na TR entre os tempos estudados. Saiki et al. (2003) observaram diminuição gradativa da TR em ratos ao longo do tempo experimental. A redução da temperatura corporal durante a anestesia geral pode ser atribuída à depressão do sistema termorregulador central, à menor atividade metabólica, à vasodilatação periférica e à incapacidade de produzir calor por meio da atividade muscular esquelética (Muir e Hubbel, 1992). A TR, no entanto, também pode elevar-se devido ao estresse causado pela contenção física e, neste caso, é necessário maior tempo de anestesia para que ocorra sua diminuição (Schumaker et al., 1997).

Houve redução da PAS após a indução pelo fármaco, fato também observado em coelhos (Aeschbacher e Webb, 1993) e em ratos (Krassioukov et al., 1993; Xu et al., 2000; Akine et al., 2001). A hipotensão provocada pelo propofol é mais pronunciada que a produzida pela maioria dos agentes anestésicos, inclusive o tiopental, ocorrendo por mecanismos como: vasodilatação periférica, diminuição do tono simpático, ações cronotrópica e inotrópica negativas e depressão do reflexo barorreceptor (Sebel e Lowdon, 1989).

Conclui-se que o propofol, quando utilizado em dose única, mostra-se seguro, e por não alterar significativamente os parâmetros fisiológicos estudados, pode ser considerado um fármaco de escolha para a indução anestésica de cutias.

Recebido em 10 de agosto de 2006

Aceito em 24 de maio de 2008

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  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      10 Ago 2006
    • Aceito
      24 Maio 2008
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