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Propriedades da carne e perfil de ácidos graxos do pernil de catetos (Tayassu tajacu) alimentados com torta de babaçu (Orbignya phalerata)

Meat properties and fatty acids profile of the ham of peccaries (Tayassu tajacu) fed babassu (Orbignya phalerata) meal

Resumos

Analisaram-se as propriedades da carne e o perfil de ácidos graxos do pernil de catetos alimentados com dietas contendo diferentes porcentagens de torta de babaçu, usada como fonte energética alternativa substituindo parte do milho na alimentação, em sistemas de produção em cativeiro. Avaliou-se o pernil de 12 animais quanto às suas propriedades - perda de peso ao cozimento, força de cisalhamento, pH e capacidade de retenção de água-, depois extraiu-se o óleo da carne e determinou-se o perfil dos ácidos graxos. Não foram observados efeitos (P>0,05) das porcentagens de torta de babaçu sobre as propriedades da carne; os ácidos graxos (AG) insaturados, mono e poli-insaturados, foram encontrados em maior quantidade (51,6-57,8%) que os ácidos graxos saturados (42,2-48,4%) na carne do pernil. Baseando-se na teoria de que os AG poli-insaturados ingeridos na dieta humana são responsáveis pela redução nos níveis séricos de colesterol, sugere-se que a carne de catetos seja uma boa fonte alternativa de proteína.

cateto; animal silvestre; carne; ácidos graxos


The meat properties and the fatty acids profile of the ham of peccaries ham fed diets with different levels of babassu meal, used as an alternative energy source substituting part of corn on feeding peccaries in captivity, were studied. The ham meats of 12 animals were evaluated on their properties: cooking losses, shear force, pH, and water holding capacity. After that, the meat oil was extracted to determine the fatty acids contents. No effects (P>0.05) of the babassu meal levels on the meat properties were observed. The unsaturated fatty acids, mono and polyunsaturated, were found in higher quantity than the saturated fatty acids in the ham meat of peccaries. Based on the theory that the polyunsaturated fatty acids ingested in the human diet are responsible for reduction of the seric levels of cholesterol, it can be suggested that the peccary meat is a good alternative source of protein.

peccary; wild animal; meat; fatty acids


ZOOTECNIA E TECNOLOGIA E INSPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL

Propriedades da carne e perfil de ácidos graxos do pernil de catetos (Tayassu tajacu) alimentados com torta de babaçu (Orbignya phalerata)

Meat properties and fatty acids profile of the ham of peccaries (Tayassu tajacu) fed babassu (Orbignya phalerata) meal

N.I. AlbuquerqueI; C.C. ContrerasII; S. AlencarII; C.F. MeirellesII; A.P. AguiarII; J.A. MoreiraIII; I.U. PackerII

IEmbrapa Amazônia Oriental Caixa Postal 48 66095-100 - Belém, PA

IIEscola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - Campinas, SP

IIICentro de Energia Nuclear na Agricultura - Piracicaba, SP

RESUMO

Analisaram-se as propriedades da carne e o perfil de ácidos graxos do pernil de catetos alimentados com dietas contendo diferentes porcentagens de torta de babaçu, usada como fonte energética alternativa substituindo parte do milho na alimentação, em sistemas de produção em cativeiro. Avaliou-se o pernil de 12 animais quanto às suas propriedades - perda de peso ao cozimento, força de cisalhamento, pH e capacidade de retenção de água-, depois extraiu-se o óleo da carne e determinou-se o perfil dos ácidos graxos. Não foram observados efeitos (P>0,05) das porcentagens de torta de babaçu sobre as propriedades da carne; os ácidos graxos (AG) insaturados, mono e poli-insaturados, foram encontrados em maior quantidade (51,6-57,8%) que os ácidos graxos saturados (42,2-48,4%) na carne do pernil. Baseando-se na teoria de que os AG poli-insaturados ingeridos na dieta humana são responsáveis pela redução nos níveis séricos de colesterol, sugere-se que a carne de catetos seja uma boa fonte alternativa de proteína.

Palavras-chave: cateto, animal silvestre, carne, ácidos graxos

ABSTRACT

The meat properties and the fatty acids profile of the ham of peccaries ham fed diets with different levels of babassu meal, used as an alternative energy source substituting part of corn on feeding peccaries in captivity, were studied. The ham meats of 12 animals were evaluated on their properties: cooking losses, shear force, pH, and water holding capacity. After that, the meat oil was extracted to determine the fatty acids contents. No effects (P>0.05) of the babassu meal levels on the meat properties were observed. The unsaturated fatty acids, mono and polyunsaturated, were found in higher quantity than the saturated fatty acids in the ham meat of peccaries. Based on the theory that the polyunsaturated fatty acids ingested in the human diet are responsible for reduction of the seric levels of cholesterol, it can be suggested that the peccary meat is a good alternative source of protein.

Keywords: peccary, wild animal, meat, fatty acids

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre a carcaça e as propriedades da carne de animais silvestres são escassos, embora o mercado consumidor de carne tenha semostrado bastante receptivo ao consumo desse Os estudos sobre a carcaça e as propriedades da tipo de alimento. Em trabalhos sobre a carcaça carne de animais silvestres são escassos, embora de capivaras (Hydrochoeris hydrochaeris hydrochaeris), Albuquerque (1993) e Bressan et al. (2002) verificaram dados sobre o rendimento de carcaça, as medidas lineares (altura, comprimento e perímetro torácico), a composição física da carcaça e o rendimento dos cortes comerciais. Quanto ao cateto, Silva et al. (2002) avaliaram o comprimento da carcaça, os rendimentos da carcaça, da carne e do pernil e a composição químico-bromatológica da carne de animais submetidos a dietas com quatro níveis de proteína bruta (14%, 16%, 18% e 20%).

As características físico-químicas da carne, tais como brilho, coloração, maciez, suculência e aroma, são parâmetros importantes para o consumidor no momento da compra e determinantes da aceitação global do corte e do tipo de carne. Sabe-se também que, nos alimentos, os lipídios afetam as propriedades de textura, suculência, sabor, aroma e cor, sendo um dos responsáveis pela aceitação da carne pelo consumidor. Segundo Oda et al. (2004a), as características de qualidade da carne apresentam variações que estão relacionadas a vários fatores: método de abate, espécie, idade de abate, peso de abate, sexo, manejo pré-abate e manejo post-mortem. A qualidade ainda varia conforme a região geográfica, a classe sócioeconômica do consumidor, a diferente visão técnico-científica, industrial, comercial e questões culturais, entre outros aspectos. Varia também de acordo com as características e preferências individuais de cada consumidor (Contreras e Custódio, 2002).

Os fatores que interferem na qualidade da carne também influenciam a extensão e a velocidade da glicólise, bem como o valor de pH final. Em situações anormais, o pH final de carnes vermelhas pode ser igual ou mais elevado do que 6,2 (escura, firme e ressecada na superfície), e essa carne têm vida de prateleira curta. Também em situações anormais, o pH da carne pode apresentar rápido declínio (pH<5,8; 1h post-mortem) que, associado à elevada temperatura de carcaça (36ºC), causa desnaturação proteica, baixa capacidade de retenção de água, coloração pálida e baixa aptidão para a transformação (Oda et al., 2004a).

O fornecimento de dietas com diferentes formulações provoca modificações na composição de ácidos graxos da carne. Os ácidos graxos diferem quanto ao comprimento da cadeia hidrocarbonada, ao número e tipo de ligações que unem os átomos de carbono, tornando-os de cadeia curta, média e longa, saturados e insaturados. A maioria dos ácidos graxos dos lipídios animais tem número par de átomos de carbono. Os principais ácidos graxos saturados da carne são palmítico (C16:0), esteárico (C18:0) e mirístico (C14:0). O ácido oleico (C18:1) é o monoinsaturado mais abundante, seguido do palmitoleico (C16:1). Os ácidos linoleico (C18:2), linolênico (C18:3) e araquidônico (C20:4) são os principais ácidos graxos poliinsaturados. Os ácidos graxos saturados e monoinsaturados são os constituintes mais importantes dos triglicerídeos da fração lipídica da carne (Rhee et al., 1988).

Freire et al. (2000) avaliaram o efeito do sexo e da castração sobre o perfil quantitativo de ácidos graxos e o teor de colesterol na carne de cateto. Os principais ácidos graxos encontrados foram mirístico (1,1 a 1,4%), palmítico (21,6 a 24%), palmitoleico (2,7 a 4,1%), esteárico (10,6 a 10,8%), oleico (28,4 a 37,8%), linoleico (13,9 a 22,3%), linolênico (0,26 a 0,67%) e araquídico (1,8 a 3,1%), isto é, verificaram teor mais alto de ácidos graxos insaturados.

A carne é considerada um alimento nobre para o homem pela qualidade de proteínas, pela presença de ácidos graxos (AG) essenciais e de vitaminas do complexo B. Entretanto, como relataram Oda et al. (2004b), parte dos consumidores associa o consumo da carne vermelha à ocorrência de doenças cardiovasculares. Esses consumidores buscam, por meio da mudança de hábitos no dia a dia, combater o estresse, o sedentarismo e a nutrição desbalanceada, típicos do estilo de vida do homem moderno, que contribuem para o aparecimento da obesidade, da hipercolesterolemia e das doenças cardiocirculatórias. Segundo Jardim et al. (2003) e Oda et al. (2004b), em geral, as carnes de animais silvestres apresentam proporção alta de AG poli-insaturados e teores reduzidos de lipídios totais.

Embora a demanda pela carne de animais silvestres seja elevada, a oferta é baixa e instável. Um fator limitante na comercialização da carne de animais silvestres é a falta de estudos das características de qualidade (Oda et al., 2004b). O cateto (Tayassu tajacu) é uma espécie silvestre bastante procurada, e sua criação em cativeiro pode tornar-se uma alternativa de sustentabilidade e diversificação da produção e da renda de produtores rurais, desde que se utilizem fontes alternativas de alimentos de baixo custo.

O babaçu (Orbignya phalerata) é uma palmeira encontrada em abundância na região Amazônica, com alto potencial energético e grau de aproveitamento para algum tipo de utilidade, seja na alimentação ou com a finalidade cosmética, porém a maioria de suas partes não é aproveitada comercialmente, tornando-se uma fonte alternativa de energia a baixo custo para arraçoamento de animais (Babaçu, 2005).

O objetivo deste trabalho foi analisar as propriedades da carne e o perfil de ácidos graxos do pernil de catetos alimentados com dietas contendo torta de babaçu (subproduto do babaçu integral).

MATERIAL E MÉTODOS

Os animais utilizados para análises das propriedades da carne e do perfil de ácidos graxos nasceram em cativeiro, foram alimentados por quatro diferentes dietas testando-se porcentagens crescentes da torta de babaçu em substituição ao milho, em rações formuladas para animais na fase de terminação (média do peso inicial de 12,33kg e final de 16,25kg).

As rações foram elaboradas à base de milho e farelo de soja com níveis diferentes de inclusão da torta de babaçu - TA: ração-controle, à base de milho e farelo de soja; TB: 20% de torta de babaçu e 80% de milho; TC: 40% de torta de babaçu e 60% de milho; TD: 60% de torta de babaçu e 40% de milho.

A caracterização química e a composição percentual dos ingredientes das rações experimentais são apresentadas nas Tab. 1 e 2.

As carnes dos pernis dos animais abatidos foram conservadas em gelo e em seguida transportadas para serem avaliadas quanto às suas propriedades (atributos de qualidade) e conteúdo de ácidos graxos. Os itens analisados foram: perda de peso por cozimento, capacidade de retenção de água, força de cisalhamento, pH e perfil de ácidos graxos.

A perda de peso por cozimento (PPC) foi realizada pelo registro dos pesos das amostras antes e após o cozimento, seguindo a metodologia de Hanikel (1998). Para tal, 24 amostras, com repetição de cada tratamento, pesando 300g de cada corte de pernil, foram mantidas a 4ºC/12h. Os pernis foram cortados no formato de 6x4x8cm, pesados e embalados a vácuo. As amostras foram, então, mantidas por 90 minutos em banho de água a 70ºC, até atingir a temperatura interna de 69-70C. Em seguida, as amostras, dentro da embalagem, foram resfriadas em água corrente, a superfície foi enxugada com papel, e foram, novamente, pesadas.

A força de cisalhamento (FC) foi determinada por meio de textuômetro1 1 Food Technology Corporation (TP2) - Rockville, EUA. , acoplado com acessório tipo Warner-Bratzler, com velocidade de 20cm/seg (Hanikel, 1998). Vinte e quatro amostras, com repetição de cada tratamento, pesando 300g de cada corte de pernil, foram resfriadas (1C/12h), em seguida colocadas em embalagem específica para suportar alta temperatura2 2 Cryovac Sealed Air Corporation (CN-530/CN-590) Elmwood Park, EUA. e mantidas por 90min em banho de água a 70ºC. Após o tratamento térmico, foram resfriadas, dentro da embalagem, e armazenadas a 5ºC/24h. Para cada amostra cozida, obteve-se, em média, nove tiras retangulares com seção cruzada de 100mm2 (10x10mm), na direção da fibra, paralela, na dimensão de 30mm. Os resultados foram expressos em kgf/g.

Na capacidade de retenção de água (CRA), utilizou-se a metodologia descrita por Nakamura e Katoh (1985), que se basearam na pesagem acurada de, aproximadamente, 1g de carne crua em papel filtro, centrifugada a 1500xg/4min. Após centrifugação, a amostra foi pesada e, em seguida, mantida em estufa a 70C/12h. A CRA foi determinada pela diferença entre o peso da amostra após centrifugação e o peso da amostra seca, dividida pelo peso final, expresso em porcentagem. Utilizaram-se duas amostras por corte (uma repetição), perfazendo 24 amostras de corte de pernil.

Para o pH utilizaram-se 24 amostras, com uma repetição para cada corte de pernil. A medição foi feita em potenciômetro digital3 3 Digimed (DM2)- São Paulo, Brasil. , com eletrodo de punção. As medições foram tomadas em quatro pontos nos músculos de pernis. A análise foi realizada após 24 horas do abate.

Para o perfil de ácidos graxos, a extração dos lipídios da carne dos pernis foi realizada de acordo com a metodologia de Bligh e Dyer (1959), com algumas modificações propostas por Christie (1982) e Smedes e Thomasen (1996). Uma mistura contendo 10g da amostra úmida triturada (cerca de 70% de umidade), 10mL de clorofórmio e 20mL de metanol foi homogeneizada em mesa agitadora por 5min. Em seguida, foram adicionados mais 10mL de clorofórmio e procedeu-se à agitação por mais 5min. A mistura foi filtrada e o resíduo do papel de filtro foi lavado com 10mL de clorofórmio, para se obter melhor rendimento da extração. O filtrado foi transferido para um funil de separação de 250mL, adicionado de 10mL de solução de KCl 0,88% e agitado vigorosamente. Formou-se um sistema bifásico, e a fase inferior, contendo os lipídios purificados diluídos em clorofórmio, foi filtrada em papel de filtro contendo sulfato de sódio anidro e coletada em balão volumétrico previamente pesado. O solvente foi totalmente evaporado utilizando-se gás nitrogênio.

O óleo extraído da carne dos pernis foi esterificado e metilado de acordo com a metodologia de Hartman e Lago (1973). Foram pesados 100-200mg de óleo em frascos de 50mL providos de condensador para saponificação com 5mL de solução metanólica 0,5M de KOH sob fervura. Adicionaram-se 15mL do reagente de esterificação à solução quente, e a mistura foi aquecida sob refluxo por três minutos. Em seguida, transferiu-se a amostra para um funil de separação usando 25mL de éter de petróleo e 50mL de água destilada. A fase inferior, aquosa, foi descartada, e a fase etérea lavada duas vezes com 25mL de água. As amostras, transferidas para frascos âmbar, tampados, foram guardadas a -18ºC até o momento da injeção em cromatógrafo gasoso.

Para determinação do perfil de ácidos graxos nas amostras metiladas, foi usado um cromatógrafo gasoso4 4 Hewlett 5890 series II - Hewlett-Packard - Palo Alto-CA, EUA. com detector FID e coluna capilar de sílica5 5 Agilent (DB-23) - Santa Clara-CA, EUA. de 60m x 0,25mm x 0,25µm (DB-23). As condições de injeção foram: temperatura do forno a 130ºC/1min, 130ºC a 170ºC (6,5ºC/min), de 170ºC a 215ºC (2,75ºC/min), 215ºC/12min, de 215ºC a 230ºC (40ºC/min) e de 230ºC/3min; temperatura de injeção (split), 270ºC; temperatura do FID, 280ºC; volume de injeção, 0,2mcL; gás hélio de arraste com fluxo de 1,6mL/min. Os resultados foram expressos em porcentagem do conteúdo total dos ácidos graxos.

Os animais foram distribuídos nos tratamentos de acordo com o peso, a idade e o sexo. Utilizou-se delineamento experimental em blocos ao acaso.

Os dados foram analisados seguindo os procedimentos do SAS/2000, de acordo com modelo envolvendo os efeitos de blocos e tratamentos. Os efeitos de tratamento foram decompostos em linear, quadrático e cúbico para se verificar a resposta.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tab. 3, são apresentados os resultados das análises de PPC, FC, pH e CRA da carne de catetos alimentados com dietas contendo diferentes proporções de torta de babaçu.

Não foram observados efeitos (P>0,05) da proporção de inclusão de torta de babaçu sobre PPC, FC, pH e CRA. Na literatura, não foram encontrados experimentos testando diferentes dietas em catetos com avaliação da carne.

Os valores da PPC observados no pernil de catetos variaram de 15,1 a 22,1% e foram menores que os relatados por diversos autores, para outros animais. Ao analisarem o músculo Longissimus dorsi (LD) de capivaras, Bressan et al. (2004) encontraram PPC entre 31,3 a 33,6%. Em LD de bovinos adultos, Lesiów e Ockerman (1998) verificaram valores entre 38,2 e 40,5%. Em ovinos, abatidos com peso entre 15 e 45kg, Prado (2000) descreveu valores entre 27,6 a 29,1%, e Souza (2001) entre 35,4 a 38,9%. No LD de suínos, Silveira (1997) verificou valores de 27,2 a 36,6% e Renaudeau et al. (2005), de 30,2 e 33,1%, em suínos das raças Crioula e Large White, respectivamente.

Quanto à FC, os valores variaram de 3,4 a 5,32kgf/g. Bressan et al. (2004) encontraram no músculo LD de capivaras valores de FC entre 4,94 e 5,50kgf/g, e Saldanha (2000) FC entre 4,55 e 4,68kgf/g em paleta e pernil de capivaras. Em bovinos, Mooney et al. (1998), ao avaliarem o músculo LD, encontraram médias de FC de 3,85kgf/g para bovinos alimentados com dieta concentrada e 4,78kgf/g, para bovinos alimentados com forragem. Em ovinos, Prado (2000) verificou médias entre 2,3 e 2,8kgf/g, e Souza (2001) entre 5,92 e 13,20kgf/g. Em ovinos, amostras com FC inferior a 11kgf/g foram consideradas macias (Bickerstaffe et al., 1997). Segundo Arima (2006), os efeitos do complexo actomiosina, de base e da densidade ou lubrificação fazem a maciez ser diferente entre os músculos. O efeito da actomiosina pode ser observado ou medido pelo comprimento do sarcômero, pelo diâmetro da fibra muscular e pela fragmentação do sarcômero. O efeito de base pode ser expresso pela concentração das proteínas do estroma, tamanho das fibrilas de elastina e solubilidade do colágeno e o da densidade ou lubrificação pela quantidade e distribuição da marmorização. Considerando os limites propostos para ovinos, os valores de FC em pernil de catetos podem ser classificados como macios.

Quanto à CRA, os valores encontrados variaram entre 60,70 a 63,06%. Segundo Forrest et al. (1979), a CRA é associada à integridade e à quantidade das proteínas no post-mortem.

Os valores de pH encontrados no pernil variaram entre 6,2 a 6,3 após 24 horas post- mortem. O resultado das reações bioquímicas post-mortem é o acúmulo de ácido lático, responsável pela acidificação do músculo e consequente redução do pH. Bressan et al. (2004), ao analisarem o pH no músculo LD em capivaras, verificaram valores médios entre 5,99 e 6,04, 24 horas post-mortem. Em ovinos, Prado (2000) encontrou no músculo LD 24 horas post-mortem valores de pH de 5,7 a 5,8 e, em bovinos, Wahlgren et al. (1997) observaram pH de 5,6.

Outro fator a se considerar é a cor do músculo. As fibras vermelhas contêm maior teor de mioglobina que as brancas. Nas fibras vermelhas, o estoque de oxigênio na mioglobina está associado à alta proporção de enzimas envolvidas no metabolismo oxidativo e a baixos níveis de enzimas glicolíticas. O processo oxidativo pode estar associado à maior utilização do músculo (mais exercitado), o que também eleva o pH (Hedrick et al., 1994).

Comparando os dados encontrados em animais silvestres com os de ovinos e bovinos, o esperado seria maior queda de pH a partir de cinco horas após o abate. Para Forrest et al. (1979), a diminuição do pH está associada às reservas de glicogênio no pré-abate, e baixas reservas são responsáveis pela baixa extensão da glicólise, instalação superficial do rigor e elevado pH final. Segundo Bressan et al. (2004), em animais silvestres que não estão adaptados a manejos em baias, possivelmente não ocorra essa reposição de glicogênio muscular.

Neste experimento, o estresse pré-abate dos catetos foi intenso, apesar dos esforços para minimizá-los, após mais de 2h de transporte. Além disso, pelo não conhecimento de métodos ideais de abate para essa espécie, não foi possível a insensibilização rápida, o que intensificou o estresse. Acredita-se que esses fatores tenham influenciado o elevado pH final. Segundo Oda et al. (2004b), certamente há gasto das reservas de glicogênio muscular no pré-abate, resultando em carnes menos ácidas 24 horas post-mortem.

Na Tab. 4, são apresentados os resultados do perfil de ácidos graxos (AG) da carne de pernil, de acordo com as dietas fornecidas aos animais. Os AG encontrados em maior proporção no pernil foram o C16:0, o C18:1 cis e o C18:2 cis. A média do total de AG insaturados foi entre 51,6 e 57,8%, maior que a de saturados, de 42,2 a 48,4%.

Freire et al. (2000), ao estudarem AG na carne de pernil de catetos machos inteiros, machos castrados e fêmeas, verificaram C14:0 de 1,1 a 1,4%, C16:0 de 21,6 a 24%, C18:0 de 10,6 a 10,8%, valores mais baixos que os observados no presente experimento, C16:1 de 2,7 a 4,1% e C18:1 de 28,4 a 37,8%, ligeiramente mais altos que os deste experimento e C18:2 de 13,9 a 22,3%, C18:3 de 0,26 a 0,67%, ligeiramente mais baixos.

A relação AGI/AGS observada foi, em média, 1,23, valor menor que o observado por Freire et al. (2000), que encontraram média de 1,46, isto é, maior proporção de AG insaturados na carne de catetos.

Renaudeau et al. (2005), ao analisarem o músculo LD de suínos da raça Crioula, encontraram 40% de AG saturados e 40,6% de AG monoinsaturados, e concentrações de 17,3% de C18:2 e de 0,96% de 18:3. Para Bragagnolo (2001), em suínos, a composição de AG foi de 40±2, 44±2 e 14±2 para AG saturados, monoinsaturados e poli-insaturados, respectivamente, e, ainda, em bovinos, 45±4, 40±4 e 7±4 para AG saturados, monoinsaturados e poli-insaturados, respectivamente.

Segundo Oda et al. (2004a), ao analisarem o músculo Semimembranosus de capivara, os valores de AG saturados foram entre 38,0% a 41,6%, de AG monoinsaturados entre 27,2% a 30,8% e de AG poli-insaturados entre 26,6% a 31,7%. Jardim et al. (2003), no músculo Longissimus dorsi de capivaras com 30 a 40kg de PV, encontraram 38,3% para AG saturados, 12,0% para AG monoinsaturados e 28,2% para poli-insaturados.

Comparando a carne de catetos com a de capivaras, observa-se que aqueles apresentaram valores mais altos para AG saturados e monoinsaturados e valores semelhantes para AG poli-insaturados. Entretanto, comparando com as carnes de animais domésticos, o pernil de catetos apresentou maior teor de AG insaturados, principalmente poli-insaturados, e menor teor de AG saturados.

Segundo Jardim et al. (2003), considerando-se os aspectos tecnológicos, quanto maior o grau de insaturação de gordura das carnes, mais rápido ocorre a oxidação desses compostos lipídicos, e menor é a vida de prateleira da carne. Todavia, com relação aos aspectos de saúde, os AG poliinsaturados ingeridos na dieta humana são responsáveis por redução nos níveis séricos de colesterol.

O colesterol é uma substância pertencente ao grupo dos lipídios, presente predominantemente no reino animal. Os ácidos graxos saturados são considerados hipercolesterolêmicos, e a incidência da doença cardiovascular tem sido relacionada com os altos níveis de colesterol sanguíneo. Para mantê-lo em baixos níveis, recomenda-se uma dieta equilibrada, com baixo teor de lipídios, colesterol e ácidos graxos saturados, e maior taxa de ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados (Bragagnolo, 2001).

A carne de catetos apresentou teor de AG insaturados (mono e poli-insaturados) mais altos que o de AG saturados, e, também, mais alto que nas espécies domésticas.

Recebido em 31 de agosto de 2008

Aceito em 30 de agosto de 2009

E-mail: natalia@cpatu.embrapa.br

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Ago 2009
    • Recebido
      31 Ago 2008
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