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Identificação de portadores de Staphylococcus enterotoxigênicos e avaliação da sensibilidade a antimicrobianos

Identification of enterotoxigenic Staphylococcus carriers and antimicrobial susceptibility evaluation

COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Identificação de portadores de Staphylococcus enterotoxigênicos e avaliação da sensibilidade a antimicrobianos

Identification of enterotoxigenic Staphylococcus carriers and antimicrobial susceptibility evaluation

A.S. Bartels; A.D. Andrade; E. Neumann, A.M. Silva* * Autor para correspondência ( corresponding author) E-mail: amsilva14@hotmail.com

Departamento de Ciências Biológicas, Ambientais e da Saúde - UNI-BH Belo Horizonte, MG

Palavras-chave:Staphylococcus, enterotoxina, manipulador de alimentos, sensibilidade antimicrobiana

ABSTRACT

This study identified Staphylococcus aureus carriers among students of nutrition course, evaluating the capacity of producing staphylococcal enterotoxins (VIDAS Kit) and also the antimicrobial susceptibility (Kirby-Bauer method) of the isolates. Among 173 students sampled, 62 (35.8%) were detected as carriers of S. aureus, being 38 (61.3%) in nostrils; nine (14.5%) on the hands, and 15 (24.2%) in both sites. The production of staphylococcal toxins was detected in 71.4% of the positive-coagulase pools and in 7.1% of the negative-coagulase pools. Even though considerable resistance had been observed with azithromycin (38%), erithromycin (36%), and tetracycline (14%); cephalothin, cefoperazone, ceftriaxone, ciprofloxacin, imipenem, and oxacillin were effective to inhibit the microorganism growth. The high score of healthy carriers was alarming; however, many of the isolated Staphylococcus showed sensitive to most of the antimicrobial tested. The production of toxins was also relevant, mainly by strains that the current Brazilian legislation consider harmless.

Keywords:Staphylococcus, enterotoxin, food handler, antimicrobial susceptibility

A intoxicação por Staphylococcuspode ser apontada como um dos tipos mais comuns de doença transmissível por alimento, na qual Staphylococcus aureus é a espécie mais frequente, pela presença de enterotoxinas préformadas em alimentos (Arcuri et al., 2006; Brant et al., 2007). Em diversos países, estabeleceu-se a obrigatoriedade de testes para detecção, como parte das ações de fiscalização sanitária de órgãos governamentais de saúde (Brasil, 2001). Entretanto, há relatos da detecção em alimentos, de linhagens de Staphylococcus coagulase negativo produtores de enterotoxinas. (Lamaita et al., 2005; Rapini et al., 2005; Veras et al., 2008).

A detecção e o controle de portadores de S. aureus é particularmente importante quando se trata de manipuladores de alimentos (Andrade e Zelante, 1989). O rastreamento epidemiológico de portadores de S. aureus tem buscado estabelecer a possível ligação entre o microrganismo na microbiota da pele e conjuntivas do homem e a propagação de linhagens resistentes no ambiente familiar ou de trabalho (Raddi et al., 1988; Rapini et al., 2005). O uso indiscriminado de antimicrobianos, com fins profiláticos ou terapêuticos ou, ainda, incorporados na alimentação, como "promotores de crescimento", aumenta a pressão seletiva para linhagens multirresistentes (Müller, 2003). O gênero Staphylococcus é utilizado como indicador da qualidade de sanitização de estabelecimentos, principalmente quando envolve intensa manipulação durante o processamento de alimentos (Freitas et al., 2004). Este estudo teve como objetivo identificar possíveis portadores de Staphylococcus enterotoxigênicos entre os alunos do curso de nutrição do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH.

Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH, foram colhidas amostras de ambas as narinas e mãos de 173 indivíduos. As amostras foram semeadas em ágar Baird-Parker, ágar Hipertônico-Manita e no meio Tioglicolato1 1 Oxoid - Basingstoke, Inglaterra. , seguindo-se incubação a 37ºC por 48 horas. As colônias características de Staphylococcus foram transferidas para caldo BHI2 2 Biobras - Montes Claros, Brasil. , incubadas a 37ºC por 24 horas. Os microrganismos isolados foram classificados segundo as características morfotintoriais, bioquímicas e cultivo (MacFaddin, 1980).

Para verificar a produção de enterotoxinas, foi utilizado o teste imunoenzimático, pelo método ELFA (Enzyme Linked Fluorescent Assay) com o sistema automatizado, utilizando o kit VIDAS Staph enterotoxin II3 3 BioMérieux - Marcy l'Eoile, França. . Depois de repicadas, as linhagens foram agrupadas de acordo com as características bioquímicas em pools, que foram inoculados em caldo BHI e incubados a 37ºC por 48 horas, visando à produção de toxinas. Os pools foram mantidos sob refrigeração até a realização dos testes, quando foram centrifugados a 3000-5000 x g por 15min a 18- 25ºC. Em seguida, 500µL do sobrenadante foram depositados nas barretes do kit. A análise estatística foi realizada por meio de tabela de contingência, utilizando-se o programa Prima® versão 3, considerando significativos os valores de P<0,05.

Para análise da sensibilidade aos antimicrobianos, utilizou-se o método de Kirby-Bauer (Bauer et al., 1966). Os antimicrobianos testados foram: azitromicina (15µg); cefalotina (30µg); cefoperazona (75µg); ceftriaxona (30µg); ciprofloxacina (5µg); eritromicina (15µg); imipenem (10µg); oxacilina (1µg) e tetraciclina (30µg). A interpretação dos resultados de sensibilidade foi feita de acordo com as especificações do National Committe for Clinical Laboratory Standards (Methods..., 2004).

O cultivo microbiano das amostras colhidas nas fossas nasais e nas mãos dos indivíduos analisados permitiu detectar 62 (35,8%) portadores de S. aureus, independentemente da área anatômica amostrada. Verificou-se a presença do microrganismo concomitantemente nas mãos e nas fossas nasais em 15 (24,2%) indivíduos; somente nas mãos em 9 (14,5%) e somente no nariz em 38 (61,3%) (Fig. 1). Resultados semelhantes aos obtidos neste estudo foram encontrados por Andrade e Zelante (1989) ao verificarem 35,7% de indivíduos portadores, desses 10% apresentavam o microrganismo nas mãos e 45,0% no nariz. Números equivalentes também foram relatados por Raddi et al. (1988), Carvalho e Serafini (1996) e Rapini et al. (2005).


Constatou-se a produção de toxinas estafilocócicas em 71,4% dos pools de amostras coagulase positivo e em 7,1% dos pools coagulase negativo. Estes dados estão expressos na Fig. 2 e devem ser interpretados com cautela, já que a produção de enterotoxinas também ocorre em isolados que seriam considerados inócuos pela legislação vigente (Brasil, 2001). Lamaita et al. (2005), Rapini et al. (2005) e Veras et al. (2008) também encontraram estirpes de Staphylococcus coagulase negativo produtoras de toxinas em seus experimentos.


Observou-se que houve associação entre a produção de coagulase pelas linhagens de Staphylococcus e enterotoxigenicidade (P=0,0013), estando de acordo com a prática da legislação em vigor.

A atividade da enzima coagulase tem sido usada para indicar patogenicidade de microrganismo toxigênico, e a enzima termonuclease sugerida como indicador mais confiável dessa enterotoxigenicidade (Bennett, 1996). Marques et al. (2006) utilizaram a produção de desoxirribonuclease (DNase) por linhagens de Staphylococcus coagulase positivo como indicador de patogenicidade. Após a análise estatística dos resultados obtidos neste estudo, não foi detectada associação entre a produção de enterotoxinas e de DNase (P=0,0852). Verificouse associação entre produção de coagulase, DNAse e enterotoxinas (P=0,0095), porém essa enterotoxigenicidade depende apenas da presença da coagulase.

Ainda assim, a simples detecção da produção de coagulase por procedimentos bioquímicos rotineiros não é suficiente e seguro para estabelecer enterotoxigenicidade e virulência de linhagens de Staphylococcus, uma vez que a bactéria pode possuir o gene e não expressá-lo em condições laboratoriais ou ser coagulase negativo e enterotoxigênica (Veras et al., 2008). Os resultados deste trabalho ratificam as recomendações de Lamaita et al. (2005) sobre a determinação de padrões para Staphylococcus spp. e não somente para Staphylococcus coagulase positivo conforme a legislação em vigor e/ou, ainda, preconizar a identificação de enterotoxinas nos diferentes alimentos, para garantir a real segurança desses.

Oliveira et al. (2000) e Müller (2003) relataram a ocorrência de linhagens de Staphylococcus apresentando resistência a antimicrobianos; já os resultados desta pesquisa apontaram para alta e satisfatória taxa de sensibilidade à maioria dos antimicrobianos testados. Das linhagens isoladas, 38% apresentaram resistência à azitromicina, 36% à eritromicina, 14% à tetraciclina, 4% à cefalotina e 2% à ceftriaxona, enquanto os outros antimicrobianos (cefoperazona, ciprofloxacina, imipenem e oxacilina) foram 100% eficientes na eliminação dos microrganismos. A sensibilidade dos microrganismos à maioria dos antimicrobianos analisados é um bom resultado. No entanto, estes microrganismos podem adquirir resistência aos antimicrobianos pelo contato com outros microrganismos resistentes presentes na microbiota normal ou transitória dos indivíduos. Também não se deve excluir a preocupação com a possibilidade de multirresistência ocasionada pelo uso indevido de antimicrobianos.

Medidas para eliminar S. aureus são inviáveis, portanto a identificação de portadores, a capacitação dos manipuladores e a aplicação das boas práticas de fabricação são procedimentos relevantes para a prevenção da contaminação de alimentos, durante as diferentes fases de preparo, aí incluídas todas as medidas de higiene pessoal, utensílios e instalações. Dentro do grupo avaliado, a alta taxa de isolamento de S. aureus, seja das mãos, das narinas ou em ambas, é fator preocupante, pois o grupo analisado é candidato a trabalhar em unidades de alimentação dentro de alguns anos. O resultado para produção de toxinas, principalmente por Staphylococcus spp. que seriam considerados inócuos, requer maior atenção dos pesquisadores e dos órgãos de fiscalização sanitária, sugerindo revisão da legislação vigente.

AGRADECIMENTOS

Ao Laboratório de Ecologia e Fisiologia de Microrganismos - ICB-UFMG, por ceder parte do material e equipamentos necessários à pesquisa. Ao Laboratório de Enterotoxinas -Fundação Ezequiel Dias (FUNED), pela realização das leituras dos kits de identificação de toxinas. À Professora Maura Vilela, pela análise estatística.

Recebido em 8 de julho de 2008

Aceito em 16 de novembro de 2009

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  • *
    Autor para correspondência (
    corresponding author)
    E-mail:
  • 1
    Oxoid - Basingstoke, Inglaterra.
  • 2
    Biobras - Montes Claros, Brasil.
  • 3
    BioMérieux - Marcy l'Eoile, França.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
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