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Aspectos ecológicos de endoparasitos de piranha vermelha (Pygocentrus nattereri, Kner, 1860) proveniente do rio Cuiabá

Ecological aspects of endoparasites in red piranha (Pygocentrus nattereri Kner, 1860) from Cuiabá river, Mato Grosso, Brazil

COMUNICAÇÃO COMMUNICATION

Aspectos ecológicos de endoparasitos de piranha vermelha (Pygocentrus nattereri, Kner, 1860) proveniente do rio Cuiabá

Ecological aspects of endoparasites in red piranha (Pygocentrus nattereri Kner, 1860) from Cuiabá river, Mato Grosso, Brazil

L.A. BarrosI; L.A.F. MateusII; D.T. BraumIII; J. BonaldoIII

IFaculdade de Medicina Veterinária/MSV - UFF, Rua Vital Brazil, 64, 24230-340 - Niterói, RJ

IIInstituto de Biociências - UFMT

IIIFaculdade de Agronomia e Medicina Veterinária - UFMT

Palavras-chave: piranha vermelha, Pygocentrus, endoparasitos

ABSTRACT

This study evaluated the infrapopulations of parasites in red piranha (Pygocentrus nattereri) from the Cuiabá river, Mato Grosso, Brazil. One hundred sixty-four specimens of red piranha were captured and examined in the period from October to December, 2007 in Barão de Melgaço, Mato Grosso, Brazil. The parasitism was reviewed by data of prevalence, localization, mean intensity of infection, and abundance for each group of parasite found. In the examined fishes, nematodes (Eustrongylides spp., Contracaecum spp,. and Procamallanus spp.) and pentastomids were found. Among the examined fishes, 141 (86%) presented parasitism by at least one species of parasite; from those, 23 (14%) by nematodes identified as Eustrongylides spp., 106 (64.6%) by Contracaecum spp., 55 (33.5%) by Procamallanus spp., and 90 (54.9%) by pentastomids. About the localization of the parasites, from the 23 fishes positive to the infection by Eustrongylides spp., 19 (82.6%) presented larvae in the muscle, two (8.7%) in the celomatic cavity, and two (8.7%) in the air bladder. From the 106 fishes positive to the infection by larvae of Contracacecum spp., 105 (99%) presented the celomatic cavity as the locus of parasitism, and one (0.9%) presented the parasitism in the air bladder. All the fishes positives to the infection by Procamallanus spp., presented the intestine as parasitism site. From the 90 fishes parasited by pentastomids, 41 (45.6%) presented the parasitism in the muscle, 17 (18.9%) in the celomatic cavity, and 32 (35.6%) in the air bladder. The mean intensities of infection by larvae of Contracaecum spp. and Eustrongylides spp., Procamallanus spp., and pentastomids were 1.04; 3.93; 2.27; and 3.72 parasites per fish, respectively, and the abundance values were 0.14; 2.54; 0.76; and 2.04 parasites per fish, respectively.

Key words: red piranha, Pygocentrus, endoparasites

A piranha vermelha (Pygocentrus nattereri)é um peixe carnívoro encontrado com abundância em rios nas Américas Central e do Sul. Voraz predadora, possui mandíbulas fortes e dentes afiados e atinge até cinquenta centímetros de comprimento de corpo. Sua elevada abundância, ampla distribuição e vasta musculatura viabiliza a utilização na alimentação humana, na forma de caldos e de filetagem para sashimis. Trabalhos sobre helmintofauna em peixes carnívoros foram publicados em abordagens sobre a análise qualitativa ou patológica (Paperna, 1974; Kennedy e Lie, 1976; Eiras e Rego, 1988), e aspectos ecológicos da helmintofauna de traíras foram descritos por Carvalho et al. (2006). Este trabalho teve como objetivo analisar qualitativamente e quantitativamente os endoparasitos encontrados em piranhas vermelhas.

A área de estudo utilizada para coleta dos peixes foi o rio Cuiabá, na região do município de Barão de Melgaço, MT, localizado a 16º12'59.70" Sul e 55º57'51.79" Oeste. Cento e sessenta e quatro espécimes de piranhas vermelhas foram capturados e examinados no período de outubro a dezembro de 2007. Os peixes, imediatamente após a captura, foram acondicionados em recipientes sob refrigeração e transportados até o laboratório, onde foram medidos, pesados e necropsiados.

Os endoparasitos encontrados foram mantidos em placas de Petri, com solução salina fisiológica a 0,65% NaCl e, posteriormente, processados, segundo metodologia descrita por Amato et al. (1991). A identificação taxonômica foi realizada segundo Yamaguti (1961), Anderson et al. (1974/1983) e Vicente e Pinto (1999) para os nematoides, e segundo Rego (1984), para os pentastomídeos.

Estudaram-se prevalência, localização, intensidade média e abundância para cada espécie de parasito encontrado. O exame das vísceras e da musculatura esquelética foi realizado com uso de mesa de luz e estereomicroscópio. O índice de Simpson (C) foi calculado para quantificar a concentração de dominância das espécies de parasitos. A importância proporcional da espécie mais abundante foi avaliada pelo índice de Berger-Parker; a diversidade foi estimada pelo índice de Shannon e a uniformidade, pelo índice de Pielou.

Quanto à distribuição das espécies, usou-se o índice de dispersão (Krebs, 1999). Quando significativo, ajustou-se a distribuição binomial negativa e estimou-se o parâmetro k para avaliar o grau de agregação das espécies de parasitos. A correlação entre a abundância de cada grupo de endoparasito e o comprimento do peixe foi avaliada por meio do coeficiente de correlação de Pearson. O coeficiente de correlação de Spearman foi usado para avaliar a correlação entre a abundância de parasitos e entre a abundância de cada grupo de parasito e o fator de condição. O fator de condição (FC) dos peixes foi estimado pelo quociente entre o peso observado e o peso esperado para um dado comprimento (FC=Pobs/Pesp), sendo o peso esperado estimado a partir da relação entre o peso e o comprimento: Pesp=a*C^b, os coeficientes a e b foram estimados por regressão não linear. Os conceitos de prevalência, intensidade média de infecção e abundância foram utilizados segundo Bush et al. (1997).

Cento e quarenta e um (86 %) peixes estavam parasitados por, pelo menos, uma espécie de parasito. Vinte e três (14%) estavam parasitados por Eustrongylides spp., 106 (64,6%) por Contracaecum spp., 55 (33,5%) por Procamallanus spp. e 90 (54,9%) por pentastomídeos. Quanto à localização, dos 23 peixes parasitados por Eustrongylides spp., 19 (82,6%) larvas localizavam-se na musculatura esquelética, duas (8,7)% na cavidade celomática e duas (8,7%) na bexiga natatória. Dos 106 peixes positivos para Contracacecum spp., 105 (99%) apresentavam-se na cavidade celomática e um (0,95%) na bexiga natatória. Todos os 55 peixes parasitados por Procamallanus spp. localizavam-se na cavidade celomática. Dos 90 peixes parasitados por pentastomídeos, 41 (45,6%) encontravam-se na musculatura esquelética, 17 (18,9%) na cavidade celomática e 32 (35,6%) na bexiga natatória. A intensidade média de infecção por Contracaecum spp., Eustrongylides spp., Procamallanus spp. e pentastomídeos foi de 1,04; 3,93; 2,27 e 3,72 parasito/peixe, respectivamente, e a abundância de 0,14; 2,54; 0,76; 2,04 parasito/peixe, respectivamente (Tab. 1).

O índice de dominância foi calculado em 0,84, o que indica que ela é acentuada na comunidade, e a importância proporcional da espécie mais abundante (Contracaecum spp.) foi de 0,65. A diversidade foi estimada em 1,095, e a uniformidade em 0,747, o que sugere baixa diversidade da comunidade.

Contracaecum spp., Procamallanus spp. e pentastomídeos apresentaram distribuição agregada (Tab. 1), o que não ocorreu com Eustrongylides. No entanto somente a distribuição de Procamallanus spp. ajusta-se a distribuição binomial negativa.

Abundância de Eustrongylides spp. (r=0,19; P=0,016), Contracaecum spp. (r=0,25; P=0,001) e pentastomídeos (r=0,17; P=0,03) foi positivamente correlacionada com o comprimento dos peixes e não foi observada correlação significativa entre abundância de Procamallanus spp. e comprimento dos peixes (r=0,03; P=0,646). A correlação entre abundância de Eustrongylides spp. e de Procamallanus spp. (rs=0,17; P=0,02) e de Contracaecum e de pentastomídeos (rs=0,26; P=0,0008) foi significativa. Observou-se correlação significativa entre fator de condição e abundância de Procamallanus spp. (rs=0,16; P=0,04).

Os primeiros registros bibliográficos de piranha vermelha como hospedeira de Contracacecum spp. e de Eustrongylides spp. foram feitos por Travassos e Freitas (1940, 1942). O reduzido número de peixes examinados por esses autores dificulta a comparação com os resultados do atual trabalho. O citado trabalho registrou prevalência de 100% para o parasitismo por esses nematoides no mesentério dos peixes.

A prevalência do parasitismo por Contracaecum spp. em outras espécies de peixes dulcícolas e marinhos foi alta segundo Silva et al. (2000); Silva e São Clemente (2001) e Madi e Silva (2005).

Eiras e Rego (1988) relataram a ocorrência de Eustrongylides spp. em piranha vermelha, com localização gástrica e avaliação de patogenidade para os peixes parasitados. Segundo esses autores, as larvas encontradas estavam encapsuladas no tecido fibroso na serosa gástrica. No presente trabalho, as larvas e lesões não foram avaliadas por técnicas histológicas, no entanto todas elas estavam encapsuladas, preferencialmente na serosa da cavidade celomática no parasitismo por larvas de Contracaecum spp., e na musculatura esquelética, no caso de Eustrongylides.

Carvalho et al. (2006), em estudo da helmintofauna de traíra (Hoplias malabaricus), apresentaram resultados de prevalência, intensidade de infecção e abundância semelhantes aos aqui apresentados para as três espécies de nematoides encontradas. Dados sobre a análise da infrapopulação de helmintos de traíra e piranha também são compatíveis quando se observa a dominância da espécie Contracaecum spp. em relação às outras espécies de endoparasitos.

O parasitismo por Eustrongylides spp. e Contracaecum spp. e o hábito do consumo de peixes em pratos à base de carne crua, devem ser considerados na análise do potencial zoonótico dessas espécies de nematoides. Quanto a esse risco, no parasitismo de Contracaecum spp., não foi registrado nenhum caso de infecção na musculatura esquelética dos peixes examinados. Essa localização diminui a possibilidade de infecção humana por Contracaecum spp. No parasistismo por Eustrongylides spp., os dados apresentados ratificam a preocupação de transmissão para o homem no caso do consumo de carne crua de piranha vermelha.

Recebido em 6 de fevereiro de 2009

Aceito em 28 de dezembro de 2009

E-mail: labarros@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Fev 2010
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