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Substituição do óleo de peixe por óleo de soja em dietas para beijupirá (Rachycentron canadum)

Replacement of fish oil by soybean oil in diets for cobia (Rachycentron canadum)

Resumos

A substituição do óleo de peixe em dietas para beijupirá (Rachycentron canadum) foi avaliada usando-se cinco proporções de óleo de peixe e soja. Duzentos juvenis (±12g) foram distribuídos aleatoriamente em 20 tanques e alimentados até a saciedade aparente durante 42 dias. À medida que se aumentou o teor de óleo de peixe nas dietas, houve aumento proporcional no desempenho. Os juvenis alimentados com dietas que continham 75 e 100% de óleo de peixe apresentaram ganhos de peso mais altos que os das dietas com 0 e 25% de óleo de peixe, enquanto os alimentados com a dieta com 50% de óleo de peixe apresentaram crescimento intermediário. Não foram observadas diferenças nas concentrações de proteína e lipídio na carcaça dos peixes, mas os teores de umidade e cinzas diferiram entre os tratamentos. A inclusão de teores relativamente altos de ingredientes de origem vegetal diminuiu o consumo alimentar, o que afetou negativamente o crescimento. Os resultados indicam a possibilidade de substituição de até 50% do óleo de peixe por óleo de soja em dietas para juvenis do beijupirá.

Rachycentron canadum; lipídios; nutrição; piscicultura marinha


The replacement of fish oil for cobia (Rachycentron canadum) in diets was evaluated using five proportions of fish oil:soybean oil. Two hundred juveniles (±12g) were randomly distributed in twenty 480L tanks and fed to apparent satiety twice daily for 42 days. Diets contained 12% lipids with different proportions of fish to soybean oils and were therefore named OP0, OP25, OP50, OP75 and OP100 according to the inclusion content of fish oil (0, 25, 50, 75 and 100%, respectively). Increasing dietary fish oil levels resulted in higher survival, growth and feed intake. Fish fed diets OP75 and OP100 presented higher weight gain than those fed diets OP0 and OP25, whereas fish fed diet OP50 had an intermediate weight gain. Overall, performance was enhanced at higher contents of dietary fish oil. No significant differences on protein and lipid content of fish carcass were observed, but moisture and ash content differed significantly between treatments. The inclusion of relatively higher contents of plant ingredients affected feed intake, which resulted in lower growth rates. The present results suggest the possibility of replacing up to 50% of fish oil with soybean oil in diets for cobia juveniles.

Rachycentron canadum; lipids; marine fish farming; nutrition


ZOOTECNIA E TECNOLOGIA E INSPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL

Substituição do óleo de peixe por óleo de soja em dietas para beijupirá (Rachycentron canadum)

Replacement of fish oil by soybean oil in diets for cobia (Rachycentron canadum)

R.F. Silva JúniorI; W.V. NovaI; J.L. FariasI; C.N. Costa-BomfimI; M.B. TesserII; J.I. DruzianIII; E.S. CorreiaI; R.O. CavalliI, * * Autor para correspondência ( corresponding author)

IDepartamento de Pesca e Aquicultura - Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. Av. Dom Manuel de Medeiros, s/n - Dois Irmãos. 52171-030 - Recife, PE

IIInstituto de Oceanografia - Laboratório de Nutrição de Organismos Aquáticos. Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rio Grande, RS

IIILaboratório de Pescado e Cromatografia Aplicada - Universidade Federal da Bahia - Salvador, BA

RESUMO

A substituição do óleo de peixe em dietas para beijupirá (Rachycentron canadum) foi avaliada usando-se cinco proporções de óleo de peixe e soja. Duzentos juvenis (±12g) foram distribuídos aleatoriamente em 20 tanques e alimentados até a saciedade aparente durante 42 dias. À medida que se aumentou o teor de óleo de peixe nas dietas, houve aumento proporcional no desempenho. Os juvenis alimentados com dietas que continham 75 e 100% de óleo de peixe apresentaram ganhos de peso mais altos que os das dietas com 0 e 25% de óleo de peixe, enquanto os alimentados com a dieta com 50% de óleo de peixe apresentaram crescimento intermediário. Não foram observadas diferenças nas concentrações de proteína e lipídio na carcaça dos peixes, mas os teores de umidade e cinzas diferiram entre os tratamentos. A inclusão de teores relativamente altos de ingredientes de origem vegetal diminuiu o consumo alimentar, o que afetou negativamente o crescimento. Os resultados indicam a possibilidade de substituição de até 50% do óleo de peixe por óleo de soja em dietas para juvenis do beijupirá.

Palavras-chave:Rachycentron canadum, lipídios, nutrição, piscicultura marinha

ABSTRACT

The replacement of fish oil for cobia (Rachycentron canadum) in diets was evaluated using five proportions of fish oil:soybean oil. Two hundred juveniles (±12g) were randomly distributed in twenty 480L tanks and fed to apparent satiety twice daily for 42 days. Diets contained 12% lipids with different proportions of fish to soybean oils and were therefore named OP0, OP25, OP50, OP75 and OP100 according to the inclusion content of fish oil (0, 25, 50, 75 and 100%, respectively). Increasing dietary fish oil levels resulted in higher survival, growth and feed intake. Fish fed diets OP75 and OP100 presented higher weight gain than those fed diets OP0 and OP25, whereas fish fed diet OP50 had an intermediate weight gain. Overall, performance was enhanced at higher contents of dietary fish oil. No significant differences on protein and lipid content of fish carcass were observed, but moisture and ash content differed significantly between treatments. The inclusion of relatively higher contents of plant ingredients affected feed intake, which resulted in lower growth rates. The present results suggest the possibility of replacing up to 50% of fish oil with soybean oil in diets for cobia juveniles.

Keywords: Rachycentron canadum, lipids, marine fish farming, nutrition

INTRODUÇÃO

Entre os vários peixes marinhos nativos do Brasil, o beijupirá, Rachycentron canadum, é considerado uma espécie de grande potencial para a criação intensiva (Liao e Leaño, 2007). Peixe pelágico migrador de grande porte, encontra-se amplamente distribuído nas águas tropicais e subtropicais de todos os continentes, entre as latitudes de 32ºN e 28ºS, com exceção da porção leste do Pacífico (Shaffer e Nakamura, 1989). O beijupirá apresenta características de interesse para a criação, como facilidade de reprodução em cativeiro, rápido crescimento (Liao e Leaño, 2007), tolerância das larvas à salinidade (Faulk e Holt, 2006), aceitação de dietas extrusadas (Craig et al., 2006) e produção de filés de qualidade adequados ao consumo na forma de sashimi (Liao e Leaño, 2007).

Na criação intensiva de peixes marinhos, um dos principais fatores que afetam o custo da alimentação se relaciona ao óleo de peixe, a principal fonte de lipídios utilizada na dieta destes peixes (Sargent et al., 2002). O óleo de peixe é um recurso com disponibilidade limitada, e sua produção tem se mantido entre 1,1 e 1,4 milhão de toneladas por ano (Tacon e Metian, 2008). Uma forma de minimizar a dependência por este ingrediente é o uso de fontes alternativas, como os óleos vegetais (Roselund et al., 2001; Figueiredo-Silva et al., 2005). O principal aspecto a ser considerado na substituição do óleo de peixe por fontes alternativas é a obtenção de níveis adequados de energia em associação com níveis equilibrados de ácidos graxos essenciais, principalmente os ácidos graxos altamente insaturados (HUFA). O desbalanceamento de ácidos graxos (Sargent et al., 2002) e a baixa palatabilidade (Caballero et al., 2002; Regost et al., 2003) podem limitar a utilização de óleos vegetais.

Vários trabalhos sobre a nutrição do beijupirá estão disponíveis na literatura, porém informações sobre as exigências nutricionais desta espécie ainda são escassas (Fraser e Davies, 2009). Este estudo teve o objetivo de analisar os efeitos da inclusão de teores crescentes do óleo de soja em substituição ao óleo de peixe em dietas práticas sobre o crescimento e a composição da carcaça de juvenis desta espécie.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi realizado em 20 tanques de fibra de vidro circulares e com volume útil de 480L. Cada tanque continha telas contra a fuga de peixes na abertura superior e na drenagem, e uma pedra porosa para garantir a oxigenação da água. Um fluxo contínuo de 4,33L-1 de água do mar filtrada em areia criava um vórtex no interior dos tanques, de forma que os resíduos se concentrassem no centro, o que facilitava sua retirada diária.

Duzentos juvenis de beijupirá - média de peso e comprimento total de 12g (±1,91) e 14cm (±0,78), respectivamente - foram divididos em grupos de 10 indivíduos e distribuídos aleatoriamente em cada tanque, onde permaneceram para aclimatação por uma semana. Neste período, os peixes foram alimentados três vezes ao dia, às 8, 12 e 16h, com dieta comercial para peixes carnívoros, com 40% de proteína bruta e 8% de lipídios. Ao final da aclimatação, cinco peixes foram mantidos em jejum por dois dias, sacrificados e congelados a -20ºC.

Cinco dietas isoproteicas e isoenergéticas foram formuladas (Tab. 1). Como principal fonte de lipídios, concentrações crescentes de óleo de soja substituíram o óleo de peixe. As concentrações de óleo de peixe testadas foram 0, 25, 50, 75 e 100% e, portanto, as dietas foram denominadas dietas Op0, Op25, Op50, Op75 e Op100, respectivamente. O delineamento experimental consistiu de cinco tratamentos e quatro repetições, totalizando 20 parcelas experimentais distribuídas ao acaso. As dietas foram preparadas como péletes e, após a secagem, foram armazenadas a -20ºC até a utilização.

Após o período de aclimatação, as dietas experimentais foram fornecidas em duas refeições diárias, às 9 e 16h, até a saciedade aparente e sem que o operador tivesse conhecimento de qual dieta estava sendo ofertada. O período experimental teve duração de 42 dias. A cada 14 dias, os juvenis de cada tanque foram anestesiados com uma solução de óleo de cravo (0,5g.L-1), individualmente pesados com uma balança eletrônica com precisão de 0,01g e medidos (régua milimetrada), reanimados e devolvidos às respectivas unidades experimentais. Paralelamente às medições, os tanques foram esvaziados, escovados e preenchidos com água do mar. Também a cada duas semanas foi realizado tratamento profilático antiparasitário com sulfato de cobre (CuSO4) e ácido cítrico (C6H8O7) na concentração de 0,5mg.L-1, com duração de uma hora. Esses compostos foram dissolvidos e aplicados diretamente na água, a qual não era renovada durante este período.

Medições de oxigênio dissolvido, temperatura, pH e salinidade foram feitas duas vezes ao dia com um medidor multiparâmetro (Yellow Springs Instruments, EUA, modelo YSI 556), enquanto as concentrações de amônia, nitrito e nitrato foram estimadas a cada três dias com um kit comercial para análise de águas (Alcon, Labcon Test Brasil).

As dietas e as carcaças dos peixes foram submetidas à análise de composição centesimal segundo AOAC, Official... (2000) e de ácidos graxos. Ao final do experimento, cinco peixes de cada tratamento foram coletados aleatoriamente, sacrificados, homogeneizados em um liquidificador e armazenados em sacos plásticos a -20ºC. A umidade foi estimada por secagem em estufa a 110ºC até peso constante; as cinzas, por incineração em mufla a 600ºC por cinco horas; a proteína bruta, pelo método de Kjeldhal com um sistema automático (Official..., 2000). Os lipídios foram determinados por gravimetria após extração com uma mistura de clorofórmio:metanol:água (Bligh e Dyer, 1959). A energia bruta das dietas foi estimada com base nos valores fisiológicos da proteína bruta, lipídios e carboidratos.

Para a determinação da composição de ácidos graxos da fração lipídica, foi realizada a esterificação dos ácidos graxos dos lipídios totais, segundo Joseph e Ackman (1992). Uma alíquota dos lipídios totais de aproximadamente 25mg foi submetida à reação de saponificação com NaOH 0,5mol/L em metanol, seguida de metilação com catalisador BF3 com 12% em metanol. Todas as etapas do processo foram realizadas sob atmosfera de N2 gasoso. A separação dos metil ésteres de ácidos graxos foi realizada em cromatógrafo a gás (Varian 3800) equipado com detector de ionização de chama (CG-DIC) e coluna capilar de sílica fundida ELITE-WAX (30m × 0,32mm × 0,25µm). Os parâmetros de análises foram: temperatura do injetor 250°C; temperatura do detector 280°C; temperatura da coluna programada a 150°C por 16 minutos aumentada de 2°C por minuto até 180°C; permanência nessa temperatura por 25 minutos e aumentada de 5°C até 210°C; e permanecência nessa temperatura por 25 minutos. O gás hélio foi utilizado como gás de arraste a 1,3mL.min-1. Foi utilizado nitrogênio como gás make up a 30mL.min-1; fluxo do gás hidrogênio a 30mL.min-1; ar sintético a 300mL.min-1. As injeções foram realizadas em duplicatas para cada extração, e o volume de injeção foi de 1µL. A identificação dos ácidos graxos foi realizada por comparação dos tempos de retenção dos picos das amostras com o tempo de retenção dos ésteres metílicos de ácidos graxos de padrão mix (189-19, Sigma, EUA). A quantificação dos ácidos graxos foi realizada pelo método de normalização por meio das áreas dos picos, e os resultados de ácidos graxos foram expressos em porcentagem relativa de área (%).

O desempenho dos peixes submetidos aos diferentes tratamentos foi estimado com base na média de ganho de peso (GP, em g) - calculada por meio da diferença entre o peso médio final (Pf) e o inicial (Pi) -; na taxa de crescimento específico (TCE) - expressa em porcentagem por dia - TCE = 100. (ln Pesofinal - ln Pesoinicial)/dias de experimento; e na eficiência proteica (EP) - resultado da razão entre o ganho de peso e a estimativa da quantidade de proteína consumida pelo peixe - EP = (ganho de peso/consumo de proteína). O consumo alimentar foi estimado por meio do oferecimento gradativo das dietas acompanhado da observação do consumo pelos peixes, ou seja, até a saciedade aparente. Dessa forma, a quantidade de ração ofertada foi a mais próxima possível à quantidade de ração efetivamente consumida pelos peixes. O consumo alimentar (CA) foi, portanto, expresso como a quantidade total de dieta oferecida (g) durante o período experimental para cada unidade experimental.

Os resultados foram analisados por meio de regressões. Diferentes regressões foram testadas e foi escolhida a que resultou em maior coeficiente de determinação (R2) e nível de significância.

RESULTADOS

Durante o período experimental, as médias de temperatura, pH, oxigênio dissolvido, salinidade, amônia total e nitrato foram 27,5ºC; 8,14; 6,57mg.L-1; 33,3, 0,02mg NH3 + NH4.L-1 e 3,14mg NO3-.L-1, respectivamente. Não foram detectadas concentrações significativas de nitrito (NO2-) em nenhum dos tanques. A qualidade da água ao longo deste estudo permaneceu dentro de níveis considerados adequados para o beijupirá.

A composição proximal das dietas está apresentada na Tab. 1. Os teores de proteína bruta, lipídios totais e cinzas variaram entre 38,2 e 43,2%, 11,9 e 12,9%, e 10,6 e 11,3%, respectivamente. Independentemente da formulação, as dietas continham concentrações similares de ácidos graxos saturados, variando de 21,4 a 25,2% (Tab. 1). Os teores de n-3 HUFA, especificamente os ácidos eicosapentaenoico (EPA; 20:5n-3) e docosa-hexaenoico (DHA; 22:6n-3), aumentaram à medida que se incluiu mais óleo de peixe nas dietas, e diminuíram com a concentração de n-6 PUFA, incluindo o ácido linoleico (18:2n-6).

Uma repetição de cada um dos tratamentos Op0 e Op75 apresentou alta mortalidade por razões desconhecidas durante as primeiras semanas do experimento. Em vista disso, essas repetições foram descartadas de todas as análises estatísticas. O aumento do teor de óleo de peixe na dieta resultou em maiores taxas de sobrevivência (Tab. 2). Assim, as taxas médias de sobrevivência dos tratamentos Op0, Op25, Op50, Op75 e Op100 foram 63,3, 82,5, 97,5, 93,3 e 97,5%, respectivamente. Os valores médios de ganho de peso, crescimento específico, consumo alimentar e eficiência proteica também estão sumarizados na Tab. 2. De forma geral, à medida que se aumentou o teor de óleo de peixe nas dietas, houve um aumento proporcional nestas variáveis. Os juvenis alimentados com as dietas OP75 e OP100 apresentaram ganhos de peso superiores aos das dietas OP0 e OP25, enquanto os alimentados com a dieta OP50 apresentaram um crescimento intermediário. As taxas de crescimento específico se comportaram de forma similar ao ganho de peso. O consumo alimentar aumentou de 216,7g nos peixes alimentados com a dieta OP0 para 314,3g naqueles que receberam a dieta OP100 (Tab. 2). A eficiência proteica também aumentou com os maiores níveis de inclusão de óleo de peixe na dieta.

Os valores da composição proximal e dos principais ácidos graxos das carcaças dos juvenis de beijupirá submetidos aos diferentes tratamentos estão apresentados na Tab. 3. Não foram observadas diferenças significativas nas concentrações de proteína bruta e cinzas entre os peixes dos diferentes tratamentos. Por outro lado, os teores de umidade e lipídios totais diferiram significativamente entre os tratamentos. Ao final do experimento, a concentração de n-3 HUFA na carcaça dos peixes aumentou proporcionalmente à concentração destes ácidos graxos nas dietas. Isso foi observado principalmente para o DHA (22:6n-3) e, em menor proporção, para o EPA (25:5n-3).

DISCUSSÃO

O crescimento do beijupirá ficou abaixo do observado em outros estudos com esta espécie. As taxas de crescimento específico (TCE) variaram entre 0,05 e 0,64%/dia, abaixo dos valores estimados por Craig et al. (2006), com TCE entre 0,74 e 0,75%/dia, por Resley et al. (2006), com TCE de 4,7 a 5,4%/dia, e por Lunger et al. (2007), que encontraram TCE de 2,0 a 5,1%/dia. Entre as razões que podem explicar o baixo crescimento observado neste estudo, os altos níveis de inclusão de ingredientes vegetais nas dietas experimentais podem ter afetado os parâmetros avaliados por meio da diminuição da atratividade e/ou palatabilidade. As dietas deste estudo foram formuladas contendo teores relativamente altos de 48 a 56% de ingredientes de origem vegetal, principalmente na forma de farelos e óleos.

Uma das principais causas da baixa palatabilidade em dietas para organismos aquáticos ocorre quando ingredientes de origem animal são substituídos por ingredientes vegetais. A palatabilidade das dietas é normalmente estimada por meio do consumo alimentar, e geralmente observa-se uma relação inversa entre o consumo das dietas e a porcentagem de inclusão dos ingredientes vegetais. Consequentemente, vários autores reportaram a queda no consumo alimentar quando a farinha de peixe foi substituída, mesmo que parcialmente, por ingredientes vegetais (Gomes et al., 1995; Dias et al., 1997), como é o caso do presente estudo. A baixa palatabilidade das dietas também pode prejudicar a qualidade ambiental, pois observa-se aumento na excreção de fezes (Boujard e Médale, 1994). Para minimizar esse efeito negativo, aditivos alimentares, como flavorizantes e atrativos, podem ser incluídos nas dietas (Hardy e Barrows, 2002).

Vários estudos indicam ser possível utilizar óleos vegetais em substituição parcial (Regost et al., 2003; Figueiredo Silva et al., 2005) ou total (Grisdale-Helland et al., 2002) ao óleo de peixe em dietas para peixes, sem causar efeitos negativos no desempenho. Quando se considera a substituição do óleo de peixe por fontes alternativas, um dos aspectos mais importantes na nutrição de peixes marinhos é proporcionar um nível adequado de ácidos graxos essenciais, principalmente os n-3 HUFA, como o EPA e o DHA (Sargent et al., 2002). Para juvenis de beijupirá, com peso médio de 41g, Chou et al. (2001) estimaram que as exigências de EPA + DHA se situariam na faixa de 0,8 a 1,2% da dieta. No presente estudo, a dieta em que não foi adicionado óleo de peixe (OP0) continha o nível inferior ao sugerido por esses autores - apenas 0,3% de EPA + DHA -, o que provavelmente refletiu na contribuição do óleo na farinha de peixe. As demais dietas, porém, continham de 1,9 a 6,8% de EPA + DHA, as quais excediam a recomendação de Chou et al. (2001).

Os teores de lipídios totais e cinzas na carcaça dos juvenis de beijupirá variaram de 1,04 a 2,43%, e de 7,97 a 5,80%, respectivamente. Tais valores são similares aos encontrados por Lunger et al. (2007), que variaram entre 0,86 e 1,88% e 5,9 e 8,9%, respectivamente. Já os teores de lipídios totais do presente estudo foram mais baixos que os encontrados por Chou et al. (2001), Wang et al. (2005) e Chuang et al. (2010).

A inclusão de óleos vegetais nas dietas dos peixes modifica o perfil de ácidos graxos corporal. Este efeito é mais evidente nas espécies de peixes marinhos devido a sua limitada capacidade de converter 18C em ácidos graxos poli-insaturados de cadeias longas (Watanabe, 1982). Zheng et al. (2009) demonstraram que o beijupirá possui capacidade de elongar para produzir HUFA, no entanto sua capacidade é baixa. No presente estudo, houve redução no teor de ácidos graxos essenciais, tais como EPA e DHA, influenciando diretamente sua concentração na carcaça dos peixes. Essas observações também foram relatadas por Hung e Mao (2009) e Trushenski et al. (2010) em juvenis de beijupirá.

Este estudo confirma que o óleo de peixe é um ingrediente essencial nas dietas de peixes marinhos, uma vez que sua inclusão influenciou positivamente a sobrevivência e o crescimento de juvenis do beijupirá. Os resultados sugerem a possibilidade de substituição de até 50% de óleo de peixe por óleo de soja nas dietas para o beijupirá durante a fase juvenil. Dessa maneira, a qualidade nutricional das dietas para peixes marinhos deve levar em consideração não somente o fornecimento de energia na forma de lipídios mas também a quantidade e a qualidade dos ácidos graxos fornecidos, uma vez que as informações sobre a exigência desses nutrientes ainda são limitadas para R. canadum (Fraser e Davies, 2009). Adicionalmente, os resultados indicam que níveis de inclusão relativamente altos de ingredientes de origem vegetal podem diminuir o consumo alimentar, o que afetou negativamente o crescimento do beijupirá.

AGRADECIMENTOS

À Aqualider Maricultura S.A., pela cessão da área experimental; ao CNPq, pelo apoio financeiro e bolsas de pós-graduação; à EMBRAPA, pelo apoio financeiro.

Recebido em 7 de novembro de 2010

Aceito em 28 de junho de 2011

E-mail: ronaldocavalli@gmail.com

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  • *
    Autor para correspondência (
    corresponding author)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Nov 2010
    • Aceito
      28 Jun 2011
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