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Determinação da dose inseminante e embriogênese na fertilização artificial de tambaqui (Colossoma macropomum)

Determination of insemination dose and embryonic development in the artificial fertilization of tambaqui (Colossoma macropomum)

Resumos

Determinou-se a dose inseminante para fertilização artificial e descreveu-se o desenvolvimento embrionário de tambaqui (Colossoma macropomum). Os gametas foram coletados de reprodutores induzidos hormonalmente. Foi realizada fertilização artificial nas proporções de espermatozoides/ovócito de D1-50.666; D2-75.999; D3-101.332; D4-126.665; D5-151.998. O desenvolvimento embrionário foi acompanhado por meio de observações periódicas em estereoscópio até a eclosão dos ovos. Na fase de fechamento do blastóporo foi calculada a taxa de fertilização nas diferentes doses inseminantes. A porcentagem de fertilização aumentou de forma linear segundo a equação Ŷ =0,050 + 0,00000773X (R²=97,5), atingindo um platô em 84% na proporção de 102.486 espermatozoides/ovócito. Os embriões apresentaram segmentação meroblástica discoidal, típica de ovos telolécitos, com eclosão ocorrendo aos 357 horas-grau após a fertilização. Conclui-se que o desenvolvimento embrionário de tambaqui obedece ao esperado para peixes com ovos telolécitos e recomenda-se o uso da dose inseminante de aproximadamente 100.000 espermatozoides/ovócito na rotina de fertilização artificial dessa espécie.

tambaqui; embriologia; espermatozoides; reprodução


The objective of this research was to determine the insemination dose for artificial fertilization and describe the embryonic development of tambaqui (Colossoma macropomun). The gametes were collected from induced breeding hormonally. An artificial fertilization was performed with different sperm/oocyte ratios of D1-50666, D2-75999, D3-101 332, 126 665-D4, D5-151 998 sperm/oocyte. Embryonic development was monitored through periodic stereoscopic observations until hatching. When embryos reached the blastopore closure stage, the rate of fertilization in different insemination doses was calculated. A regression equation was estimated to determine the ideal proportion of the gametes. The fertilization rate increased linearly according to the equation Ŷ = 0.050 + 0.00000773 X (R² = 97.5), up to the proportion of 102.486 spermatozoa/oocyte, and, from this point, the fertilization rate was maintained at 84%. The embryonic development of tambaqui was meroblastic discoidal, as expected from telolecithal eggs and we recommend the use of the insemination dose of approximately 100.000 sperm/oocyte in the artificial fertilization of tambaqui.

tambaqui; embryology; spermatozoa; reproduction


MEDICINA VETERINÁRIA

Determinação da dose inseminante e embriogênese na fertilização artificial de tambaqui (Colossoma macropomum)

Determination of insemination dose and embryonic development in the artificial fertilization of tambaqui (Colossoma macropomum)

L.V. Leite; M.A.P. Melo; F.C.E. Oliveira; J.P.S. Pinheiro; C.C. Campello; J.F. Nunes; C.S.B. Salmito-Vanderley** Autor para correspondência (corresponding author) E-mail: sandra.salmito@uece.br

Universidade Estadual do Ceará - Fortaleza, CE

RESUMO

Determinou-se a dose inseminante para fertilização artificial e descreveu-se o desenvolvimento embrionário de tambaqui (Colossoma macropomum). Os gametas foram coletados de reprodutores induzidos hormonalmente. Foi realizada fertilização artificial nas proporções de espermatozoides/ovócito de D1-50.666; D2-75.999; D3-101.332; D4-126.665; D5-151.998. O desenvolvimento embrionário foi acompanhado por meio de observações periódicas em estereoscópio até a eclosão dos ovos. Na fase de fechamento do blastóporo foi calculada a taxa de fertilização nas diferentes doses inseminantes. A porcentagem de fertilização aumentou de forma linear segundo a equação Ŷ =0,050 + 0,00000773X (R2=97,5), atingindo um platô em 84% na proporção de 102.486 espermatozoides/ovócito. Os embriões apresentaram segmentação meroblástica discoidal, típica de ovos telolécitos, com eclosão ocorrendo aos 357 horas-grau após a fertilização. Conclui-se que o desenvolvimento embrionário de tambaqui obedece ao esperado para peixes com ovos telolécitos e recomenda-se o uso da dose inseminante de aproximadamente 100.000 espermatozoides/ovócito na rotina de fertilização artificial dessa espécie.

Palavras-chave: tambaqui, embriologia, espermatozoides/ovócito, reprodução

ABSTRACT

The objective of this research was to determine the insemination dose for artificial fertilization and describe the embryonic development of tambaqui (Colossoma macropomun). The gametes were collected from induced breeding hormonally. An artificial fertilization was performed with different sperm/oocyte ratios of D1-50666, D2-75999, D3-101 332, 126 665-D4, D5-151 998 sperm/oocyte. Embryonic development was monitored through periodic stereoscopic observations until hatching. When embryos reached the blastopore closure stage, the rate of fertilization in different insemination doses was calculated. A regression equation was estimated to determine the ideal proportion of the gametes. The fertilization rate increased linearly according to the equation Ŷ = 0.050 + 0.00000773 X (R2 = 97.5), up to the proportion of 102.486 spermatozoa/oocyte, and, from this point, the fertilization rate was maintained at 84%. The embryonic development of tambaqui was meroblastic discoidal, as expected from telolecithal eggs and we recommend the use of the insemination dose of approximately 100.000 sperm/oocyte in the artificial fertilization of tambaqui.

Keywords: tambaqui, embryology, spermatozoa/oocyte, reproduction

INTRODUÇÃO

O tambaqui (Colossoma macropomum, Cuvier, 1818) é uma espécie de peixe migrador brasileiro pertencente à família Characidae, ordem Characiformes. Entre as espécies nativas de água doce, o tambaqui representa a maior produção na aquicultura brasileira, superado somente pelas espécies exóticas, tilápia (Oreochromis niloticus) e carpa (Cyprinus carpio) (Ibama, 2007). Diante da importância econômica e ecológica, o tambaqui foi selecionado como uma das espécies aquáticas de maior interesse para pesquisa no Brasil (Queiroz et al., 2002).

Apesar de a fertilização artificial de tambaqui ser uma técnica já bem dominada (Kubtza, 2004), estudos estão sendo realizados visando à aplicação de novas tecnologias na reprodução dessa espécie, como a criopreservação de gametas (Maria et al., 2011). Porém, a aplicação dessa ou de outras tecnologias pode alterar a capacidade dos gametas produzirem embriões saudáveis, comprometendo, assim, o sucesso reprodutivo (Lanes et al., 2008). As perspectivas para estudos de conservação dos embriões também exigem conhecimentos sobre o desenvolvimento embrionário da espécie (Lopes et al., 2011). Portanto, informações básicas sobre o desenvolvimento embrionário de tambaqui são necessárias para a identificação de possíveis alterações do padrão do desenvolvimento, da qualidade e viabilidade dos embriões impostas pela aplicação de novas tecnologias. Além disso, o estudo da embriologia é importante para a identificação dos locais de desova em ambiente natural, a taxonomia e o conhecimento da biologia do desenvolvimento da espécie em questão (Nakatani et al., 2001).

A aplicação de novas tecnologias na fertilização artificial visa à maior eficiência reprodutiva por meio da otimização do uso dos reprodutores e de seus gametas. Assim, fertilizar o maior número de ovócitos com a menor quantidade de espermatozoides é uma alternativa para garantir a máxima fertilidade, com maior economia (Rinchard et al., 2005). Essa proporção mínima de espermatozoides por ovócito, também conhecida como dose inseminante, já foi determinada para algumas espécies da família Characidade (Shimoda et al., 2007; Sanches et al., 2009), porém para tambaqui ainda são utilizados volumes indeterminados de sêmen na fertilização artificial.

Sabendo que o sucesso de programas economicamente produtivos de inseminação artificial depende da máxima utilização dos gametas disponíveis adquirindo o maior número de embriões saudáveis, este trabalho objetivou a determinação da dose inseminante, ou a proporção de espermatozoide/ovócito, adequada para uso na fertilização artificial de tambaqui, bem como a caracterização das fases do desenvolvimento embrionário.

MATERIAL E MÉTODOS

Os animais experimentais foram oriundos do Centro de Pesquisa em Aquicultura (CPAq), do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), localizado no município de Pentecoste, Ceará, situado a 3°45'00" de latitude sul e 39°10'24" de longitude oeste. Foram selecionados cinco machos, que apresentaram emissão de sêmen quando recebiam massagem abdominal, e duas fêmeas, que mostraram abdômen abaulado, papila genital avermelhada e com cerca de 70% dos ovócitos apresentando vesículas germinativas em migração. Para minimizar o estresse da manipulação, os animais foram sedados mediante sua imersão em tanque contendo óleo de cravo (Eugenol) diluído em álcool absoluto 1:10:1000 (eugenol:álcool:água). O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética para Uso de Animais da Universidade Estadual do Ceará, processo n° 09144388-1.

As fêmeas receberam tratamento hormonal com duas doses de extrato hipofisário de carpa (EHC), sendo a primeira de 0,5mg EHC/kg de peso vivo, e a segunda de 5mg EPC/kg de peso vivo, com intervalo de 12 horas entre as aplicações. Aos machos foi administrada dose única de 2,5mg EHC/kg de peso vivo simultaneamente à segunda aplicação das fêmeas. Nove horas após a indução hormonal (243 horas-grau), foi realizada a coleta dos gametas.

Para a coleta dos gametas masculinos, a papila genital foi enxuta, em seguida foi realizada uma massagem abdominal no sentido craniocaudal, e o sêmen coletado em tubos de polietileno graduado para a mensuração do volume do ejaculado. As amostras coletadas dos cinco machos foram misturadas para a formação de um pool de sêmen do qual foi mensurada a concentração espermática. Para isto, 1µL do pool foi diluído em 4mL de solução formol-citrato-1% (1:4000) e analisado em câmara hematimétrica de Neubauer.

A coleta dos gametas femininos foi procedida da mesma forma como descrita para os machos, e os ovócitos coletados em bacias plásticas limpas e secas. Foram observados a coloração, o diâmetro e a uniformidade dos ovócitos. O peso da desova de cada fêmea foi mensurado em balança digital. A partir do material coletado de ambas as fêmeas, formou-se um pool de ovócitos, do qual foram retiradas três subamostras de 1g para se estimar o número relativo de ovócitos por grama do pool.

Para os testes de fertilização, o pool de ovócitos foi fracionado em 15 amostras de 5g, que foram fertilizadas com 20µL; 30µL; 40µL; 50µL ou 60µL do pool de sêmen em triplicata. Essas doses de sêmen corresponderam às seguintes proporções de espermatozoides por ovócito D1) 50.666; D2) 75.999; D3) 101.332; D4) 126.665; D5) 151.998 espermatozoides/ovócito. Cada dose de sêmen foi cuidadosamente misturada com as amostras de ovócitos, e posteriormente foram acrescentados 400mL de água do tanque (27,5°C), onde elas permaneceram por cinco minutos para a ativação dos espermatozoides e hidratação dos ovos. O momento da adição da água foi anotado e considerado o início da fertilização (tempo zero). Após a hidratação, os ovos foram transferidos para incubadoras de 2,5L, confeccionadas de garrafas pet invertidas, com telas nas laterais e fluxo de água constante de baixo para cima, mantendo os ovos constantemente oxigenados em suave turbilhonamento.

Para o acompanhamento do desenvolvimento embrionário, amostras de ovos foram periodicamente removidas das incubadoras com auxílio de uma peneira, depositadas em placa de petri, e as modificações estruturais dos embriões em desenvolvimento foram observadas e fotografadas por meio de estereoscópio. Na primeira hora após a fertilização, as observações foram feitas a cada 10 minutos, e posteriormente a cada 30 minutos, até a eclosão dos ovos. Para avaliar as taxas de fertilização nas diferentes doses inseminantes, foram considerados ovos fertilizados aqueles que ultrapassaram o estágio de gástrula. Quando os embriões alcançaram essa fase, novas amostras de ovos foram removidas das incubadoras, e a porcentagem de ovos fertilizados foi calculada por meio da observação de 300 ovos de cada incubadora mediante estereoscopia.

Foi estimada a equação de regressão que melhor se ajustasse aos dados da variação nas taxas de fertilização em função da quantidade de espermatozoides por ovócito, aplicando-se o modelo de regressão segmentada ou descontínua (Modelo "Broken Line" ou "Linear Response Plateau") por meio do procedimento NLIN do programa SAS (2002). Com base na equação, foi calculada a proporção ideal de espermatozoides por ovócito.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os animais responderam positivamente ao tratamento hormonal utilizado neste estudo. O sêmen de tambaqui apresentou coloração esbranquiçada e aspecto leitoso, com volume médio de 4,5mL por macho, concentração de 19 x 109 espermatozoides/mL. Cada fêmea liberou, em média, 1200g de ovócitos, numa concentração de 1500 ovócitos/g. O material liberado apresentou coloração homogênea verde escura com ovócitos redondos, regulares e diâmetro de 1mm antes da hidratação.

O desenvolvimento embrionário de tambaqui apresentou a seguinte sequência de eventos, expressos em minutos após a fertilização (MAF), quando incubados a 27,5°C. O córion expandiu-se como resultado da hidratação. Dez minutos após a fertilização, o citoplasma tornou-se mais evidente no polo animal (Fig. 1), formando um disco de citoplasma conhecido como blastodisco, disposto sob uma porção rica em vitelo no polo vegetal. O blastodisco corresponde ao primeiro blastômero (Fig. 2), e o vitelo possui a reserva nutritiva necessária para o desenvolvimento do embrião. A parte rica em vitelo permaneceu indivisível durante todo o desenvolvimento embrionário, caracterizando o tipo de segmentação meroblástica discoidal, típica de ovos com grandes quantidades de vitelo (telolécitos) (Faustino et al., 2007). O primeiro sulco de clivagem orientou-se verticalmente, surgindo no polo animal e avançando rapidamente em direção ao polo vegetal, passando apenas no disco de citoplasma. Essa primeira clivagem gerou dois blastômeros de mesmo tamanho, visíveis 20 MAF (Fig. 3).


Figura 1-17. Fases do desenvolvimento embrionário de C. macropomum. (1) diferenciação do citoplasma; (2) um blastômero; (3) dois blastômeros; (4) quatro blastômeros; (5 e 6) oito blastômeros; (7) 16 a 32 blastômeros; (8) blástula; (9) gástrula inicial; (10) 50% de epibolia; (11) 95% de epibolia; (12) fechamento do blastóporo; (13) cefalização e início da formação dos somitos; (14) formação da vesícula óptica e aumento dos somitos; (15) dorso do embrião evidenciando os somitos; (16) cauda parcialmente solta; (17) cauda completamente solta.

A segunda clivagem orientou-se também verticalmente e em ângulo reto ao plano da primeira clivagem, gerando quatro blastômeros 30 MAF (Fig. 4). A terceira clivagem permaneceu vertical, todavia mostrando dois sulcos paralelos ao plano da primeira clivagem, gerando oito blastômeros 35 MAF. Nessa fase, o blastodisco apresentou o formato de uma elipse composta por duas fileiras de quatro blastômeros (Fig. 5 e 6). A quarta clivagem ocorreu também em dois sulcos, segmentando verticalmente as duas fileiras de células em um ângulo reto à primeira clivagem e paralelo à segunda. Essa clivagem gerou um embrião de 16 blastômeros dispostos em quatro fileiras de quatro células 45 MAF. A quinta clivagem permaneceu vertical, segmentando as quatro fileiras de célula, portanto quatro sulcos se formaram, produzindo um embrião de 32 blastômeros dispostos em oito fileiras de quatro células 50 MAF (Fig. 7). Segundo Salmito-Vanderley e Santana (2010), até essa fase de 32 blastômeros, as segmentações ocorrem em um único sentido (vertical), e o embrião é composto por uma camada simples de células, conhecida como blastoderme.

À medida que as segmentação ocorreram, os blastômeros diminuíram gradativamente de tamanho. Por isso, a partir dessa fase, não foi mais possível quantificar o número de blastômeros. Aos 60 MAF foi observado um abaulamento do polo animal característico da fase de blástula (Fig. 8). Esse abaulamento é resultante da primeira clivagem no sentido horizontal (sexta clivagem), dividindo o embrião em duas camadas de células com uma cavidade entre elas chamada de blastocele (Salmito-Vanderley e Santana, 2010).

As divisões prosseguiram, e o polo animal tornou-se cada vez mais abaulado devido ao acúmulo de células no polo animal que iniciaram um movimento em direção ao polo vegetal, recobrindo gradativamente a região vitelínica (120 MAF; Fig. 9). Esse movimento é conhecido como epibolia e é característico da fase de gástrula, pois durante a epibolia ocorrem também movimentos de involução das células do polo animal para dentro da blastocele, através do blastóporo, para a formação do terceiro tecido embrionário, a mesoderme (Garcia e Fernandez, 2006). No presente estudo, o movimento de epibolia alcançou 50% da região vitelínica 180 MAF (meia-gástrula; Fig.10) e recobriu totalmente essa região 240 MAF (gástrula final ou fechamento do blastóporo; Fig. 12). Essa fase do desenvolvimento embrionário foi utilizada para o estabelecimento da taxa de fertilização.

O embrião apresentou-se alongado aos 420 MAF, adquirindo um formato larval, tornando-se notório o início de uma cefalização e o esboçamento de somitos (Fig. 13), o que indica a fase de organogênese. A vesícula óptica evidenciou-se 480 MAF, ocorrendo simultaneamente ao aumento no número de somitos (Fig. 14 e 15). Nessa fase, a cauda do embrião apresentou-se completamente aderida ao saco vitelínico. Quando a cauda mostrou-se parcialmente solta (570 MAF), foram observados os movimentos de contração muscular, e o saco vitelínico apresentou-se alongado, acompanhando o formato larval (Fig. 16). Os movimentos se tornaram mais intensos à medida que a cauda soltava-se do saco vitelínico (Fig. 17). O embrião apresentou movimento de natação dentro da membrana coriônica aos 690 MAF, até o momento em que a larva eclodiu e tornou-se livre. A eclosão das larvas ocorreu 780 MAF (13 horas), o equivalente a 357 horas-grau.

A eclosão ocorreu simultaneamente em todas as incubadoras. Essa homogeneidade pode ser explicada pelo fato de os embriões estarem sujeitos às mesmas condições de temperatura da água (27,5°C), pois a velocidade do desenvolvimento embrionário de peixes é muito influenciada por esse fator (Johnston e Vieira, 1996). De fato, Luz e Zaniboni Filho (2000) relataram que o tempo necessário para a incubação de ovos de mandi amarelo (Pimelodus maculatus) foi de 14h30min quando mantidos a 25,5°C, e de apenas 12h quando mantidos a 27,6°C. O tempo de incubação também pode ser variável dependendo da espécie. Em estudos com Characiformes, o tempo de incubação variou de 324 horas-grau (Reynalte-Tataje et al., 2001) a 504 horas-grau (Borçato et al., 2004) , estando o encontrado no presente estudo dentro do esperado (357 horas-grau).

O tipo de segmentação meroblástica discoidal é comum à peixes de ovos telolécitos, como o peixe-zebra (Danio rerio) que teve seu desenvolvimento embrionário descrito com riqueza por Kimmel et al. (1995). A sequência de modificações morfológica dos embriões de tambaqui foi semelhante à relatada por (Albuquerque et al., 1994) e para outras espécies da família Characidae (Andrade-Talmelli et al., 2001; Reynalte-Tataje et al., 2004).

As porcentagens de embriões que alcançaram o estágio de fechamento do blastóporo (taxa de fertilização) em função das diferentes proporções de espermatozoides/ovócito podem ser observadas na Tab. 1. As taxas de fertilização aumentaram gradativamente até a proporção de 101.332 espermatozoides/ovócitos. Quando a proporção foi aumentada para 126.665 e 151.998 espermatozoides/ovócitos, a porcentagem de ovócitos fertilizados permaneceu constante.

Tabela 1.
Taxa de fertilização (%) de ovos de tambaqui fertilizados com diferentes proporções de espermatozoides (sptz) por ovócito

Letras diferentes representam diferença estatística (P>0,05); sptz: espermatozoides.

Obteve-se a equação de regressão descontínua: Ŷ =0,050 + 0,00000773X (P<0,05), em que Ŷ = taxa de fertilização e X = espermatozoides por ovócito, alcançando-se um alto grau de correção entre as variáveis (R2=97,54). A taxa de fertilização aumentou de forma linear até atingir a taxa máxima de 84,2%, e permaneceu constante, iniciando o platô na proporção de 102.486 espermatozoides/ovócitos (Fig. 18). Esse ponto de início do platô representa a proporção mínima necessária para que a máxima fertilidade seja atingida.


Figura 18. Taxas de fertilização artificial de ovócitos de tambaqui (C. macropomum) fertilizados artificialmente com diferentes relações espermatozoides/ovócito. Para x<102.486, y=7,73*10-6x + 0,050. Para x>102.486, y=0,8420 (R2=97,54).

A tendência à estabilização da taxa de fertilização a partir de uma determinada dose inseminante já foi relatada em outras espécies. Linhart et al. (2004), Bart e Dunham (1996), Bombardelli et al. (2006) e Ciereszko et al. (2000) evidenciaram o mesmo efeito sobre a taxa de fertilização de ovócitos de catfish europeu (Silurus glanis), lampreia (Petromyzon marinus), jundiá (Rhamdia quelen) e bagre-do-canal (Ictalurus punctatus), alcançando o platô de fertilização nas doses inseminantes de 8x102; 5x104; 8,9x104 e 1,25x105 espermatozoides/ovócito, respectivamente.

Em estudo com piabanha (B. insignis), espécie da mesma família do tambaqui (Characidae), também foi evidenciado o mesmo efeito, demonstrando que doses acima de 315.000 espermatozoides/ovócito mantinham a taxa máxima de fertilização de 88% (Shimoda et al., 2007). Essa dose recomendada para piabanha é bem superior à encontrada para tambaqui (~ 100.000) neste estudo. Fatores ligados às características dos gametas podem interferir nos resultados de dose inseminante ideal, tais como diâmetro dos ovócitos (Lahnsteiner, 2000), tempo em que a micrópila permanece aberta (Suquet et al., 1995) e tempo de duração da motilidade dos espermatozoides (Billard e Cosson, 1992). Além disso, a utilização de diferentes protocolos de fertilização artificial também influencia as taxas de fertilização, como a composição da solução ativadora (Carolsfeld et al., 2003), a taxa de diluição do sêmen nesta solução (volume do sêmen/volume da solução ativadora) (Billard e Cosson 1992) ou o tempo gasto na manipulação dos gametas (Kavamoto et al., 1999), o que dificulta a comparação dos resultados.

Vale ressaltar que o aumento da proporção de espermatozoides/ovócito pode afetar negativamente as taxas de fertilização devido ao acúmulo de espermatozoides na micrópila, gerando poliespermia e/ou competição entre os espermatozoides (Kwantong e Bart, 2009). Esse efeito negativo do excesso de espermatozoides já foi relatado em estudo com dourado (Salminus brasiliensis), espécie também pertencente à família Characidae, em que doses inseminantes acima da ideal (~30.000 espermatozoides/ovócito) promoveram redução das taxas de fertilização, a ponto de proporcionar resultado nulo para a dose de 6×106 espermatozoides/ovócito (Sanches et al., 2009). No presente trabalho, o intervalo de doses testadas foi propositalmente curto, pois experimentos preliminares relevaram que a proporção ideal de gametas de tambaqui estaria entre 5x104 e 2x106 espermatozoide/ovócito. A partir desses dados preliminares, foi estimado o intervalo testado neste estudo. A maior dose foi de 151.998 espermatozoides/ovócito de tambaqui, a qual permaneceu no platô de fertilização (84%) estabelecido desde a dose ideal (102.486 espermatozoides/ovócito). O efeito do excesso de espermatozoides de tambaqui sobre as taxas de fertilização não foi observado.

Novos estudos devem ser realizados para uma melhor compreensão dos fatores que afetam a reprodução artificial, inclusive o teste dessa dose inseminante utilizando sêmen criopreservado, com vistas à otimização do uso de reprodutores de interesse para a aquicultura, sobretudo de espécies brasileiras, principalmente aquelas em sobrepesca ou em perigo de extinção.

CONCLUSÕES

O desenvolvimento embrionário de C. macropomum segue o padrão de embriogênese de peixes com ovo telolécitos (Characiformes). Recomenda-se o uso da dose inseminante de aproximadamente 100.000 espermatozoides/ ovócito na rotina de fertilização artificial dessa espécie como alternativa que garante a maior fertilidade com maior economia de gametas.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) por ceder os animais experimentais e à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

Recebido em 18 de novembro de 2011

Aceito em 4 de dezembro de 2012

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2011
    • Aceito
      04 Dez 2012
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