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Ecobiometria ocular de cães glaucomatosos

Ocular echobiometry in glaucomatosus dogs

Resumos

Foram estudados olhos glaucomatosos de cães referidos no serviço de diagnóstico por imagem. Os pacientes foram submetidos à ultrassonografia em modo B de alta resolução para realização de biometria ocular, por meio da qual foram realizadas as seguintes medidas: espessura central da córnea, profundidade da câmara anterior, espessura da lente e profundidade da câmara vítrea. Para tal, foi realizada contenção física e instilado colírio anestésico. Foram aferidas a PIO e a paquimetria da córnea e, em seguida, foi realizada a ultrassonografia em modo B nos dois olhos. Além da diferença óbvia de PIO, maior nos bulbos glaucomatosos, os resultados mostraram-se estatisticamente significativos em dois parâmetros: aumento da profundidade da câmara vítrea nos casos de glaucoma crônico (1,24±0,26cm; P=0,01) quando se comparou aos olhos controle e aumento da espessura da córnea também nos casos de glaucoma agudo (0,987±0,28cm; P=0,027), quando se comparou aos olhos controle e aos olhos com glaucoma crônico. Observou-se que a câmara vítrea é a estrutura intraocular que mais contribui no processo de expansão de volume do bulbo (buftalmia) durante o glaucoma.

cão; ultrassonografia ocular; glaucoma; buftalmia


Dogs with glaucomatous eyes referred to the Diagnostic Image Service at the Veterinary Hospital in the Federal University of Parana were studied using B-mode ultrasonography. Patients were submitted to a high resolution B-mode ultrasonography examination in order to perform ocular echobiometry. The following measurements were performed: central corneal thickness, anterior chamber depth, lens thickness and vitreous chamber depth. Physical restraint was performed and anesthetic eye drops were used. Corneal pachymetry and IOP were evaluated first and then B-mode ultrasonography was carried out in both eyes. Besides an obvious difference in IOP, which is higher in glaucomatous eyes, vitreous chamber depth significantly increases in cases of chronic glaucomatous eyes (1.24±0.26cm P=0.01), when compared to control eyes; and corneal thickness also increases in cases of acute glaucoma (0.987±0.28cm P=0.027), when compared to control eyes and to chronic glaucomatous eyeballs as well. Vitreous chamber is the intraocular structure that most contributes to the process of volume expansion of the globe (buphthalmos).

dog; ocular utrasonography; glaucoma; buphthalmia


INTRODUÇÃO

O glaucoma em animais domésticos é a via final comum a um grupo de condiç›es que culminam na perda progressiva das células ganglionares da retina e axônios do nervo óptico, com aumento da escavação fisiológica do disco óptico, redução dos campos visuais e, finalmente, da visão. Sua classificação baseia-se na sua causa, na aparência do ângulo iridocorneal à gonioscopia e na duração ou estágio da doença (agudo ou crônico). A classificação com base na causa inclui glaucomas primários, relacionados à raça, glaucomas secundários e glaucomas congênitos (Gelatt, 2003GELATT, K.N. Glaucoma no Cão. In: GELATT, K.N. Manual de Oftalmologia Veterinária. 1.ed. Barueri: Manole, 2003. p.165-196.; Brooks, 2008BROOKS, D.E. Glaucoma. In: HERRERA, D. Oftalmologia Clínica em Animais de Companhia. 1.ed. São Paulo: Medvet, 2008. p.195-202.; Martins et al., 2009MARTINS, B.C.; RIBEIRO, A.P.; LAUS, J.L.; ORTIZ, J.P.D. Glaucoma. In: LAUS, J.L. Oftalmologia clínica e cirœrgica em cães e gatos. 1.ed. São Paulo: Roca, 2009. p.151-164.).

O uso da ultrassonografia em modo B para a avaliação de bulbos oculares já é bem conhecido por vários pesquisadores e é recomendado principalmente quando não se pode examinar o interior do olho devido a alguma opacificação das estruturas transparentes do bulbo, como no edema de córnea, hifema, catarata, etc. Também é indicado para avaliação da vasculatura ocular, massas intraorbitárias ou retrobulbares, corpos estranhos ou ainda quando há a necessidade de informaç›es adicionais em casos de processos neoplásicos. Trata-se de uma técnica rápida e segura, que pode ser empregada sem sedação ou anestesia, ou seja, com o paciente acordado (Gelatt-Nicholson et al., 1999GELATT-NICHOLSON, K.J.; GELATT, K.N.; MAcKAY, E. et al. Doppler imaging of the ophthalmic vasculature of the normal dog: blood velocity measurements and reproducibility. Vet. Ophthalmol., v.2, p.87-96, 1999.; Gonzalez et al., 2001GONZALEZ, E.M.; RODRIGUEZ, A.; GARCIA, I. Review of ocular ultrasonography. Vet. Radiol. Ultrasound, v.6, p.485-495, 2001.; Bentley et al., 2003BENTLEY, E.; MILLER, P.E.; DIEHL, K.A. Use of high-resolution ultrasound as a diagnostic tool in veterinary ophthalmology. J. Am. Vet. Med. Associat., v.11, p.1617-1622, 2003.; Dietrich, 2007DIETRICH, U.M. Ophthalmic Examination and Diagnostic Part 3: Diagnostic Ultrasonography. In: GELATT, K.N. Veterinary Ophthalmology, 4. ed. Oxford: Blackwell Publishing, 2007. p.507-519.; Hernández-Guerra et al., 2007; Spaulding, 2008SPAULDING, K. Eye and Orbity. In: PENNINCK, D. & D'ANJOU, M.A. Atlas of Small Animal Ultrasonography. 1. ed. Blackwell Publishing, AMES, 2008. p.49-90.; Book et al., 2008BOOK, B.P.; WOERDT, A.; WILKIE, D.A. Ultrasonographic abnormalities in eyes with traumatic hiphema obscuring intraocular structures: 33 cases (1991-2002). J. Vet. Emergency and Critical Care, v.18, p.383-387, 2008.; Gonçalves et al., 2009; Gonçalves et al., 2010; Squarzoni et al., 2010SQUARZONI, R.; PERLMANN, E.; ANTUNES, A. et al. Ultrasonographic aspects and biometry of Striped owlÕs eyes (Rhinoptynx clamator). Vet. Ophthalmol., v.13, p.86-90, 2010.; Squarzoni, 2011SQUARZONI, R. Biometria ocular e sua relação com sexo, idade, tamanho e peso em cães da raça Cavalier King Charles Spaniel. 2011. 96f. Dissertação (Doutorado em Ciências) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo. ; Baraldi et al., 2012BARALDI, T.G.; MAMPRIM, M.J.; BRANDÃO, C.V.S. et al. Biometria ultrassonográgica modo-A e modo-B do globo ocular de gatos domesticos. Vet. Zootec., v.19, p.20-13, 2012.).

O objetivo deste estudo é realizar a biometria ocular comparativa por meio de paquimetria ultrassônica da córnea e ultrassonografia em modo B de alta resolução em olhos de cães com glaucoma e olhos controle, a fim de determinar quais são as diferenças ecobiométricas e se há um limite máximo para a magnitude do aumento do tamanho do bulbo ocular em animais buftálmicos e, ainda, qual é a estrutura intraocular cuja dimensão mais aumenta nesses casos.

MATERIAL E MÉTODOS

Os animais usados nesta pesquisa foram provenientes da rotina dos ambulatórios do Serviço de Oftalmologia Comparada do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná ou referidos por oftalmologistas veterinários de outros centros de medicina veterinária da cidade de Curitiba. Foram incluídos nesta pesquisa todos os pacientes que apresentavam diagnóstico clínico de glaucoma agudo ou crônico uni ou bilateral. A impressão diagnóstica de presença de buftalmia, dada pelo oftalmologista veterinário responsável, também foi anotada em cada caso. Os pacientes examinados, todos recebendo tratamento medicamentoso, foram encaminhados ao Serviço de Diagnóstico por Imagem do Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná e avaliados sempre pelo mesmo examinador. Os medicamentos que os pacientes recebiam durante a pesquisa incluíam uma ou mais das seguintes classes de fármacos de administração tópica: análogos de prostaglandinas, bloqueadores beta, mióticos parassimpatomiméticos, inibidores da anidrase carbônica. Todavia, é sabido que a buftalmia bem como as principais alteraç›es morfológicas no bulbo ocular oriundas do glaucoma crônico são irreversíveis em pequenos animais (Brooks, 1990BROOKS, D.E. Glaucoma in the dog and cat. Vet. Clinics of North America, Small Anim. Practice, v.3, p.775-797, 1990.) e, portanto, a influência da ação do histórico de tratamento medicamentoso não foi considerada ou avaliada.

Em um período de 20 meses consecutivos, foram selecionados e encaminhados ao serviço de diagnóstico por imagem do HV-UFPR 31 cães com diagnóstico de glaucoma agudo ou crônico uni (10 casos) ou bilateral (21 casos), sendo 24 fêmeas e sete machos, com média de idade de 9,52 anos. Foram considerados olho controle os olhos normais em pacientes com glaucoma unilateral. Não foi empregado qualquer tipo de sedação sistêmica ou anestesia geral. Antes do exame, foram instiladas duas gotas de colírio anestésico (cloridrato de procainamida 0.5% solução oftálmica USP, Laboratório Alcon, Forth Worth, TX, USA) em cada olho. Em todos os pacientes foi realizado exame de ultrassonografia em modo B de alta resolução, em ambos os olhos (afetados e normais), sendo os olhos normais considerados controle, utilizando-se um transdutor linear de 14MHz (Sonix SP, Ultrasonix, Richmond, BC, Canadá). Quando disponível, também foi realizada a aferição da pressão intraocular (PIO) por meio de tonometria de aplanação, usando-se o Tonopen XL¨ (Mentor, Norwell, MA) em 11 dos pacientes. Em 18 pacientes, também quando disponível, a medida da espessura da córnea foi aferida usando-se um paquímetro ultrassônico (Micropach¨ Sonomed, Model 200P+, Lake Success, NY), com velocidade do som ajustada para 1640m/s na córnea. Todas as modalidades (ultrassonografia, aferição de PIO, paquimetria ultrassônica) foram realizadas sempre em ambos os olhos (afetados e normais), todas as vezes pelo mesmo examinador.

As aferiç›es da PIO e da espessura da córnea, quando realizadas, foram conferidas antes do exame ultrassonográfico para evitar qualquer interferência nos resultados pelo gel de ultrassonografia ou pela possível pressão exercida pelo transdutor sobre a córnea durante o exame.

A mesma rotina foi seguida para todos os exames dos animais examinados. Na ultrassonografia, depois de instiladas as duas gotas de colírio anestésico, foi examinado o olho esquerdo, seguido do olho direito. Foi utilizado gel para ultrassonografia (Aquasonic-100, Parker Laboratories Inc., Fairfield, NJ) em abundância, e o transdutor foi gentilmente colocado diretamente sobre o centro da córnea. Cortes transversais foram obtidos no eixo pupilar, e as seguintes medidas foram feitas: espessura da córnea (quando possível), diâmetro do bulbo ocular, câmara anterior, lente e câmara vítrea. Foi considerada como imagem ótima aquela na qual foi possível observar todas as estruturas citadas em um eixo sagital do bulbo ocular (Fig. 1). Quando os casos de glaucoma, agudo ou crônico, eram unilaterais, o olho não acometido por processo glaucomatoso era considerado como olho normal (ou controle).

A análise estatística usada foi o teste-t quando dois grupos de variáveis contínuas ecobiométricas foram comparados. Já para a comparação de mais do que dois grupos de variáveis, empregou-se o teste ANOVA, com o pós-teste de Tukey-Kramer. Empregou-se também análise de regressão linear para os dados do comprimento axial do bulbo ocular. Todos os testes foram realizados pelo software JMP, versão 5.0.1 (SAS Institute Inc., Cary, NC). Os resultados foram julgados como significativos quando P<0,05.

RESULTADOS

Entre todos os animais incluídos nesta pesquisa, pode-se observar uma maioria de pacientes fêmeas, em um total de 24 (77,42%), em comparação aos machos, que somaram apenas sete animais (22,58%). Os cães sem raça definida tiveram maior porcentagem (25,8%) de participação, seguidos dos cães da raça Poodle (19,35%). A descrição de todas as raças dos pacientes diagnosticados com glaucoma está demonstrada na Fig. 2. Entre os achados de oftalmologia clínica de todos os 62 olhos, destacaram-se 12 olhos com descolamento de retina e oito com catarata.

A espessura central da córnea dos bulbos oculares com glaucoma agudo foi de 0,987±0,28cm; já para os bulbos oculares com glaucoma crônico, foi de 0,790±0,17cm. A espessura central da córnea dos bulbos oculares controle, considerados como clinicamente normais, foi menor, com média de 0,707±0,16cm. Houve diferença significativa quando comparadas as médias das espessuras das córneas dos bulbos oculares normais com as médias dos bulbos com glaucoma agudo (P=0,027), representando um aumento de 39%. Nos casos de glaucoma crônico, o aumento observado foi de apenas 11,74%, não sendo estatisticamente significativo.

A média da espessura da lente (cristalino) foi de 0,621±0,045cm nos bulbos oculares com glaucoma agudo. Nos bulbos oculares com glaucoma crônico, a média foi de 0,645±0,221cm. Nos olhos controle, a espessura do cristalino foi de 0,659±0,131cm. Não houve diferença significativa entre as médias de espessura da lente.

A média do comprimento (profundidade) da câmara anterior dos bulbos oculares com glaucoma agudo foi de 0,357±0,054cm; já nos bulbos oculares com glaucoma crônico, foi de 0,40±0,15cm. Nos olhos considerados como de tamanhos normais (controle), o comprimento da câmara anterior apresentou-se com uma média de 0,335±0,09cm. Percentualmente, a câmara anterior aumentou sua profundidade em 21,5%, em média, nos casos de glaucoma crônico, e em 6,56% nos casos de glaucoma agudo. Apesar da leve tendência numérica na direção de câmaras mais profundas nos olhos com glaucoma crônico, curiosamente não houve diferença significativa entre os olhos com glaucoma crônico, glaucoma agudo e controle.

Figura 1
Ultrassonografia em modo B de alta resolução utilizando-se um transdutor de 14MHz em corte sagital de bulbo ocular buftálmico. Notam-se dois triângulos ecogênicos dentro da lente caracterizando a catarata (seta). Também estão demonstradas as medidas de biometria ocular (1.espessura da córnea, 2. diâmetro ocular, 3. espessura da lente, 4. câmara vítrea e 5. câmara anterior).

Figura 2
Demonstrativo em percentual das raças dos cães que foram encaminhadas ao serviço de diagnóstico por imagem com diagnóstico de glaucoma.

A média do comprimento axial da câmara vítrea dos bulbos oculares com diagnóstico clínico de glaucoma agudo foi de 0,97±0,19cm. Já a média dos bulbos oculares com glaucoma crônico foi de 1,24±0,26cm, havendo diferença significativa entre as médias (P=0,01). A média do comprimento do axial da câmara vítrea dos bulbos oculares controle (não glaucomatosos) foi de 0,96±0,21cm, não havendo diferença significativa entre bulbos oculares controle e com glaucoma agudo. Houve, no entanto, diferença significativa entre a média do comprimento da câmara vítrea entre bulbos com glaucoma crônico e bulbos controle (P=0,0007). O aumento médio da câmara vítrea nos casos de glaucoma crônico foi de 26,84%. Não houve aumento percentual significativo da média nos casos de glaucoma agudo.

Nos bulbos oculares com diagnóstico clínico e morfológico de buftalmia, o comprimento axial da câmara vítrea encontrado foi de 1,23±0,27cm, já a média do comprimento axial da câmara vítrea dos bulbos oculares classificados pelo clínico como de tamanho normal, foi de 0,96±0,20cm. Tal diferença foi significativa também (P=0,0001).

O valor máximo de comprimento axial de bulbo ocular obtido em cães com a impressão diagnóstica de buftalmia foi de 2,678cm, e o valor mínimo de 1,878cm, com média de 2,27±0,80cm. Já para os bulbos oculares classificados como de tamanho normal (Fig. 3), independentemente da presença ou não de glaucoma, foi de 2,172cm, e o valor mínimo de 1,690cm, com média de 1,95±0,14. A Fig. 4 demonstra um gráfico com a distribuição das medidas de comprimento axial do bulbo ocular em olhos buftálmicos e em olhos diagnosticados como de tamanho normal. A parte inferior da caixa é delimitada pelo quartil inferior (q1 = 2,14 para bulbos buftálmicos e 1,90 para bulbos de tamanho normal) e a parte superior pelo quartil superior (q3 = 2,35 para bulbos buftálmicos e 2,0 para bulbos de tamanho normal). As hastes inferiores e superiores se estendem, respectivamente, do quartil inferior até o menor valor não inferior a q1 - 1.5 IQR e do quartil superior até o maior valor não superior a q3 + 1.5IQR. Os valores inferiores a q1 - 1.5IQR e superiores a q3 + 1.5 IQR são representados individualmente no gráfico, sendo estes valores caracterizados como outliers (IQR = interquartile range ou diferença interquartis).

Figura 3
Ultrassonografia em modo B de alta resolução utilizando-se um transdutor de 14MHz em corte sagital de um bulbo ocular considerado normal ou controle. Pode-se observar que não há alteraç›es no bulbo ocular visíveis neste sonograma. O tamanho axial do bulbo é de 2,018cm.

Figura 4
A distribuição das medidas de comprimento axial do bulbo ocular obtidas no presente experimento pode ser traduzida graficamente num diagrama tipo box plot (também chamado de gráfico-caixa). O eixo Y (DiamOcul) demonstra o comprimento axial do bulbo ocular (cm) e o eixo X demonstra a variável categórica nominal da impressão diagnóstica de buftalmia ou tamanho normal do bulbo ocular. A linha central da caixa marca a mediana do conjunto de dados (buftalmia = 2,23cm e impressão de tamanho normal = 1,97cm).

O comprimento axial dos bulbos oculares foi de 1,98±0,16cm nos cães com glaucoma agudo, o que significou percentualmente um aumento médio de 0,762%. Já para os cães com glaucoma crônico, a medida foi de 2,26±0,17cm, ou seja, um aumento médio de 15,09%. Os bulbos oculares normais (controle) apresentaram comprimento axial de 1,96±0,16cm. Houve diferença significativa quando comparadas as médias de comprimento de bulbo em cães com glaucoma crônico com as médias dos bulbos controle (P<0,001). Houve também diferença significativa quando comparada a média de comprimento de bulbo em cães com glaucoma crônico com a média dos bulbos com glaucoma agudo (P<0,001). Só não houve diferença significativa entre a média de comprimento axial dos bulbos oculares controle e bulbos oculares com glaucoma agudo.

Uma regressão linear testando todas as estruturas intraoculares em cães buftálmicos foi testada. A regressão entre comprimento do bulbo ocular e comprimento da câmara vítrea mostrou-se significativa (P<0,001), com coeficiente de determinação (R2) de 0,67 (Fig. 5). Constatou-se que, no presente modelo matemático, o aumento da câmara vítrea dos bulbos oculares de cães determina 67% do aumento total do bulbo ocular, dado pela fórmula:

Y = 1,388 + 0,673 * X,

em que:

Y= diâmetro ocular,

X= comprimento da câmara vítrea,

R2 = 0,675.

A média da PIO dos bulbos oculares com histórico de glaucoma foi de 35,50±9,38mmHg. Os bulbos oculares controle apresentaram uma média de PIO de 17,25±5,3mmHg. Tal diferença foi significativa (P<0,05).

DISCUSSÃO

Uma possível explicação para o achado da espessura corneal média significativamente maior em cães com glaucoma agudo reside no fato de que a maioria dos casos de glaucoma no cão tem característica secundária, ou seja, ocorre após uma agressão de natureza inflamatória da tœnica vascular. As inflamaç›es intraoculares, particularmente as uveítes e panuveítes, cursam comumente com edema de córnea, sendo este considerado como sinal clínico clássico de uveíte e, consequentemente, também do glaucoma secundário. No glaucoma crônico, todavia, a tendência é de estiramento do colágeno da córnea e a espessura da córnea tende a diminuir (Gelatt, 2003; Slatter, 2005GELATT, K.N. Glaucoma no Cão. In: GELATT, K.N. Manual de Oftalmologia Veterinária. 1.ed. Barueri: Manole, 2003. p.165-196.; Brooks, 2008BROOKS, D.E. Glaucoma in the dog and cat. Vet. Clinics of North America, Small Anim. Practice, v.3, p.775-797, 1990.; Martins et al., 2009MARTINS, B.C.; RIBEIRO, A.P.; LAUS, J.L.; ORTIZ, J.P.D. Glaucoma. In: LAUS, J.L. Oftalmologia clínica e cirœrgica em cães e gatos. 1.ed. São Paulo: Roca, 2009. p.151-164.). Já em um estudo feito por Mello et al., 2009MELLO, P.R.A.A.P.; MEIRELLES, S.H.S.; MORAES Jr., H.V. Correlação entre a espessura corneana central e o comprimento axial ocular nos portadores de glaucoma e em olhos normais. Arq. Bras. Oftalmol., v.72, p.497-502, 2009., comparou-se a espessura da córnea e o comprimento axial ocular em seres humanos e concluiu-se que não há correlação entre o comprimento axial do olho e a espessura da córnea em paciente com glaucoma e olhos normais. Presumiu-se que tal achado se deu devido ao fato de o curso do glaucoma em seres humanos ser normalmente primário, sem uveíte prévia.

Figura 5
Notar relação positiva entre as variáveis DiamOcul - "comprimento axial do bulbo ocular" e CorpVitr - "comprimento axial da câmara vítrea".

Observou-se que a câmara vítrea é a estrutura intraocular que mais sofre modificaç›es no processo de buftalmia, mudando de magnitude mais significativamente do que qualquer outra câmara ou estrutura ocular durante o glaucoma crônico. Tal assertiva torna-se mais clara e ganha mais força quando se observa a análise de regressão, a qual demonstra que o aumento desta câmara explica a maior parte do crescimento do bulbo ocular. A câmara vítrea foi a estrutura que mais cresceu na buftalmia, devido a uma possível diferença de constituição das fibras de colágeno da esclera que a circunda. Cabe lembrar que normalmente a esclera da câmara vítrea já é normalmente mais fina do que a esclera que circunda a câmara anterior (Gelatt, 2003; Slatter, 2005GELATT, K.N. Glaucoma no Cão. In: GELATT, K.N. Manual de Oftalmologia Veterinária. 1.ed. Barueri: Manole, 2003. p.165-196.).

O achado da PIO significativamente maior nos casos de glaucoma corrobora a literatura (Gelatt, 2003GELATT, K.N. Glaucoma no Cão. In: GELATT, K.N. Manual de Oftalmologia Veterinária. 1.ed. Barueri: Manole, 2003. p.165-196.; Slatter, 2005; Brooks, 2008BROOKS, D.E. Glaucoma in the dog and cat. Vet. Clinics of North America, Small Anim. Practice, v.3, p.775-797, 1990.). Uma vez que o estudo da PIO per se não foi objeto de pesquisa na presente investigação, tal achado simplesmente dá suporte ao diagnóstico dos casos clínicos selecionados com glaucoma no estudo.

Demonstrou-se que a impressão diagnóstica de buftalmia, dada pelo oftalmologista veterinário, geralmente só ocorre quando o comprimento do bulbo ocular de cães ultrapassa a barreira dos 2,23cm, como pode ser observado na Fig. 6. Apesar de ser uma impressão considerada subjetiva, ela demonstrou ser classificada de maneira correta pelo oftalmologista veterinário na grande maioria das vezes.

Figura 6
Cão de 4 anos de idade, oriundo de cruzamento de mãe Lhasa Apso com pai sem raça definida, apresentando glaucoma crônico e buftalmia no bulbo ocular direito. Este caso foi um entre os selecionados para compor a presente investigação. Foi inicialmente diagnosticado pelo oftalmologista e confirmado por meio da ultrassonografia.

CONCLUSÕES

Conclui-se que a córnea dos pacientes com glaucoma secundário é significativamente mais espessa. A câmara vítrea aparentemente é a estrutura intraocular que mais sofre alteração de suas dimens›es nos casos de glaucoma buftálmicos e é a maior causadora do aumento axial do bulbo ocular.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2012
  • Aceito
    14 Dez 2013
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