INTRODUÇÃO
As infecções por C. pseudotuberculosis são caracterizadas por processos piogranulomatosos crônicos em várias espécies de animais de produção (Motta et al., 2010), e geralmente um trauma tecidual precede o estabelecimento da infecção (Quinn et al., 2005). Esse agente é responsável por causar linfadenite caseosa em pequenos ruminantes, dermatite ulcerativa em bovinos, linfangite ulcerativa, abscessos nas regiões peitoral, axilar, abdominal ventral e inguinal de equinos (Hall et al., 2001) e granulomas em humanos (Peel et al., 1997).
Em bovinos, a infecção por C. pseudotuberculosis é prevalente em rebanhos leiteiros de Israel, podendo ocorrer de forma esporádica ou epidêmica (Yeruham et al., 1997; Motta et al., 2010), havendo relatos da ocorrência de formas clínicas cutâneas, mastítica, visceral (Yeruham et al., 1997; Yeruham et al., 2004), dermatite necrótica ulcerativa podal (Yeruham et al., 2004) e formas mistas. Na Índia, o agente foi identificado em nódulos linfáticos do mesentério de bezerro (Sood et al., 2012) e em lesões necróticas e ulcerativas da pele em bovinos no oeste dos Estados Unidos (Garry, 2008).
C. pseudotuberculosis raramente é mencionado como causa de doença nos bovinos (Garry, 2008). No Brasil, é comumente conhecido como a causa da linfadenite caseosa nos ovinos e caprinos, mas, segundo o conhecimento dos autores, não há relato da infecção em bovinos. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de infecção cutânea por C. pseudotuberculosis em bovino na região semiárida do Brasil, caracterizando seus aspectos clínicos, epidemiológicos, patológicos e microbiológicos.
CASO CLÍNICO
A doença ocorreu em uma fêmea bovina, com seis anos de idade, proveniente do município de Emas, estado da Paraíba, que foi atendida no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Campina Grande, em julho de 2013. Segundo o proprietário, o animal havia sido adquirido recentemente e há 11 dias apresentava lesão cutânea caudal à escápula, que inicialmente era pequena e drenava sangue e depois evoluiu para grandes massas com tratos fistulosos drenando secreção amarelada e fétida. Na fazenda, foi instituído tratamento com oxitetraciclina durante três dias, porém não houve êxito. A doença acometeu apenas um animal da propriedade.
No exame físico, observaram-se, na região torácica lateral direita e sobre a escápula, múltiplas lesões cutâneas nodulares, variando de 8x10 para 20x25cm de diâmetro, arredondadas, firmes, sensíveis ao toque e sem mobilidade, algumas com superfície ulcerada, irregular, circundada por halo avermelhado, e outras com superfície alopécica, com trato fistuloso central drenando secreção piossanguinolenta (Fig. 1). Observou-se que a temperatura era mais elevada na periferia da lesão do que no seu centro. Os linfonodos cervicais superficiais e subilíacos encontravam-se hipertrofiados.

Figura 1. Bovino com lesão de pele piogranulomatosa causada por C. pseudotuberculosis, situada caudalmente à escápula no antímero direito.
Após a avaliação clínica e considerando a gravidade das lesões, optou-se por realizar a remoção cirúrgica delas. O material obtido na cirurgia foi encaminhado ao Laboratório de Patologia Animal e ao Laboratório de Microbiologia da UFCG para realização de exame histopatológico e microbiológico, respectivamente. Macroscopicamente observou-se que, na superfície de corte desses fragmentos de pele, havia na derme nódulos multifocais a coalescentes, medindo de 0,2 a 0,4cm de diâmetro, amarelados, firmes, bem como múltiplas cavitações contendo material amarelo acinzentado e friável, ambos circundados por tecido esbranquiçado, liso e brilhante (Fig. 2). As lesões microscópicas caracterizaram-se por dermatite nodular piogranulomatosa e ulcerativa. Na derme superficial e profunda, observaram-se piogranulomas multifocais a coalescentes constituídos por necrose central de neutrófilos, circundada por macrófagos, macrófagos epitelioides, alguns linfócitos e eosinófilos e múltiplas células gigantes multinucleadas, às vezes delimitados por tecido conjuntivo fibroso. Adicionalmente, verificaram-se poucos granulomas conspícuos sem necrose central. Adjacentes a essas áreas, havia eosinófilos e, menos frequentemente, linfócitos e macrófagos dispersos em meio ao tecido conjuntivo, às vezes situados ao redor de vasos.

Figura 2 Fragmentos de lesão piogranulomatosa da pele de bovino causada por C. pseudotuberculosis, evidenciando a formação de nódulos amarelados multifocais e cavitações com conteúdo necrótico
A semeadura do conteúdo purulento colhido das lesões piogranulomatosas foi realizada em placas de ágar-sangue enriquecido com sangue ovino 5%, ágar MacConkey e caldo Brain Heart Infusion (BHI), incubadas em aerobiose a 37°C. Após 48 horas, foi possível a visualização de colônias redondas apresentando forma seca, opaca e concêntrica de coloração esbranquiçada no meio ágar-sangue. Microscopicamente, visualizaram-se bactérias Gram-positivas na forma de bastonetes. Por meio da associação de provas bioquímicas, foi verificado que o agente demonstrou-se catalase e urease positivos, nitrato e esculina negativos, fermentador de maltose, sacarose, glicose e galactose, não fermentador de xilose e D-manitol, apresentando CAMP-teste reverso, sendo identificado conforme o Manual of Clinical Microbiology (Funke e Bernard, 1999) como C. pseudotuberculosis.
A avaliação da susceptibilidade in vitro do C. pseudotuberculosis a 12 diferentes antimicrobianos, realizada por meio do teste de disco-difusão pelo método de Kirby-Bauer em ágar Müller Hinton, demonstrou que o agente era resistente à amicacina, kanamicina, neomicina e penicilina G e sensível à ampicilina adicionada de subactam, amoxicilia com ácido clavulônico, cefalexina, cefalotina, cefotaxima, enrofloxacina, gentamicina e tetraciclina.
Após a exérese da lesão, foi instituído tratamento com antibiótico à base de enrofloxacina 10% (5mg/kg, intramuscular, a cada 24 horas, durante 10 dias), anti-inflamatório não esteroidal, fenilbutazona (4mg/kg, intravenoso, a cada 24 horas, durante três dias) e tratamento local de ferida cirúrgica com antisséptico (clorexidine degermante 2%), açúcar e pomada fitoterápica à base de extrato hidroalcoólico de Plectranthusneochilus. Após 10 dias de tratamento (Fig. 3), o animal recebeu alta médica e foi encaminhado para a propriedade, onde o tratamento local da ferida teve continuidade até completa cicatrização.
DISCUSSÃO
O isolamento do agente das lesões confirmou tratar-se da forma cutânea da infecção pelo C. pseudotuberculosis em bovinos. As dimensões das lesões e a localização, assim como as características macroscópicas, de edema, ulceração central, drenagem de secreção e sensibilidade, estão de acordo com o descrito por Yeruham et al. (1997); Yeruham et al. (2004) em bovinos leiteiros de rebanhos israelenses. Esses mesmos autores observaram na microscopia presença de numerosos nódulos contendo pus cercados por células epitelioides e células gigantes multinucleadas.
O processo inflamatório, o edema local e a necrose que envolve a lesão são atribuídos a fatores de virulência do microrganismo, principalmente à ação da fosfolipase D, uma exotoxina dermonecrótica e hemolítica, capaz de aumentar a permeabilidade vascular e contribuir para a disseminação do patógeno para linfonodos regionais (Motta et al., 2010).
Os dados apresentados demonstram que a forma cutânea da infecção pelo C. pseudotuberculosis deve ser considerada no diagnóstico diferencial das lesões de pele em bovinos, especialmente na região semiárida do Brasil, como lesões de ptiose, carcinoma de células escamosas e actinobacilose atípica. O diagnóstico definitivo dessa infecção deve ser realizado por meio da identificação microbiológica do agente e da histopatologia da lesão (Yeruham et al., 2004).
A cepa de C. pseudotuberculosis isolada respondeu negativamente ao teste bioquímico para redução do nitrato, corroborando o citado por Yeruham et al. (2004). De acordo com Quinn et al. (2005), o C. pseudotuberculosis possui dois biótipos denominados ovis e equi, definidos pela sua capacidade de produzir a enzima nitrato-redutase, que permite a conversão do nitrato para nitrito em provas bioquímicas.
O biótipo ovis não possui capacidade de reduzir o nitrato, sendo este considerado negativo na prova bioquímica de redução do nitrato. O biótipo equi possui capacidade de reduzir o nitrato. Os bovinos podem ser infectados pelos dois biótipos (Motta et al., 2010).
Yeruham et al. (2004) explicam que provavelmente a disseminação da infecção por C. pseudotuberculosis em rebanhos bovinos leiteiros de Israel ocorre pela introdução de animais infectados em rebanhos livres da infecção. A transmissão pode ocorrer de forma mecânica por meio de moscas domésticas e outros artrópodes. Além disso, rebanhos de ovinos e caprinos infectados também podem servir como fontes de infecção.
No Brasil, a causa mais provável de a infecção ocorrer em bovinos é o contato com rebanhos de ovinos e caprinos com alta prevalência da infecção. O C. pseudotuberculosis é o agente etiológico da linfadenite caseosa, doença muito prevalente em caprinos e ovinos na região Nordeste, onde a prevalência de animais com sinais clínicos pode chegar a 50% (Riet-Correa, 2007). Esse agente é capaz de permanecer viável no meio ambiente por longos períodos. A presença de numerosas plantas cactáceas, capazes de provocar ferimentos na pele dos animais, é considerada uma das causas da alta prevalência da infecção por essa bactéria em pequenos ruminantes no Nordeste. Sood et al. (2012) também consideram os rebanhos de caprinos e ovinos infectados como sendo fontes de infecção para os bovinos.
Embora C. pseudotuberculosis possa produzir biofilme, considerado eficiente na proteção contra vários antibióticos (Olson et al., 2002), o uso da terapia antimicrobiana após a exérese da lesão foi efetiva para o tratamento e controle desse agente no presente trabalho. Foram demonstradas sensibilidades in vitro e in vivo da bactéria à enrofloxacina, o que possibilita a indicação desse antibiótico no tratamento de infecções por C. pseudotuberculosis em bovinos.