INTRODUÇÃO
As neoplasias oculares primárias são incomuns em cães quando comparadas com neoplasias que afetam outros órgãos. Existem dois tipos de tumores vasculares que estão relacionados com doenças cutâneas e que podem acometer o olhos e anexos, sendo estes o hemangioma e o hemangiossarcoma. Hemangiomas (angiomas) são neoplasias benignas que derivam de células endoteliais dos vasos sanguíneos. Essas neoplasias são circunscritas, compostas de canais vasculares e revestidas por células endoteliais sendo semelhantes aos vasos normais. Os canais vasculares do hemangioma carecem de componentes, músculo liso e pericitos, que são normalmente vistos em vasos normais. Nas avaliações citológicas, não são observadas mitoses (Vala e Esteves, 2001; Labelle e Labelle, 2013; Miller e Dubielzig, 2013).
Os hemangiossarcomas são neoplasias com características infiltrativas, compostas por anastomoses e formadas por canais vasculares. Esses canais vasculares são revestidos por células endoteliais e não possuem um arranjo perfeito do tecido muscular liso nem dos pericitos. O pleomorfismo é variável, porém as células neoplásicas não possuem as características do endotélio normal. O índice mitótico normalmente é baixo. A diferenciação com os hemangiomas nem sempre é simples (Donaldson et al., 2006; Dubielzig et al., 2010; Labelle e Labelle, 2013). A etiologia desses tumores ainda não é bem reconhecida, entretanto acredita-se que a radiação UV possa elevar o risco de incidência dessa patologia (Pirie et al., 2006).
Conforme a literatura, eles são relativamente incomuns nos cães e raros em gatos (Vala e Esteves, 2001; Pirie et al., 2006). Existe também a ocorrência desses tumores na espécie equina (Vestre et al., 1982; Moore et al., 1986; Pinn et al., 2011). Na espécie canina, o hemangioma é mais frequente que o hemangiossarcoma. Essas neoplasias são observadas mais frequentemente em cães acima de 10 anos, não é descrita predileção sexual e as principais raças acometidas são Boxer, Golden Retriever, Pastor Alemão, Dálmata e Pointer (Fife et al., 2011).
O angioceratoma é uma variante do hemangioma que contém, além da parte vascular, uma porção epitelial. Normalmente esse tumor apresenta-se como uma pequena massa circunscrita, com aparência variável, de coloração vermelha, que pode ocasionalmente ser pigmentada e com elevação à superfície, acometendo mais frequentemente a terceira pálpebra (membrana nictitante) e a conjuntiva bulbar temporal (Vala e Esteves, 2001; Pirie et al., 2006; Piso et al., 2015). Essa variação do hemangioma raramente é encontrada na literatura (Buyukmihci e Stannard, 1981; Dubielzig et al., 2010; Labella e Labelle, 2013). Em seres humanos, são descritos casos de angioceratoma, acroparestesias, cardiomiopatia hipertrófica, anidrose e córnea verticilata como manifestações típicas da doença de Anderson-Fabry, também chamada de doença de Fabry (DF) ou angiokeratoma corporis diffusum universale. A DF é uma doença hereditária que está ligada ao cromossomo X, sendo considerada uma doença de depósito lisossômico (Boggio et al., 2009; van der Tol et al., 2015).
O prognóstico para o hemangioma, bem como para o angioceratoma, é favorável desde que a completa excisão cirúrgica tenha sido realizada. Já o prognóstico para o hemangiossarcoma é bom, porém há risco de recorrência após a cirurgia. Nesses casos, recomenda-se associar a crioterapia com a excisão cirúrgica (Pirie et al., 2006).
O presente relato tem o objetivo de descrever a ocorrência de um caso de angioceratoma conjuntival em um cão, bem como o tratamento cirúrgico realizado.
RELATO DO CASO
Foi atendido um cão da raça Border Collie, macho, com oito anos de idade, que foi encaminhado para um serviço de referência em Oftalmologia Veterinária (Zoovet Oftalmologia, Juiz de Fora - MG), tendo como queixa a presença de uma massa vermelha na região lateral do olho direito. Segundo o proprietário, a massa estava presente havia cerca de oito meses, porém, nos últimos dois meses, ela começara a aumentar de tamanho e a se tornar mais hiperêmica. O animal não apresentava secreção, prurido, o olho se apresentava calmo e parecia não o estar incomodando.
Ao exame físico, foi possível observar a presença de uma massa na conjuntiva bulbar na região temporal do olho direito (OD), com um aspecto avermelhado (hiperêmico), o qual fazia protrusão à superfície, acompanhando a vascularização conjuntival (Fig. 1).

Figura 1 Cão da raça Border Collie, com oito anos de idade, apresentando massa hiperêmica com protrusão à superfície na conjuntiva bulbar do olho direito.
O animal foi submetido aos exames de oftalmoscopia direta e indireta, de biomiscroscopia com lâmpada de fenda (PSL® - Reichert) e de tonometria (TonoVet® - Reichert), encontrando-se a pressão intraocular (PIO) de 17mmHg no olho direito (OD) e de 15mmHg no olho esquerdo (OS), bem como aos testes de fluoresceína e de Schirmer (Ophthalmos - SP). Com a finalidade de avaliar se existia alguma outra alteração e envolvimento intraocular, foi realizada a ultrassonografia (SonoScape A6V®, com transdutor microconvexo de 12Mhz), mas não foi detectada nenhuma alteração. Como terapia medicamentosa, para reduzir a congestão vascular e a provável inflamação, foi prescrito colírio à base de acetato de prednisolona 1,0% (Pred Fort® - Allergan), TID, durante sete dias, e indicou-se o procedimento cirúrgico, com o objetivo de excisar a massa e posteriormente realizar a análise histológica do material obtido.
Após sete dias, foi realizada a cirurgia de conjuntivectomia parcial da região temporal do olho direito, removendo-se totalmente a massa. Durante a cirurgia, foi possível observar que macroscopicamente o tumor não tinha envolvimento nem aderência com a esclera. A conjuntiva foi suturada com poliglactina 910 7-0 (Bioline). No pós-cirúrgico, foi administrada enrofloxacina 5mg/kg IM (Baytril® - Bayer), dose única, e meloxicam (Maxicam® 1% - OuroFino), na dose única de 0,1mg/kg IM. Foi prescrito colírio de gatifloxacino 0,5% (Zymar® - Allergan), QID, por sete dias, e cetorolaco de trometamol 0,5% (Acular® - Allergan), BID, por sete dias. Recomendou-se o uso do colar protetor. Não foram evidenciadas complicações no período pós-operatório. A massa, de aproximadamente 0,6cm2, foi conservada em formalina 10% e, após um período de sete dias, foi encaminhada para a avaliação histológica.
O material foi embebido em parafina e, então, foram realizados cortes de 3μm, os quais foram corados com hematoxilina e eosina (H&E). Na microscopia, foi possível observar hiperplasia na epiderme, bem como aumento e dilatação da derme devido à dilatação vascular. Os espaços vasculares se mostraram preenchidos por uma camada de células endoteliais normais. Não foram visualizadas figuras mitóticas na lâmina e a borda do material se mostrou livre de elementos celulares neoplásicos (Fig. 2A e B).

Figura 1A e B - Imagem histológica da massa conjuntival obtida do olho direito de um cão, da raça Border Collie, macho, com oito anos de idade, corada com hematoxilina e eosina (H&E), apresentando hiperplasia de epiderme, dilatação da derme devido à dilatação vascular e ausência de células mitóticas, o que é característico de angioceratoma conjuntival.
DISCUSSÃO
De acordo com a literatura, os tumores conjuntivais mais frequentes que afetam os cães são os carcinomas de células escamosas, melanoma, mastocitoma, linfoma, hemangioma, hemangiossarcoma e angioceratoma (Pirie et al., 2006; Piso et al., 2015). Os tumores vasculares de origem endotelial, hemangioma e hemangiossarcoma, têm uma incidência considerável em cães. Conforme encontrado na literatura, o angioceratoma se apresenta como uma variação pouco frequente do hemangioma. O que separa histologicamente essas duas patologias é o envolvimento do epitélio no angioceratoma. Os casos descritos de angioceratoma ocular normalmente ocorrem na conjuntiva, enquanto o hemangioma apresenta maior incidência na pele, principalmente nas regiões abdominal e inguinal (Vala e Esteves, 2001). Lim et al. (2014) relatam um caso raro de angioceratoma cutâneo associado a inclusões lisossômicas em um cão.
Em um levantamento epidemiológico realizado por Pirie et al. (2006) em 108 casos de hemangioma e hemangiossarcoma conjuntival, demonstrou-se que a incidência dessas neoplasias é maior em cães entre oito e 11 anos e que, dentro dessa faixa, nos animais mais jovens há maior ocorrência de hemangiomas, enquanto em animais mais velhos, de hemangiossarcomas, o que corrobora a idade do caso relatado. As raças mais acometidas foram Pastor Alemão, Golden Retrievers e Labrador, porém, conforme os autores, diversas raças foram acometidas pela patologia, dentra elas o Border Collie.
A conjuntivectomia parcial se mostrou eficiente para o tratamento da patologia. No laudo histopatológico, foi descrito que as bordas estavam livres de células tumorais, sendo, portanto, obtida uma margem de segurança suficiente. Dessa forma, não foi necessária nenhuma terapia completar. A conduta terapêutica realizada foi compatível com o recomendado na literatura para o tratamento de hemangiomas e, consequentemente, de angioceratoma (Pirie et al., 2006). Fife et al. (2011) sugerem que, em casos avançados ou de tumores invasivos como o mastocitoma, em que áreas extensas precisam ser removidas e consequentemente precisa ocorrer um grande comprometimento dos anexos oculares bem como do globo, pode ser necessário realizar a enucleação. No caso relatado, como o diagnóstico e o tratamento foram realizados em fase inicial, o procedimento cirúrgico minimamente invasivo foi suficiente para o tratamento definitivo.
Dessa forma, corroborando o descrito por Lim et al. (2014), é possível inferir que a acurácia em realizar o diagnóstico baseado na histopatologia, juntamente com o procedimento cirúrgico completo, mostra-se importante para o prognóstico e a recidiva dessa patologia.