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Refluxo gastroesofágico em cadelas durante ovário-histerectomia convencional submetidas a diferentes medicações pré-anestésicas

Gastroesophageal reflux in dogs undergoing conventional ovariohysterectomy using different premedications

RESUMO

A doença do refluxo gastroesofágico decorre do fluxo de conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou para os órgãos adjacentes, o que leva à ampla gama de sinais e implicações clínicas. É desconhecida a incidência de refluxo gastroesofágico transoperatório em caninos. O objetivo deste trabalho foi, por meio da endoscopia flexível, avaliar a presença do refluxo gastroesofágico em cadelas submetidas a ovário-histerectomia com base nos fármacos analgésicos utilizados na medicação pré-anestésica (morfina, tramadol ou metadona). Concluiu-se que não houve diferença na incidência de refluxo gastroesofágico transoperatório, não tendo os fármacos testados influenciado de forma diferente esse comportamento; porém, alguns animais do grupo morfina apresentaram êmese pré-operatória. A gravidade dos refluxos foi maior nas cadelas submetidas ao uso da metadona, de acordo com o método de avaliação utilizado para esta pesquisa.

Palavras-chave:
endoscopia; regurgitação transoperatória; pré-medicação; canino

ABSTRACT

Gastroesophageal reflux disease arises from the gastroduodenal content flow to the esophagus and/or associated organs, which leads to the wide range of signs and clinical implications. Incidence of intraoperative gastroesophageal reflux disease in dogs is unknown. The objective was, through flexible endoscopy, to assess the presence of gastroesophageal reflux in dogs undergoing ovariohysterectomy based on analgesic drugs used in premedication (morphine, tramadol or methadone). It was concluded that there was no difference in the incidence of intraoperative gastroesophageal reflux, these drugs don't influence this behavior; however, in the morphine group some animals showed preoperative vomiting. The severity of the reflux was higher, but not significantly, in bitches undergoing the methadone according to the evaluator method used for this research.

Keywords:
endoscopy; intraoperative regurgitation; surgery; premedication; canine

INTRODUÇÃO

O refluxo gastroesofágico (RGE) é definido como o fluxo de conteúdo gastroduodenal para o esôfago e adjacências, que desencadeia vários sinais clínicos (Norton e Pena, 2000NORTON, R.C.; PENNA, F.J. Refluxo gastroesofágico. J. Pedriatr., v.76, Supl.2, p.218-224, 2000.; Barczinski e Moraes-Filho, 2006BARCZINSKI, T.; MORAES-FILHO, J.P.P. Doença do refluxo gastroesofágico na mulher. Rev. Bras. Med., v.63, p.160-168, 2006.; Carvalhaes et al., 2011CARVALHAES, A.; FERRARI JR, A.P.; MAGALHÃES, A.F. et al. Doença do refluxo gastroesofágico: diagnóstico. Rev. Assoc. Med. Bras., v.57, p.499-507, 2011.; Abrahão Jr., 2014). Várias espécies são acometidas por esse evento e diversas podem ser as etiologias (Favarato et al., 2010FAVARATO, E.S.; SOUZA, M.V.; COSTA, P.R.S. Refluxo gastroesofágico em cães anestesiados: fisiopatologia, clínica, diagnóstico e terapêutica. Ciênc. Rural, v.40, p.2427-2434, 2010.).

Em cães, a anestesia geral é uma das principais causas de esofagite, devido à redução do tônus esfíncter esofagogástrico, precipitada por alguns fármacos (Favarato et al., 2010FAVARATO, E.S.; SOUZA, M.V.; COSTA, P.R.S. Refluxo gastroesofágico em cães anestesiados: fisiopatologia, clínica, diagnóstico e terapêutica. Ciênc. Rural, v.40, p.2427-2434, 2010.). O RGE pode incorrer em algumas consequências, tais como: azia, regurgitação, esofagite (Münster et al., 2013MÜNSTER, M.; VIETH, M.; HÖRAUF, A. Evaluation of the quality of endoscopically obtained esophageal biopsies in the dog. Tierarztl. Prax. Ausg. K Kleintiere Heimtiere, v.41, p.375-382, 2013.); pneumonia aspirativa (Nogueira et al., 2003NOGUEIRA, L.C.; CORTOPASSI, S.R.G.; INTELIZANO, T.R.; SOUZA, M.S.B. Efeitos do jejum alimentar pré-cirúrgico sobre a glicemia e o período de recuperação anestésica em cães. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.40, Supl.1, p.20-25, 2003.) e estenose esofágica (Vlasin et al., 2004VLASIN, M.; HUSNIK, R.; FICHTEL, T.; RAUSEROVÁ, L. Acquired esophageal stricture in the dog: a case report. Vet. Med. Czech J., v.49, p.143-147, 2004.; Silva et al., 2010SILVA, E.C.S.; PINA, F.L.S.; TEIXEIRA, M.W. Diagnóstico e tratamento da estenose esofágica pela via endoscópica em cão: relato de caso. Cienc. Anim. Bras., v.11, p.465-470, 2010.; Oliveira et al., 2013OLIVEIRA, M.T.; TRINDADE, A.B.; DE SOUZA, F.W. et al. Dilatação esofágica endoscópica associada ao uso de triancinolona intramural em cadela com estenose de esôfago após ovariohisterectomia eletiva. Ciênc. Rural, v.43, p.1683-1686, 2013.). O RGE em humanos ainda está fortemente associado ao risco de desenvolvimento de adenocarcinoma de esôfago (Lagergren et al., 1999LAGERGREN, J.; BERGSTRÖM, R.; LINDGREN, A.; NYRÉN, O. Symptomatic gastroesophageal reflux as a risk factor for esophageal adenocarcinoma. N. Engl. J. Med., v.340, p.825-831, 1999.).

Um índice de 5% de RGE transoperatório tem sido reportado em humanos, sendo esse refluxo inaparente e geralmente ácido (Ng e Smith, 2001NG, A.; SMITH, G. Gastroesophageal reflux and aspiration of gastric contents in anesthetic practice. Anesthesiol. Analg., v.93, p.494-513, 2001.). Quando o conteúdo refluído atinge a faringe, é considerado regurgitação e pode ser aspirado pelo pulmão (Wilson et al., 2005WILSON, D.V.; EVANS, A.T.; MILLER, R. Effects of preanesthetic administration of morphine on gastroesophageal reflux and regurgitation during anesthesia in dogs. Am. J. Vet. Res., v.66, p.386-390, 2005.), o que resulta em maiores taxas de morbidade e mortalidade pós-anestésicas (Nogueira et al., 2003NOGUEIRA, L.C.; CORTOPASSI, S.R.G.; INTELIZANO, T.R.; SOUZA, M.S.B. Efeitos do jejum alimentar pré-cirúrgico sobre a glicemia e o período de recuperação anestésica em cães. Braz. J. Vet. Res. Anim. Sci., v.40, Supl.1, p.20-25, 2003.).

Em humanos, a injúria péptica, como resultado de exposição crônica da mucosa esofágica, é a causa mais comum de estenoses esofágicas, constituindo um problema frequentemente encontrado na prática endoscópica (Siersema e De Wijkerslooth, 2009SIERSEMA, P.D.; WIJKERSLOOTH, L.R.H. Dilation of refractory benign esophageal stricture. Gastrointest. Endosc., v.70, p.1000-1012, 2009.). Estenoses, na medicina veterinária, ocorrem mais comumente devido a RGE perianestésico (Lam et al., 2013LAM, N.; WEISSE, C.; BERENT, A. et al. Esophageal stenting for treatment of refractory benign esophageal strictures in dogs. J. Vet. Intern. Med., v.27, p.1064-1070, 2013.). Embora estenose esofágica possa se desenvolver a partir de qualquer lesão grave à mucosa, observa-se que a maioria dos casos ocorre por esofagite de refluxo perianestésico, especialmente em fêmeas submetidas a ovário-histerectomia (Adamama-Moraitou et al., 2002).

Ovário-histerectomia e ovariectomia são realizadas em cadelas e gatas com o objetivo de impedir a reprodução ou de tratar afecções como cistos ovarianos, torção ou prolapso uterinos e piometra (Schiochet et al., 2007SCHIOCHET, F.; BECK, C.A.C.; PINTO, V. et al. Ovariectomia laparoscópica em uma gata com ovários remanescentes. Acta Sci. Vet., v.35, p.245-248, 2007.). Sua prática ainda elimina o risco de falsa gestação (Martins e Lopes, 2005MARTINS, L.R.; LOPES, M.D. Pseudociese canina. Rev. Bras. Reprod. Anim., v.29, p.137-141, 2005.), bem como reduz o risco de neoplasias mamárias (Fonseca e Dalek, 2000FONSECA, C.S.; DALECK, C.R. Neoplasias mamárias em cadelas: influência hormonal e efeitos da ováriohisterectomia como terapia adjuvante. Ciênc. Rural, v.30, p.731-735, 2000.), além de ser terapia adjuvante no tratamento de epilepsia (Stone, 1998STONE, E.A. Ovário e útero. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 2.ed. São Paulo: Manole, 1998, p.1540-1558.) e diabetes melito (Pöppl, 2012PÖPPL, A.G. Estudos clínicos sobre os fatores de risco e a resistência à insulina na diabetes mellitus em cães. 2012. 215f. Tese (Doutorado em Ciências Veterinárias) - Programa de Pós-graduação em Ciências Veterinárias, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.).

O objetivo do presente trabalho foi comparar a influência de diferentes fármacos pré-anestésicos sobre o refluxo gastroesofágico transoperatório em cadelas, uma vez que são escassos na medicina veterinária os estudos referentes a esse evento. Para tanto e a fim de padronizar os animais estudados, optou-se por cadelas a serem submetidas a ovário-histerectomia eletiva convencional.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram atendidas 29 cadelas, adultas, hígidas, sem histórico de êmese, pesando 11,5±4,1kg, com indicação de ovário-histerectomia eletiva. Após aptidão confirmada por exames clínico e laboratorial (hemograma e bioquímica sérica), foram aleatoriamente separadas em três grupos. Um grupo com 10 animais (GI) foi submetido à ovário-histerectomia por celiotomia e recebeu como medicação pré-anestésica (MPA) acepromazina (0,05mg.kg-1) e morfina (0,5mg.kg-1) por via intramuscular; outro grupo com 10 animais (GII) foi submetido à mesma técnica operatória e recebeu como MPA acepromazina (0,05mg.kg-1) e tramadol (4mg.kg-1); e um terceiro grupo, com nove animais (GIII), também submetido à mesma técnica operatória, recebeu como acepromazina (0,03mg.kg-1) e metadona (0,3mg.kg-1). Todos os animais tiveram o mesmo período de jejum pré-operatório, sob internação hospitalar, de 12 horas de privação alimentar e oito horas de privação hídrica. A sequência do procedimento anestésico ocorreu da mesma forma para todos os grupos: administração de propofol (4mg.kg-1) para indução anestésica e isoflurano, vaporizado em oxigênio a 100%, para manutenção anestésica por meio de intubação orotraqueal.

O endoscópio flexível de 9,8mm foi introduzido no esôfago das cadelas até aproximadamente a altura do nono espaço intercostal - mensurado externamente nas cadelas a fim de se observar diretamente a transição esofagogástrica durante o procedimento. Esse posicionamento foi realizado simultaneamente à colocação dos campos operatórios. A ocorrência de refluxo gastroesofágico foi sendo monitorada desde então.

O grau de refluxo gastroesofágico foi classificado conforme a legenda: R0 - sem refluxo, esôfago limpo; R1 - sem refluxo, com bolhas desde o início da esofagoscopia, indicativo de peristaltismo pré-operatório; R2 - sem refluxo, com formação de bolhas no transoperatório, indicando um aumento de peristaltismo transoperatório; R3 - refluxo discreto (alcançando a altura do terço distal do esôfago); R4 - refluxo discreto com prolapso de mucosa gástrica para o esôfago; R5 refluxo moderado (atingindo terço médio do esôfago); R6 - refluxo moderado com prolapso de mucosa gástrica; R7 - refluxo grave (atingindo terço cranial do esôfago); e R8 - refluxo grave com prolapso de mucosa gástrica. Essa escala foi desenvolvida pelos autores especialmente para o projeto que deu origem a este trabalho.

O projeto que deu origem a este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (Ceua) - UFSM, sob o parecer 136/2014. Data de aprovação: 18/12/2014.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O presente estudo contribuiu para o controle populacional de cães errantes no município de Santa Maria e, assim, auxiliou a comunidade, já que os pacientes eram oriundos de organizações não governamentais ou de tutores com baixo poder aquisitivo e, com o estudo, puderam ser esterilizados a um custo muito reduzido.

Em relação ao pré-operatório, via de regra, é solicitado jejum alimentar de 12 horas considerando-se alterações conforme idade do paciente e procedimento cirúrgico a ser submetido (Muir, 2007MUIR, W.W. Considerations for general anesthesia. In: TRANQUILI, W.J. et al. Lumb & Jones’ veterinary anesthesia and analgesia. 4.ed. Iowa: Blackwell Publishing, 2007. p.7-30.). Para o presente trabalho, foram selecionadas cadelas hígidas, sem histórico de vômitos ou regurgitações, sendo alimentadas até 12 horas anteriores ao procedimento, quando foram internadas para garantir a realização do jejum. Assim, ficou impossibilitado o acesso à alimentação líquida ou sólida após o período definido, uma vez que, do contrário, poderia haver interferências diretas nos resultados de vômitos e/ou regurgitações.

A dose da acepromazina foi menor quando utilizada em combinação com a metadona do que quando combinada aos outros analgésicos, em razão do maior efeito sedativo dela (Maiante et al., 2009MAIANTE, A.A.; TEIXEIRA NETO, F.J.; BEIER, S.L. et al. Comparison of the cardio-respiratory effects of methadone and morphine in conscious dogs. J. Vet. Pharmacol. Ther., v.32, p.317-328, 2009.), bem como da proposta de mimetizar as doses utilizadas na rotina hospitalar.

Valverde et al. (1989VALVERDE, A.; DYSON, D.H.; MC DONNEL, W.N. Epidural morphine reduces halothane MAC in the dog. Can. J. Anaesthesiol., v.36, p.629-632, 1989.) demonstraram que administrar a acepromazina 15 minutos antes do opioide reduz a incidência de vômitos induzidos por essas substâncias, porém essa não é uma prática do meio veterinário e deve ser considerada como manobra a ser incorporada na rotina anestésica. Das cadelas pré-medicadas com morfina (GI), sete (70%) apresentaram êmese no período pré-operatório, após a administração da medicação pré-anestésica. Das cadelas pré-medicadas com tramadol (GII) e com metadona (GIII), nenhuma apresentou êmese pré-operatória. Wilson et al. (2005WILSON, D.V.; EVANS, A.T.; MILLER, R. Effects of preanesthetic administration of morphine on gastroesophageal reflux and regurgitation during anesthesia in dogs. Am. J. Vet. Res., v.66, p.386-390, 2005.) referiram que a êmese causada no pré-operatório não é condição determinante para o refluxo gastroesofágico transoperatório, embora a morfina já tenha sido descrita como fármaco precipitador desse evento (Barczinski e Moraes-Filho, 2006BARCZINSKI, T.; MORAES-FILHO, J.P.P. Doença do refluxo gastroesofágico na mulher. Rev. Bras. Med., v.63, p.160-168, 2006.). Paolozzi et al. (2011PAOLOZZI, R.J.; CASSU, R.N.; DA CRUZ, F.S.F.; PARRILHA, R.L. Diferentes doses de tramadol em cães: ações analgésicas, sedativas e sobre o sistema cardiorrespiratório. Ciênc. Rural, v.41, n.8, p.1417-1423, 2011.) observaram elevada incidência (50%) de êmese nas cadelas que receberam 4mg.kg-1 de tramadol, porém essas o receberam por via intravenosa. A metadona apresenta vantagem em relação aos outros opioides, como morfina e hidromorfona, por não provocar êmese em cães (Valverde et al., 1989; Maiante et al., 2009MAIANTE, A.A.; TEIXEIRA NETO, F.J.; BEIER, S.L. et al. Comparison of the cardio-respiratory effects of methadone and morphine in conscious dogs. J. Vet. Pharmacol. Ther., v.32, p.317-328, 2009.).

Para avaliar o refluxo gastroesofágico transoperatório, existem alguns métodos: pHmetria esofágica, monitorização da bilirrubina no lúmen esofágico, impedância intraluminal multicanal e avaliação endoscópica (Favarato et al., 2010FAVARATO, E.S.; SOUZA, M.V.; COSTA, P.R.S. Refluxo gastroesofágico em cães anestesiados: fisiopatologia, clínica, diagnóstico e terapêutica. Ciênc. Rural, v.40, p.2427-2434, 2010.). No presente trabalho, optou-se pela avaliação endoscópica, técnica que também permitiria avaliação de anormalidades esofagianas e tomada de amostras para biopsias.

No transoperatório, das cadelas do GI, três apresentaram refluxo gastroesofágico classificado em R3. Duas cadelas manifestaram R1 e duas manifestaram R2; estas duas classificações não foram consideradas efetivamente refluxo, por não se enquadrarem na definição de Norton e Pena (2000NORTON, R.C.; PENNA, F.J. Refluxo gastroesofágico. J. Pedriatr., v.76, Supl.2, p.218-224, 2000.), Barczinski e Moraes-Filho (2006BARCZINSKI, T.; MORAES-FILHO, J.P.P. Doença do refluxo gastroesofágico na mulher. Rev. Bras. Med., v.63, p.160-168, 2006.), Carvalhaes et al. (2011CARVALHAES, A.; FERRARI JR, A.P.; MAGALHÃES, A.F. et al. Doença do refluxo gastroesofágico: diagnóstico. Rev. Assoc. Med. Bras., v.57, p.499-507, 2011.) e Abrahão Jr. (2014) para essa condição. Considerou-se que um peristaltismo esofágico saliente no período pré-operatório justificaria a presença de bolhas ou espuma já no início da endoscopia e que um peristaltismo transoperatório justificaria a formação de bolhas durante o procedimento, sendo, talvez, uma fase prévia do refluxo propriamente dito. Entre as cadelas do GII, três apresentaram refluxo gastroesofágico classificado em R3, uma em R2 e três em R1. Já no GIII, três cadelas apresentaram refluxo gastroesofágico classificado em R5, e todas as demais em R1. De acordo com a pesquisa de Favarato et al. (2010FAVARATO, E.S.; SOUZA, M.V.; COSTA, P.R.S. Refluxo gastroesofágico em cães anestesiados: fisiopatologia, clínica, diagnóstico e terapêutica. Ciênc. Rural, v.40, p.2427-2434, 2010.), quando a morfina foi utilizada, o índice de refluxo gastroesofágico transoperatório nos cães variou entre 46,6 e 63,3%, e quando a metadona foi utilizada, esse índice foi de 52%. Essa variação na incidência de refluxo com a morfina foi devido à utilização de diferentes agentes indutores, nenhum deles sendo o propofol. Já o protocolo com metadona foi semelhante ao utilizado no presente estudo - associado à acepromazina na pré-medicação, seguido de propofol e isoflurano.

Entre os três grupos aqui estudados, 30% dos animais apresentaram refluxo gastroesofágico transoperatório no GI e no GII e 33,3% dos animais manifestaram refluxo no GIII. Como representado na Tab. 1, não existe associação entre o tipo de fármaco analgésico utilizado na medicação pré-anestésica empregada (na posologia testada) e o refluxo gastroesofágico (P=0,98), em nível de 5% de significância pelo teste qui-quadrado.

Tabela 1
Representação da incidência de refluxo gastroesofágico transoperatório em cadelas submetidas à ovário-histerectomia convencional conforme os fármacos analgésicos utilizados na pré-medicação anestésica. Não existe associação entre o tipo de fármaco analgésico utilizado e o refluxo gastroesofágico transoperatório (P=0,98), em nível de 5% de significância pelo teste qui-quadrado

A critério comparativo, no GIII os refluxos registrados foram mais graves. Enquanto nos dois primeiros grupos os refluxos mais severos foram classificados em R3, aquele em que o conteúdo atinge apenas o terço distal do esôfago, no último grupo os registros chegaram a ser classificados em R5, aquele em que o conteúdo atinge o terço médio do esôfago. Não foram encontradas na literatura veterinária avaliações de intensidade de refluxo gastroesofágico realizadas por endoscopia. Em medicina humana, rotineiramente a intensidade é avaliada por pHmetria (Nasi et al., 2006NASI, A.; MORAES-FILHO, J.P.P.; CECCONELLO, I. Doença do refluxo gastroesofágico: revisão ampliada. Arq. Gastroenterol., v.43, p.334-341, 2006.).

Foi observado por Panti et al. (2009PANTI, A.; BENNETT, R.C.; CORLETTO, F. et al. The effect of omeprazole on oesophageal pH in dogs during anaesthesia. J. Small Anim. Pract., v.50, p.540-544, 2009.) que, em cães, a administração de omeprazol algumas horas antes do procedimento anestésico reduziu a incidência de refluxo gastroesofágico. Esse pode ser um procedimento a ser adotado naqueles pacientes sob risco de refluxo (quer seja pelo tipo de procedimento a ser submetido, quer seja pela medicação utilizada ou pela condição clínica), visto que a redução da acidez gástrica parece aumentar a competência do esfíncter esofagogástrico (Ng e Smith, 2001NG, A.; SMITH, G. Gastroesophageal reflux and aspiration of gastric contents in anesthetic practice. Anesthesiol. Analg., v.93, p.494-513, 2001.).

Todos os animais tiveram os refluxos aspirados como preconizado por Hall (2015HALL, E. Endoscopy of the gastrointestinal tract in dogs and cats. In Pract., v.37, p.155-168, 2015.). As cadelas que manifestaram refluxo tiveram a prescrição pós-operatória de omeprazol (1mg.kg-1) via oral, a cada 24h, durante cinco dias. Tal tratamento consistiu em reduzir a acidez gástrica, prevenir refluxos subsequentes e proteger a mucosa esofágica (Nelson e Couto, 2010NELSON, R.W.; COUTO, C.G. Doenças da cavidade oral, da faringe e do esôfago. In: _________, Medicina interna de pequenos animais. 4.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. cap.31, p.414-425.). Nenhum animal que participou deste trabalho teve qualquer manifestação clínica referente aos procedimentos realizados num período mínimo de 16 e máximo de 40 semanas, na dependência da data de realização da ovário-histerectomia.

CONCLUSÃO

Não houve diferença na incidência de refluxo gastroesofágico transoperatório entre os grupos conforme os protocolos pré-anestésicos utilizados. A êmese pré-operatória não influenciou no refluxo gastroesofágico transoperatório.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2016
  • Aceito
    03 Dez 2016
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